UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo



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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo MÁRCIO VIEIRA HOFFMANN EFEITO DOS ARGILO-MINERAIS DO SOLO NA MATÉRIA PRIMA DOS SISTEMAS CONSTRUTIVOS COM SOLO CAL SALVADOR 2002

MÁRCIO VIEIRA HOFFMANN EFEITO DOS ARGILO-MINERAIS DO SOLO NA MATÉRIA PRIMA DOS SISTEMAS CONSTRUTIVOS COM SOLO CAL Dissertação Apresentada ao Curso de Mestrado da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial à obtenção do grau de MESTRE EM ARQUITETURA. Orientador: PROF. DR. MARIO MENDONÇA DE OLIVEIRA SALVADOR 2002

H698 Hoffmann, Marcio Vieira Efeito dos argilo-minerais do solo na matéria prima dos sistemas construtivos com solo cal / Márcio Vieira Hoffmann. - Salvador: UFBa. Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, 2002, 78pg.; il Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura, 2002. Bibliografia: p. 75-78 1 Preservação e Restauro - Patrimônio. 2 Arquitetura de Terra. 3 Argila. 4 Solo CDU72.025.4:691.4

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo MÁRCIO VIEIRA HOFFMANN EFEITO DOS ARGILO-MINERAIS DO SOLO NA MATÉRIA PRIMA DOS SISTEMAS CONSTRUTIVOS COM SOLO CAL Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo Salvador, 28 de novembro de 2002 Banca Examinadora Prof. Mário Mendonça de Oliveira Doutor Prof. Erundino Pousada Presa Doutor Prof. Emerson de Andrade Marques Ferreira Doutor Prof. Luis Edmundo Prado de Campos

A minha avó, Nayr. In memoriam.

AGRADECIMENTOS Meus maiores agradecimentos ao Prof. Dr. Mário Mendonça de Oliveira, pela orientação segura deste trabalho e por me mostrar como é importante buscar a verdade para a preservação e restauração de patrimônios históricos. Agradeço ao Prof. Dr. Hélio Dias da Silva pela permissão de uso do Laboratório de Sistemas Construtivos da FAU-UNIMEP, à Eng. Lia Pimentel pela ajuda no preparo das amostras, ao Prof. Dr. Pablo Vidal e ao Prof. Dr. Miguel Cooper pelos ensinamentos sobre solos. Também devo agradecimentos aos técnicos do Departamento de Solos da ESALQ USP, pela ajuda na coleta dos solos e aos técnicos José Luiz e Oscar, do Laboratório de Geotecnia da EESC USP pela imprescindível ajuda na condução dos ensaios. Finalmente, meus agradecimentos a todos os professores e colegas do Núcleo de Tecnologia de Preservação e Restauração e do Programa de Pós- Graduação da FA -UFBa pela convivência agradável e produtiva e por terem me ensinado teoria, técnica e arte.

Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra. - Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? pergunta Kublai Khan. - A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra responde Marco -, mas pela curva do arco que estas formam. Kublai Khan permanece em silencio, refletindo. Depois acrescenta: - Por que falar das pedras? Só o arco me interessa. Polo responde: - Sem pedras o arco não existe. Ítalo Calvino, em As Cidades Invisíveis

SUMÁRIO LISTA DE TABELAS 09 LISTA DE FIGURAS 10 1. INTRODUÇÃO 12 1.1. PRESERVAÇÃO DE PATRIMÔNIO 12 1.2. HISTÓRICO DA TEORIA DE RESTAURAÇÃO 13 1.3. O RESTAURO DE UMA CULTURA CONSTRUTIVA 18 1.4. RESGATE DA ARQUITETURA DE TERRA CRUA 19 1.5. OBJETIVOS 23 1.5.1. Objetivo geral 23 1.5.2. Objetivo específico 23 2. REVISÃO DA LITERATURA 24 2.1. ARQUITETURA DE TERRA CRUA 24 2.1.1. Vantagens da arquitetura de terra 30 2.2. O SOLO COMO MATÉRIA PRIMA 32 2.2.1. Solo-cal 35 2.2.2. Ação da cal no solo 36 3. MATERIAIS E MÉTODOS 40 3.1. ESCOLHA DOS TIPOS DE SOLOS 40 3.2. CARACTERIZAÇÃO DOS SOLOS 42 3.2.1. Composição granulométrica 42 3.2.2. Quanto aos limites de Atterberg 43 3.2.3. Quanto à atividade coloidal 44 3.2.4. Quanto à composição mineralógica 44 3.3. FABRICAÇÃO DOS CORPOS DE PROVA 44

3.3.1. Quantidades de cal 45 3.3.2. Ensaios de compactação 45 3.3.2.1. Metodologia da mistura 45 3.3.2.2. Metodologia de compactação 46 3.4. MOLDAGEM DOS CORPOS DE PROVA 46 3.5. ENSAIOS DOS CORPOS DE PROVA 49 3.5.1. Ensaio de absorção de água 49 3.5.2. Ensaio de expansão 49 3.5.3. Ensaio de retração 50 3.5.4. Ensaio de resistência à compressão 51 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 52 4.1. CARACTERIZAÇÃO DOS SOLOS 52 4.1.1. Análise granulométrica 52 4.1.2. Ensaio de granulometria 53 4.1.3. Limites de Aterberge 56 4.1.4. Atividade coloidal 57 4.1.5. Composição mineralógica 58 4.2. ENSAIOS DE COMPACTAÇÃO 60 4.3. ENSAIO DE CONTRAÇÃO 66 4.4. ENSAIO DE EXPANSÃO 68 4.5. ENSAIO DE ABSORÇÃO 70 4.6. ENSAIO DE COMPRESSÃO SIMPLES 70 5. CONCLUSÕES 73 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 75

RESUMO É preciso preservar e restaurar patrimônios arquitetônicos para manter viva a história, o conhecimento, a beleza e a cultura de um povo. Inúmeras obras-primas de inestimável valor são arquiteturas de terra, sejam elas ruínas mais antigas, construídas com técnicas bastante precárias, ou construções feitas mais recentemente, com técnicas mais apuradas. Conservá-las é conservar uma cultura. No entanto, não basta boa vontade para preservar e restaurar uma cultura ou, mais especificamente, uma cultura construtiva. A área de restauração e preservação requer conhecimento das teorias de restauro dos grandes mestres da área. Ainda, para fazer uma restauração é preciso que se faça, previamente, uma pesquisa histórica, o cadastramento do existente, a concepção do projeto e seu desenvolvimento. Isso tudo exige a elaboração de um projeto no sentido mais amplo da palavra, isto é, com a associação de várias disciplinas, como a arqueologia, a museologia e a engenharia ao projeto arquitetônico de restauração. Os sistemas construtivos com solo-cal são parte importante da cultura brasileira. Neste trabalho, foi estudado o efeito dos argilo-minerais dos solos tropicais estabilizados com cal na faixa de zero a doze por cento do peso do solo. Os solos tropicais, principalmente os de região úmida, foram formados por processos que tiveram, muitas vezes, intensidades diferentes dos processos de formação de solos europeus e norte-americanos. Têm, portanto, características diferentes que causam efeitos significativos no sistema solo-cal. Ficam claros os efeitos dos tipos de solo para a qualidade do sistema solo-cal, na amplitude estudada de estabilização com cal. Também fica clara a necessidade de aprofundar o estudo do solo-cal, principalmente no que se refere ao preparo do traço mistura de solo + cal + água e ao tempo e processo de cura.

