O COMBATE AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ABUSIVO NO DIREITO BRASILEIRO



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Transcrição:

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito O COMBATE AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ABUSIVO NO DIREITO BRASILEIRO Andréa Karla Ferraz Belo Horizonte 2009

Andréa Karla Ferraz O COMBATE AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ABUSIVO NO DIREITO BRASILEIRO Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Público. Orientador: Prof. Dr. Marciano Seabra de Godoi Belo Horizonte 2009

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Ferraz, Andréa Karla F381c O combate ao planejamento tributário abusivo no direito brasileiro / Andréa Karla Ferraz. Belo Horizonte, 2009. 168 f. Orientador: Marciano Seabra de Godoi Dissertação (mestrado) Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Direito Público Bibliografia. 1. Planejamento tributário Brasil. 2. Elisão fiscal. 3 Direito tributário. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito Público. CDU: 336.2.022 Bibliotecária Valéria Mancini CRB-1682

Andréa Karla Ferraz O combate ao planejamento tributário abusivo no direito brasileiro Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009. Marciano Seabra de Godoi Marciano Seabra de Godoi (orientador) PUC Minas Marco Aurélio Greco Marco Aurélio Greco FGV Álvaro Ricardo de Souza Cruz Álvaro Ricardo de Souza Cruz PUC Minas Flávio Couto Bernardes Flávio Couto Bernardes PUC Minas

À Laura, minha filha, com muito amor.

AGRADECIMENTOS A meu orientador Professor Marciano Seabra de Godoi, cuja imensa cultura é proporcional à simplicidade, meu agradecimento especial pela dedicação, disponibilidade, paciência e pelas valiosas lições. Aos Professores Álvaro Ricardo de Souza Cruz, José Adércio Leite Sampaio e Alexandre Travessoni, pelos ricos ensinamentos transmitidos nas aulas, no decorrer do curso de mestrado. Ao meu esposo, Fernando Antônio Rolla de Vasconcellos, e a minha querida amiga, Raquel Melo Urbano de Carvalho, pela troca constante de idéias, apoio incondicional, carinho e incentivo no desenvolvimento do trabalho. Aos colegas de mestrado, Marcos Antônio da Costa e Flávia Renata Vilela Caravelli, pela convivência prazerosa nestes dois anos de curso. Aos colegas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em especial, Dr. Cláudio Roberto Leal Rodrigues, Dra. Marília Aparecida Silva do Carmo e Dr. André Luiz da Silva Cristino, pela compreensão e pelo deferimento do meu pedido de licença capacitação. A Anna Carla Duarte Chrispim, Ana Maria Campos Bicalho de Lana e Fábio Guimarães Bensoussan, pelo apoio e incentivo de sempre. Ao Dr. Paulo Roberto Riscado Júnior e Dr. Fernando Boiteux, pelo valioso aprendizado, no período em que defendi os interesses da Fazenda Nacional na Terceira Câmara do Terceiro Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda. A minha mãe, Silvia, por ter me proporcionado a tranqüilidade necessária para que eu pudesse concluir este trabalho, cuidando de sua neta, Laura, nas infindáveis horas em que eu estava mergulhada nos estudos. A todos vocês, meu muito obrigado!

RESUMO A presente dissertação tem por objetivo a análise do quadro legal em vigor no ordenamento jurídico brasileiro visando a combater o planejamento tributário abusivo, com destaque para a função desempenhada pela norma introduzida pela Lei Complementar nº 104, de 2001 que adicionou o parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional. Durante o processo de desenvolvimento deste trabalho buscou-se traçar um panorama das posições doutrinárias a respeito do princípio da legalidade tributária, de modo a expor seu novo perfil que não mais se coaduna com a noção clássica da legalidade tributária como sinônima de uma reserva absoluta de lei. Além disso, pretende-se demonstrar, que, hodiernamente, o Direito Tributário utiliza-se cada vez mais dos tipos legais, de conceitos jurídicos indeterminados e de cláusulas gerais. Através da exposição da evolução do conceito de simulação, procurouse realçar sua relação estreita com o conceito de negócio jurídico que, por sua vez, liga-se fundamentalmente às ideologias que influenciaram cada escola do pensamento jurídico. Essa exposição teve por objetivo demonstrar que, na atualidade, vem sendo moldado, no Direito Tributário, um conceito de simulação para fundamentar a desconsideração de condutas elusivas, praticadas com fraude à lei, abuso de direito, abuso de forma. Sem embargo das posições contrárias, procurou-se fundamentar o entendimento de que a norma contida no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional é mera explicitação de uma regra geral antielusiva ínsita no ordenamento jurídico brasileiro a qual deriva-se diretamente dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da progressividade. Portanto, o combate ao planejamento tributário pode ser realizado independentemente dessa regra. Palavras-chave: legalidade e tipicidade tributárias; simulação; norma geral antielusiva; planejamento tributário abusivo; desconsideração pelo Fisco.

ABSTRACT The attending essay s purpose is to analyze the legal framework in force in Brazilian legal system aiming to combat the planning taxation abusive, with highlight to the function performed by the rule introduced by Supplementary Law No 104, 2001 which added the sole paragraph to the article 116 of the National Tributary Code. During the development process of this work it pursue to chart a panorama of doctrinal positions in respect of the principle of legality taxation, to display its new profile that is not anymore in line with the traditional concept of legality taxation as a "reserve absolute of law". Furthermore, it seeks to demonstrate, that, now at days, the Tributary Law uses increasingly legal kinds of indeterminate juridical concepts and general clauses. Through the exposure of the evolution of the concept of simulation, it sought to emphasize its close relationship to the concept of legal business, which leagues fundamentally to ideologies that had influenced each Juridical thinking school. This display s objective was to demonstrate that, actually, it has been drawn, in Tributary Law, a concept of simulation to substantiate the insult of decorative elusive, committed fraud to the law, abuse of right, abuse of form. Notwithstanding of contrary positions, it aimed to base the understanding that the rule inside the Article 116 s sole paragraph of the National Tributary Code is mere explanation of a general rule antielusive inborn at juridical brazilian system in which drift directly from the principles of equality, of the contributory capacity and the progressiveness. Therefore, the fight against tax planning may be performed regardless of the rule. Key-words: legality and specificity tributaries; simulation; standard general antielusive; planning taxation abusive; disregard by the tax authorities.

