A IMPORTÂNCIA DAS CORES PARA A QUALIFICAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL



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Transcrição:

A IMPORTÂNCIA DAS CORES PARA A QUALIFICAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL WARPECHOWSKI, CAMILA. (1); MACHADO, NARA HELENA NAUMANN 1. (2) 1. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 9 Porto Alegre/RS cwarpe@gmail.com 2. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Faculdade de Arquitetura Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 9 Porto Alegre/RS nmachado@pucrs.br RESUMO O trabalho tem como objetivo analisar a importância do uso da cor para a valorização da arquitetura que compõe os centros históricos urbanos. Serão abordadas as cores de edificações integrantes do Centro Histórico de Porto Alegre, e de que forma as intervenções de reabilitação qualificam a paisagem cultural, através de planos de cor para superfícies arquitetônicas. O estudo irá analisar a imagem urbana a partir de um estudo de caso, no Centro Histórico de Porto Alegre, que atualmente se encontra bastante descaracterizado. Para analisar de que maneira se pode buscar o equilíbrio cromático entre as edificações novas e antigas, serão selecionados alguns imóveis situados na Rua dos Andradas para elaboração de um diagnóstico cromático. A rua mais antiga da cidade também se encontra descaracterizada pelo forte apelo comercial e isso igualmente pode influenciar a escolha cromática das edificações. Palavras-chave: Cor; Centro Histórico; Paisagem Cultural. 1 Professora Orientadora do trabalho no curso de Especialização em Restauração e Reabilitação do Patrimônio Edificado/PUC-RS.

Introdução O presente trabalho tem como objetivo central estudar as preferências cromáticas atuais e antigas dos centros históricos urbanos. A análise terá como eixo a imagem urbana do Centro Histórico da cidade de Porto Alegre, através do diagnóstico cromático de edificações que compõe o acervo preservado da Rua dos Andradas. Como objetivos específicos serão estudadas diretrizes para o equilíbrio cromático entre as edificações novas e antigas, no centro histórico de Porto Alegre. Salvo desconhecimento da autora, não existem pesquisas nessa área a partir do acervo preservado em Porto Alegre, e o centro da cidade está bastante descaracterizado em termos cromáticos, demonstrando a necessidade de pesquisas neste domínio, para possibilitar uma adequada análise cromática dos centros históricos visando a qualificação da paisagem urbana. Entre as principais dificuldades encontradas para a elaboração do trabalho, destaco a restrita bibliografia existente sobre o tema e poucos registros sobre os aspectos cromáticos da cidade. A dificuldade da realização dessa pesquisa se deve também ao desenvolvimento da cidade, pois seu rápido crescimento e as transformações urbanas decorrentes ao longo do tempo dificultam o registro de documentos existentes sobre as edificações. Também pode se considerar que as fontes documentais possuem registros de informações muitas vezes incompletas, assim o trabalho apresentado não esgota o assunto, podendo ser visto como um estudo inicial básico para a análise cromática do centro histórico de Porto Alegre. Para este estudo será revisada a bibliografia existente sobre o tema e também serão analisados os principais aspectos da Rua dos Andradas a partir de material iconográfico da rua objeto do estudo de caso. Também será feito levantamento fotográfico da situação atual da Rua dos Andradas em termos cromáticos, identificação de imóveis tombados e inventariados e o levantamento de suas atividades predominantes. Para a análise cromática serão selecionados imóveis de uso comercial e misto de propriedade privada, visto que são os imóveis mais propensos a alterações cromáticas indevidas, e que façam parte do patrimônio a ser protegido na cidade, sendo então selecionados somente imóveis tombados e inventariados. Os imóveis públicos foram excluídos desta análise, sugerindo também a continuidade da pesquisa neste tema para um futuro trabalho.

