SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - PERMISSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO NULIDADE DO EDITAL DE LICITAÇÃO



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Transcrição:

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - PERMISSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO NULIDADE DO EDITAL DE LICITAÇÃO Gustavo Justino de Oliveira Doutor em Direito do Estado pela USP Advogado em Curitiba-PR Ana Carolina Hohmann Advogada em Curitiba-PR 1. A CONSULTA A empresa X, pessoa jurídica de direito privado com sede em Z, questiona quanto as medidas administrativas e judiciais cabíveis frente ao embróglio em que se encontra perante a sociedade de economia mista W, dada a participação da primeira em licitação levada a cabo pela segunda, cujo objeto, minuciosamente descrito no edital, era ilícito, conforme chegou ao conhecimento da primeira posteriormente à celebração do contrato. 2. OS FATOS Em outubro de 2003, a sociedade de economia mista W publicou edital de licitação na modalidade concorrência, do tipo maior oferta. O objeto de referido edital de licitação era a permissão de uso da área de terreno urbano situada no município Z, com a finalidade da instalação e exploração comercial de estacionamento de veículos, instalação de painéis publicitários e outros, conforme consta no item 1 do Edital de Licitação - Concorrência n. ZJY/03, in verbis: 1.1 O objeto da presente licitação é a Permissão de Uso da área de terreno urbano, medindo 6.100,40 m 2, localizada na Av. (omissis), Z, conforme consta do ANEXO I, que faz parte da Matrícula n. (omissis) do Cartório de

Registro de Imóveis da 4 a Circunscrição da Comarca Z, com finalidade da instalação e exploração comercial de estacionamento de veículos, instalação de painéis publicitários e outros. A licitação foi realizada em dezembro de 2003, às 14h30, de acordo com os termos dispostos pelo edital, tendo sido vencedora a proposta formulada por X, que se propôs a pagar o valor de R$ Y mensalmente, pelo período de doze meses, prorrogável por mais doze. No mesmo mês, W, na qualidade de permitente, e X, enquanto permissionária, firmaram a Autorização Administrativa n. VCG/03. A cláusula primeira daquele contrato é que trata do objeto da avença, dispondo, em consonância com o que trazia a descrição do objeto presente no edital de licitação, no seguinte sentido: CLÁUSULA PRIMEIRA: OBJETO Constitui objeto da presente AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, a Permissão de Uso Especial, em caráter precário, para utilização pela PERMISSIONÁRIA da área de terreno de propriedade da PERMITENTE, com 6.100,40 m 2, localizada na Av. (omissis), Z, que faz parte da Matrícula n omissis do Cartório de Registro de Imóveis da 4 a Circunscrição da Comarca de Z, com finalidade da instalação e exploração comercial de estacionamento de veículos, instalação de painéis publicitários e outros. Dada a celebração do contrato, em fevereiro de 2004, decidiu a permissionária fazer uso do objeto, com a intenção de realizar em referida área a instalação de estacionamento dos veículos que fazem a distribuição urbana dos produtos de uma determinada distribuidora de bebidas, além de implementar painéis publicitários. Endereçou, então, consulta à Secretaria Municipal do Urbanismo da Prefeitura Municipal de Z, com o objetivo de informar a municipalidade e de ter certeza da possibilidade de executar seu projeto. Para surpresa de X, o ente municipal informou-lhe que o referido imóvel encontrava-se no zoneamento SE Setor Estrutural Centro, e que nesta região eram permitidas apenas atividades comerciais que se enquadrassem como comércio e serviço vicinal, de bairro e setorial. A atividade que X almejava 2

desenvolver, em consonância com o objeto da licitação e da Autorização Administrativa n. VCG/03, de W - estacionamento dos veículos da distribuidora de bebidas - é caracterizada pela legislação urbanística de Z como comércio e serviço geral, não admitida naquele zoneamento. A área poderia, tão-somente, receber a instalação de painéis publicitários. Não sendo possível a instalação de estacionamento em referida área, X, obviamente, deixou de ter interesse em permanecer como permissionária em referido acordo. Findou por não se utilizar da área, deixando, inclusive, de adimplir com suas obrigações decorrentes do mesmo (por exemplo, o pagamento mensal acordado, nos termos da Autorização Administrativa n. VCG /03, de W ). 3. O PARECER A licitação é o meio usualmente adotado pelos entes integrantes da Administração Pública direta e indireta quando estes desejam contratar. Ela é disciplinada pela lei federal n o 8.666/93, a qual impõe forma rígida que deve ser sempre observada, nos termos dos seus artigos 1 o e 2 o : Art. 1 o Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Art. 2 o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. W, licitante, flagrantemente induziu em erro os participantes da licitação, dentre eles X, contratada, ao descrever o terreno como apropriado a uma 3