SUMMARY To preserve and to recuperate architectural patrimonies is essential for maintaining the history, the knowledge and the culture of a people. Masterpieces of enormous value are earth architectures; it does not matter whether they are old ruins built with quite precarious techniques or more recently done constructions, with pretty new techniques. To conserve them means to conserve a culture. However, good will is not enough for preserving or for a culture recuperation or, more specifically, a constructive culture recuperation. The field of restoration and preservation requires knowledge of the theories of the masters. Still, for restoring, one needs to make, previously, a historical research, a survey, a project and, finally, the work. A project, in this case, requires of course a staff of several professionals, like experts in archaeology, in museum and the engineers and architects who work in restoration. Constructive systems with soil-whitewash are important part of the Brazilian culture. In this work, effect of mud-minerals in tropical soils stabilized with whitewash, in the range of zero to 12 percent of soil weight, was studied. Tropical soils have different characteristics from European and North American soils and are differently formed, what leads to significant effects in the system soil-whitewash. It is shown, in this work, the effect of soil types in the quality of the system soil-whitewash, for the range of stabilization from zero to 12% with whitewash. It is also clear that an improvement in the knowledge of the soilwhitewash, mainly techniques for preparing the mixture soil + whitewash + water and in molding for compacted soil systems.

LISTA DE TABELAS Tabela 3.1: Classificação dos solos, profundidade dos horizontes coletados, localização das trincheiras de coleta e altitude Tabela 3.2: Classificação das peneiras Tabela 4.1: Porcentagens de areia, silte e argila, segundo o tipo de solo Tabela 4.2: Porcentagens de solo e areia, para correção das amostras Tabela 4.3: Classificação dos solos quanto à plasticidade Tabela 4.4: Índice de plasticidade (IP), porcentagem de argila, coeficiente de atividade coloidal (AC) e classificação dos solos Tabela 4.5: Interpretação da análise da composição mineralógica Tabela 4.6: Dados obtidos nos ensaios Proctor Tabela 4.7: Teor de umidade e massa específica máxima em g/cm 3 Tabela 4.8: Resultados dos ensaios de contração, em porcentagem Tabela 4.9: Resultados dos ensaios de expansão, em porcentagem Tabela 4.10: Resultados dos ensaios de absorção, em gramas Tabela 4.11: Resultados dos ensaios de compressão, em kgf/cm 2

LISTA DE FIGURAS Figura 1.1 fundação em solo cimento Figura 1.2 canteiro de obras em taipa Figura 1.3 empena em taipa Figura 1.4 taipa em sistema antigo e contemporâneo Figura 2.1 cúpula em BTC Figura 2.2 forma de solo cimento Figura 2.3 produção manual de adobe Figura 2.4 casa em solo-liquido, Novo México, Arq. David Easton Figura 2.5 oitão em taipa Figura 2.6 casa do povoador em taipa de pilão Figura 2.7 parede de taipa, Arq. André Heise Figura 2.8 obra em BTC, Arq. Pascal Odul Figura 2.9 - Edifício em taipa, Arq. David Easton Figura 2.10 Obra em BTC Figura 2.11 cúpula em BTC com detalhe espiral Figura 2.12 taipa de pilão Figura 2.13 bloco cerâmico, tijolo maciço e BTC

Figura 3.1 trincheiras dos solos coletados Figura 3.2 misturador planetário Figura 3.3 destorroador mecânico Figura 3.4 mini CBR dos solos analisados Figura 3.5 compactador para o ensaio de proctor Figura 3.6 cilindro de proctor adaptado Figura 3.7 ensaio de expansão Figura 3.8 ensaio de retração Figura 3.9 prensa eletro-hidráulica Figura 4.1 - Porcentagens de areia, silte e argila segundo o tipo de solo Figura 4.2 - Resultado do ensaio de granulometria, para o LVA Figura 4.3 - Resultado do ensaio de granulometria, para o PVA Figura 4.4 - Resultado do ensaio de granulometria, para o LV Figura 4.5 - Resultado do ensaio de granulometria, para o VG Figura 4.6 - Índice de plasticidade em função do percentual de cal Figura 4.7 - Resultado da análise da composição mineralógica Figura 4.8 - Ensaios Proctor:Comparação dos ensaios com diferentes percentuais de cal Figura 4.9 - Ensaios Proctor:Comparação dos ensaios para diferentes tipos de solo Figura 4.10 - Médias de massa específica máxima, em g/cm3,para os solos estudados Figura 4.11 - Médias dos teores de umidade em porcentagem de água,para os solos estudados Figura 4.12 - Teor de umidade e massa específica máxima em g/cm3 Figura 4.13 - Médias da contração, em porcentagem, para cada tipo de solo Figura 4.14 - Contração dos solos, em porcentagem, em função do percentual de cal

Figura 4.15 - Médias de expansão, em porcentagem, para cada tipo de solo Figura 4.16 - Expansão dos solos, em porcentagem, em função do percentual de cal Figura 4.17 - Médias de absorção, em porcentagem, para cada tipo de solo Figura 4.18 - Absorção de água, em gramas, em função do percentual de cal Figura 4.19 - Média de compressão, em porcentagem, para cada tipo de solo Figura 4.20 - Resultados dos ensaios de compressão simples Figura 4.21 - Retas de regressão ajustadas aos dados dos ensaios de compressão simples