Cores e a paisagem cultural dos centros históricos A cor é a impressão produzida no olho pela luz, é a aparência dos corpos segundo o modo como refletem ou absorvem a luz. A cor é importante para a percepção do ambiente pelo ser humano, pois cerca de 80% de toda informação que o ser humano recebe é de natureza óptica e compõe-se simultaneamente de formas e cores. (KUPPERS, 1994 apud AGUIAR, 2005, p.145) Como um conceito de paisagem podemos dizer que é um espaço de terreno que se abrange com um lance de vista, panorama, representação ou descrição de uma vista panorâmica. (LUFT, 1996, p. 460) O termo Paisagem Urbana é um conceito que exprime a arte de tornar coerente e organizado, visualmente, o emaranhado de edifícios, ruas e espaços que constituem o ambiente urbano. (CULLEN, 1983) Contempla a sensação visual do ambiente urbano com suas edificações em diferentes estilos, texturas e cores que caracterizam a malha urbana. A cor permite criar diferentes espaços na paisagem, com efeitos de profundidade e dinamismo, buscando o equilíbrio ou o desequilíbrio em um determinado espaço. Também é considerada como característica do estilo de vida de uma época, com as tecnologias e materiais utilizados naquele período. É certo que os revestimentos e a cor imitavam materiais nobres e arquitecturas mais ricas em formas, mas faziam-no protegendo os edifícios ao mesmo tempo em que garantiam o respeito pela linguagem e pela gramática da arquitectura, sublinhando o primado da ordem, marcando o claro e o escuro, realçando o cheio e o vazio, potenciando a capacidade comunicacional das formas projectadas. (AGUIAR, 2002, p.02). Centro histórico é considerado o local mais antigo da cidade, onde a mesma teve o início de sua ocupação, testemunhando várias épocas desse núcleo de origem. Neste local se concentram elementos preservados da cidade, correspondendo ou não a uma área central da mesma. O centro histórico torna-se reconhecido como lugar onde vários elementos materiais e imateriais se integram, testemunhando como a sociedade e a cultura se relacionaram ao longo dos anos. (NAOUMOVA, 2009, p. 5) O conceito da preservação e conservação pode ser ampliado, em outros estudos cromáticos, para núcleos considerados históricos, visto que o patrimônio construído das cidades não se limita somente ao centro histórico. Os centros históricos das cidades possuem um papel muito importante de contribuição para a memória da sociedade e as cores influenciam na percepção

de autenticidade e de identidade cultural desses espaços, que deve ser transmitido, ensinado e contado para as próximas gerações, como forma de assegurar a continuidade e autenticidade da história da cidade. O início da conservação da cidade histórica surge confrontando-se com o inevitável processo de urbanização, ou seja, com a aplicação da cultura da cidade moderna ao desenho da cidade com o objetivo de salvaguarda desse patrimônio. (AGUIAR, 2005, p. 81) A partir de uma análise das principais cartas patrimoniais podemos perceber a evolução dos conceitos de preservação ao longo do tempo. As cartas patrimoniais organizadas para o estudo da conservação e elaboração de diretrizes para a prática da conservação tratavam inicialmente de monumentos. O conceito de preservação foi ampliado ao longo do tempo para a proteção de conjuntos urbanos integrados na paisagem urbana, discutindo seus valores de autenticidade no seu contexto cultural. Em 2007 na cidade de Bagé no Rio Grande do Sul, foi organizado um encontro que originou um documento chamado Carta da Paisagem Cultural, onde: A paisagem cultural inclui, dentre outros, sítios de valor histórico, pré-histórico, étnico, geológico, paleontológico, científico, artístico, literário, mítico, esotérico, legendário, industrial, simbólico, pareidólico, turístico, econômico, religioso, de migração e de fronteira, bem como áreas contíguas, envoltórias ou associadas a um meio urbano. (Carta da Paisagem Cultural, 2007, Art. 11º). Na Carta de Nara em 1994 foi debatido o conceito de autenticidade, tendo como objetivo a garantia da identidade cultural, no mundo onde a globalização cada vez mais traz o risco de homogeneizar as culturas. A autenticidade na conservação dos bens culturais é uma maneira de qualificar e garantir a identidade da diversidade cultural e da memória de cada comunidade. A importância do estudo das superfícies arquitetônicas para a teoria e prática da conservação e restauro do patrimônio arquitetônico ainda é recente, sendo reconhecida então como parte integrante e indissociável da autenticidade material dos edifícios históricos (AGUIAR, 2005 p. 320). As cores que fazem parte da paisagem de um conjunto urbano são responsáveis por atribuir identidade a esses espaços, e muitas vezes são associadas aos materiais que existem na região, como fontes de pigmentação para essas cores.