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...11 2. TIPICIDADE, LEGALIDADE E CONTROLE DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO: PANORAMA DAS CORRENTES DOUTRINÁRIAS...15 2.1. Introdução...15 2.2. O princípio da tipicidade no Direito Tributário...20 2.2.1. A distinção entre tipo, tipicidade e tipificação...20 2.2.2. A diferenciação entre tipo e conceito...22 2.2.3. O método tipológico e sua aplicação ao Direito Tributário: divergências doutrinárias e princípios subjacentes...24 2.3. A tipicidade como corolário do princípio da legalidade e da segurança jurídica...28 2.3.1. A vertente formalista e a tipicidade como conceito determinado e fechado...28 2.3.2. A vertente formalista afasta a adoção da cláusula geral antielisiva por incompatibilidade com o ordenamento jurídico pátrio...34 2.4. A alternativa teórica à corrente formalista do Direito Tributário Brasileiro 42 2.4.1. O constitucionalismo contemporâneo do Estado Democrático de Direito e a tributação...42 2.4.2. A compatibilidade da chamada cláusula geral antielisiva com a Constituição Federal. As posições de Ricardo Lobo Torres, Marco Aurélio Greco e Marciano Seabra de Godoi...46 2.4.3. A indeterminação dos tipos legais no Direito Tributário e sua compatibilidade com o princípio da legalidade tributária...55 3. SIMULAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO...61 3.1. Introdução...61 3.2. A teoria dos negócios jurídicos e sua influência na conceituação da simulação. As concepções subjetivista, objetivista e estruturalista e seus respectivos conceitos de simulação...62 3.2.1. A concepção subjetivista e o conceito de simulação...62 3.3.2. A concepção objetivista e o conceito de simulação...72

3.3.3. A concepção estruturalista e o papel da vontade e da causa no negócio jurídico...77 3.4. Em busca de um conceito de simulação: a orientação teórica adotada pelo Código Civil de 2002...83 3.5. A distinção entre a simulação e figuras afins a partir da análise de casos julgados pelo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda...90 3.5.1. Caso da subscrição de ações com ágio (também conhecida como operação casa-e-separa )...92 3.5.1.1. Apresentação do caso...92 3.5.1.2. Resumo do processo...92 3.5.1.3. Ementa...94 3.5.1.4. Análise do julgado...95 3.5.2. Caso da incorporação às avessas: compensação de prejuízos fiscais.108 3.5.2.1. Apresentação do caso...108 3.5.2.2. Resumo do processo...108 3.5.2.3. Ementa...111 3.5.2.4. Análise do julgado...111 3.5.3. Contrato entre pessoas jurídicas cujo objeto se refere à atuação pessoal de um dos sócios...117 3.5.3.1. Apresentação do caso...117 3.5.3.2. Resumo do processo...117 3.5.3.3. Ementa...120 3.5.3.4. Análise do julgado...120 3.5.4. As controvérsias doutrinárias quanto ao enquadramento de situações concretas no conceito de simulação...129 4. O ARTIGO 116, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E O QUADRO LEGAL EM VIGOR PARA O CONTROLE DOS PLANEJAMENTOS TRIBUTÁRIOS...131 4.1. Introdução...131 4.2. Os princípios constitucionais da nova fiscalidade...133 4.3. O quadro legal em vigor para o controle dos planejamentos tributários..142 4.3.1. A distinção entre os casos de fraude penal e os de fraude à lei tributária, para fins de aplicação do artigo 72 da Lei nº 4.502/64 (BRASIL, 1964)...142

4.3.2. As principais posições doutrinárias a respeito do combate ao planejamento tributário abusivo...150 4.4. A existência de um princípio geral antielusivo implícito no ordenamento jurídico brasileiro...151 4.5. O alcance e a utilidade da norma prevista no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966)...154 5. CONCLUSÃO...159 REFERÊNCIAS...164

11 1. INTRODUÇÃO Atualmente, a elusão fiscal ou o planejamento tributário abusivo constitui um dos mais graves problemas enfrentados pelo Fisco. O combate a esse tipo de comportamento do contribuinte é um dos objetivos mais assinalados das administrações tributárias, a despeito de uma atuação legislativa ambígua e incoerente e da desconstrução intentada por renomados doutrinadores dos meios de reação contra os procedimentos dos contribuintes que tenham por objetivo criar condições individuais mais favoráveis àquelas fundamentadas nos princípios da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva na repartição da carga tributária. Autores renomados do Direito Tributário brasileiro propugnam apenas o combate à evasão fiscal (sonegação) através da defesa de uma interpretação lógico-subsuntiva da lei - considerada expressão máxima do Estado de Direito. Dessa forma, afasta-se qualquer interpretação que possa abranger atos e negócios antielusivos, mas que resultem efeitos econômicos idênticos àquelas situações previstas e que o Estado pode e deve tributar, em atenção ao princípio da igualdade. Aliada a essa construção doutrinária formalista, o ordenamento jurídico tributário brasileiro prima-se pela complexidade, ambiguidade, lacunosidade e incoerência, que, longe de observar o princípio democrático e seus subprincípios concretizadores, como o da igualdade tributária (art. 150, II, CF) e o da capacidade contributiva (art. 145, 1º, CF), ou de assegurar a todos uma existência digna e a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, caput e inciso VII, CF), a referida legislação presta-se muito mais à manutenção dessas desigualdades e à disseminação de técnicas de planejamento tributário cada vez mais complexas. Somente em meados da década de 90 começaram a ser debatidas as obras de Ricardo Lobo Torres e Marco Aurélio Greco, cujas construções doutrinárias sobre o tema do planejamento tributário partem de uma concepção da atual Constituição mais propriamente social, tendo como pressupostos o princípio da justiça e o da igualdade na repartição da carga tributária de acordo com a capacidade contributiva. Vê-se, portanto, que o tema planejamento tributário envolve não só aspectos propriamente jurídicos, mas também e, principalmente, aspectos econômicos e políticos, os quais não são enfrentados apenas no Brasil. Em um contexto de economia globalizada e altamente interdependente como a que vivemos hodiernamente, todos os países do mundo, em maior ou menor grau, enfrentam o problema da evasão e da elusão fiscais.

