O SOFT LAW NO DIREITO INTERNACIONAL TRIBUTÁRIO E SUA REPERCUSSÃO NO DIREITO BRASILEIRO



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Transcrição:

O SOFT LAW NO DIREITO INTERNACIONAL TRIBUTÁRIO E SUA REPERCUSSÃO NO DIREITO BRASILEIRO Rodrigo Homero Leite Colares Coutinho * RESUMO A temática dos instrumentos sob a denominação de soft law é uma das mais instigantes do direito internacional, suscitando discussões doutrinárias, científicas e políticas. O objeto do estudo proposto reside na análise dos fundamentos teóricos do soft law à luz da doutrina internacionalista, assim como sua aplicação específica no âmbito do direito internacional tributário. Neste sentido é que se buscou tratar do soft law, seus conceitos, características e classificação, permitindo uma definição de seu objeto. Por fim, serão abordados aqueles soft law com aplicação específica no direito internacional tributário e suas influências no direito brasileiro. Também será bem presente a discussão acerca do soft law como fonte do direito internacional e, especificamente, como fonte do direito internacional tributário. Palavras-chave: Direito Internacional, Direito Tributário, Direito Internacional Tributário, soft law. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo geral analisar o fenômeno do soft law no direito internacional tributário para, em seguida, estudar as repercussões no direito tributário brasileiro, expondo ainda os fundamentos teóricos utilizados pela doutrina. A importância do tema justifica-se pela crescente utilização pelos Estados de instrumentos com caráter de soft law, a fim de regular seus comportamentos, sem, contudo, criar vínculos obrigatórios, mas sim unificando procedimentos ou estabelecendo padrões e metas. Na doutrina especializada são frequentes as discussões sobre o soft law: se é ou não direito; se pode ou não ser considerado fonte do direito internacional e; se constituem instrumentos aptos a criar normas jurídicas. No intuito de restringir o conteúdo e elaborar uma análise específica, serão abordados os instrumentos de soft law que tenham relação com o direito internacional tributário. Neste passo, algumas questões serão tratadas: existe fundamento de validade ou legitimidade para a aplicação do soft law no direito internacional tributário? Instrumentos de * Especialista em Direito Tributário pela Uniderp-Anhanguera, Mestrando em Direito Tributário pela Universidade Católica Argentina, Professor de Direito Financeiro e Tributário no Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas CIESA. E-mail: rodrigohomero@gmail.com Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 99

soft law podem ser fonte deste ramo do direito? Quais as aplicações práticas e os efeitos até aqui observados? Inicialmente, serão estudadas as questões atinentes ao soft law, seus conceitos e aplicações. Em seguida, teceremos comentários sobre o soft law especificamente no direito internacional tributário e os exemplos no direito brasileiro. Os instrumentos e fontes escolhidos para a coleta de dados abrangem pesquisas confeccionadas previamente à elaboração de nossos estudos, livros de doutrina e legislação pátria e internacional, bem como artigos extraídos de revistas especializadas e de sítios da Internet. 2 SOFT LAW 2.1 Conceitos Traçadas as considerações teóricas e reais, cumpre demonstrar o que a doutrina entende por soft law e seu lugar no direito internacional. O termo soft law pelo fato de ter surgido fora do Brasil e por ser uma ferramenta comumente aplicada nas relações internacionais não encontra uma tradução perfeita para o idioma nacional ou um objeto análogo no Direito interno. Também é um instrumento relativamente novo se comparado às outras Fontes do Direito Internacional (já admitindo para os efeitos deste trabalho o soft law como Fonte do Direito Internacional). Apesar de não haver ainda uma definição precisa, entende-se por soft law como o conjunto de normas emanadas por entidades internacionais e as declarações de intenção das nações como resultado de grandes encontros. Em outras palavras, entende-se por soft law: 1. normas jurídicas ou não, dotadas de linguagem vaga, ou de noções com conteúdo variável ou aberto, ou que apresentam caráter de generalidade ou principiológico que impossibilite a identificação de regras específicas e claras; 2. normas que prevêem, para os casos de descumprimento, ou para a resolução de litígios delas resultantes, mecanismos de conciliação, mediação, ou outros, à exceção da adjudicação; 3. atos concertados, produção dos Estados, que não se pretende sejam obrigatórios. Sob diversas formas e nomenclaturas, esses instrumentos têm em comum uma característica negativa: em princípio, todos eles não são tratados; 4. as resoluções e decisões dos órgãos das organizações internacionais, ou outros instrumentos por elas produzidos, e que não são obrigatórios; 5. instrumentos preparados por entes não estatais, com a pretensão de estabelecer princípios orientadores do comportamento dos Estados e de outros entes, e tendendo ao estabelecimento de novas normas jurídicas. (NASSER, 2006, p. 25). Deste modo, o conceito de soft law não é único, mas sim plural ou multifacetado. A variação deste conceito pode variar segundo a concepção de cada ente internacional ou 100 Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1

com o decurso do tempo. O termo law já demonstra a relação com o direito ou como instrumento de regulação internacional. O adjetivo soft não significa um direito leve ou macio. Talvez o significado mais próximo do real seja flexível. Possuem aparência de recomendação, mas geram relativa cogência. São instrumentos obrigatoriamente escritos que contém princípios, normas, padrões e outras declarações de comportamento esperado. Nas palavras de Dinah Shelton: Common forms of soft law include normative resolutions of international organizations, concluding texts of summit meetings or international conferences, recommendations of treaty bodies overseeing compliance with treaty obligations, bilateral or multilateral memoranda of understanding, executive political agreements, and guidelines or codes of conduct adopted in a variety of Soft law a preference and not an obligation that state should act, or should refrain from acting, in a specified for certain behavior aims to achieve functional cooperation among states to reach international goals (SHELTON, 2010, p. 3) Estas normas conferem efeitos tanto no Direito Internacional Público como no Privado. Para notar esta afirmação basta observar as conseqüências geradas, por exemplo, pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 1948), os padrões da International Organization for Standardization (ISO), as normas da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), as normas do FMI (exceto o acordo de criação), as declarações de intenções gerais dos Estados (como a Agenda 21), os padrões adotados pelo International Accounting Standards Committee (IASC), os padrões da International Telecomunication Union (ITU), as resoluções do Comitê da Basiléia sobre regulação bancária e as Recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Especificamente no âmbito internacional tributário são exemplos alguns incoterms com influência sobre a tributação e os modelos de convenção contra a dupla tributação produzidos pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Devido a sua característica de universalidade, o soft law traça normas amplas, abertas e, de um modo geral, que exercem influência sobre os entes equiparados, em relações horizontalizadas, por isso têm pouca aplicação sobre relações bilaterais. Bruno Yepes Pereira elabora uma divisão entre as fontes do Direito. De um lado, aquelas denominadas jus cogens, e de outro as que receberiam o nome de soft law. Assim explica: A primeira delas, de natureza mais rígida, inflexível, comparável às cláusulas Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 101