1 INTRODUÇÃO 1.1 PRESERVAÇÃO DE PATRIMÔNIO A área de restauração e preservação teve seus primórdios com a publicação das teorias de restauro dos grandes mestres da área. Tais teorias foram gradativamente formalizadas e sistematizadas em documentos normativos e referenciais para a atividade, conhecidos como Cartas Patrimoniais. São elas verdadeiros guias para a atividade de preservação e restauração. Teorias e cartas, embora seguidas pela maioria dos profissionais da área, não constituem normas técnicas porque, obviamente, não são de aplicação obrigatória. Mesmo assim, alguns dos conceitos firmados nesses documentos acabam se tornando obsoletos porque a restauração, como a arquitetura, exige revisão constante, em especial no que se refere aos critérios de intervenção e aos juízos de valor, pois eles são produtos da cultura. De qualquer forma, a restauração dos monumentos arquitetônicos tem, como primeiro pressuposto, a obrigação de eles serem apropriados pela sociedade, o que significa que serão utilizados pela comunidade de formas diversas, pois só mediante o uso é possível preservar estruturas arquitetônicas e áreas urbanas. Mas isso exige a elaboração de um projeto no sentido mais amplo da palavra, isto é, com a associação de várias disciplinas, como a arqueologia, a museologia, a engenharia e outras disciplinas ao projeto arquitetônico de restauração. Um projeto específico de restauração e preservação arquitetônica exige que sejam feitos, previamente, uma pesquisa histórica, o cadastramento do existente, a concepção do projeto e seu desenvolvimento; durante a realização da obra, é preciso proceder à documentação da sua execução. Conforme colocam Oliveira e Santiago (1993, p. 404): Isto implica em atividade interdisciplinar, com também o é a atividade da conservação [e da restauração].

A tomada de consciência, em nível mundial, do valor das inúmeras obras-primas de arquitetura de terra, do que elas significam como patrimônio histórico e da necessidade de preservação e restauração é recente. Por exemplo, só na última década, A UNESCO classificou, como "Patrimônio Universal", as cidades Shibam e Sanaa no Iêmen, inteiramente edificadas em terra crua e, na Europa, o célebre palácio de Alhambra, em Granada. Além das vantagens de natureza econômica, social, energética e ecológica, ainda é preciso ressaltar a profunda raiz cultural da construção de terra. Foi a terra crua que assegurou a manutenção da linguagem de todas as civilizações, de forma criativa e sempre adaptada às particularidades de cada uma. É, pois, preciso levantar e cadastrar os inúmeros monumentos arquitetônicos construídos em terra crua, e desenvolvermos tecnologia apropriada para restaurá-los, dar-lhes uso e devolvê-los a vida. 1. 2 HISTÓRICO DA TEORIA DE RESTAURAÇÃO DE MONUMENTOS As primeiras tentativas no campo da moderna restauração dos monumentos foram feitas na França pós-revolucionária, que elaborou as leis relativas à preservação e fez os primeiros inventários de patrimônio monumental. O arquiteto francês Eugène Emmanuel Viollet-Le-Duc é considerado um dos pioneiros na elaboração das teorias, divulgadas a partir do século XIX, sobre a preservação e restauração de monumentos. Assumindo o pensamento científico da época, Viollet-le-Duc (1999) considera o monumento como um documento que deve ser restabelecido e, com isso, auxiliar na instalação do novo, referindo-se especialmente à arquitetura gótica francesa como estilo arquitetônico que sintetiza técnica e arte. Em seu verbete de restauro, o arquiteto enfatiza a importância da função, da estrutura e do programa arquitetônico, em detrimento da forma e do ornamento, preconizando as correntes funcionalistas do século XX. Paralelamente às discussões referentes aos monumentos difundidas na França, desenvolveu-se, na sociedade inglesa, a teoria de Jonh Ruskin. Esse pensador preconizava a valoração do processo criativo do homem e a clara definição da autoria, tanto na arte como em outras áreas de produção intelectual. A verdadeira arquitetura seria, portanto, individual, pessoal e única, e mostraria a verdade sobre o homem que a fez e sobre a sociedade em que viveu. No dizer de Ruskin (1999): queria que existissem diferenças capazes de torná-las aptas a exprimir o caráter e a ocupação de cada homem, de contar sua história.

Esse autor considerava que a arquitetura deveria, essencialmente, mostrar o trabalho do homem: para aqueles que amam a arquitetura, o toque das mãos é tudo. Ruskin(1999) Defensor dos conceitos próprios do romantismo, Ruskin pedia na arte a individualidade de cada um, a expressão das emoções humanas e, ainda, uma ligação orgânica com o caráter sócio econômico e cultural do autor, porque o belo precisava ser essencialmente humano, com todas as suas fraquezas. Nas palavras de Ruskin (1999): nesse sentido e para ser mais preciso, nenhum trabalho de boa qualidade pode ser perfeito e a exigência de perfeição indica sempre ausência de compreensão da verdadeira arte. A arquitetura deveria ter muitas possibilidades de ser apreciada, sob várias óticas e sob diferentes prismas. Fortes contrastes de luz e sombra aumentam essas possibilidades. Se um edifício tem essas características, acrescidas de marcas acidentais do tempo que aumentem o poder de sugestão e, conseqüentemente, de interpretação, alcança, para Ruskin, o conceito de pitoresco. Ruskin viu no gótico, uma fonte inspiradora para uma nova arquitetura, pois, para ele, a arquitetura gótica, principalmente a de Veneza, mais detalhada e com elementos puramente decorativos, sem função estrutural, apresenta todas as características de uma arquitetura notável. A beleza da arquitetura gótica é composta pela beleza das partes que a compõem; a decoração, toda esculpida, permite uma infinidade de expressões históricas e culturais e tanto a estrutura como os materiais usados são de grande resistência ao tempo. Na ótica de Ruskin (1999), estes são os elementos essenciais para uma bela arquitetura: a duração da construção no tempo é de grande interesse em relação à escolha dos vários sistemas de decoração As marcas do tempo em um edifício fazem dele não apenas a memória do caráter de um homem ou de uma sociedade, mas faz também com que esse edifício se torne uma referência de tempo e espaço para as gerações futuras. A conservação e a preservação dos monumentos são, então, essenciais para Ruskin; já restauração seria o mesmo que a destruição do monumento, pois além de apagar importantes marcas do tempo, apagaria o toque das mãos do homem que o construiu.