Também se deve considerar que os bens históricos possuem além da função de propiciar saber e prazer à disposição de todos, a função de produtos culturais, fabricados, empacotados e distribuídos para serem consumidos (CHOAY, 2006, p.211). Por isso o cuidado com a autenticidade dos bens e de seus revestimentos é importante para a identidade das edificações, de forma que a difusão da cultura não acabe por transformar esses espaços em cenários que são iguais em qualquer lugar do mundo, mantendo assim a identidade de cada região. A identidade das edificações que compõem o espaço urbano é formada pela história e evolução dos materiais de revestimentos e pigmentos que os compõem. Os condicionantes sociais e culturais também compõem a paisagem e fazem parte da sua história, bem como de diferentes períodos arquitetônicos em que as edificações são construídas A moda e até mesmo as preferências cromáticas influenciaram na arquitetura, e sua repintura era e ainda é uma forma de seguir tendências e modismos de cada época. Os revestimentos possuem duas funções principais que são a de proteção e a função estética. É uma camada de proteção, pois resguarda as paredes e estruturas de umidade e agressões físicas do ambiente; e também de valor estético, regularizando as superfícies e expressando sua composição arquitetônica. (AGUIAR, 2005) O reconhecimento do revestimento e pintura como forma de garantir a autenticidade das edificações é recente no estudo da preservação arquitetônica. As pesquisas iniciaram na Europa com a preservação dos revestimentos de edificações históricas, buscando então a investigação sobre planos de cores para cidades históricas. Em países como Itália, Inglaterra, Áustria, França e Alemanha foram elaborados estudos com objetivo da preservação dos revestimentos e acabamentos originais das edificações históricas, originando Planos de Cor para a preservação das superfícies. (AGUIAR, 2005) No Brasil a preocupação com a qualificação dos centros históricos iniciou nas duas últimas décadas do século XX, porém o tema da aparência estética é mais recente. Os assuntos cromáticos são pouco abordados nos estudos do patrimônio arquitetônico urbano, e quando abordados, são bastante pontuais apesar da sua importância para a qualificação e autenticidade dos centros históricos. (NAOUMOVA, 2009) A publicação referente à recuperação de imóveis no Corredor Cultural do Rio de Janeiro sugere algumas observações para a pintura das fachadas que fazem parte do Corredor Cultural. Recomenda-se avaliar o entorno no qual está inserido o imóvel, de forma a harmonizar ou destacar do conjunto no qual está inserido. A repetição de tonalidades e o

destaque de um imóvel com tom mais forte nas esquinas ou realçá-lo do seu contexto devem ser analisados conforme a intenção da proposta. (RIOARTE, 1985) No Rio Grande do Sul, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE), possui uma publicação destinada a proprietários, moradores e usuários de edifícios considerados bens culturais com orientações para sua preservação, que considera que as cores originais das fachadas devem ser mantidas, recomendando o uso de tintas à base de cal e silicatos, e tinta a óleo e esmalte para esquadrias e metais. Para as edificações com acabamento em cirex não é indicada a pintura do revestimento, pois altera de maneira irreversível suas propriedades, características da arquitetura protomodernista. (IPHAE, 2004) As cores são um aspecto importante que vem sendo considerado para a visibilidade e legibilidade da paisagem urbana em Porto Alegre. Nesta cidade, a Secretaria Municipal de Cultura através da Equipe de Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC) possui Diretrizes para Intervenções no Conjunto Arquitetônico da Rua João Alfredo, que podem ser adotadas como base para a definição de diretrizes para outros conjuntos arquitetônicos da urbe. Quanto ao uso de cores diz que A escolha da cor para a pintura, além de contribuir para destacar particularidades e definir um ambiente urbano, acaba sendo uma forma de apropriação do espaço por parte dos usuários que deve ser respeitada. Sugere também que o uso de cores não acarrete descaracterização do conjunto, vedando cores escuras, cítricas ou fosforescentes. (EPAHC, 2005, p. 8) Percebe-se que a preocupação com a cromática das edificações de centros históricos com o passar do tempo foi adquirindo especificidades conforme o local e revestimentos utilizados em determinadas épocas. Estudo de Caso: Rua dos Andradas A escolha da Rua dos Andradas como eixo de análise do estudo de caso se baseou no seu próprio histórico e características. A rua se localiza no Centro Histórico de Porto Alegre e é uma das mais antigas da cidade, possuindo características marcantes e concentrando parte significativa de seu comércio desde sua origem até os dias atuais. Características da Rua dos Andradas Para descrever a situação atual da Rua dos Andradas, ela foi subdividida em trechos conforme o Atlas Ambiental de Porto Alegre (MENEGAT, 2006).