pétreas das Constituições, coloca-se acima do próprio Estado. Pode ser definida como jus cogens. A segunda, esta sim de caráter mais subjetivo, flexível, de fundo moral, e por extensão relegada à opção do Estado em obedecê-la ou não (PEREIRA, 2007, p. 44). Como se nota nos exemplos acima, em diversos casos as organizações internacionais não possuem a prerrogativa de conferir um poder vinculativo às suas normas, ou seja, não podem obrigar o Estado a adotá-las e cumpri-las. No entanto, o Artigo 25 da Carta das Nações Unidas (1945) quando diz: Os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta. Desta forma, temos que o Conselho de Segurança possui a prerrogativa conferida pelos Estados de vincular suas decisões e exigir seu cumprimento. Em contrapartida, A mesma Carta das Nações Unidas em seu Artigo 13 autoriza a Assembléia Geral a iniciar estudos e fazer recomendações. Portanto, mesmo que a Assembléia Geral emita uma declaração, uma Carta ou adote padrões estará exercendo sua capacidade de fazer recomendações. Por vezes, um determinado instrumento pode ser considerado soft law para alguns Estados e hard law para outros. Para se observar um exemplo, basta notar que as decisões da Corte Interamericana, Européia e da Corte Africana de Direito Humanos vinculam os Estados que tenham participado do processo, mas não vinculam aqueles outros Estados na causa dos Direitos Humanos tratados naquele caso. Estas decisões podem ou não ter repercussão nas decisões judiciais internas de um Estado, mas não chegam a ser vinculativas. Ressalte-se que nada impede que um mesmo documento contenha normas algumas soft law e outras vinculantes, a exemplo do que acontece na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, mais precisamente nos artigos 204.1 e 217.2. A doutrina internacional, com certas divergências, divide o soft law em duas categorias: primário e secundário 1. Soft law primário são instrumentos normativos direcionados a toda comunidade internacional ou aos membros que aderiram a uma instituição ou organização. Tal instrumento pode declarar novas normas, muitas vezes como um precursor destinado a aprovação de um tratado posterior, ou pode reafirmar ou desenvolver normas previamente estabelecidas em instrumentos vinculativos ou não vinculativos. As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Prisioneiros, adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para 102 Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 a Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, de 1955, e aprovado pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em 1957, são exemplos de instrumento declarativo primário. O soft law secundário abrange as recomendações e observações gerais dos órgãos internacionais de fiscalização, a jurisprudência dos tribunais e das comissões, as decisões

especiais de relatores e de outros organismos ad hoc, e as resoluções de órgãos políticos de organizações internacionais aplicando normas primárias 1. A maior parte destes soft law secundários são emanados por instituições cuja existência e jurisdição são obtidas a partir de um tratado e que aplicam as normas contidas neste. Percebe-se que o soft law secundário expandiu-se como consequência do aumento do número de normas primárias e de instituições fiscalizadoras criadas para supervisionar instituições estatais no cumprimento de obrigações decorrentes do Tratado. 2.2 Fontes do Direito Internacional e Soft Law O Artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça relaciona como fontes do Direito Internacional: os tratados, os costumes, e os princípios gerais do direito. E menciona a jurisprudência e a doutrina como meios auxiliares na determinação das regras de direito. O Estatuto da Corte faculta ainda o emprego da equidade, observadas algumas condições. Apesar deste rol, nada impede que os Estados adotem outras fontes não catalogadas, que por diversas razões não mereceram a devida atenção no decorrer na elaboração do Estatuto. Esta omissão deve-se ao fato de que o rol das fontes do art. 38 do Estatuto da Corte de Haia foi originalmente escrito em 1920, quando ainda iniciavam ou eram pouco consistentes as organizações internacionais, e em 1945 foi copiado sem qualquer atualização ou aprofundamento. É o caso dos atos unilaterais, do soft law e do case law (decorrentes do caso concreto e que não são vinculantes conforme o art. 59 do Estatuto da CIJ). O soft law diferencia-se dos tratados, pois não segue as formalidades necessárias para a formação destes. Também ambos se distinguem por sua linguagem específica, especialmente quando contêm em seu texto cláusulas de ratificação ou de entrada em vigor. Soft law também não se confunde com os costumes visto que estes devem ter provada a sua existência resultante de uma prática geral juridicamente aceita e determinada pela opinio juris. Os tratados são mais fáceis de serem notados, pois se encontram em textos escritos. Na prática o soft law é freqüentemente utilizado como precursor das negociações dos tratados e incentivam os Estados nas negociações práticas que orientam a formação dos costumes. Quanto a esta última afirmação, nota-se que o soft law pode exercer o papel de indicador da existência de um costume. 1 As normas primárias são aquelas que estipulam sanções diante de uma possível ilicitude. Vide KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. trad. MACHADO, João Baptista, 6ª ed., 5ª tir., São Paulo: Martins Fontes, 2003. Porém, há discordância na doutrina quanto à aplicação do conceito de Kelsen de norma primária e secundária sobre o soft law, pois acreditam seus defensores que a sanção não é prevista na norma, como ocorre muitas vezes nos tratados, muito menos é exigível nos termos em que o Direito Internacional tradicional permite. Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 103