determinada finalidade, quando esta era, na absolutamente vedada pela legislação urbanística local. 3.1 O Objeto Licitado Ressalte-se que, nos termos do edital da licitação, em seu item 1.1, e do acordo firmado entre a X e a W, o objeto licitado e posteriormente contratado não é simplesmente o terreno com 6.100,40 m 2 de área localizado na Av. (omissis), Z, mas a permissão de uso daquela área de terreno urbano com finalidade da instalação e exploração comercial de estacionamento de veículos, instalação de painéis publicitários e outros. A doutrina de direito administrativo é exaustiva ao tratar da necessidade e obrigatoriedade de o edital tratar os seus tópicos de modo a afastar quaisquer possibilidades de eventuais dúvidas quanto ao procedimento. Conforme DALLARI O edital há de ser completo, de molde a fornecer uma antevisão de tudo que possa vir a ocorrer no decurso das fases subseqüentes da licitação. Nenhum licitante pode vir a ser surpreendido com coisas, exigências, transigências, critérios ou atitudes da Administração que, caso conhecidas anteriormente, poderiam afetar a formulação de sua proposta 1 (g.n.). No caso ora examinado, resta claro que tal orientação não foi seguida por W. A empresa X demonstrou-se absolutamente surpresa, diante da informação prestada pela Prefeitura Municipal de Z, em que foi revelada a impossibilidade do bem em questão ser utilizado para a finalidade disposta no edital de licitação e no próprio contrato (autorização administrativa n. VCG /03), porque contrária à legislação municipal de zoneamento urbano de Z. Certamente, caso tivesse conhecimento de que naquele zoneamento não eram permitidas atividades qualificadas como comércio e serviço geral qualificação esta em que se enquadra a atividade estacionamento - não teria X sequer participado do certame licitatório, posto que sua intenção era justamente o 1 DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 5ª ed., São Paulo: Saraiva. 2000, p. 92. 4

uso do imóvel para o estacionamento dos veículos que realizam a distribuição urbana da empresa fabricante de bebidas. O vício presente no edital de licitação fez com que X incorresse em erro, e comprometeu toda a validade do processo licitatório e do acordo firmado entre W e X. É com o escopo de evitar problemas dessa espécie, dirimindo quaisquer dúvidas quanto ao interesse dos participantes em fazer parte do certame licitatório, que se atribui ao ente da Administração Pública o dever de bem definir, de forma clara e inequívoca, o objeto a ser licitado e posteriormente contratado. Dessa forma, se estará concedendo e protegendo a segurança jurídica ao administrado contratante. Conforme Hely Lopes Meirelles, o objeto da licitação é a própria razão de ser do procedimento (...) se ficar indefinido ou mal-caracterizado, passará para o contrato com o mesmo vício, dificultando ou, até mesmo, impedindo sua execução. (...) A definição do objeto é, pois, condição de legitimidade da licitação 2 (g.n.). Daí denota-se a importância de o objeto da licitação ser indicado no edital por descrição clara, possibilitando ao interessado o perfeito conhecimento do que a Administração deseja realmente contratar, evitando-se, assim eventuais equívocos. 3 A Lei n. 8.666/93, de licitações e contratos administrativos, obriga o ente administrativo, tanto na elaboração do edital que convoca a licitação, quanto no contrato que irá ao final celebrar, a definir bem o objeto, caracterizando-o tanto quanto possível. Tais obrigações constam expressamente nos artigos 40 e 55, os quais tratam, respectivamente do edital e do contrato propriamente dito, não deixando lugar para interpretações diversas: Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: 2 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 11 a ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 42. 3 Nesse sentido, novamente, MEIRELLES, Hely Lopes. op. citada, p. 105. 5

