D A P R É - H I S T Ó R I A À P Ó S - H I S T Ó R I A 1 9 9 6
também conferência em Video Conférence sur MBONE Fundação para a Computação Científica Nacional, Lisboa, Portugal École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça l Institut National de l Audiovisuel, Paris, França Berkeley University, California, Estados Unidos Da pré-história à pós-história, a emergência de uma transcultura Emanuel Dimas de Melo Pimenta título: DA PRÉ-HISTÓRIA À PÓS-HISTÓRIA, A EMERGÊNCIA DE UMA TRANSCULTURA autor: Emanuel Dimas de Melo Pimenta ano: Arquiitectura, estética editor: ASA Art and Technology UK Limited Emanuel Dimas de Melo Pimenta ASA Art and Technology www.asa-art.com www.emanuelpimenta.net Todos os direitos reservados. Nenhum texto, fragmento de texto, imagem ou parte desta publicação poderá ser utilizada com objectivos comerciais ou em relação a qualquer uso comercial, mesmo indirectamente, por qualqueis meios, electrónicos ou mecânicos, incluindo fotocópia, qualquer tipo de impressão, gravação ou outra forma de armazenamento de informação, sem autorização prévia por escrito do editor. No caso do uso ser permitido, o nome do auto deverá ser sempre incluído.
A história, enquanto tecnologia fundamental para a compreensão do fenómeno Ocidente, conheceu a sua, certamente, primeira derrapagem com Karl Popper em 1957, quando lançou o clássico The Poverty of Historicism. Embalado na forma de uma feroz crítica aos seus parceiros teleológicos, cientistas de carácter e forma intensamente aristocráticos, independentemente da cor política, o texto revelou o impacte que a primeira corrente da termodinâmica exerceu principalmente com as ideias de Werner Heinsenberg e a sua célebre Teoria da Incerteza. Mas, revelou também aquilo que viria a emergir como uma segunda corrente termodinâmica, pouco tempo depois. Em geral, envolvidas pela ilusão da contiguidade produzida pelo uso intensivo da visão, uso que conheceu uma excelente representação no alfabeto fonético e na imprensa de Gutenberg as pessoas não perceberam o que realmente acontecia e se deixaram levar, Popper inclusive, pela ideia de uma disputa política. Naquele mesmo ano era lançado o Sputnik o primeiro satélite de telecomunicações do planeta. Apenas cinco anos mais tarde, Licklider prepararia para as forças armadas Americanas aquilo que viria ser a Internet.
Popper se questionava sobre qual seria o verdadeiro motivo da investigação científica: o desejo de saber ou a luta pela sobrevivência, isto é: o conhecimento sistematizado ou uma Selecção Natural? Uma década depois, Gerald Edelman estabelecia o modelo segundo o qual nosso sistema imunológico e provavelmente também o nosso sistema cognitivo não operariam através de funções instrucionistas, mas sim por auto regulação, selecção e acaso. Muitos historiadores de grande reconhecimento, como Georges Duby, consideram que o grande traço que diferencia o Ocidente é isso a que chamamos de história: cadeia de elementos discretos interconectados polar e diacronicamente. Nem tanto a hierarquia, pois existem diferentes histórias, mas a estrutura do universo auditivo. Parece que, ao intensificarmos fortemente o sentido da visão, resgatamos na audição um princípio eficiente para a elaboração de um modelo de compreensão para a estrutura última dos acontecimentos. Napoleão Bonaparte afirmava que «a política de um Estado» estava «na sua geografia». Não haverá, entretanto, uma ligação essencial entre política, no sentido de polis, história e geografia?
A instituição da polis Grega coincide com a ideia de isonomia, com o surgimento do livro como acumulador de ideias de uma única pessoa com a intensificação da visão através da leitura, com a inauguração da história por Heródoto enquanto espécie de religião e com uma ideia já menos tribal de território. O milagre grego! O fim da história é agora anunciado como o excesso de informação através do imenso crescimento de recursos para o armazenamento de dados. Isto é: se a pré-história se caracterizou por um limitado armazenamento de informações a longo prazo, a pós-história seria o máximo em termos de estocagem de dados em tempo real. Assim, diante de um gigantesco contingente de informações nada mais poderia ser história, pois haveriam a priori as mais variadas situações de verdade. Mas, a exemplo do modelo estabelecido pela navegação ciberespacial, o fim da história coincide também com o fim da ideia clássica de território, e com o início de uma nova geografia. Esta imagem do fim da história tem pouco a ver com a do Professor Fukuyama que, ainda preso às velhas tecnologias, considerava que o mundo pós-histórico permaneceria constituído em Estados Nações.
