A RELIGIÃO PÓS-MODERNA EM ZYGMUNT BAUMAN Marcelo do Nascimento Melchior 1 marcelomelchior @yahoo.com.br



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Transcrição:

A RELIGIÃO PÓS-MODERNA EM ZYGMUNT BAUMAN Marcelo do Nascimento Melchior 1 marcelomelchior @yahoo.com.br 1- INTRODUÇÃO A Liquida vida moderna tende a permanecer inconsistente e caprichosa, sejam quais forem os apuros infligidos aos forasteiros indesejáveis, e portanto o alívio é momentâneo, e as esperanças investidas nas medidas duras e decisivas se desvanecem tão logo se apresentam. (BAUMAN, 2004,p.129) Zygmunt Bauman apresenta a modernidade com algumas particularidades referentes ao processo de vida na qual as pessoas perpassam o seu cotidiano. Principalmente no que remete-se aos conceitos que temos pré-estabelecidos, construindo cognitivamente verdades absolutas. A proposta de modernidade líquida é apresentada a partir da estrutura de cada índividuo. As pessoas não estão dispostas a abrir mão dos projetos individuais em nome dos projetos coletivos. Nesse processo os interesses individuais sobrepõem aos do grupo, cada um vivendo para sim não havendo mais a coletividade a união entre as pessoas. A modernidade criou um conjunto de padrões bem como condutas que determinam os sujeitos e suas possibilidades. Essas determinações provocam mudanças no sujeito, pois, a imposição de padrões de vida traz conseqüências de exclusão para o indíviduo, que não consegue ser aquilo que ele é, mas sim o que a modernidade o impõe. A tarefa de construir uma ordem nova e melhor para substituir a velha ordem defeituosa não está hoje na agenda pelo menos não na agenda daquele domínio em que se supõe que a ação política resida. O derretimento dos sólidos, traço permanente da modernidade, adquiriu, portanto, um novo sentido, e mais que tudo, foi redirecionado a um novo alvo, e um dos principais efeitos desse redirecionamento foi a dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política (BAUMAN,2000,p.12) Na modernidade líquida os padrões não estão dados, nem são impostos, eles são vistos como características individuais. Os fluidos se movem facilmente(...), diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho (BAUMAN,2000,p.8) Nesse contexto existem vários empecilhos, pois os poderes globais se inclinam a desmantelar tais redes em proveito de sua contínua e crescente fluidez, principal fonte de sua força e garantia de sua invencibilidade. E são esse derrocar, a fragilidade, o quebradiço, o imediato dos laços e redes humanos que permitem que esses poderes operem (BAUMAN,2000,p.22). Mesmo tendo algumas barreiras o líquido consegue imergir o sólido, des-construindo e permeando o sólido com características diferenciadas, possibilitando um re-significado as coisas. Papel fundamental, é a libertação dos padrões que a sociedade autoritária impõe as pessoas, uma sociedade que desenvolve em grande medida as necessidades materiais e mesmo culturais do homem (BAUMAN,2000,p.12). Seguindo esse pensamento, temos como características fundamentais a fluidez que o homem pós-moderno possui. Fazendo com que todas as relações sociais que são 1 Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica Dom Bosco. Mestre em Educação pela mesma instituição. Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás UFG.