No primeiro trecho temos a concentração de atividades de defesa, por se tratar do trecho mais acessível para quem chegava pelo lago Guaíba. Seu uso atual é residencial e institucional, com poucas atividades de comércio e uso misto. A maioria das edificações é recente, com alguns exemplares importantes do século XIX e início do século XX. Destaca-se o conjunto das edificações formadas pelo quarteirão da Igreja Nossa Senhora das Dores, com os Quartéis Generais e os Museus do Trabalho e Militar. Grande parte das edificações remanescentes é de propriedade e uso público. No segundo trecho se localizava uma área mais comercial junto ao trapiche da Praça da Alfândega e foram surgindo equipamentos de apoio. Do início da rua até este trecho, a Rua dos Andradas era chamada de Rua da Praia. As atividades atuais são mistas, e possui uma amostra significativa de imóveis protegidos. As edificações residenciais vão perdendo seu espaço para o comércio e uso misto. Destacam-se neste trecho a Casa de Cultura Mário Quintana, a Catedral da Santíssima Trindade, o Museu de Comunicação Social, o Centro Cultural da Caixa que está em execução no prédio do antigo Cine Imperial, o Clube do Comércio, o antigo Cine Guarani e a antiga Farmácia Carvalho. O terceiro trecho teve um uso comercial bastante intenso e sofisticado. A partir deste trecho até o seu final, a Rua dos Andradas era chamada de Rua da Graça. Com a abertura da Borges de Medeiros, surgem os edifícios com galerias e também edifícios mais altos. O uso comercial e de serviços é intenso até os dias de hoje. Destacam-se o Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo, a antiga Livraria do Globo e edifícios comerciais e mistos como o Edifício Santa Cruz, a Galeria Chaves, Sulacap, Sul América e o Edifício Herrmann. No quarto trecho o uso comercial se estende e a verticalização é bastante característica, modificando bastante a paisagem e possuindo poucos remanescentes de edificações históricas. O uso misto residencial e comercial também diminui e podemos destacar o edifício comercial da antiga Casa Bromberg e o edifício Bastian Pinto. Cada um desses trechos possui características diferentes desde a sua formação até hoje. A atividade principal da Rua dos Andradas continua sendo comercial, tendo um uso mais variado e com residências nos dois primeiros trechos. Os dois últimos trechos já se configuram como comerciais, tendo poucos imóveis de uso misto e residenciais.

Figura 1 - Mapa Esquemático dos Bens Integrantes do Patrimônio Cultural da Rua dos Andradas. Fonte: Desenho da autora com base no mapa aerofotogramétrico da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. O Patrimônio Cultural da cidade é identificado através de bens imóveis, isolados ou em conjunto, parques, praças, sítios e paisagens, bens arqueológicos e bens intangíveis que tenham valor significativo, bem como manifestações culturais que conferem identidade a esses espaços. Na Rua dos Andradas podemos identificar Edificações Tombadas 2, e Inventariadas de Estruturação 3 ou Inventariadas de Compatibilização 4. A rua apresenta Imóveis Tombados pelos diferentes órgãos de preservação como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o IPHAE e pela Equipe do Patrimônio Artístico, Histórico e Cultural, vinculada à Secretaria de Cultura do Município. 2 Bens Tombados são os que constituem o Patrimônio Histórico-Cultural, Natural e Paisagístico do Município e o conjunto de bens móveis e imóveis e os espaços existentes em seu território e que, por sua vinculação a fatos pretéritos memoráveis, a fatos atuais significativos por seu valor cultural ou natural, ou por sua expressão paisagística, seja de interesse público preservar e proteger contra ações destruidoras. (Art. 1º da LC 275/92) 3 Edificação Inventariada de Estruturação é aquela que por seus valores atribui identidade ao espaço, constituindo elemento significativo na estruturação da paisagem onde se localiza. (Inciso I do Parágrafo único do Art. 14 da LC 646/10) 4 Edificação Inventariada de Compatibilização é aquela que expressa relação significativa com a de Estruturação e seu entorno, cuja volumetria e outros elementos de composição requerem tratamento especial. (Inciso II do Parágrafo único do Art. 14 da LC 646/10)