No que diz respeito aos Princípios Gerais do Direito há pouco o que comparar com o soft law, ressalvadas algumas vezes a materialização dos princípios relevantes para a ordem internacional nas resoluções das organizações internacionais de direito público, de suas agências especializadas, e nas declarações de intenção dos Estados. Deve-se ainda ressaltar a diferença entre soft law e hard law. Conforme se observa, o soft law caracteriza-se por negociar compromissos assumidos pelas partes que não são juridicamente vinculantes abrangendo a maior parte das resoluções e declarações da Assembléia Geral da ONU, outras declarações, princípios, objetivos, declarações de princípios, diretrizes, normas e os planos de ação. Já o hard law significa vinculante, ou seja, para constituir lei, em regra, o instrumento ou decisão deve autorizar ou prescrever. O hard law abrange os tratados, o direito consuetudinário, e as resoluções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (conforme o art. 25 da Carta das Nações). Estes instrumentos resultam em compromissos juridicamente exigíveis para os Estados e outros organismos internacionais. Também é pertinente o seguinte paralelo de Dinah Shelton sobre o papel exercido pelo soft law em relação ao hard law: A non-binding normative instrument may do one or more of the following: (1) Codify pre-existing customary international law, helping to provide greater precision through the written text; (2) crystallize a trend towards a particular norm, overriding the views of dissenters and persuading those who have little or no relevant state practice to acquiesce in the development of the norm; (3) Precede and help form new customary international law; (4) consolidate political opinion around the need for action on a new problem, fostering consensus that may lead to treaty negotiations or further soft law; (5) fill in gaps in existing treaties in force; (6) form part of the subsequent state practice that can be utilized to interpret treaties; (7) Provide guidance or a model for domestic laws, without international obligation, and (8) Substitute for legal obligation when on-going relations make formal treaties too costly and time-consuming or otherwise unnecessary or politically unacceptable (SHELTON, 2010, p. 8). Obviamente, um soft law pode evoluir para um tratado (hard law), para que isto aconteça basta que os Estados aceitem e cumpram as formalidades que couberem. Isto se deve ao importante papel do soft law de influenciar o desenvolvimento dos futuros compromissos hard law. Aliás, o número de tratados com essa característica vem aumentando, pois trazem em seu bojo normas flexíveis que podem ser caracterizados como do mesmo nível de soft law em termos de aplicação. Conforme escreveram Anthony Engel: 104 Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1

an increasing number of treaty provisions can be found in which the wording used is so soft that it seems impossible to consider them as creating a precise obligation or burden on States parties. The number of conventions in which such evasive prescriptions are enunciated appears to be increasing: for instance, many provisions of Part XII of the 1982 UN Convention on the Law of the Sea (e.g., articles 204(1) and 217(2)); the majority of the articles of the 1979 Economic Commission for Europe Convention on Long-Range Transboundary Air Pollution; as well as the provisions of the 1985 Vienna Convention on the Protection of the Ozone Layer (D'AMATO & ENGEL, 1996, p. 56). No mesmo sentido Mario Giovanoli preleciona: In fact, there is no black and white distinction to be made but rather a gradation, from professional and trade practice and socalled (i.e. not legally forceable) obligations, at the lowest level, to guidelines and progressively more binding arrangements, with various degrees of consequences in the event of non- compliance (from implementation left to discretion of the parties concerned to various forms of assessment, surveillance, penalties and arbitration) (GIOVANOLI, 2000, p. 35) 2.3 Soft Law Como Fonte do Direito Internacional O soft law é diferente das demais fontes do Direito Internacional, por isso diz-se que é fonte autônoma, mas não independente 2, tendo em vista o frequente diálogo entre as fontes. Haverá sempre uma relação entre todas as fontes, tendo em vista a falta de hierarquia entre elas e o sistema que cada Estado adota. A proposição da doutrina sobre o soft law como fonte não é nova conforme podemos notar nas palavras de Ulrich Fastenrath em 1993: The tendency inherent in soft law, to become a new form of law-making, cannot be denied. This observation is due to cause unrest in the orderly circles of classical international law, which is based on the sovereignty of States. However, a change of direction has already taken place both in and by means of international organizations (FASTENRATH, 1993, p. 340). Por parte da doutrina o soft law 2 é visto como quartum genus, ou quarta fonte, com relação às demais fontes do Direito Internacional, pois é dotado de cogência em nível semelhante dos costumes e tratados. Desta forma torna-se pertinente a proposta feita por Marcos Aurélio Pereira Valadão sobre uma introdução do soft law ao Artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, o qual registrou: Pode parecer um tanto quanto audacioso, e de fato o é, mas a maneira mais coerente de apresentar tal conceito é a proposição, de lege ferenda, de que o art. 38 do Estatuto da CIJ, onde enumera as fontes do DI, deve ser lido, e entendido, 2 Salem H. Nasser, entretanto, nega um papel autônomo aos instrumentos do soft law na criação das normas do direito internacional, sob os argumentos de sua ausência de obrigatoriedade e do nascimento contra a vontade do Estados em outro momento. NASSER, Salem Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre a soft law. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. 143-148 p. Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 105

admitindo-se a introdução de outras quatro alíneas (e, f, g, e h) à primeira cláusula do mencionado artigo, com a seguinte redação: e) soft law, assim entendidas as normas editadas pelas associações e organizações internacionais, de caráter público ou privado, para as quais se reconheça força normativa e que possam ter efeito na formação de atos jurídicos com efeitos internacionais, de caráter pessoal, real ou comercial entre as partes ou particulares; f) o soft law deve ser sempre provado por escrito (norma escrita), e a entidade que editou a norma deve ser reconhecida como entidade reguladora pela maioria dos Estados ou organizações relacionadas ao seu setor de atuação, ou ainda agências de organizações internacionais de Direito Internacional Público; g) a necessidade de cumprimento obrigatório da norma de soft law, quando não aceita voluntariamente, e argüida por qualquer das partes envolvidas, somente será exigível no caso concreto por decisão de corte de justiça ou arbitral, não ensejando antes da decisão a adoção de nenhuma medida pela(s) outra(s) parte(s); h) o disposto nas alíneas e, f e g aplica-se, no que couber, às deliberações coletivas das nações integrantes da comunidade internacional, concebidas com caráter de generalidade e universalidade, quando não se configurem como tratados nos termos da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (VALADÃO, 2006, p. 20). Valadão ressalta ainda que esses dispositivos têm dois aspectos básicos: 1) reconhecem formalmente o soft law como fonte de DI; e 2) possibilitam as ações pelo seu descumprimento, perante cortes internacionais, de maneira mais efetiva. Afirma que o segundo aspecto é de extrema importância, pois se o soft law não for arguível perante as cortes internacionais, de maneira autônoma, não pode ser considerado como fonte, mas meramente subsídio probatório de costume ou princípio. Essa proposição com as devidas discussões e alterações torna-se importante, pois tem a finalidade de reconhecer formalmente o soft law como fonte do Direito Internacional e abrir possibilidade de reclamar junto a Corte e demais organismos competentes pelo seu descumprimento. Segundo a teoria positivista formalista, o critério do consenso revela quais as fontes que o ordenamento jurídico reconhece. Entendido o consenso como a aceitação dos sujeitos e aplicadores do direito. O pensamento pós-positivista leva em consideração aspectos como contexto econômico, políticas e pressões sociais, partindo de uma racionalidade prática. As fontes do direito internacional então seriam todos os instrumentos que as entidades lançariam mão para a regulação, definição de procedimentos e solução de conflitos. Portanto, neste trabalho o soft law será considerado fonte do direito internacional, tendo em vista a sua aceitação pelas diversas entidades e a aplicação frequente na prática internacional. 106 Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1