No final do século XIX Camilo Boito apresenta, na Itália, uma nova postura, com seu escrito Os Restauros em Arquitetura. A Itália acabava de se tornar uma nação e estava economicamente empobrecida e culturalmente atrasada em relação aos outros países da Europa, principalmente em relação à Inglaterra, França e Alemanha, que já haviam passado pelo processo da revolução industrial e desenvolviam, a passos largos, suas indústrias e tinham grande produção cultural e científica. Ironicamente, muito do desenvolvimento artístico e intelectual desses países vinha do estudo do clássico e do renascimento italiano. A Itália, no entanto, pouco produzia sobre seu próprio passado, devido o estado de sua economia. Mais ainda, ao contrário dos países mais desenvolvidos da Europa, onde nasciam movimentos novos da vanguarda artística, na Itália ainda era vigente o ecletismo na arquitetura. Estava aí a principal crítica de Boito à arquitetura italiana da época, pois ele via a necessidade de desenvolver uma nova linguagem para arquitetura. Apesar de sua clara busca por uma arquitetura italiana, o autor, em seu tratado sobre restauro, não define qualquer teoria sobre o que seria, na sua opinião, uma boa arquitetura. Boito (1999) apenas descreve um exemplo do que considera belo em arquitetura: Une a maior audácia de conceitos estéticos à maior sabedoria de estruturas estáticas, sem falar na distribuição interna, a qual não poderia ser mais sinceramente de acordo com os mais nobres usos aos quais era destinado. Eis, portanto em amigável companhia a beleza, a força, a conveniência e a utilidade, supremas virtudes das obras humanas. No restauro, o autor defende a necessidade de uma identidade nacional e, apesar de não conseguir desenvolver uma teoria, seu tratado introduz dois importantes fatores na história do restauro: a crítica e a idéia de restauro neutro. De qualquer modo, esse autor deixa clara sua intenção de invocar um tratado sobre a mentira arquitetônica (Boito 1999) e a complexidade do tema quando diz: com relação ao restauro,... não se decide sem cruéis perplexidades e incertezas. Ainda, Boito (1999) confessa-se em dúvida quanto às discussões postas em seu próprio texto: Vale mais a coisa velha incompleta que a menos velha porem completa? Quais são as pretensões da história em relação às exigências da arte? Eu não sei lhe responder a estas perguntas!. Esta incerteza surge, principalmente, da tentativa de Boito de unir a teoria de Viollet-le-Duc e de Jonh Ruskin, que estão baseadas em diferentes conceitos e têm, como conseqüência, grandes contradições.

Boito chamava de teoria romântica do restauro, a imitação que criava uma falsidade arquitetônica, onde o restauro seria uma invenção nem antiga e nem moderna (Boito,1999). Incluía, nesse grupo de restauradores românticos, até mesmo Viollet-le-Duc. Então Boito prefere os chamados restauros renascentistas, quando se reformava o edifício segundo a escola arquitetônica da época, porque assim sempre seria possível retirar a capa da reforma e trazer a tona à arquitetura genuína do monumento. No caso de fazer intervenções, (Boito,1999) diz que se não faltam dados seguros para fazê-lo, então porque não retornar a ordem e frui-la inteiramente? desde que o arquiteto o faça abstendo-se de acrescentar, de sua cabeça, uma só palavra. O autor vê, nas novas possibilidades técnicas como a aplicação de silicatos como consolidante, uma forte ferramenta do restauro. O esqueleto se fortifica, deixando intacta a pele com sua polpa embaixo e seus músculos. (Boito,1999). As posturas de Viollet-le-Duc e Ruskin, do século XIX, e de Camilo Boito e Gustavo Geovannoni, do início do século passado, só começaram a enfrentar críticas em meados do século passado. Desde a década de 60, se prega a necessidade de distanciamento dessas posturas; a crítica acirrada que se faz parece embasada na tendência de essas posturas relacionarem a arte a determinado período histórico. Ainda, no inicio do século passado, época da construção da Ringstale, surgem em Viena, pela primeira vez, os conceitos do urbanismo moderno. Mas apesar de já engatinhar o modernismo principalmente com Oto Wagner, na arquitetura ainda prevalece o ecletismo historicista, que defende adotar um neoestilo dependendo do programa do edifício. Também surge pela primeira vez, na ocupação do entorno do centro antigo de Viena devido o alto crescimento demográfico, o desenho urbano e o projeto arquitetônico influenciado pelo patrimônio imobiliário como capital. O modernismo tomou, definitivamente, a frente das artes, inclusive da arquitetura, com a queda do liberalismo. É nessa efervescência cultural que o critico de arte Alois Riegl concebe sua teoria de restauração e escreve as diretrizes para as leis de restauro promulgadas na Áustria, sob o título O culto moderno aos monumentos. A grande contribuição da teoria dos valores de Riegl está na adoção da matriz fenomenológica 1, ou seja, no fato de que o valor artístico é dado pela contemporaneidade e revela, portanto, a estética própria de uma cultura, de uma época e de um lugar. 1 Veja o conceito de fenomenologia em Sini, C. Dizionario di Filosofia, Rizzoli.

Tudo que se queira entrepor entre nós e a coisa como concepção e enunciado sobre a coisa deve ser afastado. Só então poderemos nos abandonar à presença não mascarada da coisa (Riegl, 1987). O processo de evolução das teorias de restauro, desde a que elegia o valor intencionado do monumento como principal, passando pela teoria que consagrava o valor histórico até a que ressalta o valor de antiguidade, constitui manifestação da individualidade. A tendência característica dessa evolução, por considerar a vivência física e psíquica do observador, é descrever os fenômenos como são percebidos pelo sujeito, na sua percepção sensorial e se expressar, portanto, na ênfase dada pelas teorias contemporâneas de restauração ao valor estético. A questão da preservação do monumento, encarada sob a perspectiva fenomenológica, constitui a base da Teoria de Restauro de Cesare Brandi (1963). Essa teoria estabelece uma postura que vem sendo bem aceita nas discussões atuais, devido aos resultados práticos registrados na produção arquitetônica contemporânea. Brandi considera que o monumento é concebido dentro de circunstâncias singulares. Nesse sentido, cada obra arquitetônica é resultado de um contexto particular que implica, necessariamente, em um resultado único - uma obra ímpar que, de alguma maneira, contribui para elevar a essência humana através da experiência estética ou do reconhecimento histórico. Sob este prisma, a característica de não repetibilidade do monumento sugere que seu reconhecimento deve dispensar as analogias tipológicas. O estudo das principais teorias de preservação e restauração dos monumentos mostra que a questão do restauro tem, hoje, outras perspectivas, bem diferentes da postura historicista desenvolvida durante todo o século XIX e o início do século XX. Um dos pontos que caracterizam a mudança da base filosófica das posturas de cunho historicista diante de um monumento e a teoria brandiana de restauro é o fato de esta última enfatizar a leitura do contexto em que o monumento está inserido como a base para qualquer intervenção restaurativa. Essa leitura do sítio, do entorno do monumento, corresponde à interpretação do próprio espaço físico em que vivemos.o objeto arquitetônico é, portanto, reconhecido como componente de um contexto, isto é, uma unidade formada por partes intrinsecamente relacionadas.