Esses imóveis preservados tanto pelo tombamento quanto pelo inventário do Município caracterizam o valor histórico, arquitetônico e cultural que a rua possui. São 91 imóveis com algum tipo de proteção que configuram o valor cultural da via, cerca de 40% dos imóveis. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre (PDDUA) identifica na cidade Áreas de Interesse Cultural, entre elas setores que integram a Rua dos Andradas. Essas Áreas de Interesse Cultural, bem como os bens que fazem parte do Inventário do Patrimônio Cultural, são identificadas conforme seu valor histórico, arqueológico, excepcionalidade, valores de representatividade, de referência, arquitetônicos, simbólicos, práticas culturais, tradições e heranças, considerando também, as relações físicas e culturais com o entorno. ( 4º do Art. 92 da LC 646/10) A Rua dos Andradas encontra-se atualmente bastante descaracterizada e degradada. A rua sempre teve características de uso comercial, porém esse uso intenso acabou agravando a condição de descaracterização, visto o apelo do comércio em se destacar através da cor e da comunicação visual. Análise Cromática Analisando a Rua dos Andradas hoje, considerando as edificações protegidas e as edificações que compõem seu entorno, através de fotografias de testada de quarteirão, percebemos que as edificações de uso público e privado possuem um controle diferenciado na escolha das cores dos revestimentos. A escolha da cor dos imóveis privados pode ser uma manifestação espontânea dos proprietários, mas se não for uma decisão adequada, pode colocar em risco a leitura das edificações de forma coerente com a influência arquitetônica da época de sua concepção. Os proprietários dos imóveis têm na cor um instrumento de individualização e apropriação do espaço e as camadas cromáticas encontradas nas edificações evidenciam o costume de repintá-la várias vezes, sendo também incentivados pelo lançamento de novas paletas de cores de tintas e conforme novas tendências. Assim, para a análise da preferência cromática dos imóveis da Rua dos Andradas foram selecionados os imóveis Inventariados de Estruturação e Tombados, que são de propriedade privada e tenham uso atual comercial ou misto, considerando que estes são os imóveis mais suscetíveis a alterações cromáticas. Como não foi possível realizar prospecções pictóricas nas edificações selecionadas para a análise cromática no centro de Porto Alegre, o assunto será introduzido a partir de estudos

cromáticos realizados em cidades no interior do estado. Prospecções realizadas em edificações nas cidades de Pelotas, Piratini, Bagé e Jaguarão no estado do Rio Grande do Sul evidenciam a estreita relação entre os estilos arquitetônicos e a cor frequentemente utilizada nas edificações, a partir de pesquisas que obtém esses resultados. (NAOUMOVA, 2009) As edificações existentes preservadas na Rua dos Andradas são de diferentes períodos históricos e de diversos estilos, influências e tipologias arquitetônicas. Os estilos das fachadas também são, no geral, bastante heterogêneos, misturando influências de vários estilos em uma mesma edificação. Os períodos arquitetônicos também foram acontecendo de maneira concomitante, com alguns casos em que a edificação sofria uma atualização estilística para se enquadrar nas influências do momento. O estilo colonial português ou arquitetura luso-brasileira se caracterizava pelo uso do contraste nas cores do branco das paredes com o colorido das esquadrias. Com o passar do tempo, ao longo do século XIX, houve então um desprezo no Brasil pelas casas brancas caiadas que eram consideradas casa caiadas de pobres, contrapondo então com as casas coloridas dos ricos. (NAOUMOVA, 2009, p.68 e 69) O estilo eclético, que se caracteriza pelo edifício com estilos de diferentes influências, foi utilizado em Porto Alegre entre a segunda metade do século XIX e primeiras décadas do século XX. Em geral eram utilizadas cores contrastantes entre a parede de fundo e os ornamentos e detalhes, que eram em tons mais claros ou brancos. Em alguns casos o térreo era pintado com uma coloração mais escura. Também se utilizavam da cor para imitar materiais mais nobres, geralmente no interior das edificações. Nas edificações com influências do protomodernismo, que foi um período de transição entre o estilo eclético e o moderno, se utilizavam cores mais neutras e discretas como bege ou cinza, se assemelhando com os novos materiais que estavam sendo utilizados. Nessa época se utilizava bastante a argamassa sem proteção, também chamado de cirex, cimento aparente ou cimento penteado. As fachadas eram pintadas somente com uma cor sem diferenciar os ornamentos das paredes. As esquadrias eram geralmente pintadas de cinza ou marrom. (NAOUMOVA, 2009) No modernismo as edificações eram geralmente revestidas com cirex ou reboco com pintura e reboco tingido, com grandes vãos envidraçados, semelhantes também com os imóveis influenciados pela Escola de Chicago. Entre as edificações da amostra selecionada para o diagnóstico cromático da rua, foi identificado predominantemente a influência dos estilos eclético, sendo alguns com