Rapidamente, as fronteiras se desintegram para terror das autoridades de controlo, que ainda precisam conter fluxos migratórios de tudo aquilo que significa capital, inclusive pessoas. Para o pânico dos políticos ainda acostumados com a velha ideia de território mas, em geral, desacostumados com o ambiente empresarial, como se permanecessem com os pés na era pré-industrial o antigo papel do Estado vai sendo rapidamente deslocado para as empresas multinacionais, que deveriam adoptar o termo de transnacionais. Aliás, um dos únicos e mais fortes vínculos que ainda privilegiam as relações entre políticos e empresas parecem ser os tributos, geradores em última instância de benefícios para as próprias empresas, como se invertêssemos definitivamente os papéis. Culturas são misturadas, produzindo uma interessante e turbulenta bricolage para desespero dos nacionalistas que ainda acreditam na ideia de nação, ou para o desencontro de artistas que ainda acreditam e defendem uma arte padrão e literariamente uniforme. O antigo ethos local se transforma no ethos planetário, global, projectando uma nova ética, turbulenta e não linear, com a qual ainda não estamos acostumados a lidar. 6
O mesmo sistema de supercomunicação e superpolulação produz o fenómeno das megacidades, que em poucos anos serão cerca de cinquenta! imensas colónias sociais com mais de dez milhões de habitantes que funcionam como verdadeiras Cidades Estado. Sem as redes de redes de telecomunicação as megacidades simplesmente não seriam possíveis. Não seria possível um megacomplexo de nanodecisões! As megacidades revelam um interessante processo de organização sem ordem, no sentido de ordem literária. Por isso praticamente a totalidade das megacidades que surgirão nos próximos dez anos estarão localizadas nos chamados países do Terceiro Mundo, isto é: países com baixa taxa de alfabetização. Mas, essas mesmas redes produzem as máfias nas suas mais variadas cores, tomando de empréstimo o nome utilizado por famílias do sul da Itália, que formavam redes de poder através do controle de informação para actividades criminosas. Aliás, a palavra crime tem sua origem etimológica mais distante no Indo Europeu *krei, que significava julgamento. Ora, qualquer julgamento é feito com base num determinado ethos!
Aí certamente está uma chave para a compreensão da razão pela qual o nosso planeta parece constantemente mergulhar em ondas de criminalidade e corrupção, principalmente quando tratamos de megacidades: livres de um ethos padrão, preciso e uniforme, toda a ordem de valores passa a ser questionável. As redes possibilitam, ainda e nesse universo de profunda metamorfose ética a geração imediata de grupos informais de pessoas. Grupos de interesse que constituem praticamente todas as instituições deste fim de milénio. Por isso, em diversas línguas e em diferentes países as pessoas se referem a tais grupos de defesa de privilégios grande parte das vezes grupos fechados utilizando termos como máfia ou igreja. O facto é que apenas no século XX é que a agricultura deixou de ser a principal actividade planetária, que a Idade Média durou praticamente 75% dos últimos dois mil anos e que o mundo branco parece rapidamente perder a posição privilegiada que deteve desde o século XV pelo menos. Hoje, dia 18 de Janeiro de, estarão em actividade no World Wide Web mais de dois milhões de sites, o que representa quase três mil pessoas por site dos quase trinta e três milhões de habitantes da Internet. Prevê-se que no ano 2000, isto é: em apenas cinco anos, haverá mais de um bilião de usuários da Internet, significando quase 17% da população mundial.
Essa nova geografia virtual expõe dois personagens humanos que parecem existir em permanente conflito: a ignorância e o saber. Este, na figura do teleantropos ideia magnificamente delineada por René Berger: o ser humano constituído à distância, feito por encadeamentos de diferentes culturas, aberto e nómada, espécie de Frankenstein contemporâneo, certamente horrível aos olhos da mediocridade. E a ignorância, que surge poderosa na imagem dos analfabetos secundários: indivíduos que, embora tenham frequentado escolas, perderam o hábito e o prazer dos livros, da música, do teatro, da arte em geral. Para estes, cinema virou entretenimento. Pessoas que desprezam a educação, muitas vezes para os próprios filhos, defendendo um mundo dos espertos e da vantagem sobre o semelhante. Como mostra Platão em Teaeteto, tratam-se de duas personagens que estavam presentes já no tempo de Sócrates. Personagens que dominavam a cena do milagre Grego e que parecem ressurgir no meio de uma nova metamorfose. 9