3 SOFT LAW E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL TRIBUTÁRIO 3.1 Considerações Iniciais Após a demonstração das premissas teóricas e os contornos do objeto de estudo, será feita a análise da aplicação do soft law no âmbito do direito internacional tributário. Para tanto, é essencial verificar os contornos do direito internacional e sua relação com os tributos, explorando os entendimentos doutrinários. Também, caberá diferenciar o direito internacional tributário do direito tributário internacional. Nesta seara, cabe examinar qual o papel do soft law como fonte do Direito Internacional Tributário e se pode ser considerado neste sentido, tendo em vista o monopólio dos Estados sobre os tributos em seu território. Cumpre ainda explanar sobre os argumentos doutrinários acerca da aplicação do soft law no direito internacional tributário. Se existem normas práticas e quais os fundamentos de validade e legitimidade para que estas sejam empregadas na prática real. No Brasil, apesar da escassa pesquisa sobre a temática do soft law e, mais rarefeita ainda, sua aplicação do direito tributário, já são observados alguns exemplos concretos, o que torna necessária uma apreciação maior acerca dos efeitos e resultados até então alcançados. O estudo a seguir mostra a necessidade de um aprofundamento sobre o fenômeno do soft law, especificamente no direito tributário, tendo em vista seu uso frequente, porém pouco compreendido mesmo por juristas. Caso contrário, corre-se o risco de ocorrerem equívocos de interpretação ou de se chegar a conclusões que não condizem com a realidade, ainda mais quando há aqueles que se negam a discuti-lo. 3 3.2 O Soft Law Como Fonte do Direito Internacional Tributário Vistas as fontes do Direito Internacional Tributário, questiona-se a possibilidade do 3 No início da década de 1980, o Professor Prosper Weil criticava o fato de algumas normas internacionais serem soft, e o crescente grau de relativização normativa do Direito Internacional, ao que denominou de "patologia do sistema normativo internacional." WEIL, Prosper. Towards Relative Normativity In International Law? The American Journal of International Law, p. 413-442. Em crítica a essa posição, Anthony D'Amato se posicionou da seguinte forma: The athology, to use Professor Weil's term, is not in the real world; it is in ourselves to the extent that we want to deny what is happening in the real world and turn the clock back to the days when things seemed more categorizable and manageable. In my view, to the extent that there is a `soft law' phenomenon going on in the real world, it is our job to try understand why it is happening and what purposes it serves. D'AMATO. International Law Anthology, p. 153. Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 107

soft law como pertencente ao rol deste ramo do Direito. Com muita propriedade, Cláudio Sacchetto ao tratar das fontes de Direito Internacional Tributário menciona os tratados, o costume (de pouca aplicação), os princípios gerais de Direito (embora com limitações problemáticas) e destaca que: Con il termine "soft law" si indicano fatti ed atti (nonché principi e norme sociali, etiche, ecc.) che hanno ad oggetto relazioni internazionali e che non sono considerati fonti del diritto secondo la definizione contenuta nell'art. 38 dello Statuto della Corte internazionali di giustizia. La definizione ha quindi carattere meramente residuale e negativo. Residuale, perché include nel concetto di "soft law" tutto ciò che non rientra nella definizione di fonte del diritto internazionale. Negativo, per il fatto che determina un solo carattere del concetto, ovvero che tali fatti o atti non hanno valore legale l'ordinamento internazionale. La nozione merita di essere approfondita, quindi, al solo della individuazione della rilevanza che tali fatti o atti assumono nella sistematica delle fonti internazionali. È opportuno osservare, a questo punto, che autorevole dottrina ricomprende nela nozione di "soft law" le raccomandazioni dell OCSE, tracui, quelle di maggiore importanza, sono le raccomandazioni agli Stati membri OCSE "... to follow the Model Convention [MC] when concluding new bilateral conventions or revising exiting bilateral conventions betwen them,... as interpreted by the Commentaries thereto...". In altre parole, sai il Modelo di Convenzione OCSE sia il relativo Commentario sono esempi di "soft law". In relazione al valor, l'elaborazione dottrinale è giunta a sintetizare i caratteri del "soft law" in quattro categorie. In primo luogo, il "soft law" esprime il comune apprezzamento in relazione all'attività ed al comportamento nelle relazioni internazionali dei soggetti di diritto. In secondo luogo, il "soft law" è creato da soggetti di diritto internazionali. Terzo, il "soft law" non può, in genere, essere prescritto al procedimento costitutivo di alcuna fonte del diritto internazionale. Da ultimo, il "soft law" è caracterizzato dalla capacità di procedurre alcuni effetti giuridici (SACCHETTO, 2002, p. 47). Não obstante, adicione-se em relação às assertivas de Cláudio Sacchetto, que o soft law, conforme o conceito aqui adotado, pode provir de organizações de Direito privado, como é o caso da Câmara Internacional de Comércio. Cumpre estabelecer aqui uma distinção que, em matéria de Direito Internacional, é pouco utilizada, que é a das fontes diretas e indiretas, ou, usando outra terminologia, fontes imediatas e fontes mediatas. Paulo Nader (2005, p. 141) distingue três espécies de fontes do Direito: históricas, materiais e formais. Fontes históricas indicam a origem das modernas instituições jurídicas: a época, local, as razões que determinaram a sua formação. A busca das concepções originais é útil para uma melhor compreensão dos quadros normativos atuais. Afastando uma concepção positivista mais radical, o Direito não é produto da vontade do legislador, mas uma criação fundada na sociedade (ou nos fatos e valores sociais). 108 Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1