2 estabelecidas, não possuem mais, o caráter de concretude, pois nada é eterno, neste sentido a religião, os relacionamentos amorosos, a vida profissional e familiar...enfim, as relações de um modo geral, na visão de Bauman são influenciadas por essa liquidez. 2- CARACTERÍSTICAS QUE ESTÃO PRESENTE NO HOMEM PÓS-MODERNO a) Pluralidade: Não existe um padrão, uma forma, uma uniformidade, uma antropologia, mas projetos antropológicos, uma variedade de projetos, resultando em contradições e fragmentos. A tolerância, ao lado do pluralismo, é outro valor básico. b) Novidade: O homem pós-moderno é aberto, criativo, não preso a formas e tradições, identificadas como velhas e ultrapassadas. A novidade não está somente em dar forma nova ao tradicional, mas criar algo genuinamente autêntico e com tom moderno. c) Secularização: O homem moderno não procura acabar com Deus e as formas religiosas. Simplesmente desloca para o universo amplo de realidades que o circunda. Não é Deus, não é o universo, mas ele é o centro. Tudo passa a existir e ter valor enquanto serve de resposta às necessidades e desejos. d)racionalidade: Uma racionalidade pragmática, onde vale a experiência e se busca compreender sempre melhor a realidade das coisas, a partir dos ditames da razão. Somente existe aquilo que foi decifrado e decodificado pelo microscópio. A técnica aperfeiçoa a natureza e a molda para os fins e interesses humanos. Conseqüentemente, não existem mitos e os esquemas lógicos e científicos são os que dominam. e) Imersão no universo: O homem moderno se descobre imerso num universo maior que o circunda. Sente-se parte dele e tem a tendência a deixar-se levar pelos ventos. Suas fraquezas encontram nas forças da natureza justificativa plausível e desfruta os prazeres como partes do seu instinto. Vivemos numa era em que esperar se transformou num palavrão. Gradualmente erradicamos (tanto possível) a necessidade de esperar por qualquer coisa, e o adjetivo do momento é instantâneo. Não podemos mais gastar meros 12 minutos fervendo uma panela de arroz, de modo que foi criada uma versão de dois minutos para microondas. Não podemos ficar esperando que a pessoa certa chegue, de modo que aceleramos o encontro...em nossa vidas pressionadas pelo tempo, parece que o cidadão (...) do século XXI não tem mais tempo para coisa alguma. (BAUMAN, p.13, 2009) O individuo que percebe e projeta uma infinidade de possibilidades. Um homem autoconfiante, rodeado de abundância e que consegue facilmente resolver seus problemas econômicos. O que outrora a sorte reservava para poucos, hoje é considerado um direito de todos. Agraciado pela inovação técnica, científica e pela mudança social, marcada pela liberdade, a democracia e a produção industrial. A pós-modernidade resgata o valor da subjetividade, do emocional acima do racional e do sujeito mergulhado na imensidão do universo.

3 Esse sentimento só pode vir de um sentimento do tempo, do tempo preenchido com seus cuidados sendo estes o fio precioso com que se tecem as telas resplandecentes da ligação e do convívio. A receita ideal de Friedrich Nietzsche para uma vida feliz, plenamente humana um ideal que ganha popularidade em nossos tempos pós-modernos ou líquidos modernos, é a imagem do Super homem, o grande mestre da arte da auto afirmação, capaz de evadir ou escapar de todos os grilhões que restringem a maioria dos mortais comuns. O Super-Homem é um verdadeiro aristocrata os poderosos, os bem situados, os altivos, que pensavam que eles mesmos eram bons, e que suas ações eram boas quer dizer, até se renderam à reação e à chantagem do ressentimento vingativo de todos os vis, os pobres de espírito, os vulgares os plebeus, recuaram e perderam sua autoconfiança e determinação. (BAUMAN, p. 28, 2009) A pessoa rodeada de direitos e que dispõe de um aparato social fortemente voltado para ele. A consciência progressiva dos direitos individuais e sociais fizeram os homens todos iguais, realidade nunca experimentada antes. Mergulhado na liberdade e cercado de direitos que lhe garantem essa liberdade. Um homem projetado para o futuro. Tudo é calculado em vista do futuro. Vive para o futuro e em vista do futuro. Percebe que tem responsabilidades com o futuro. O ser humano que faz a experiência de ser parte do cosmos, liberto de todo controle, aberto para novas experiências. Um homem que se nega a sujeitar-se a uma ideologia, seja capitalista ou socialista, que resgata a subjetividade e exige sua expressão, em todos os sentidos. 