12 Para enfrentarem a concorrência cada vez mais acirrada e as exigências cada vez maiores dos acionistas por lucros e dos consumidores por baixos preços, as corporações vão buscar em outros países condições sociopolítico-econômicas que lhes permitam segurança, mão-de-obra barata e tributação altamente favorecida. Essa realidade foi muito bem exposta por Thomas L. Friedman, em seu livro O Mundo é Plano: Uma Breve História do Século XXI. Segundo o mencionado autor, num mundo globalizado, observa-se um conflito crescente entre os diversos papéis desempenhados pelos homens na sociedade, seja como consumidores, funcionários, cidadãos, contribuintes ou acionistas. Para melhor explicar esse conflito, o autor cita uma matéria publicada em 1º de novembro de 2004, no The New York Times, na qual cerca de 1,3 bilhão da receita de 256 bilhões de dólares do Wal-Mart em 2003 foi gasto com os planos de saúde dos funcionários 537 mil pessoas, ou cerca de 45% de sua força de trabalho. Seu maior concorrente, porém, a Costco Wholesale, assumiu as despesas de 96% dos seus funcionários detentores desse direito. [...] De acordo com o Times, os funcionários em tempo integral do Wal-Mart ganham cerca de 1.200 dólares por mês, ou 8 dólares por hora; a empresa exige ainda que arquem com 33% dos custos de seus benefícios [...]. A mensalidade dos seus planos de saúde, para cobertura familiar, alcança os 264 dólares, com despesas extras que podem chegar a 13 mil dólares em alguns casos o que torna o plano de saúde inviável mesmo para muitos dos funcionários do Wal-Mart com direito ao benefício, relata o Times. (FRIEDMAN, 2005, p. 246-247) Prossegue a matéria relatando que uma pesquisa feita por órgãos públicos do estado da Geórgia constatou que mais de 10 mil filhos de funcionários do Wal-Mart estavam no programa público de saúde infantil, a um custo anual de quase 10 milhões de dólares para os contribuintes e que um hospital da Carolina do Norte descobriu que 31% de 1.900 pacientes que se disseram funcionários do Wal-Mart dependiam do Medicaid 1, ao passo que outros 16% não contavam com nenhum tipo de seguro. (FRIEDMAN, 2005, p. 247-248). Salienta ainda o autor que, para os analistas de Wall Street, a Costco possui custos trabalhistas demasiado altos, o que fez sua margem de lucro antes dos impostos ficar em apenas 2,7% da receita, menos da metade da margem de 5,5% do Wal-Mart. Ou seja, para Wall Street a política do Wal-Mart é a considerada correta. Prossegue o autor: O comprador do Wal-Mart que vive dentro de cada um de nós quer o menor preço possível, sem nenhum intermediário, gordura e entrave para atrapalhar. E o acionista do Wal-Mart que há em nós quer que a empresa seja implacável na remoção de atritos e obstáculos de sua cadeia de fornecimento e pacotes de benefícios dos 1 Programa de reembolso dos gastos de médicos e instituições hospitalares americanos com pacientes sem condições de arcar com suas despesas de saúde.

13 funcionários, a fim de engordar seus lucros. Já o funcionário do Wal-Mart em nós considera abomináveis os pacotes de benefícios e remuneração oferecidos pela empresa aos seus novatos. E o cidadão que todos somos sabe que, porque o Wal-Mart, a maior empresa dos Estados Unidos, não cobre os cuidados de saúde de todos os seus funcionários, alguns deles vão parar na emergência do hospital público local, e quem acaba pagando a conta é o contribuinte. (FRIEDMAN, 2005, p. 247-248). Ao final, o autor nos questiona: você prefere a abordagem do Wal-Mart ou a da Costco?. A resposta a essa pergunta será fundamental na agenda política e econômica dos próximos anos e dependerá, essencialmente, da concepção ideológica que cada um tem em relação ao papel do Estado. Mas não é o objetivo deste trabalho explorar as variáveis econômicas determinantes para esse tipo de escolha. O que nos interessa é saber se, do ponto de vista jurídico, a Constituição Brasileira atual, de alguma forma, faz uma escolha entre essas abordagens, em termos das suas consequências para efeito do estabelecimento de uma política fiscal, mais especificamente no que concerne ao controle de legalidade dos atos dos contribuintes que se enquadram no conceito de elusão fiscal. Na tentativa de dar uma resposta a essa questão, o presente trabalho propõe-se a examinar o tema do planejamento tributário, seus limites e controle, expondo, no primeiro capítulo, as construções e divergências doutrinárias sobre o tema, principalmente no que diz respeito ao princípio da legalidade tributária, de modo a ressaltar seu novo perfil, que não mais se coaduna com a noção clássica da legalidade tributária como sinônima de uma reserva absoluta de lei. No segundo capítulo, a proposta é a análise do conceito de simulação e de sua vinculação estreita com as teorias em torno do negócio jurídico que, por sua vez, ligam-se fundamentalmente às ideologias que influenciaram cada escola do pensamento jurídico. A partir da análise de decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, atualmente Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, será apresentado o conceito de simulação que, longe de ser um conceito fechado e de cunho classificatório, possui traços característicos do tipo (em sentido próprio), como a abertura, a generalidade, a gradação, a valoração e que o fisco, nos últimos anos, vem desconsiderando os atos abusivos de planejamento tributário (os chamados atos elusivos), com base em um conceito alargado de simulação. No último capítulo, serão exibidos os princípios estruturantes da fiscalidade contemporânea, com ênfase nos princípios da segurança jurídica, legalidade, igualdade e capacidade contributiva, e de que modo esses princípios servem como fundamento para o exercício do controle do planejamento tributário. Também será analisado o quadro legal em vigor para o combate das técnicas artificiosas de redução ou eliminação da carga tributária,

14 com destaque para a regra prevista no artigo 149, VII, do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966) e para o parágrafo único do artigo 116 do aludido diploma legal, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei Complementar nº 104/2001 (BRASIL, 2001), salientando a importância fundamental da jurisprudência (administrativa e judicial) no controle dos atos exercidos pela Administração Tributária (no combate ao planejamento tributário) e pelos contribuintes (na adoção das técnicas de planejamento tributário).