As fontes materiais são formadas por fatores ligados à sociedade: a política, a economia, a moral etc. Fontes formais seriam os meios pelos quais o direito se exterioriza, notadamente pela lei e costume. Destaca ainda o autor que o processo jurídico deve ter o poder de criar o Direito para assim constituir a fonte formal. Fontes diretas, imediatas ou formais são aquelas de onde se extrai o conteúdo do Direito Internacional Tributário de maneira que não haja contestação, ou possibilidade de contestação quanto à natureza da fonte. E sendo o Direito Internacional Tributário uma parcela do Direito Internacional, recorre-se imediatamente às disposições do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, i.e., as fontes são os tratados, os costumes e os Princípios Gerais do Direito Internacional (PGDI). Ocorre que em Direito Internacional Tributário, os costumes não são considerados uma fonte por excelência, e tampouco os PGDI o são. O tratado internacional tributário, como já foi afirmado anteriormente, é a fonte de Direito Internacional por excelência fonte imediata, primária, direta. No Direito Internacional Tributário tanto os costumes quanto os PGDI devem ser tomados como fontes mediatas, e têm pouca ou nenhuma aplicação. Isso, sem dúvidas, pois obrigação tributária não é criada por costume. Não há obrigação tributária de contribuinte que seja criada em decorrência de aplicação de Princípios Gerais de Direito Internacional. Porém, o mesmo não é verdade quando se trata de desoneração tributária. A proibição da cobrança de tributos de uma soberania por outra soberania tributária encontra nos PGDI algum supedâneo (embora alguns autores considerem tal fenômeno tratar-se de costume internacional. Contudo, hodiernamente, essas questões estão quase todas resolvidas por via de tratados (e.g., as convenções de Viena de relações diplomáticas e consulares e os acordos no âmbito da ONU) restando, portanto, poucos conflitos a serem dirimidos com base em princípios (ou costumes) talvez porque a aplicação desses princípios no campo tributário encontre problemas de toda ordem (desde as questões de imunidade de jurisdição e ausência de foro para execução dos haveres de uma nação contra outra, quando baseados em mera ação de potestade, quanto à aplicação do princípio par im parem non habet imperium). Neste sentido, pode-se entender que os costumes e os PGDI são, no âmbito do Direito Internacional Tributário 4 apenas fontes mediatas. 4 Destaque-se que as normas de Direito Internacional Tributário são, em regra, desonerativas, ou seja, no sentido de aliviar a tributação. Denominam-se de tratados de privilégios aqueles decorrentes do costume internacional de isentar as pessoas de Direito Público Internacional e seus funcionários (às vezes representantes ou enviados) dos tributos internos sobre a renda e o patrimônio, que está relacionado com o princípio par in parem non habet imperium (donde decorre que um Estado não pode exigir tributos de outro). Embora existam Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 109

O soft law, pelos mesmos motivos elencados antes, nesta seção, não tem o condão de funcionar como fonte imediata, ou direta, de Direito Internacional Tributário. Porém, o soft law funciona, e de maneira eficaz, como fonte indireta, dir-se-á subsidiária, do DIT. E nesse sentido é mais forte (no sentido de grau de cogência) que os costumes internacionais e os PGDI. 3.3 Os Argumentos de Negação do Soft Law Como Fonte do Direito Internacional Salem H. Nasser, no entanto, afirma que o soft law não é fonte do Direito Internacional. Aduz que o consenso permite a identificação do direito internacional como sendo uma ordem jurídica válida, constituída de normas destinadas a regular o comportamento dos seus sujeitos (essencialmente Estados e Organizações Internacionais). Renuncia assim ao voluntarismo como fundamento do direito internacional, pois a vontade dos Estados não constitui a única origem das normas. O consenso assim implica a necessidade de ser consensual o rol das fontes de cada ordenamento. No âmbito internacional, estabeleceu-se tal consenso na caracterização de algumas técnicas, meios, instrumentos, processos, como sendo aptos a criar normas de direito internacional. Desta forma, Estados, Cortes e doutrina reconhecem essas fontes. Os argumentos para a negativa do soft law como fonte do direito internacional são divididos em três grupos: os instrumentos criados pelos Estados, as resoluções e decisões produzidas pelas organizações internacionais e os que resultam da ação criativa dos entes não estatais. Quanto ao soft law como instrumento de criação dos Estados, afirma que não há ilícito em seu descumprimento e não há publicidade, nem registro. A crítica reside em um possível esvaziamento do direito internacional pela ausência de consequências quando descumprido e na possibilidade de acordos secretos. Admitir que os instrumentos de soft law constituem fonte autônoma significa que os Estados, ao elaborarem um documento, tendo a possibilidade de fazer de um tratado e, portanto, fazê-lo vinculatório juridicamente, e tendo escolhido não fazê-lo, terão produzido direito, de modo concertado, mas sem querer. Sem querer significaria contra a própria diversos tratados desta espécie na modalidade bilateral (nestes casos, via de regra, envolvem também tributos indiretos), os mais importantes são tratados multilaterais sobre atividades diplomáticas e os decorrentes da constituição de organizações internacionais e suas agências especializadas, ou outras entidades de natureza interestatal. 110 Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1

vontade, e não acidentalmente. Admitir que esses instrumentos criam direito é dizer que o direito pode ser outra coisa que não obrigatório. A tese da produção involuntária levaria a conclusão de que não cabe aos Estados a identificação do que seja ou não direito. Também, admitir a produção pelos instrumentos concertados não vinculantes sugere que os critérios de identificação do direito são outros. O que poderia levar ao reconhecimento de um direito mais obrigatório e outros menos obrigatórios, sendo o primeiro criado por tratados e costumes, e o segundo por soft law. O autor entende que não há possibilidade de gradação da obrigatoriedade. Quanto à efetividade, afirma que ela não seja uma condição para a manutenção pela norma de seu status jurídico, mas considera não ser o critério que faz nascer a norma jurídica, com ressalvas às normas costumeiras. Para o surgimento do costume, necessita-se do concurso da prática e da opinio juris. Assim, para ser admissível a criação autônoma de normas jurídicas, através de instrumentos concertados não obrigatórios, com base na efetividade, de modo similar aos costumes, faltaria a opinio juris quando os Estados celebram acordos que não querem obrigatórios. Desta forma, os valores não poderiam servir para criar ou revelar sozinhas as normas jurídicas, sem o concurso de critérios formais. Para a verificação da validade das normas jurídicas, estas deveriam ser confrontadas com a legitimidade e a justiça, porém os valores não podem constituir o jurídico, principalmente quando os autores dos instrumentos concertados que contêm tais valores não reconhecem estes como jurídicos. O segundo grupo, o das resoluções e decisões das organizações sociais, afirma que estes têm caráter jurídico, pois se encontram previstas em tratados internacionais. Também, podem ter valor normativo quando se destinam a regular os comportamentos de seus órgãos ou de Estados-membros e podem ser obrigatórias se assim estabelecer o tratado constitutivo. Os instrumentos de soft law produzidos pelas organizações internacionais são as decisões e resoluções em que os tratados constitutivos não atribuem força obrigatória, sendo estabelecidas sob a forma de recomendações ou declarações de princípios. Tais instrumentos não podem, de forma autônoma, produzir normas obrigatórias. Os Estados criam instrumentos jurídicos nos quais estabelecem que determinados produtos de organismos por eles instituídos não podem constituir direito obrigatório. Não haveria como admitir que estes instrumentos criam normas jurídicas. Caso contrário o direito internacional poderia nascer contra a vontade dos Estados ou o direito não é mais obrigatório. As resoluções e decisões dos órgãos internacionais são diferentes, no mínimo em um aspecto, em relação aos instrumentos concertados produzidos pelos Estados. Um Estado não Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 111