I - objeto da licitação, em descrição sucinta e clara; (...) Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: I - o objeto e seus elementos característicos; Com efeito, W descreve o objeto em ambos os momentos, tanto no edital da licitação, quanto no contrato, sendo bastante clara ao atrelar a esta descrição uma finalidade ao objeto, qual seja, o uso da área em questão para o estacionamento de veículos, atribuindo, inclusive a possibilidade de exploração comercial pelo contratante. Logo, no caso ora em exame, o uso ou a finalidade do bem objeto da permissão é parte integrante do objeto da licitação. Entretanto, dadas as regras legais que conformam o zoneamento urbano de Z - a região onde se encontra o terreno em questão é a SE Setor Estrutural Centro, apropriada somente para atividades que se enquadrem como comércio e serviço vicinal, de bairro e setorial - ao caracterizar o objeto licitado como propício a uma atividade enquadrada como comércio e serviço geral (estacionamento de veículos), a sociedade de economia mista W licitou objeto ilícito, pois abertamente contrariou a norma municipal. É notório, não obstante o fato de estar insculpido na lei e solidificado no entendimento doutrinário, que todo o objeto contratual deverá ser lícito. É o que dispõe o inciso II do artigo 166, do Código Civil Lei 10.406/02: Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: II for ilícito, impossível ou indeterminado o seu objeto. (g.n.) Conforme VENOSA, como corolário da noção de negócio jurídico, a prestação deve ser possível, lícita e determinável. (...) A prestação deve apresentar licitude, sob pena de nulidade 4. O mesmo entendimento é compartilhado com toda a doutrina civilística, tal qual com GOMES, que acrescenta que a prestação é ilícita 4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2005, p. 40. 6

quando em si contraria a ordem pública, os bons costumes, ou normas imperativas. (...) Não é preciso que constitua delito. Basta infringir proibições particulares, que não precisam ser expressas, resultando, não raro, de dedução do sistema legal 5. Ainda, importante ressaltarmos que os atos da Administração Pública são dotados de presunção de veracidade, legitimidade e legalidade. Isso significa que, em tese, são eles verdadeiros, corretos e consoantes à lei. Para DI PIETRO, esse princípio abrange dois aspectos: de um lado, a presunção de verdade, que diz respeito à certeza dos fatos; de outro lado, a presunção da legalidade, pois, se a Administração Pública se submete à lei, presume-se, até prova em contrário, que todos os seus atos sejam verdadeiros e praticados com observância das normas legais pertinentes 6. A presunção de veracidade, legitimidade e legalidade leva aqueles que contratam com a Administração Pública e que participam de seus procedimentos licitatórios a sequer questionar a lisura do objeto em questão, partindo do pressuposto da licitude integral do objeto licitado. 3.2 A Nulidade da Licitação e do Contrato Ante o exposto acima, resta inconteste a nulidade do objeto da licitação celebrada pelo Edital de Licitação Concorrência n. ZJY/03 Processo n. LI/FHY, uma vez que tal objeto é flagrantemente contrário ao disposto em lei municipal. A lei federal n. 8.666/99 determina o dever de a autoridade administrativa anular a licitação em casos de ilegalidade, constatada de ofício ou por terceiros, em seu artigo 49. O parágrafo segundo do mesmo artigo, por sua vez, ressalta que o contrato resultante de procedimento licitatório nulo também é contaminado pelo vício da nulidade: Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de 5 GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 41-43. 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19ª ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 86 7

ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado. (...) 2 o A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei. Conforme JUSTEN FILHO, o vício na licitação acarreta a invalidade de todos os atos posteriores, inclusive do contrato administrativo. 7 O autor ressalta ainda que o decurso do tempo ou o silêncio dos interessados não elimina o defeito, dada a gravidade do vício. Da leitura do artigo 59 da Lei n. 8.666/93, dessume-se que a declaração de nulidade do contrato administrativo leva à desconstituição de todo e qualquer efeito que dele tenha surgido, ou que dele viesse a operar. Assim corrobora o referido dispositivo legal: Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos. Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. Conforme o entendimento de MEIRELLES 8, a anulação do contrato administrativo deve ela ser declarada sempre que figurar ilegalidade na sua formalização ou em cláusula essencial. O presente caso se enquadra em ambas hipóteses: houve vício na licitação, ou seja, no processo de formalização do qual resultou vício em cláusula essencial, qual seja, sua cláusula primeira, que descreve o objeto do contrato. 7 JUSTEN FILHO, Marcal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11ª ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 514. 8 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 198. 8