15 2. TIPICIDADE, LEGALIDADE E CONTROLE DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO: PANORAMA DAS CORRENTES DOUTRINÁRIAS 2.1. Introdução O primeiro capítulo do presente trabalho tem por objetivo traçar um panorama das posições doutrinárias a respeito do princípio da legalidade tributária, de modo a expor seu novo perfil, que não mais se coaduna com a noção clássica da legalidade tributária como sinônima de uma reserva absoluta de lei. Entre os anos setenta e meados dos anos noventa, a associação da legalidade em matéria tributária a uma tipicidade fechada era uma idéia corrente e bastante difundida nas obras dos grandes doutrinadores do Direito Tributário. Essa vertente, capitaneada por Alberto Xavier, baseia-se numa visão positivista-formalista do Direito Tributário, fortemente vinculada à jurisprudência dos conceitos, que defende a associação do princípio da legalidade em matéria tributária a uma tipicidade cerrada ou fechada, a uma idéia de reserva absoluta de lei em sentido formal. De acordo com essa teoria, a reserva absoluta de lei em matéria tributária pressupõe uma valoração definitiva da realidade pela lei, a qual será aplicada, tanto pela Administração, quanto pelo Judiciário, de forma automática e subsuntiva (XAVIER, 2002, p. 18). Assim, a aplicação da norma tributária a um caso concreto traduz-se num raciocínio lógico subsuntivo que tem como premissa maior a norma tributária geral e abstrata, como premissa menor a situação fática da vida apresentada ao órgão de aplicação do Direito e como conclusão um juízo afirmativo ou negativo acerca da correspondência da referida situação fática à hipótese normativa. (XAVIER, 2002, p. 34). Essa corrente de pensamento defende a idéia de que somente o Estado, exclusivamente através do Poder Legislativo, pode estabelecer o Direito, sendo a atividade interpretativa da lei restrita aos cientistas do Direito, os quais a exercem através de métodos jurídicos lógico-formais, para afastar qualquer interpretação que possa deformar a vontade do legislador prevista na lei. Nesse sentido, a lei passa a deter um caráter de supremacia e de controle do poder estatal a serviço da proteção do direito de propriedade, da liberdade econômica e da segurança jurídica. 2 2 Torres (2005a, p. 409) leciona que No Brasil o positivismo formalista é temporão. Afirma-se a partir da publicação do Código Tributário Nacional (1965) e tem a nítida intenção de promover o predomínio da nascente burguesia brasileira mediante o apoio financeiro do Estado [...]. Enquanto na via da despesa pública incentiva-se o desenvolvimento econômico com a concessão de isenções e

16 Para essa corrente de pensamento, ainda que não dito expressamente, o Direito é compreendido, decididamente, como um sistema de regras, que vão se proliferando, de forma casuística, com o objetivo de regular, detalhadamente, respeitando todas as formalidades, cada nova circunstância. Essa corrente de pensamento centra o Direito no indivíduo, conferindo-lhe direitos subjetivos absolutos 3, de contornos bem delineados, que lhe garantam a posse e a propriedade dos seus bens ou a realização de ações com ampla liberdade, que podem ser rigorosamente exigíveis e devem ser plenamente respeitados e protegidos pelo Estado. Dessa perspectiva exclusivamente positivista, que remonta ao Estado Liberal, o Direito Tributário seria orientado, em suma, pela exclusividade da lei e pela aplicação lógico-subsuntiva desta. Nas palavras do Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz: Essa concepção se sustenta por meio da incorporação das noções clássicas (Locke e Montesquieu) da divisão qualitativa dos poderes, pela qual somente à legislação atribuir-se-ia um caráter de ação volitiva, ficando à jurisdição e a administração como ações meramente cognitivas. Logo, ao magistrado caberia tão-somente descobrir, por meios exegéticos, a vontade do legislador ou da própria lei, empregando-se, de modo geral, os métodos de Savigny, acrescidos da interpretação teleológica da obra de Von Ihering. A Teoria da Decisão positivista tem por fim a busca da certeza, da estabilidade e da predizibilidade. Perquire sentidos unívocos aos quais Wröblewski chama de ideologia estática da interpretação jurídica. O positivismo não distingue o texto da norma jurídica. É incapaz de vislumbrar a indissociação do texto com seu contexto de aplicação. Não percebe o caráter meramente alográfico do texto da norma, vez que o mesmo somente se completa pela fusão de horizontes que se produz entre o texto e o intérprete. (CRUZ, 2006, p. 2-3). Essa corrente ganhou muitos adeptos e representou uma forte reação ao arbítrio da Administração no tocante à tributação, na medida em que objetivava conter os desvios de poder e efetivar a consolidação do Estado de Direito e dos seus princípios, dentre eles o do rule of law 4 (XAVIER, 2002, p. 17). Entretanto, pensamos que essa teoria baseada no dogma da completude do sistema jurídico através do legislador precisa ser revista. Isto porque, se realmente existisse uma reserva absoluta de lei em matéria tributária, que fornecesse não somente o fim, mas também o conteúdo da decisão do caso concreto, como defende Xavier (2002, p. 18), a atuação da Administração seria totalmente previsível e infalível, na medida em que a lei teria benefícios a mancheias, sob o influxo das idéias keynesianas, na vertente de receita procede-se à interpretação fundada na idéia de legalidade estrita e tipicidade fechada. 3 Sobre o desenvolvimento do sistema de direitos subjetivos e a importância da contribuição de Grócio e Hobbes sobre o tema, vide Michel Villey (2005, p. 656-720). 4 Segundo Gomes Canotilho (1995, p. 350), o princípio da rule of law tinha como características marcantes a proibição do arbítrio, o princípio da pré-determinabilidade do direito penal, o princípio da legalidade da administração, a igualdade perante o direito, a independência dos tribunais e a proteção das liberdades civis e políticas.