pode participar da negociação de todos os acordos, contudo, quando o Estado faz parte de uma organização, as decisões nela tomadas lhe dirão respeito ainda que lhes tenha feito oposição no decorrer do processo de tomada de decisão. Alguns Estados podem querer criar ou ver reconhecidas determinadas normas e tentem fazê-lo por resoluções de organizações internacionais. Se tais instrumentos forem reconhecidos com um caráter obrigatório, os Estados com maior poder de influência poderiam impor seus interesses em detrimento dos mais fracos, mesmo que estes argumentassem possuir os melhores valores. Assim, nas organizações em que as decisões são tomadas por votos ou por consenso, haveria o risco do dirigismo já mencionado. No terceiro grupo, os instrumentos criados por entes não estatais não poderiam constituir como fontes do direito internacional. Admitir o contrário é aceitar que as normas dessa ordem jurídica já não se dirigiriam aos Estados e estes já não seriam os únicos criadores do direito. Em suma, segundo o autor, os instrumentos de soft law não podem criar, de modo autônomo, o hard law; O soft law não cria direito; Não há gradação da força vinculante do direito, assim como não há um menos-direito ou um direito menos obrigatório. 3.4 Aplicações do Soft Law no Direito Internacional Tributário Nos contratos internacionais de compra e venda os chamados incoterms (um exemplo de soft law) são usados de maneira corriqueira. Os incoterms são regras ou termos que unificam a definição de direito e obrigações nos contratos em que há entrega de mercadorias. Foram criados em 1936 pela Câmara de Comércio Internacional. Esses mesmos incoterms são referenciados nos tratados internacionais com percussões tributárias como critérios de definição para cobrança de tributos. O tratado do NAFTA (North America Free Trade Agreement), art. 402, utiliza o termo FOB 5 expressamente para estabelecer condições de regra de origem que vão ensejar a tributação diferenciada (impostos aduaneiros) dos produtos importados pelas partes contratantes. Da mesma forma é a base de cálculo do imposto de importação, que é definida a 5 FOB (Free on board - Livre a bordo). Indica cláusula de contrato referente à condição de embarque e cotaçãode preços, cuja referência deve ser seguida do nome do porto de embarque (Ex.: FOB-Santos). Significa que o vendedor deve arcar com todos os custos relativos ao embarque da mercadoria no navio, tais como: transporte, impostos e riscos. (O frete não está incluído). http://www.cetec.br/progex/glossario.htm 112 Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1

partir do valor aduaneiro, conforme previsto no art. VII do GATT/1994. Dentre os acordos internacionais com efeitos tributários, o acordo da OMC (no caso o GATT/1994) se insere perfeitamente no conceito de soft law. A definição da base de cálculo do imposto de importação é feita com fundamento no art. VII do GATT/1994, que, por sua vez, faz referência aos mesmos termos definidores de condições FOB e CIF 6, embora não se utilizem expressamente os termos (como o NAFTA). Existem ainda no âmbito do Direito Internacional Tributário os Modelos de convenção destinados a evitar duplas tributações, que traçam um molde daquilo que as partes deverão seguir. São chamados de convenções-tipo. Elaborados pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 1963 (revisto várias vezes até 2008) e em 1966 (revisto em 1982), respectivamente para os impostos sobre o rendimento e o capital. Tais convenções servem como guiar para os Estados na celebração de tratados bilaterais sobre a dupla tributação. Cabe salientar que os tratados coletivos ocupam um lugar secundário no Direito Internacional Tributário. O movimento de celebração de tratados internacionais sobre a dupla tributação é relativamente recente. Durante muito tempo predominaram apenas os que versavam sobre imóveis, em detrimento das relações econômicas. A partir da 1ª Guerra Mundial começou-se a instituir convenções tendentes a extinguir as duplas tributações na Europa, sob a orientação da Liga das Nações. O Tratado entre a Alemanha e a Itália, de 1925, foi durante muito tempo tomado como modelo até o início da 2ª Guerra Mundial. A Liga das Nações desenvolveu um primeiro Draft Model em 1928 e que fora remodelado no Modelo de Convenção Bilateral aprovado no México em 1943 e, novamente, pelo Modelo de Londres de 1946. Com o advento da 2ª Guerra Mundial, acelera-se o movimento de tais convenções, desta vez com o predomínio dos países anglo-saxônicos, em virtude da internacionalização da economia norte-americana. O crescimento das relações entre os dois lados do Atlântico, com o movimento de integração européia, aliados a uma política de liberalização do comércio e o impulso da Câmara de Comércio Internacional influenciaram significativamente para a criação do Comitê Fiscal da OCDE (a que sucedeu o Comitê de 6 CIF (Cost, Insurance and Freight) modalidade de Incoterm segundo a qual despesas de seguro ficam a cargo do exportador, que deve entregar a mercadoria a bordo do navio, no porto de embarque, com frete e seguro pagos. A responsabilidade do exportador cessa no momento em que o produto cruza a amurada do navio no porto de destino. Essa modalidade só pode ser utilizada para transporte marítimo ou hidroviário dentro de cada país. http://www.cetec.br/progex/glossario.htm Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 113