características neoclássicas, protomodernistas, modernistas e alguns com características da Escola de Chicago. Dentro do protomodernismo se inserem as edificações que apresentam fachadas com elementos de características Art Nouveau e Art Déco, época em que para sugerir a modernização dessas edificações, algumas eram pintadas com cores semelhantes aos materiais mais modernos empregados na época. Os padrões cromáticos das edificações foram evoluindo conforme o desenvolvimento dos estilos arquitetônicos. (NAOUMOVA, 2009). Foram analisados 31 imóveis com uso comercial e 5 imóveis de uso misto comercial e residencial, totalizando 36 imóveis. São 34 imóveis inventariados de estruturação e 2 imóveis tombados pelo município. Nestes imóveis foram identificadas as principais características arquitetônicas das fachadas e o período aproximado de sua construção, para separá-los por suas influências predominantes. Grande parte das fachadas está preservada a partir do segundo pavimento da edificação, pois o pavimento térreo muitas vezes não possui seus vãos nem suas esquadrias originais, tendo também um tratamento de revestimento diferente do restante do prédio, com revestimento de granito ou madeira. Foram identificadas 18 edificações que possuem suas esquadrias do térreo substituídas por cortinas metálicas e algumas destas com cores diferentes do restante da edificação. Foram analisadas as preferências cromáticas atuais das edificações divididas em base, paredes, detalhes e esquadrias. Figura 2 Exemplo de perda da unidade da edificação através da pintura. Fonte: Fotografia da autora.(2014)

A maioria das fachadas analisadas corresponde ao período eclético. Das 15 edificações da amostra, 12 são pintadas com ornamentos mais claros que as paredes de fundo. Uma delas está pintada com os ornamentos mais escuros que a parede de fundo e 2 estão com a mesma cor nos ornamentos e parede. As cores mais utilizadas para as paredes são amarelo, rosa e azul e naquelas que possuem a mesma cor nos ornamentos e parede foram utilizados tons de bege. Foi identificada uma edificação da amostra com revestimento em azulejo estilo português com características neocoloniais. A situação atual da fachada é conservada apesar do pavimento térreo com revestimento de madeira estar bastante desconfigurado devido à troca das esquadrias existentes pela cortina metálica. Duas das 5 edificações com elementos Art Nouveau possuem a pintura semelhante a das edificações ecléticas, com ornamento mais claro que a parede de fundo nas cores amarelo e verde. Duas edificações possuem os ornamentos mais escuros que a parede de fundo, nas cores laranja e marrom claro. Em uma edificação foi utilizada a mesma cor para paredes e ornamentos na cor bege. Dos 10 exemplares de características Art Déco, 5 possuem revestimento em cirex e entre eles 4 possuem a mesma cor para revestimento e ornamentos um possui ornamentos mais escuros que a parede de fundo. Também se identificaram 3 exemplares que possuem a mesma cor para a pintura de toda edificação. Uma edificação com influência Art Déco, possui pintura que remete ao estilo eclético em tons da logomarca da empresa que ocupa o imóvel. Duas edificações possuem influência da Escola de Chicago com semelhança no tratamento de fachadas a características do protomodernismo. As edificações modernistas utilizam cores mais sóbrias como bege e marrom, conforme identificado em 3 exemplares, com revestimento de reboco tingido de bege e rosa, reboco com pintura e revestimento sem proteção (cirex). Os prédios com revestimento em cirex ocasionam a impressão do centro da cidade ser bastante acinzentado, porém é característico da época de construção das edificações. Alguns exemplares protomodernistas e modernistas do centro da cidade estão com seu revestimento de cirex pintado como forma de renovação da fachada do imóvel, o que pode ocasionar danos ao revestimento original.

Figura 3 Exemplo de edificação com características protomodernistas nas cores da logotipia da empresa. Fonte: Fotografia da autora (2014) As cores predominantes das paredes dos edifícios em geral são na cor amarelo e bege (18,75% cada), branco e marrom claro (9,38% cada) e amarelo ocre e rosa claro (6,25%). Para a pintura da base 18,75% são de cor marrom, 12,50% na cor amarelo e 6,25% cada nas cores branco, cinza claro, marrom claro, preto e rosa claro na maioria das edificações. Os detalhes são na sua maioria de cor branca (43,25%), marrom claro (15,63%), amarelo claro, bege, bege escuro e marrom (6,25% cada). A maioria das esquadrias são brancas (46,88%), cinza (21,88%) e marrom (15,63%). Tão importante quanto o aspecto da cor na autenticidade das edificações protegidas, é o entorno desses bens. Analisando os quarteirões percebemos o quanto uma edificação com excesso de comunicação visual e com pintura inadequada descaracteriza a paisagem urbana. Figura 4- Paisagem de entorno de bens tombados. Fonte: Fotomontagem Leandro de Lima Martins (2014)