A declaração de sua nulidade opera efeitos ex tunc, ao declarar a invalidade preexistente, retroagindo no tempo. Portanto, todos os atos precedentes à data em que se der a declaração da nulidade do contrato, decorrente do objeto ilícito licitado, contêm vício insanável, e por isso são apagados do mundo jurídico. Como ao ato nulo não produz efeitos jurídicos válidos, também o contrato administrativo nulo não gera direitos e obrigações entre as partes, pois a nulidade original impede a formação de qualquer vínculo contratual eficaz entre os pretensos contratantes. 9 Logo, toda e qualquer obrigação originária da Autorização Administrativa n. VCG /03 é nula, de modo que seu inadimplemento não constitui violação contratual, dada a nulidade do objeto das quais se originam. Assim, desobrigada está X de quaisquer obrigações decorrentes do instrumento contratual, como, por exemplo, de realizar o pagamento de parcelas referentes ao uso da área contratada pela referida Autorização Administrativa. A declaração de nulidade deve ser realizada pela própria Administração Pública, de ofício ou por meio de provocação dos interessados, com a instauração de processo administrativo específico. Não sendo tal providência levada a efeito na esfera administrativa, deve o interessado ingressar com medidas judiciais apropriadas, no prazo prescricional de cinco anos contados da prática do ato administrativo qualificado como nulo e danoso a seus interesses, para obter declaração de nulidade de referido ato administrativo. A jurisprudência reforça o entendimento referente à nulidade da licitação em casos como o presente, mesmo após a celebração do contrato administrativo, conforme se extrai do seguinte acórdão proferido pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. LICITAÇÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Não há que se falar em omissão no julgado impugnado se este, apesar de deixar de fazer menção expressa ao argumento levantado pela parte, adota posicionamento contrário à tese por ela exposta. 2. A licitação pública caracteriza-se como um procedimento administrativo que possui dupla finalidade, sendo a primeira a de escolher a proposta mais vantajosa para a Administração e a segunda, a de estabelecer a igualdade entre os participantes. 9 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 11ª ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 199. 9

3. A possibilidade de anulação do procedimento licitatório após celebrado o contrato administrativo não suscita maiores dúvidas, porquanto a própria Lei 8.666/93 dispõe que a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato dele decorrente. 4. Não observadas as regras legais que regulam tal procedimento, de modo a causar prejuízo à Administração Pública ou a qualquer das partes, impõese o reconhecimento da nulidade. 5. A exegese do 3º, do art. 49, da Lei 8.666/93, mostra que a redação do mesmo é dirigido à autoridade administrativa e não à judiciária. 6. Recursos conhecidos, porém, desprovidos. (RESP 447814/SP; RECURSO ESPECIAL 2002/0086977-7; Rel: Min. José Delgado, T1 Primeira Turma. Julgado em 17/12/2002 ; DJ 10.03.2003, p. 112.) 4. CONCLUSÃO ANTE O EXPOSTO, dada a nulidade do processo de licitação Concorrência n. ZJY/03 Processo n. LI/FHY, do qual decorre a nulidade da Autorização Administrativa n. VCG/03, recomenda-se a X que imediatamente tome providências judiciais visando obter declaração de nulidade da licitação referida e do contrato dela decorrente, para que cessem definitivamente as suas obrigações formalmente acordadas perante a W. É o parecer. Município, (dia) de (mês) de (ano). GUSTAVO JUSTINO DE OLIVEIRA Doutor em Direito do Estado pela USP. Professor dos Cursos de Especialização em Direito na FGV-SP, FGV-RJ e no Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar (Curitiba-PR). Advogado e Consultor em Direito Público. Ex-Procurador do Estado do Paraná. OAB/PR 19.780 ANA CAROLINA HOHMANN 10

OAB/PR 40.798 11