Assuntos Fiscais), este elaborou as chamadas Draft Conventions. Já a Comunidade Econômica Europeia e a Associação Europeia de Comércio Livre prepararam a celebração de tratados multilaterais a serem subscritos pelos seus membros. A Organização das Nações Unidas promoveu estudos especiais para o desenvolvimento de convenções para eliminar a dupla tributação, que culminaram na elaboração da Convenção-Modelo de 1980, revista em 2006 (The UN Model), em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital. Os trabalhos do Grupo ad hoc de Peritos em Convenções fiscais da Organização das Nações Unidas procuraram estabelecer um modelo que não fosse inspirado nos países industrializados, já que o Modelo OCDE, segundo críticas, não era o meio mais adequado para regular as relações entre países desenvolvidos e menos desenvolvidos. Os países menos desenvolvidos defendem o princípio da fonte, em detrimento do princípio da residência, o que resulta no alargamento da noção de estabelecimento permanente, na ampliação do princípio da força atrativa, na maior flexibilidade quanto às alíquotas aplicáveis pelo Estado da fonte e no alargamento dos poderes tributários deste último em matéria de lucros de empresas de navegação, de serviços independentes e de ganhos de capital. Neste sentido, desenvolveu-se no âmbito da OCAM (Common African, Malgach and Mauricienne Organisation) o projeto de Convenção de Cooperação Fiscal, elaborado em 29 de janeiro de 1971, sendo extinto em 1985. No âmbito da Comissão do Grupo Andino (sub-região da ALALC, que abrange o Chile, a Colômbia, o Peru, a Venezuela, a Bolívia e o Equador) se estabeleceu a Decisão n.º 40, em novembro de 1971, que reforçou a adoção do princípio da fonte. Esta decisão aprovou dois textos: uma convenção para prevenir a dupla tributação entre os paísesmembros com um caráter peculiar de multilateralidade; e uma convenção-modelo para evitar a dupla tributação entre um país-membro e um país situado fora da sub-região. Cumpre mencionar ainda o Modelo de Convenção contra a dupla tributação intraasiático, em 1987, assinado pelos membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Ainda, alguns países, tais como os Estados Unidos e a Holanda, elaboraram projetos de Modelo para orientar futuras negociações (The 2006 U.S. Model e The 1987 Netherlands Model, respectivamente). Sobre outro exemplo de soft law, o Professor Allison Christians, questiona se as Recomendações da OCDE sobre Práticas Tributárias Prejudiciais em países 114 Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1

membros e não membros seriam descritos como hard law, soft law ou se nem sequer seriam direito. Esta iniciativa começou em 1996 quando um Comunicado Oficial Ministerial da OCDE convocou a organização para analisar e desenvolver medidas para conter os efeitos prejudiciais da guerra fiscal em investimentos e financiamentos. Dois anos depois, a OCDE divulgou um relatório contendo critérios para identificar competições fiscais prejudiciais e traçou 19 recomendações para contra-atacar essas práticas. O relatório foi seguido por uma série subsequente de relatórios de progresso que identificaram regimes prejudiciais, pugnaram por sanções aos membros e não membros que não cooperassem, e posteriormente informaram acerca da aceitação. Desta forma, a OCDE conseguiu influenciar no desenvolvimento de normas que contivessem práticas tributárias mais apropriadas, utilizando o diálogo, pressão internacional e consenso. Essas normas rapidamente se espalharam entre membros e não membros da OCDE. A quantidade de países favoráveis à adesão nos termos do Modelo OCDE seria um indicativo, em igual proporção, do grau de efeitos que ele seria capaz de produzir. Tais recomendações não constituem costumes, tendo em vista as ausências do elemento objetivo da aceitação uniforme e do elemento subjetivo da aceitação da norma como obrigatória pelos Estados. Ainda que a prática fosse suficientemente disseminada, faltaria o requisito da opinio juris, pois estes instrumentos não têm força obrigatória geral, mas sim de orientação. As recomendações da OCDE sobre práticas tributárias prejudiciais parecem não encaixar no conceito tradicional de direito internacional, tendo em vista a ausência de consequências, ao menos diretas, em caso de descumprimento. Contudo, tais recomendações criam um forte grau de obrigação (cogência) entre membros e não membros. Este senso de obrigação torna difícil a simples não admissão dessas orientações como não sendo direito. Assim, tais recomendações encaixam-se no conceito de soft law, afastando ainda a concepção binária do que é hard law e o que não é. A discussão desta dicotomia foi analisada anteriormente. Sobre a importância de entender o soft law no Direito Internacional Tributário Allison Christians leciona: Determining the extent to which international tax law is emerging outside of traditional hard law mechanisms is therefore a preliminary step toward understanding how this law will develop in the future and who will take part in shaping it. It may not always be clear why countries adopt certain tax practices, but it seems important to seek clarity in identifying and defining the principles we Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 115

use to explain what role actors in international and transnational organizations can, do, and ought to play in the formation of tax law ( CHRISTIANS, 2007, p. 333). Cada vez mais as redes trans-governamentais estão envolvidas na área de tributação internacional. A doutrina vem estudando o fenômeno de que essas redes estão produzindo normas que parecem obrigatórias. Ao aplicar uma análise do soft law nas atividades dessas redes é possível perceber os relativos níveis de participação dos diferentes Estados no processo de criação da norma tributária internacional. Neste sentido, o soft law é, guardadas as críticas, elogiado por sua característica de flexibilidade, de capacidade de promover mudanças de comportamentos, o que pode permitir os Estados se adaptarem às suas diversas circunstâncias e reduzir o custo de contratação entre eles, o que de certa forma auxilia o comércio, bem como na formação de uma sociedade internacional cada vez mais integrada. Schreuer (1988) ao analisar o caso específico das Recomendações, firmadas no âmbito das organizações internacionais, e aqui se incluem as Resoluções da OCDE e os incoterms, conclui que, apesar de seu caráter não vinculante, seus efeitos práticos são indiscutíveis e podem ser divididos em explicativos, programáticos-inovativos, legitimadores ou terminativos. O efeito explicativo consiste em preencher lacunas, esclarecer ou dar conteúdo a termos controversos ou até mesmo incontroversos constantes em normas de direito internacional. O efeito terminativo contribui para que seja extinta determinada norma. As recomendações programático- inovativas pretendem definir padrões em novas áreas do Direito Internacional, são geralmente a expressão de um acordo sobre determinados princípios que ainda não foram incluídos em tratados, seus efeitos atingem certo grau de comprometimento e geralmente direcionam o desenvolvimento legal futuro, mas são relevantes para o Direito mesmo quando não há intenção de que sejam transformadas em tratados. O efeito legitimante se dá na medida em que é difícil provar que um Estado está agindo contrariamente à lei se está de acordo com uma recomendação e o raciocínio contrário também é válido. As Resoluções da OCDE e os incoterms com repercussão tributária definem padrões na área econômica e tributária do Direito Internacional. Aqui, fica evidente sua principal característica: programático-inovativa, dado o expresso intuito de uniformizar a regulação do sistema tributário em todo o mundo, influenciando os sistemas jurídicos internos de cada país. Após elencar os possíveis efeitos das Recomendações, Schreuer (1988) aborda a questão da natureza jurídica desses instrumentos de outra perspectiva: para ele, a questão 116 Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1