17 sempre uma única resposta a resposta correta - cabendo ao Poder Judiciário tão-somente assegurar a aplicação da lei naqueles casos em que a Administração se recusasse a aplicála. Todavia, esta não é a realidade que se apresenta. Como bem salienta o Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz, a reviravolta lingüística está aí já há quase um século para mostrar que a procura por segurança jurídica traduzida por certeza e univocidade de sentidos jamais será bem sucedida nesses termos. (CRUZ, 2007, p. 184). A dogmática defendida pelos adeptos do positivismo-formalista, ainda fortemente aplicada e defendida na seara do Direito Tributário brasileiro, como se depreende das obras de diversos doutrinadores desse ramo, baseada no princípio da tipicidade fechada da lei tributária e numa valoração definitiva da realidade pela lei, desconsidera o fato de que o legislador tributário vem se utilizando cada vez mais de conceitos jurídicos indeterminados 5, bem como de dispositivos que conferem considerável margem de liberdade de apreciação à Administração 6, os quais demandam, para sua operacionalidade, a edição de inúmeras normas regulamentares, resultando em um quadro jurídico incompatível com as especiais exigências de determinação que caracterizariam a reserva absoluta de lei em matéria tributária 7. Além disso, a teoria tradicional que defende a idéia da reserva absoluta de lei em matéria tributária aliada à idéia de que o papel do juiz é o de assegurar somente a aplicação da lei (a figura do juiz como simples boca da lei ), desconsidera a relevante função de controle da juridicidade atualmente exercida pelo Poder Judiciário em relação aos atos administrativos discricionários. Isto porque, se é correto afirmar que a discricionariedade confere à Administração certa margem de liberdade na aplicação da lei, não menos correto é afirmar que tal discricionariedade não se confunde com o exercício arbitrário e imotivado da vontade pessoal do agente fiscal e que o princípio da inafastabilidade do controle 5 A título exemplificativo podem ser citados os seguintes conceitos indeterminados largamente utilizados pela legislação tributária: proventos de qualquer natureza (art. 43, II, CTN); o momento em que se dará a sua disponibilidade (art. 43, 2º, CTN); [...] as demais receitas e os resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas pelo inciso anterior e demais valores determinados nesta Lei, auferidos naquele mesmo período. (art. 25, II, da Lei nº 9.430/96). 6 O Poder Executivo poderá reduzir ou restabelecer os percentuais [...]. (art. 24-A, da Lei nº 9.430/96); A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social. (art. 10 da Lei nº 10.666/03). 7 Segundo Xavier (2002, p. 18), são corolários do princípio da reserva absoluta de lei em matéria tributária os seguintes princípios: o princípio da seleção, o princípio do numerus clausus, o princípio do exclusivismo, o princípio da determinação ou da tipicidade fechada.

18 jurisdicional constitui direito e garantia fundamental prevista no artigo 5º da Constituição (BRASIL, 1988), o qual confere ao Poder Judiciário a competência para decidir se a discricionariedade foi exercida dentro dos limites definidos pelos princípios explícitos e implícitos informadores do ordenamento jurídico. No Brasil, o processo de desmitificação do dogma da tipicidade fechada iniciou-se a partir das obras precursoras de Ricardo Lobo Torres e Marco Aurélio Greco, cuja importância para o debate em torno do tema é inquestionável, na medida em que representaram um novo paradigma até então não desenvolvido entre nós. A partir de então, essa nova vertente do Direito Tributário brasileiro, impulsionada pela virada kantiana e baseada nas idéias da jurisprudência dos valores, ganhou novos adeptos, dentre eles os Professores Marciano Seabra de Godoi, Douglas Yamashita, José Marcos Domingues e Ricardo Lodi Ribeiro. O pensamento desses doutrinadores funda-se no novo paradigma surgido na Europa a partir da década de 1970, denominado mais comumente de pós-positivismo, o qual retoma o relacionamento entre Direito e moral e a noção de justiça, sob o influxo da releitura da obra de Kant. Nesse contexto, dissemina-se a jurisprudência dos valores, que rompe com o positivismo-formalista e sua sobrevalorização do indivíduo em detrimento dos valores de justiça social, propugnando a superação do positivismo jurídico por meio de um modelo hermenêutico baseado nos valores e nos princípios. Dworkin (2002, p. 36-42), um dos expoentes do pós-positivismo, sustenta que os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm a dimensão do peso e da importância, enquanto que o modelo do positivismo baseado no sistema de regras nos força a ignorar os papéis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras. Ainda que seja muito forte a corrente positivista-formalista entre os doutrinadores do Direito Tributário no Brasil, os quais se valem de argumentos completamente descontextualizados 8 e até mesmo caricaturais 9, incompatíveis com a noção de Estado 8 Exemplo desta descontextualização é a vinculação das cláusulas gerais antielisivas com regimes autocráticos de extrema-direita, de índole nazi-fascita, como faz Xavier em sua obra (2002, p. 153-154). O Professor Marciano de Seabra de Godoi ressalta a falta de rigor científico da vinculação entre a teoria da interpretação econômica do direito tributário e as ideias nazistas. Segundo Godoi, (2007, p. 257-264), a proposta inicial da chamada escola da interpretação funcional preconizava a interpretação e aplicação da hipótese de incidência tributária com os olhos postos nas relações econômicas privadas subjacentes aos atos e negócios jurídicos, privilegiando os propósitos empíricos das partes intentio facti - e não as formas jurídicas adotadas. Tal proposta, nascida na Alemanha dos anos 20 do século passado, serviu como reação às condutas dos contribuintes mais ricos e bem assessorados que se utilizavam de interpretações extremamente formalistas para explorar, sem quaisquer limites, as lacunas da legislação tributária. Esclarece o referido Professor que esta ideia foi posteriormente apropriada pelo governo nazista alemão, como ocorreu com outros inúmeros institutos jurídicos. Godoi ensina, ainda, que tampouco se deve concluir que a teoria da consideração econômica era feita sob medida para atender aos interesses da voracidade arrecadatória do Fisco, uma vez que referida teoria leva à rejeição da intentio juris que não esteja adequada à finalidade