3- VIDA SEM DEUS SECULARIZAÇÃO A religião, na verdade, é a consciência da insuficiência humana, é vivida na admissão da fraqueza... A mensagem invariável do culto religioso é: do finito ao infinito, a distância é sempre infinita... (...) nós deparamos com dois caminhos inconciliáveis de aceitar o mundo e a nossa posição nele, nenhum dos quais pode ufanar-se de ser mais racional do que o outro...uma vez feita, qualquer escolha impõe critérios de julgamento que, infalivelmente, a apóiam numa lógica circular: se não há nenhum Deus, só critérios empíricos devem guiar-nos o pensamento, e critérios empíricos não conduzem a Deus, se Deus existe ele nos dá pistas sobre como perceber Sua mão no curso dos acontecimentos, e com a ajuda dessas pistas reconhecemos a razão divina do que quer que aconteça. (BAUMAN, p.209, 1998) O termo secularização engloba vários componentes. Geralmente se compreende como a vida sem Deus e sem religião. Isto porque no passado eram esses componentes a ditar a visão de mundo, a auto-compreensão e definição humana e a orientação do agir. A tentativa de estabelecer um binômio ou oposição como Deus-mundo, fé-razão, ciência-crença, não são verdadeiros deste período. Na verdade, a secularização não quer eliminar Deus e a religião, mas simplesmente fazer que ocupem o seu novo espaço dentro do novo horizonte de compreensão. Na visão e compreensão do homem moderno, o centro do universo passa a ser ele mesmo. Deus e o mundo passam para um segundo ou terceiro plano.

4 Alguns fatos são responsáveis por esse fenômeno, mas surtiram efeitos no próprio homem, na sua visão de mundo e de si mesmo. Colaboraram para isso: Copérnico e a confirmação de que o sol é o centro do universo; Galileu Galilei e a descoberta de que a terra gira ao redor do sol; Charles Darwin e a sua teoria de que o homem descende do macaco; Sigmund Freud e a intuição de que o homem é um conjunto de emoções não muito diferentes dos outros animais. A moderna genética também exerce uma forte e atual presença: reduz o indivíduo e suas manifestações a fatores de genes e DNA. (...) o humanismo não estava tão pronto para poder tornar-se tudo o quanto pudesse querer, como pronto para querer tornar-se o que realmente se podia (dada a ampla, embora não necessariamente infinita, riqueza do potencial humano): querendo apenas essas coisas por que se pode fazer algo prático e concreto para tornar-se verdadeiras. A vida após a morte claramente não pertence a essa categorias de coisas. A idéia de auto-suficiência humana minou o domínio da religião institucionalizada não prometendo um caminho alternativo para a vida eterna, mas chamando a atenção humana para longe desse ponto; concentrando-se em vez disso, em tarefas que o ser humano pode executar e cuja as conseqüências eles podem experimentar enquanto ainda são seres que experimentam e isto significa aqui nessa vida. (BAUMAN, p.209, 1998) O homem passa a ocupar a primazia no conjunto da realidade global, tudo é orientado em sua direção e desbanca a Deus. No entanto, ele se descobre pouco consistente e frágil. A certeza e organização e explicação do universo cedem espaço para a incerteza e tudo aquilo que é provisório. Porém, o termo secular engloba alguns outros elementos os quais merecem atenção, como, por exemplo, a valorização da experiência como forma de conhecer o universo e a si mesmo. As pessoas querem cada vez mais experiências e não aceitam não poder realiza-las. Para isto não basta somente a comprovação científica. Cada pessoa se torna um cientista, querendo experimentar tudo e de tudo!, como direito que lhe cabe. Não basta mais aquilo que nossos pais nos contaram, senão aquilo que cada um mesmo experimenta. O fator de avaliação dessas experiências não é objetivo, mas subjetivo, a partir dos efeitos, resultados e do papel que a mesma experiência joga no universo de sensações