Apesar das dificuldades para a classificação das edificações por estilos arquitetônicos é possível perceber que algumas edificações poderiam estar mais bem representadas e com sua tipologia arquitetônica legível caso estivesse pintada com suas cores originais. Para a determinação da proposta cromática a ser utilizada, temos no trabalho de Baldi et al. apud Naoumova, as seguintes opções de decisões cromáticas: 1) manter a cor atualmente existente; 2) reconstituir a cor original, tal como concebida pelo artífice); 3) adaptar a pintura do edifício às cores dominantes do ambiente histórico, do qual a arquitetura faz parte; 4) reconstruir qualquer outra pintura em sequência das camadas sobrepostas nas paredes da edificação; e 5) adaptar a cor ao estado estético otimizado da edificação ou período historicamente mais significativo da apresentação daquela arquitetura, quando a cor que caracterizava o edifício tornou-se o referencial histórico e foi memorizado na arquitetura da cidade, mesmo quando essa cor não apresenta o conceito original. (NAOUMOVA, 2009, p. 11) A partir do levantamento fotográfico da situação atual das edificações na Rua dos Andradas e em comparação com fotografias, postais e documentos antigos, percebemos a necessidade de um esclarecimento maior a proprietários e arquitetos sobre a importância da valorização das edificações a partir da cromática apresentada na paisagem de centros históricos. Diretrizes Cromáticas para Centros Históricos A partir do estudo realizado, pode-se considerar que cada local deve ser analisado conforme suas especificidades, porém é possível traçar diretrizes que podem ser utilizadas para a valorização cromática de núcleos históricos e viabilizar a autenticidade e identidade da paisagem urbana. Para instruir as decisões sobre cores em edificações com valores a serem preservados é necessário pesquisar o máximo possível de dados sobre o imóvel. É importante analisar o material histórico e iconográfico disponível sobre a edificação. Também pode subsidiar essa pesquisa, bibliografia com dados sobre a época de sua construção, informações sobre o autor do projeto e suas obras. É necessário fazer uma análise das cores utilizadas na edificação em diferentes épocas através de técnica de prospecção pictórica. A prospecção pictórica consiste em retirar cuidadosamente camada por camada de tinta sobrepostas ao longo dos anos de amostras analisadas, registrando todas as cores identificadas. Esses pontos de prospecção devem ser

escolhidos preferencialmente em locais protegidos de intempéries e vandalismo, pois assim possuem mais camadas de tinta preservadas. Nessa análise também se deve considerar a insolação incidente no imóvel e o possível desbotamento que a cor original possa ter sofrido. Os pontos escolhidos para a prospecção devem abranger diferentes locais e diferentes elementos da fachada, como embasamento, ornamentos, frisos, elementos decorativos, paredes e esquadrias. É preciso ter cautela para verificar, na seleção de pontos de análise, a ocorrência de amostras de reboco que já foram substituídas em reformas anteriores, para conduzir assim a uma possível coloração original. A tinta a ser escolhida também deve estar de acordo com o revestimento existente, pois dependendo do tipo de material utilizado no revestimento e do tipo de fundação utilizada na sua construção, a edificação poderá apresentar patologias por não ter sido utilizada tinta adequada, e trazer danos à edificação por incompatibilidade dos materiais. É possível também a elaboração de um estudo para a organização de paletas de cores conforme levantamento de prospecções feitas nos trabalhos de restauro dos imóveis da região. Essa paleta de cores pode dar sugestões cromáticas utilizadas conforme cada período e a partir das influências arquitetônicas da fachada da edificação, para subsidiar o trabalho de arquitetos e proprietários desses imóveis. O Guía para la aplicación de color em inmuebles de barrio antiguo de Nuevo León, no México, apresenta passos para a prospecção pictórica como:...determinar la época y estilo del edifício; realizar calas en muros y elementos ornamentales, capa por capa de color, para determinar el original; se registrará fotográficamente cada capa pictórica; determinar la calidad de la pintura aplicada mediante análisis químico: si se aplicó cal, cal con pigmento natural, pintura de aceite o pintura vinílica; e finalmente, se respetará el color original. (Fonte: http://www.nl.gob.mx/pics/pages/paletadecolores_barrio antiguo_base/guiaaplicacioncolores.pdf) Sugere também que os imóveis de contexto ou de entorno do prédio preservado possuam cores com igual ou menor saturação e luminosidade. As recomendações de referem a edificações preservadas, do entorno e novas situadas no sítio antigo da cidade. A cidade de Puebla, também no México, possui uma Carta de Colores para a área de monumentos que abrange diferentes paletas de cores, uma para os séculos XVI a XVIII, com 3 cores e 5 variações de tonalidades com sugestões de combinações entre elas; e outra