1.3 O RESTAURO DE UMA CULTURA CONSTRUTIVA POR UMA TECNOLOGIA CONTEMPORÂNEA Em 4 de agosto de 2000 foi publicado o decreto nº 3.551, assinado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que trata do patrimônio cultural imaterial. Embora contenha pontos discutíveis, o decreto tem o mérito inegável de ampliar nosso olhar sobre o que é patrimônio. Ainda estamos longe de termos leis e, principalmente, fiscalização suficiente para a preservação e conservação do nosso patrimônio histórico e dos bens culturais, mas, sem dúvida, caminhamos para uma situação melhor. Hoje, podem ser inventariados como bens tanto um barraco como uma palafita sobre o mangue, o que já foi considerado inaceitável ou, pelo menos, reprovável. O decreto nº 3.551 trouxe, sem dúvida alguma, maior abrangência ao nosso preservacionismo cultural. Foram criados livros, como o Livro destinado ao registro dos saberes, que consagrou a idéia do "saber fazer" brasileiro em toda a sua amplitude. Preservar uma cultura construtiva 2 não é, tecnicamente, complicado. Afinal de contas, várias maneiras do saber fazer são passadas de pai para filho há séculos, nas mais diferentes áreas. Também não é complicado reensinar técnicas construtivas esquecidas. Para isso, basta escolher o sistema construtivo de uma época, dissecá-lo, entendê-lo e divulgá-lo em escolas técnicas. Assim fez Viollet no século XIX, para suas obras de restauro. A grande dificuldade da restauração de uma cultura construtiva está na necessidade óbvia de torná-la conhecida, de divulgá-la, de recolocá-la em uso. Para isso, não bastam conhecimentos tecnológicos e novas pesquisas. É preciso atitudes políticas que permitam recolocar a técnica no mercado da construção civil. Está aí a dificuldade enfrentada por quem quer reimplantar os sistemas construtivos em terra crua. De qualquer modo, a arquitetura de terra precisa ser mais bem difundida não como uma idéia saudosista de volta ao passado e a ancestralidade do Homem, nem como uma tecnologia que seja a panacéia da habitação popular, pois ela não é. A arquitetura de terra deve ser desenvolvida e apresentada como uma opção de custo competitivo, ecológica, de qualidade e grande potencial plástico. O papel dos arquitetos é, principalmente, o desenvolvimento dessa tecnologia, adaptando-a as novas necessidades e exigências do mercado, mas também político, fazendo a sua divulgação. 2 Chamamos de cultura construtiva, todo o conhecimento de uma civilização sobre uma técnica de construção.

1.4 RESGATE DA ARQUITETURA DE TERRA CRUA Construir com terra (Figura 1.1) é mais do que a procura de uma arquitetura saudosista, de querer voltar a um passado que não mais existe. Quando pensamos em terra, lembramos aquele chão do quintal onde brincávamos, quando crianças. Com os pés no chão e as mãos sujas misturávamos, com água, esse material macio, colorido e sem fim e criávamos, sem saber, referências na memória que fizeram com que o respeito pelo mais nobre dos materiais seja tão antigo e tão profundo a ponto de não poder, jamais, ser esquecido (Montoro, 1993, p. 7). Figura 1.1 Fundação em solo cimento As necessidades impostas pelo mundo contemporâneo só podem ser sanadas por um sistema construtivo que se caracterize como um processo construtivo industrializado. Entenda-se por processo construtivo industrializado todo método de construção econômico, com rígido controle de qualidade, modular, mas que respeite todos os parâmetros de uma construção bioclimática, que preserve o ecossistema tanto no canteiro de obras (Figura1.2) quanto no canteiro de produção dos componentes, e não processos industriais que causem danos ao meio-ambiente, como também à saúde dos operários. (Silveira, 1995, p.182).

Figura 1.2 Canteiro de obras em taipa O homem contemporâneo tem necessidades e ambições que nos obrigam estudar as características das culturas construtivas de cada região, para desenvolver sistemas construtivos que dêem, ao usuário, o ambiente que ele almeja, respeitando a grande evolução social e tecnológica do nosso tempo. No verbete Restauro (Viollet-Le-Duc, 1869), de seu dicionário, Viollet- Le-Duc 3 referencia os edifícios góticos como verdadeiros livros de pedra. Podemos então pensar os monumentos arquitetônicos de terra crua como livros de terra, que devemos conhecer, estudar e decifrar, para desenvolver um sistema construtivo com esse material abundante, que permite infinitas possibilidades plásticas para a arquitetura contemporânea. Constituem arquitetura de terra todos os edifícios construídos com terra crua, ou seja, com terra estabilizada através da simples compactação ou através do uso de aditivos aglutinantes, naturais ou industrializados. Logo, não são arquitetura de terra edifícios construídos com terra estabilizada através da temperatura (queima) caso dos tijolos queimados ou blocos cerâmicos. As tecnologias de construção em terra crua são antigas e conhecidas em todo o mundo, inclusive no Brasil, e já estão consagradas no atual mercado da construção civil. Elas vêem sendo profundamente estudadas em centros de pesquisa da área, como o CRATerre 4. Como expõe Dethier (1981, p.7): A arquitetura só ganha existência concreta quando dá forma apropriada aos materiais de construção, sejam eles naturais ou transformados. Dentre os materiais naturais, o meio ambiente propicia potencialidades diversas: pedra, 3 O arquiteto francês Eugène Emmanuel VIOLLET-LE-DUC é considerado o pioneiro na elaboração das teorias sobre a preservação e restauração de monumentos divulgados a partir do século XIX. Assumindo o pensamento científico da época, Viollet-le-Duc considera o monumento como um documento que deve ser restabelecido e, com isso, auxiliar na instalação do novo, referindo-se especialmente à arquitetura gótica francesa como estilo arquitetônico que sintetiza técnica e arte. 4 Centre International de Recherche et d Application pour la Construction en Terre, sediado em Grenoble, França.