19 Democrático de Direito, para defender a tese da inconstitucionalidade de qualquer espécie de norma geral antielusiva e da supremacia do princípio da tipicidade fechada, não se pode olvidar o fato de que a sociedade evoluiu e com ela a noção de Direito. Se é correto afirmar que a Constituição Federal (BRASIL, 1988) assume os valores da livre iniciativa e o princípio da propriedade privada como fundamentos da ordem econômica (art. 170), não menos correto é a afirmação de que tais valores e princípios não são pela Carta Magna absolutizados, mas inseridos em uma ordem econômico-social que tem por fim assegurar a justiça social (art. 170, caput ), bem como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º). É nesse contexto que se pretende estabelecer a leitura e a análise da legalidade em matéria tributária e da norma geral antielusiva do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966), bem como a análise de algumas decisões do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda acerca do combate ao planejamento tributário abusivo e da utilização de um conceito amplo de simulação, para coibir a elusão fiscal 10. Por oportuno, cumpre esclarecer que não é propósito do presente trabalho a defesa de qualquer teoria que conceda amplos e irrestritos poderes ao Fisco; que amesquinhe a função das regras jurídico-tributárias ou que defenda a cobrança de tributo por meio da analogia. Não se pretende aqui defender nenhuma hermenêutica que despreze os direitos individuais do cidadão-contribuinte ou princípios como o da segurança jurídica, ou que defenda a utilização do tributo como instrumento de dominação pelo Estado. Mas não se pode olvidar que os estreitos limites delineados pela hermenêutica jurídica tradicional não mais se compatibilizam com as mudanças ocorridas na sociedade e no Direito nos últimos tempos, e que o Direito Tributário, como ramo autônomo, ainda que para fins puramente didáticos, não se encerra nas amarras dos métodos lógico-dedutivos de forte inspiração formalista, como desejam fazer crer muitos dos teóricos do Direito Tributário brasileiro. empírica ou ao business purpose, mesmo se a consequencia não é um aumento, mas sim uma diminuição da arrecadação. 9 Xavier (2002, p. 152) chega a afirmar que a tributação com base em cláusula antielisiva é, em suma, uma tributação psicanalítica pela frustração de um desejo o desejo do Fisco de que tivesse sido escolhido o caminho alternativo mais oneroso, mas que o particular não escolheu, por na sua autonomia da vontade ter preferido um caminho menos oneroso. (destaques no original) 10 No presente trabalho, o termo elusão fiscal será utilizado para qualificar o planejamento tributário abusivo.

20 2.2. O princípio da tipicidade no Direito Tributário 2.2.1. A distinção entre tipo, tipicidade e tipificação No Brasil, o princípio da tipicidade continua sendo invocado, erroneamente, como sinônimo de conceito determinado e fechado. Segundo Derzi (2005, p. 262-263), essa acepção foi introduzida nos países latino-americanos pelos juristas do Direito Penal, graças a uma tradução errônea do termo alemão Tatbestand utilizado na obra de Ernst Von Beling. Dessa forma, o princípio da tipicidade difundiu-se como sinônimo de Tatbestand, para designar conceitos determinados e fechados do delito penal, em sentido diametralmente oposto àquele inicialmente desenvolvido pela doutrina alemã. Daí a importância de estabelecer, de início, as diferenciações entre tipo, tipicidade e tipificação, para se chegar à noção correta dos termos tipo e conceito enquanto inseridos na Metodologia. O tipo é a representação das situações concretas tidas como normais e semelhantes, extraídas da realidade social, e que, por sua complexidade, não pode ser enquadrado em uma definição rígida, em um conceito. Nas palavras de Torres (2008, p. 137), o tipo representa a média ou a normalidade de uma determinada situação concreta, com as suas conexões de sentido. Segue-se daí, que a noção de tipo admite as dessemelhanças e as especificidades, desde que não se transformem em desigualdade ou anormalidade. O tipo pressupõe abertura, aproximação com a realidade, evolução constante e interação com os valores. Segundo ensina a Professora Misabel Derzi (2005, p. 267), são notas próprias do tipo a fluidez em seus contornos; a indefinibilidade; a abertura real; a aptidão para ordenar os fatos mediante comparação, sem a utilização de um seccionamento rígido. Tudo isto faz com que o tipo esteja mais próximo da realidade do que o conceito classificatório, o qual se caracteriza por limites bem definidos e notas rigidamente assentadas. Salienta a Professora a incorreção da expressão tipo fechado, uma vez que por definição, os tipos são sempre abertos. Afirma, então, que, nesse contexto, a expressão tipo fechado será uma contradição e uma impropriedade. (DERZI, 2005, p. 260). A abertura do tipo faz com que determinada situação possa ser enquadrada como típica, mesmo que lhe faltem determinadas características que são verificadas nas demais situações representativas da média ou da normalidade daquele tipo. O tipo não trabalha com conceitos classificatórios que separam rigidamente as espécies e que identificam precisamente o gênero. Ao contrário, o tipo tem como nota característica a gradação, ou seja, pode ir do mais ao menos típico, até o limite do atípico, da anormalidade, sem que isso

21 represente insegurança ou ausência de clareza do tipo, porquanto seus traços formam uma estrutura que lhe confere totalidade e inteireza (DERZI, 2007, p. 96-98). Nas palavras da mencionada Professora, O conhecimento do modo de vinculação entre as características de um tipo, sua combinação e interdependência é que levam à totalidade e clareza do tipo. Essa estrutura ou inteireza são o sentido, a identidade do sentido do todo, que é de fundamental importância para o reconhecimento do tipo. (DERZI, 2005, p. 260). O tipo é, portanto, uma estrutura aberta, flexível, graduável, dotada de sentido. O tipo encontra-se entre o objeto (dado concreto) e o conceito abstrato classificatório, que possui uma estrutura rígida, fechada, inflexível. Nesse contexto, pensamos que, no campo do Direito, principalmente no do Direito Tributário, em que a dinâmica de sua aplicação exige uma atualização constante, praticamente diária, o método tipológico é extremamente útil, na medida em que a realidade jurídica, em constante mutação, não se afeiçoa à cristalização em um conceito de classe. Antes pelo contrário, a realidade jurídica necessita desta plasticidade, desta estrutura flexível, para sua representação. A tipicidade, por sua vez, é a qualidade de que se reveste o tipo e necessária à sua configuração. Entretanto, o princípio da tipicidade, no Direito, é utilizado em acepções bem diferentes, até mesmo antagônicas. Uma primeira acepção seria o uso do princípio da tipicidade como instrumento de ordenação científica do conhecimento (DERZI, 2005, p. 261). Nesse sentido, o princípio da tipicidade presta-se à análise de institutos jurídicos, utilizando do método tipológico, cujas características principais, consoante já salientado, seriam a fluidez e a abertura, o que se ajusta à concepção de Direito como sistema aberto, inacabado, flexível. Em sentido oposto, a tipicidade é utilizada, incorretamente, no campo do Direito Penal e no Direito Tributário como conceito determinado e fechado. Como dito antes, essa acepção foi introduzida nos países latino-americanos pelos juristas do Direito Penal, graças a uma tradução errônea do termo Tatbestand utilizado na obra de Ernst Von Beling. Em razão disso, o estudo da tipicidade, como sistema fluido, flexível, aberto, restou sobremaneira prejudicado nos países de língua portuguesa e espanhola. Tal acepção errônea do princípio da tipicidade perdurou por muitas décadas e encontra eco até os dias de hoje 11. No Direito Tributário Brasileiro, tal acepção ganhou força e se difundiu. Alberto Xavier é o maior defensor do princípio da tipicidade como princípio da determinação, sendo considerada sua obra Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva, um clássico 11 Misabel Derzi, influenciada pela tese de doutoramento do Prof. Celso Cordeiro Machado, intitulada Limites e conflitos de competência tributária no sistema brasileiro (UFMG, Belo Horizonte, 1968), lança-se ao estudo do tipo no Direito Tributário, o que resultou, em 1988, no lançamento do clássico Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, obra esta em que a Professora realça a complexidade do tema e chama a atenção para o sentido impróprio da tipicidade que foi introduzido no Direito Brasileiro.