sobre se elas são juridicamente vinculantes não é o problema principal. Na prática, a importância legal ou a autoridade das recomendações pode variar de acordo com fatores como a posição e o respeito pelo órgão, sua composição, seu papel como órgão principal ou acessório, a autoridade nele investida pelos poderes conferidos e o respeito por suas atividades anteriores. Neste sentido, Dihn (2003, p. 140) entende que os destinatários das Recomendações não são obrigados a se submeterem e não cometem infrações em caso de descumprimento, entretanto, reconhecem o valor normativo contido nesses instrumentos e as possíveis sanções políticas. Acrescentam ainda dois elementos aos apresentados por Schreuer (1988) para analisar os efeitos das Recomendações: se a maioria foi alcançada por votação e a importância dos Estados que exprimem reservas nesta ocasião, existência ou não de mecanismos de controle de aplicação das recomendações. No caso, as Resoluções da OCDE aqui mencionadas e os incoterms seguem todos esses requisitos. 3.5 Repercussão no Direito Brasileiro As normas internas também são fontes do Direito Internacional Tributário. No Brasil, o Decreto-lei nº 37, de 1966, lei matriz dos tributos aduaneiros do Brasil, em seu art. 17, parágrafo único, inciso III, utiliza expressamente o incoterm CIF (cost, insurance e freight). Igualmente, o Decreto n.º 6.759, de 2009, em seu art. 190, II, calcula uma parte do custo da mercadoria estrangeira com base no preço CIF para fins de similaridade ao produto nacional. Existem diversos outros instrumentos da legislação brasileira que também se utilizam de algum incoterm. Também como exemplo, a partir da Lei nº 9.430, de 1996, o Brasil adotou as normas de preço de transferência, seguindo os padrões adotados pela OCDE (que não são normas de um acordo stricto sensu, mas recomendações), embora o Brasil não seja membro daquela Organização. Alberto Xavier trata da Convenção Modelo da OCDE relativa a imposto sobre a renda e o capital e demonstra que, em geral, as convenções celebradas pelo Brasil obedecem, em essência, ao Modelo de Convenção da OCDE, o que torna mandatório o tecer de algumas considerações. O Modelo supracitado tem origem nos estudos elaborados pelo Comitê Fiscal da Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE), encarregado de apresentar um projeto de convenção destinado a eliminar as duplas tributações sobre o rendimento e o Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1 117

patrimônio. Esta tarefa foi confirmada com a criação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 1961, substituindo a primeira. O Projeto de Convenção (Draft Convention) foi finalmente apresentado em 1963 juntamente com os comentários interpretativos. Tanto o Projeto quanto os comentários foram revistos em 1977 e em seguida difundidos pelo Conselho da OCDE já com o caráter de recomendações (Model Convention). Em 1992, os trabalhos até então desenvolvidos deram origem a um novo Modelo de Convenção e respectivos comentários (Model Tax Convention). Diferentemente das versões anteriores, este Modelo pretende acompanhar as evoluções na matéria por meio de revisões periódicas (on going revision process). Posteriormente, seguiram diversas alterações em 1994, 1995, 1997, 2000, 2003 e 2005. A versão atualizada do Modelo é datada de junho de 2008. Também foi decidido no âmbito da OCDE que mesmo os Estados não membros podem participar da revisão sistemática do Modelo, registrando seus pontos de vistas e ressalvas (Non Member Countries Positions NMCP). Com isso, o Brasil já formulou ressalva ao art. 23-A, 4º, do Modelo OCDE. Seguindo o Modelo fornecido pela OCDE, O Brasil assinou vários tratados gerais, entre eles 7, África do Sul (Decreto Legislativo nº 301/06; Decreto nº 5.922/06; Portaria nº 433/06; Bélgica (Decreto Legislativo nº 76/72; Decreto nº 72.542/73; Portarias nº s 271/74 e 71/76); Decreto nº 6.332/07; Portaria nº 140/08); Chile (Decreto Legislativo nº 331/03; Decreto nº 4.852/03; Portaria nº 285/03); Dinamarca (Decreto Legislativo nº 90/74; Decreto nº 75.106/74; Portarias nº s 68/75 e 70/76); Espanha (Decreto Legislativo nº 62/75; Decreto nº 76.975/76; Portaria nº 45/76); Índia (Decreto Legislativo nº 214/91; Decreto nº 510/92); Japão (Decretos Legislativos nº s 43/67 e 69/76; Decretos nº s 61.899/67 e 81.194/78; Portaria nº 92/78; Parecer Normativo nº 38/70 e 662/71; Parecer Normativo COSIT nº 3/95; Ato Declaratório nº 2/80); Portugal (Decreto Legislativo nº 188/01; Decreto nº 4.012/01; Portaria nº 28/02); Suécia (Decreto Legislativo nº 93/75; Decreto nº 77.053/76; Portarias nº s 44/76 e 5/79; Parecer Normativo nº 37/74; Ato Declaratório nº 28/78; Troca de Notas MRE DO 03/01/86; Decreto Legislativo nº 57/97). O Brasil, até o presente momento, não celebrou nenhuma convenção referente a impostos sobre sucessões e doações, nem relativa à assistência na notificação ou cobrança de créditos tributários estrangeiros. 7 A lista completa acordos para evitar a dupla tributação pode ser encontrada no sítio http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/legisassunto/acorduptrib.htm. 118 Revista de Produção Acadêmico-Científica, Manaus, v.2, n.º 1