madeira e terra crua. Até ao século XX, a terra foi, em muitos países, um dos materiais de construção mais utilizados. A terra é o material mais barato e abundante que conhecemos, mesmo considerando apenas aquela com as características necessárias para o uso na construção civil (Figura1.3). Apesar da grande variação das características pedológicas, é um material que apresenta várias possibilidades de uso, em diversos sistemas construtivos em terra crua. Figura 1.3 Empena em taipa A construção com terra crua, tanto a nível técnico como científico, pode ser comparada a qualquer outra tecnologia de construção. Segundo Guillaud para se construir com terra é preciso conjugar duas condições básicas:...existir matéria prima em abundância e haver conhecimento completo das técnicas de construção. (Houben e Guillaud,1994 p. 33) O esforço atual de pesquisa nesta área comprova esta afirmativa. A matéria prima terra não tem limitações de aplicação e oferece vantagens comprovadas em relação a outros materiais básicos de construção. Desde as aplicações que acumulam séculos de experiência, até as aplicações contemporâneas (Figura1.4), que conseguiram introduzir um grau real de sofisticação à construção civil, as técnicas de construção com terra representam enorme potencial diante da crise mundial da habitação e dos desafios do impasse energético deste milênio. Ainda, a terra pode ser usada como material de acabamento e decoração, ou seja, os rebocos e tintas

diferentes e bonitos, em tons cor de terra, que podemos observar em todos os sistemas nas diferentes regiões. Figura 1.4 Taipa em sistema antigo e contemporâneo Nas zonas áridas do planeta existem taipas e adobes, com coberturas planas ou curvas. As construções das zonas tropicais úmidas têm tetos inclinados e paredes finas com tramas vegetais, barreados de ambos os lados. Já a terra-palha e a terra-cavaco, nas quais se misturam as fibras vegetais à massa de terra, são bastante encontradas nas regiões de grande variabilidade térmica. Também precisam ser lembrados os sistemas construtivos que, embora pouco freqüentes nas Américas, são bastante encontrados na África e Ásia, como é o caso das coberturas de terra misturadas com materiais aglutinantes na forma de abóbadas e cúpulas e a terra-cavada. (Silva, 1995, p. 41). As estruturas de terra crua misturada com materiais aglutinantes devem ter formas diferentes, em função do lugar em que se localizam, isto é, se em

lugares de chuvas suaves e contínuas, ou de tormentas fortes. Ainda, como toda técnica baseada em tradições largamente exaltadas, deve haver equilíbrio em relação ao ambiente em que a obra se insere seja ele cultural ou natural. Então, crenças e costumes dos grupos humanos, simbolismos e interação social, além de tendências estéticas também devem influir no desenho geral e particular do projeto de cada região. Sobre a arquitetura de terra do Iêmen, Varanda (1993, p.86) afirma: As características fisiográficas do Iêmen explicam as diferenças construtivas, mas outros fatores, tais como as bases de organização social e de delimitação territorial contribuem para definir um quadro de distribuição regional de técnicas e estilos. 1.5 OBJETIVO DESTE TRABALHO 1.5.1 Objetivo geral Dado o notável potencial de uso da terra em construção civil e, principalmente, a necessidade de conhecer uma cultura de construção milenar, propiciando assim a restauração de obras arquitetônicas de valor estético e histórico, este trabalho pretende dar algum aporte técnico para todos aqueles que trabalham com arquitetura de terra, seja na preservação e restauração de tantos importantes monumentos construídos, seja na construção de novos edifícios. 1.5.2 Objetivo específico Este trabalho estabelece comparações entre quatro tipos de solo com distribuições granulométricas similares, porém com predominância diferente de argilo-minerais. O objetivo é verificar se o sistema solo-cal compactado é afetado pela composição mineralógica dos solos. Para fazer essa verificação, foram conduzidos diversos ensaios com corpos de prova estabilizados com porcentagens de cal variando de zero a doze por cento, intervalo usual na prática.

2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 ARQUITETURA DE TERRA CRUA Segundo Houben e Guillaud (1994), as técnicas de construção com terra crua podem ser classificadas em 12 grandes grupos, organizados de acordo com os princípios construtivos que os definem: a) terra escavada; b) terra como recobrimento; c) terra como preenchimento; d) terra compactada; e) terra recortada; f) terra manipulada; g) terra empilhada; h) terra moldada; i) terra extrudada; j) terra escorrida; k) terra palha e l) pau a pique. A terra compactada pode ser utilizada de duas diferentes maneiras: a) na forma de tijolos prensados de forma manual ou mecânica (Figura 2.1) e b) no sistema da taipa de pilão (Figura 2.2), ou taipa somente, em que a terra, colocada dentro de uma fôrma geralmente feita com duas tábuas fixadas por uma estrutura de madeira, é compactada com o auxilio de um pilão manual ou pneumático. Figura 2.1 Figura 2.2 Cúpula em BTC Forma de solo cimento

A argila foi, provavelmente, o primeiro aglomerante utilizado pelo homem (Petrucci, 1976, p.305). O uso da terra como material de construção por nossos ancestrais está bastante documentado. Por exemplo, são encontradas na Bíblia (Dias, 1993, p. 305), citações do uso de argila nas construções. No Egipto, o Faraó quando se zanga com os hebreus não lhes dá a palha, já que era ele quem controlava o cultivo dos cereais, para juntar à lama (Pinheiro, 1993, p. 104) Mesmo antes dessa época, nas estruturas primitivas já eram empregados blocos de pedra apenas superpostos, peças de madeira ou barro adensado em camadas. No período eneolítico o homem serve-se do colmo e da madeira para cobrir o espaço que definiu com aquela terra, amassada com outros materiais, como a pedra e a palha a que juntava excrementos, pêlos de animais, como estabilizadores da massa que preparava (Pinheiro, 1993, p. 103). Na antiga Grécia, onde a pedra era o material predominante, eram largamente utilizadas as paredes de adobe 5 para as construções. Secos ao sol, sem cozimento, os tijolos eram dispostos em camadas e assentados com o mesmo barro usado na sua confecção. A evolução dos sistemas construtivos com terra crua acompanhou o desenvolvimento da História do Homem. As ruínas mais antigas, de técnicas bastante precárias, foram encontradas no Norte da África (Figura 2.3). Na Europa Mediterrânea existem registros de construções feitas mais recentemente, e com técnicas mais apuradas. Posteriormente, a tecnologia foi difundida por toda a Europa, e mais tarde para a América. Hoje, encontramos exemplos de arquitetura de terra por todos os continentes, com as mais diversas soluções e características estéticas. Figura 2.3 Produção manual de adobe 5 O adobe é um sistema construtivo em que uma porção de terra argilosa é moldada em fôrma de base quadrada ou retangular. Após a moldagem, a massa, que pode ser acrescida de fibras vegetais ou outro tipo de material que dê maior estabilidade, é seca ao ar, formando então um bloco de terra que, ao longo do tempo, pode atingir grande capacidade de carga e grande durabilidade.