263). 13 Tipificação, por sua vez, é o processo de formação normativa do tipo e significa 22 do tema. Torres (2008, p. 143-144) afirma que Alberto Xavier adotou o conceito de tipicidade fechada baseado na afirmativa do jurista português Castanheira Neves, que teria, por sua vez, se utilizado de uma versão antiga da obra do alemão Karl Larenz, quando este admitia os tipos fechados. Entretanto, consoante esclarece Derzi (2005, p. 259), Larenz refez seu ponto de vista a partir da terceira edição de sua obra e passa a afirmar que os tipos, por definição, são sempre abertos. A terceira acepção corresponderia ao sentido e função conferidos à praticidade ou praticabilidade 12. Segundo ensina Derzi (2005, p. 263-264), tal acepção é ainda utilizada na teoria do Direito Público alemão, como técnica para simplificar e viabilizar a aplicação das leis. Para redução dos custos na aplicação da lei, o princípio da praticidade leva à adoção de presunções legais, as quais pressupõem, via de regra, uma anterior tipificação, com o acolhimento do tipo médio, do caso padrão. Todavia, Derzi (2007, p. 357-362) critica tal acepção, pois a praticidade age em sentido oposto ao tipo, adotando conceitos abstratos e determinados. Em razão disso, conclui a Professora que tecnicamente não se poderia falar em tipificação, mas em conceitualização determinada e especificante (DERZI, 2005, p. ordenar, separar do atípico, porém não guarda relação com individualizar nem diferenciar ilimitadamente (ZILVETI, 2008, p. 37). Tipificação é, pois, a atividade legislativa de criação do tipo, consistente no recorte da realidade para a ordenação de situações semelhantes. 2.2.2. A diferenciação entre tipo e conceito Derzi (2005, p. 264-266) aponta três posições existentes na Ciência do Direito a respeito da relação entre tipo e conceito. A primeira posição foi defendida por Hassemer e Arthur Kaufmann, que propunham a aceitação ampla e irrestrita do pensamento tipológico no Direito, como método de 12 Sobre o princípio da praticabilidade tributária, vide a obra de Regina Helena Costa, Praticabilidade e Justiça Tributária: Exeqüibilidade de Lei Tributária e Direitos do Contribuinte (2007). 13 Vários exemplos podem ser extraídos da legislação tributária no que se refere à aplicação do princípio da praticidade. Dentre eles podemos citar o desconto simplificado do imposto de renda da pessoa física, que consiste em dedução de vinte por cento do montante dos rendimentos tributáveis recebidos no ano-calendário, dispensada a comprovação da despesa e a indicação de sua espécie, conforme prescreve o artigo 10 da Lei nº 9.250/95 (BRASIL, 1995), alterado pela Lei nº 11.482/2007 (BRASIL, 2007), e regulamentado pelo artigo 84 do Decreto nº 3.000/99 (BRASIL, 1999). Outro exemplo citado por Derzi (2007, p. 330) é o imposto de renda retido na fonte, o qual supõe a ocorrência de fato gerador futuro, determinando-se a devolução do tributo antecipadamente recolhido a maior, caso não se confirme, ao final do exercício-base, o montante da renda estimada.

23 investigação jurídica. Por essa visão, a fluidez seria uma característica inata ao fenômeno jurídico, pelo que o pensamento tipológico se estenderia a todos os campos do Direito. Nesse contexto, conceito e tipo seriam dependentes um do outro, uma vez que o conceito carece da imprecisão terminológica do tipo, da mesma forma que o tipo precisa da orientação descritiva conceitual. (ZILVETI, 2008, p. 40). A segunda corrente, defendida por Strache e Wolff, propunha uma posição intermediária, com a aceitação parcial do pensamento tipológico no Direito, sem desconsiderar o pensamento conceitual tradicional. Essa corrente ora identificava pontos em comum entre o tipo e os conceitos abertos, ora diferenciava os conceitos abertos e indeterminados dos tipos propriamente ditos. A terceira corrente é justamente aquela que adota a concepção errônea do princípio da tipicidade como sinônimo de Tatbestand e, em razão disso, rejeita por completo o pensamento tipológico, para defender a adoção do pensamento conceitual tradicional no Direito, afastando tipos fluidos e abertos em favor de conceitos fechados e determinados. Para Derzi (2005, p. 265), tipo e conceito não podem ser diferenciados de forma radical, por dois motivos. O primeiro é que tanto o tipo quanto o conceito são abstrações da realidade. Como abstrações, devem colher o que há de semelhante, comum, repetitivo, relevante, segundo o ponto de vista normativo. Não devem, portanto, colher o que individualiza, o que confere concretude ao objeto. Identificada a abstração como ponto comum entre tipo e conceito, a Professora salienta que a principal característica do tipo é a abertura, sendo o mesmo rico em notas referenciais do objeto, comportando, dessa forma, flexibilidade estrutural, o que não ocorre com o conceito. Nele, no tipo, sempre há notas, características, não necessariamente constantes em todos os objetos que abrange, mas que permitirão distinguir o típico do atípico. (DERZI, 2005, p. 265). O segundo motivo é que os conceitos jurídicos, mesmo os mais abstratos, oferecem um grau mínimo de referência à realidade, ou seja, de tipificação. Mesmo nos conceitos indeterminados, cujas características principais são a vagueza e a carência de referência em relação à realidade, é possível perceber um grau mínimo de tipificação. Com apoio nos ensinamentos de Leenen, Derzi (2005, p. 265) esclarece que quanto mais irrenunciáveis e necessárias se tornam determinadas características utilizadas na determinação, mais perto do conceito fechado estaremos. Ao contrário, se as características são renunciáveis e graduáveis, estaremos próximos do tipo. Para a mencionada Professora, determinados ramos do Direito não se coadunam com normas fluidas, como é o caso do Direito Penal e do Direito Tributário. Tais ramos exigiriam da Ciência do Direito a elaboração de conceitos com poucas notas e estas devem ser fixas, rígidas, irrenunciáveis. Ao contrário, no Direito Civil, no campo das obrigações contratuais, a referência a contratos