paleta para os séculos XIX e XX, com 17 cores e 5 variações de tonalidades, além do uso da cor branca para ambas. (Fonte: Carta de Colores, INAH PUEBLA) Nesse caso percebe-se que houve uma preocupação com a manutenção das cores conforme os pigmentos existentes em cada época, aumentando a gama de cores nas edificações conforme a época em que a disponibilidade de corantes era maior. A elaboração de um plano de cor ou paleta de cores é importante para servir de guia para proprietários e arquitetos ao escolher as cores para as fachadas dos imóveis no Centro Histórico da cidade. Assim, prevendo opções mais adequadas, conforme cada tipo e características do imóvel, seja de um imóvel protegido ou de um imóvel do entorno dessas edificações. É necessário que esses estudos tenham o objetivo de qualificar a identidade do centro histórico, através de um plano colorístico para a sua revitalização. A comparação com outros centros históricos serve como referência de casos bem sucedidos, porém a cidade não pode se tornar um cenário com referências sem autenticidade ou um pastiche. Os imóveis devem ser pintados de maneira coerente com a edificação, mantendo sua unidade e evidenciando suas características históricas e arquitetônicas. A decisão cromática pode ser estabelecida a partir da definição da cor original do imóvel. Como a definição da cor original pode não ser conclusiva, também se pode optar pela reconstrução de outra camada pictórica sobreposta, pesando valores estéticos ou de um período histórico de maior importância do imóvel. Conclusão Tendo como base os dados obtidos por esta pesquisa conclui-se que o estudo da relação das cores com a arquitetura precisa ser aprofundado em termos de estética cromática, bem como deve considerar os dados históricos das edificações e suas respectivas influências arquitetônicas para a adequada utilização dos padrões cromáticos. Dessa forma a escolha cromática das edificações deve ser uma decisão crítica, estética e determinante para os projetos de conservação patrimonial. Não se tem a intenção de defender o controle das decisões cromáticas de centros e núcleos históricos, mas de possibilitar a discussão e difundir o conhecimento para que se possam tomar decisões a partir desse estudo. Afinal, conhecendo os valores patrimoniais e divulgando-se esse conhecimento, promove-se uma maior e mais democrática partilha das decisões de salvaguarda. (AGUIAR, 2008, p. 28)

É importante frisar que não se trata somente da escolha cromática envolvendo cores de tintas, mas também de texturas, acabamentos, materiais e técnicas que envolvem a recuperação e conservação de revestimentos assim como a cromática de seus materiais. A preservação do revestimento como um elemento importante para a leitura da edificação contribui para que não se perca a identidade e a autenticidade do bem protegido. A pesquisa sobre um estudo de cores para as edificações que compõem o entorno de bens históricos é importante para a qualificação da legibilidade do ambiente, a partir do controle e articulação das edificações novas e antigas. A adequação cromática das edificações integrantes do centro histórico é importante para buscar o conforto visual da paisagem e manutenção de sua identidade. Busca-se assim incentivar a capacitação teórica e crítica para o desenvolvimento de projetos de conservação do patrimônio arquitetônico e de reabilitação urbana com mais qualidade cromática. O presente trabalho deixa em aberto uma linha de investigação para explorar a cromática de centros históricos, pois o fomento da discussão é importante, uma vez que quanto mais se reconhece o valor das edificações através de seus revestimentos, melhor será a determinação dos elementos de conservação e preservação. Também é importante salientar que sempre que possível é necessário buscar intervir menos nos revestimentos originais das edificações, pois com a preservação desses revestimentos antigos se mantém a autenticidade da paisagem dos centros históricos. Referências AGUIAR, José. A cor escondida das cidades históricas portuguesas e o caso do Palácio de Queluz, em Cadernos Edifícios nº2, Outubro, Lisboa, LNEC, 2002. Disponível em: <http://mestradoreabilitacao.fa.utl.pt/disciplinas/jaguiar/jaguiarcadernosedificios2.pdf>. Acesso em 06 de abril. 2013. AGUIAR, José. Cor e Cidade Histórica. Estudos cromáticos e Conservação do Patrimônio. Porto: Edições FAUP, 2005. 649 p. BELLO, Helton Estivalet. O ecletismo e a imagem da cidade: caso Porto Alegre. Porto Alegre: UFRGS, 1997. 160 f. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio Grande

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