Segundo Dethier (1981), as construções em terra crua são conhecidas há aproximadamente dez mil anos. Indo mais longe, em direção ao passado, talvez possamos dizer que a terra enquanto material de construção surge no começo da História do Homem. O registro mais antigo da tecnologia de construção em terra crua é um adobe de 5000AC, que foi encontrado na Mesopotâmia, nas dimensões de 33x33x10cm. O primeiro registro de terra estabilizada, terra misturada com cinzas e moldada em adobes de 36x18x9cm é de quinhentos anos mais tarde, isto é, de 4500AC. Foi encontrado na região de Tépé Gawra. Também foi com arquitetura de terra que as mais diversas civilizações construíram suas primeiras cidades. Como exemplos, podemos citar a cidade de Catal Hoyuk, sediada na atual Turquia; as cidades de Harappā e Mohenjo- Dara, no Paquistão e a vila Akhet-Aton, hoje, dentro das fronteiras do Egito. Na América, não foi diferente: ainda existente uma construção em Chan-Chan, no Peru. Como lembra Pinto (1993 p. 612): A invenção da construção de terra é tão natural, no nosso entender, quanto o ato de uma criança fazer um castelo de areia. Tentar saber, portanto onde nasceu a construção de terra é quase como tentar saber onde nasceu o Homem. A arquitetura de terra é encontrada em todas as partes do mundo, nas mais diversas formas e técnicas, devido às grandes possibilidades oferecidas pelo material. Tem expressão própria em cada região ou cultura, e sempre respeita os condicionantes do clima e as características do material. De acordo com Houben e Guillaud (1994 p. 32), a terra, ou o solo: é, sem duvida, um dos materiais de construção mais usados no mundo desde o momento em que o Homem aprendeu a construir casas e cidades, sendo difícil encontrar um país que não possua herança de edifícios em terra crua Na América, as primeiras construções em terra crua apareceram no Peru principalmente, México (Figura 2.4) e sudoeste dos Estados Unidos, devido às características do clima quente e seco, que exige menos e torna mais fáceis as técnicas de construções com terra crua. Havia construções com terra nas civilizações Inca e Asteca, portanto mesmo antes da chegada dos colonizadores.

Figura 2.4 Casa em solo-líquido, Novo México, Arqº. David Easton. Atualmente, os maiores construtores com terra crua na América Latina são o Equador, com 400.000m 2 de área construída com blocos ou painéis monolíticos, e o Brasil, que conta com aproximadamente 130.000m 2 de construções em terra crua, principalmente nos sistemas da taipa de sopapo ou pau a pique 6 e taipa de pilão (Figura 2.5). Figura 2.5 Oitão em taipa. 6 O pau a pique ou taipa de sopapo, como é chamado no Brasil, é conhecido internacionalmente como torchis. A técnica consiste em montar uma estrutura portante, geralmente de madeira, que pode ser feita com ripas ou com um entramado vegetal, e é posteriormente preenchida e recoberta com terra argilosa, misturada ou não com palha ou outras fibras vegetais.

Segundo o CRATerre, 7 mais de 40 países no mundo têm construções em terra crua, antigas ou contemporâneas, e mais de oitenta por cento da crosta terrestre pode ser usada como material de construção nos diversos sistemas construtivos em terra crua. Os sistemas construtivos em terra, no Brasil, vêm de uma associação das culturas construtivas européias, trazidas pelos portugueses e imigrantes, e das culturas construtivas africanas (Figura 2.6), trazidas principalmente pelos escravos. Portanto, a tecnologia de construção em terra crua é conhecida no Brasil desde a chegada dos portugueses. Figura 2.6 Casa do povoador em taipa de pilão. Muitas sedes de fazendas, principalmente durante o Ciclo do Café, foram construídas em sistemas construtivos de terra crua, notadamente em taipa de pilão, adobe e pau a pique. Nas palavras de Santiago (1996 p.37): No Brasil, a terra teve seu uso generalizado até o século XVIII... vale a pena lembrar que as muralhas da cidade de Salvador eram em taipa, assim como a casa forte construída por Caramuru em 1540. Alguns autores afirmam a existência de exemplos de construções em terra crua dentro do território nacional mesmo antes da chegada dos portugueses. Não há, porém, consenso entre pesquisadores e historiadores da 7 CRATerre Centre International de Recherche et d Application pour la Construction en Terre, sediado em Grenoble, França.

área sobre qualquer tipo de técnica já existente nas culturas indígenas nativas. Arini (1995) escreveu: os índios nunca empregaram o barro em suas edificações. No Brasil, vários órgãos de pesquisa, governamentais e não governamentais como o CEPED em Salvador, Bahia, e o ABCTerra em São Paulo, capital, divulgam a arquitetura de terra. Arquitetos como Eduardo Salmar, André Heise, Fernando Minto, Hélio Dias, além de outros, vêm projetando e construindo diversas obras em arquitetura de terra, usando principalmente a taipa de solo cimento e o BTC. A taipa de solo cimento (Figura 2.7) é, basicamente, uma releitura da tradicional taipa de pilão. Uma massa de terra que, dependendo do uso e da exposição da parede construída, é misturada com oito a doze por cento de cimento e compactada na umidade ideal, detectada através do ensaio proctor. Essa mistura, devidamente umedecida, é compactada dentro de uma fôrma previamente montada e fixada, untada com desmoldante. Figura 2.7 Parede de taipa, Arqº. André Heise. Na França, o arquiteto Pascal Odul coordena os projetos de reconstrução de ex-colônias francesas assoladas por anos seguidos de guerras e revoluções, como Bujumbura, ao norte da África. Devido à falta de mão de obra especializada para as diversas fases de uma obra, Odul usa tijolos de solo cimento, que também são conhecidos como BTC (Bloco de Terra Comprimida) (Figura 2.8). As prensas manuais são de uso simples, e o assentamento dos blocos é simplificado pelo desenho da obra.