24 típicos e atípicos reclamaria a elaboração de tipos, com notas referenciais ricas em detalhes e fluida em seus contornos. Isso porque os modelos legais de contratos são supletivos à autonomia da vontade e podem ser substituídos, complementados ou inovados no tráfego jurídico. (DERZI, 2005, p. 267). Em sentido contrário ao entendimento da mencionada Professora, Torres (2008, p. 138) assume uma posição que separa claramente o tipo do conceito jurídico, destacando a inexistência de pontos comuns entre ambos. Para o mencionado jurista, o conceito jurídico é a representação abstrata de dados empíricos, podendo de certa forma violentar a realidade, enquanto a formação dos tipos e a concretização dos princípios jurídicos conduzem a uma forma específica de pensamento orientado pelos valores e pelo sistema. (TORRES, 2008, p. 138). O certo é que tipo e conceito são movimentos em constante conflito no Direito e, consoante a seguir será demonstrado, a adoção do pensamento tipológico ou do conceitual dependerá dos princípios ou dos valores jurídicos que se pretende proteger. Assim é que veremos como o tipo, em razão de suas características, serve mais de perto a princípios como o da igualdade e da justiça fiscal, enquanto que o conceito se presta ao reforço do princípio da segurança jurídica e, por conseguinte, da primazia da lei. 2.2.3. O método tipológico e sua aplicação ao Direito Tributário: divergências doutrinárias e princípios subjacentes No subitem 1.2.1. do presente trabalho, destacamos as três distintas acepções do tipo dentro da ciência do direito, na linha do pensamento desenvolvido pela Professora Misabel Derzi (2007), que chama a atenção para o fato de que o estudo do tipo não se esgota nessas três acepções, mas, no campo jurídico, elas são capazes de revelar os desdobramentos mais importantes relativos ao tema sob análise (DERZI, 2007, p. 363). Segundo ainda a mencionada Professora, por detrás dessas distintas acepções do tipo e do princípio da tipicidade (ordem fluida e transitiva; legalidade material rígida da hipótese da norma; técnica de praticidade), há um pano de fundo comum, que é o significado de tipo como uma forma básica de repetição de fenômenos semelhantes, sendo, portanto, mais próximo da realidade e, por conseguinte, mais concreto do que o conceito abstrato (DERZI, 2007, p. 366). Nesse ponto, questiona-se: no Direito Tributário prepondera o pensamento tipológico ou o conceitual? A que princípios e valores servem o tipo e o conceito abstrato classificatório?

25 Respondendo a essas questões, a Professora Misabel Derzi esclarece que embora os princípios abstratos, os conceitos obscuros e indeterminados existam em qualquer área do direito, esses ramos (direito penal e tributário) não conhecem os tipos (a não ser resíduos), nem tampouco as cláusulas gerais, que atuem em prejuízo do cidadão, exatamente em razão da segurança jurídica. (DERZI, 2007, p. 371). Para Derzi (2005, p. 272), no Direito Penal e no Direito Tributário prevalece a tendência conceitual classificatória, em razão da preeminência da segurança sobre os demais princípios, admitindo-se o tipo apenas residualmente, pois a segurança que leva à estabilidade das relações jurídicas é condição da observância de outros relevantes princípios constitucionais, como vedação do confisco, capacidade contributiva e igualdade, como isonomia de tratamento. Ricardo Lobo Torres, por sua vez, defende a idéia de que os conceitos indeterminados são inevitáveis no direito tributário (2008, p. 152) e, apoiando-se na doutrina e jurisprudências alemãs, afirma que o princípio da determinação, segundo o qual os conceitos jurídicos no direito tributário devem, sempre que possível, ser determinados, trazendo toda a conformação do fato gerador, bem como a fixação da base de cálculo e alíquota, deve ser compreendido em outros termos, ou seja, para a elaboração das normas de direito tributário é suficiente uma determinação mínima, não sendo necessário o esgotamento pelo legislador de todas as questões. 14 Nesse sentido, esclarece que: Por isso mesmo o direito tributário tem que conviver com a tensão entre os conceitos determinados e indeterminados. A cada dia cresce o número de conceitos indeterminados, desde a disciplina constitucional dos tributos (ex: renda, circulação de mercadorias, grandes fortunas, etc.) até as tentativas de fechamento dos conceitos no plano dos impostos individualmente considerados (no imposto de renda: que é rendimento, disponibilidade econômica e jurídica, renda derivada do mercado?). Em alguns casos é difícil distinguir o conceito indeterminado da cláusula geral e até dos tipos. Alguns juristas chegam a assimilar o conceito indeterminado ao tipo, com o que se desvanece a riqueza do pensamento tipológico. O problema da clareza da norma também se aproxima da pergunta sobre a indeterminação. O direito tributário, por conseguinte, assiste à permanente tensão entre as técnicas de fechamento dos conceitos para fazer prevalecer o princípio da determinação (enumerações casuísticas e taxativas) e as de abertura, como o emprego dos conceitos indeterminados, das cláusulas gerais, cada vez mais comuns, e dos tipos. (TORRES, 2008, p. 153 grifo nosso). 14 Amílcar de Araújo Falcão reconhecia a utilização de conceitos indeterminados pelo direito tributário, mas deixa claro que o conceito indeterminado não enseja uma opção ou liberdade de escolha entre várias soluções ou atividades possíveis. Segundo o doutrinador, chama-se indeterminado o conceito, não porque ele seja indeterminável, mas porque, na norma em que está indicado, a determinação integral do seu conteúdo não foi possível, por isso que para tanto é necessário considerar dados empíricos, fáticos, técnicos ou científicos de que somente o intérprete e o aplicador, em cada hipótese concreta, disporão. (FALCÃO, 1995, p. 61-62).