Figura 2.8 Figura 2.9 Obra em BTC, Arqº. Pascal Odul. Edifício em taipa, Arqº. David Easton. Nos Estados Unidos, o arquiteto David Easton, principalmente, usa, em suas construções com terra crua, uma técnica que ele próprio denominou de solo liquido. Injeta-se, dentro das formas (Figura 2.9), com bomba, uma massa de terra com um alto teor de umidade, já próximo do limite de liquidez, e uma grande quantidade de estabilizante que, se for o cimento, chega aproximadamente a trinta por cento. Dessa maneira, Easton minimiza os custos da mão de obra, principal componente dos custos de uma obra no primeiro mundo, e consegue produzir formas com grande plasticidade. 2.1.1 Vantagens da arquitetura de terra Por três gerações, esquecemos as técnicas tradicionais e milenares da construção com terra, devido ao advento da industrialização e às grandes obras do período de pós-guerra. No entanto, as grandes obras, feitas com os chamados materiais consagrados, demandam produção cada vez mais cara, mais sofisticada e mais especializada. É, pois, necessário retomar as técnicas tradicionais da construção com terra e adaptá-las aos novos conceitos e às formas de viver do homem pós-moderno. Sem duvida, só podem ser considerados verdadeiros arquitetos aqueles que, no dizer de Easton (1993 p. 19) estiverem preocupados... em criar moradias através do uso inteligente das reservas do planeta.

Por outro lado, é razoável considerar que a utilização da terra como principal material de construção (Figura 2.10) proporciona, em termos econômicos, redução dos custos da obra. Isto se explicaria pelo baixo custo da matéria prima e pelo aumento da velocidade de construção, o que reduziria, de maneira significativa, o custo da mão de obra. Os custos com transporte, que hoje são relativamente altos, também se reduzem quando se utiliza, na construção, a terra do próprio local em que a construção está sendo feita. Ainda, o uso da terra crua reduz os custos financeiros da produção do material, e mais importante, reduz os custos ecológicos 8, pois dispensa a transformação industrial. Figura 2.10 Obra em BTC. Portanto, a utilização da terra como principal material de construção economiza energia, sobretudo quando comparada às indústrias do cimento e do aço, ou mesmo as de tijolos cozidos, excessivamente poluidoras e energeticamente dispendiosas no mundo que buscamos. Assim, por exemplo, as tecnologias do metal, que surgiram com a exploração do produto mineral das reservas naturais do solo, considerados produtos da terra no começo do século XX, poluem o meio ambiente no processo de produção, custam caro e, conseqüentemente, não beneficiam toda a população. E então, além de ter um custo muito inferior e consumir menor quantidade de energia, a utilização da terra como principal material de construção também contribui na luta contra a deterioração do meio ambiente porque o material, mesmo depois de compactado e estabilizado, é facilmente reciclável, o que evita o entulho e o desperdício. 8 A indústria da transformação dos materiais de construção civil, sabe-se hoje, é a principal consumidora de energia e grande poluidora do meio ambiente.

Na arquitetura de terra, pode ser utilizado material do próprio local sem necessitar transformação industrial, com baixo custo de transporte e, sobretudo, com economia de energia em relação às indústrias energeticamente muito dispendiosas do cimento, do aço e do tijolo cozido. Além disso, há economia apreciável de energia no ambiente doméstico, dado que a baixa inércia térmica das paredes de terra pode contribuir para a redução do custo de climatização dos edifícios. O custo de climatização dos edifícios pode ser reduzido. Como declarou Silva (1998, p. 17) 9 : as qualidades da terra como material de construção, do ponto de vista do conforto térmico resultante, da sua resistência física, da durabilidade de edificação e da economia energética, sem contar o baixo custo e a abundância deste insumo básico da natureza, colocam-na entre os materiais mais adequados para um desenvolvimento sustentado. 2.2 SOLO COMO MATÉRIA PRIMA O solo é a principal matéria prima (Figura 2.11) para qualquer sistema construtivo em terra crua, podendo ser, inclusive, o único material usado quando fazemos uma taipa de pilão ou adobes usando somente um solo, com as características físicas próprias, sem a adição de estabilizante. Figura 2.11 Cúpula em BTC com detalhe espiral. 9 O arquiteto Hélio Dias da Silva é Coordenador da Cátedra UNESCO da Arquitetura de Terra no Brasil e diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Metodista de Piracicaba. Ele fez a afirmativa em questão na abertura do seminário Construir com Terra organizado pelo ABCTerra em São Paulo no ano de 1998.

Na maioria das vezes, tanto nos sistemas antigos como nos atuais, o solo é estabilizado com fibras vegetais, aglutinantes naturais ou industrializados, como a cal e o cimento. Mesmo nestes casos, o solo representa de oitenta a noventa e dois por cento do peso da estrutura construída. Fica, pois, clara a importância de conhecer as características dos solos para sua aplicação e estudar sua influencia na qualidade na arquitetura de terra. Estudos realizados em várias regiões de todo o mundo têm demonstrado que o clima, a existência de diferentes organismos, o material de origem diversa, o relevo e a idade da superfície do terreno determinam o tipo de solo. Clima e organismos são fatores ativos, pois durante determinado tempo e em certas condições de relevo agem diretamente sobre o material de origem. Este é, portanto, um fator de resistência, ou passível. Algumas vezes, um fator tem maior influência sobre a formação do solo do que os outros. Contudo, todo solo é, em geral, resultante da ação combinada de todos os cinco fatores de formação. Sob este ponto de vista, o termo terra ou solo é aplicado a todo material da crosta terrestre que não oferece resistência á escavação mecânica e que perde totalmente a resistência quando em contato prolongado com a água. A origem do solo seja imediata ou remota, se dá a partir de processos físico-químicos de fragmentação e decomposição das rochas, pela ação das intempéries (Vargas, 1977, p. 4). Podemos, portanto, entender que o solo resulta de uma combinação de diferentes materiais de origem, características diferenciadas de relevo, climas diversos e diferentes tempos de exposição às intempéries. De qualquer forma, os solos podem ser divididos, quanto ao material de origem, em dois grandes grupos, o dos solos residuais e o dos solos sedimentares. O assunto é complexo, mas está bem estudado na área de Pedologia. Na arquitetura de terra, o solo precisa ser classificado para que se possa, assim, explorar suas propriedades e ser usado de maneira mais adequada, tanto para a arquitetura de terra contemporânea como para a restauração de monumentos arquitetônicos. Os pesquisadores Houben e Guillaud (1994), do CRATerre, recomendam que se faça tanto a classificação física, referente à granulometria e ao índice e limite de plasticidade, como a classificação mineralógica. Os minerais que determinam as características do solo podem ser classificados como primários ou secundários. Os minerais primários herdados da rocha, constituem a maior parte das frações silte e areia. São em geral silicatos, principalmente quartzo e feldspato, além de minerais acessórios: turmalina, zircão, ilmenita etc (Carvalho, 1997, p. 5). Os minerais secundários são formados no decorrer da alteração, ocorrem de preferência na fração argila do solo. São representados essencialmente pelos argilo-minerais. (Carvalho, 1997, p. 6).