pessoais. Nesse caso, a mesma experiência pode ser vista como positiva ou como negativa, dependendo dos sujeitos implicados na mesma. Nessa tentativa não existem fronteiras. A vida passa a ser medida a partir das experiências realizadas. O limite a ser alcançado é único: a globalidade. Assim, muitos se colocam a caminho, literalmente montados em suas bicicletas, embarcações, balões, carros, etc., afinal, não existem limites. Aventurar-se em busca do novo, do diferente, ir além-fronteiras. No fundo, o fato revela o interior insaciável desse homem moderno. Ele quer conhecer a Deus, a si mesmo e o mundo, estabelecer novos paradigmas de compreensão do universo. No fundo, descobre-se o antigo desejo humano de conhecer-se a si mesmo. Num mundo em que todos os meios de vida são permitidos mas nenhum é seguro, elas mostram coragem suficiente para dizer, aos que estão ávidos de escutar, o que decidir de maneira que a decisão continue segura e se justifique em todos os julgamentos a que interesse. A esse respeito o

5 fundamentalismo religioso pertence a uma família mais ampla de soluções totalitárias ou protototalitárias, oferecidas a todos os que deparam a carga da liberdade individual excessiva e insuportável. (BAUMAN, p.229, 1998) Somente a partir da experiência é que começa a elaborar uma resposta e ação pessoal. Porém, tudo é muito frágil e provisório, afinal, a experiência não se esgota. O amanhã poderá ser diferente e, nesse caso, as determinações de hoje poderão não ser as mesmas de amanhã. O importante é não ter amarras, não se aprisionar a nada. Se, no passado, o estabelecimento de Deus e seu senhorio no universo resultavam no estabelecimento de verdades absolutas e um papel periférico ao homem, agora não existem absolutos. Tudo é muito provisório, relativo, em vir-a-ser. Tudo é projeto, não existe nada acabado. Esse processo colabora para que o homem moderno passe a uma fase de auto-assunção, comparado à maioridade, onde se reconhece como responsável por si e por sua própria história, responsável pelo universo e pelos demais. O retorno ao sagrado, ao esotérico, ao demoníaco e o culto ao mal são fenômenos da pósmodernidade. Formas religiosas e crendices consideradas ultrapassadas e infantis retornaram com novas forças e novos ares. Pelas avenidas, bairros, nas cidades e mesmo em pequenas cidades do interior, se vêem símbolos, ritos, imagens, pessoas e igrejas de credos diferentes. Há situações, algumas engraçadas e outras conflitivas, nas quais numa mesma família se encontram vários credos e tendências religiosas. Em pouco tempo é possível ver diversos templos e formas religiosas, tanto in loco quanto via satélite. Muitas pessoas estão totalmente mergulhados na fé, organizam a vida a partir dela e não abrem mão da participação ativa. São xiitas, ortodoxos, crentes e se reconhecem pertencentes ao mundo dos já salvos e com a missão de salvar os perdidos, os infelizes ; outros são totalmente indiferentes a uma única instituição religiosa, dando preferência às soluções rápidas e preenchimento de um vazio de sentido. Muitos simplesmente se limitam a afirmar crer numa energia universal, no ser superior, mas que é tão distante quanto eles próprios o são dele. Ao lado disso tudo, cresce o número daqueles que se denominam sem religião, o que não significa que sejam ateus. Este fenômeno não se restringe a uma camada social. São ricos e pobres, doentes e sãos, professores universitários e serventes de pedreiro. Todos professam sua crença e a manifestam na medida de suas necessidades. Empresários participam de culto evangélico, militares participando de missa, populares fazendo oferta à Iemanjá, motoqueiros carregando a imagem de N. Sra. Aparecida. Chegamos ao tempo em que a religião é de alguma tribo: surfistas, eskaitistas, homossexuais, empresários liberais, etc. Será que Deus venceu a batalha? Será que o Deus morto dos filósofos passados acordou e resolveu retomar seus poderes e as rédeas da história? Na verdade, o que existe é a formação do coquetel religioso. O homem pós-moderno vive a religião à la carte, de tipo self-service, numa mistura de vários aspectos que mais interessam e satisfazem as exigências e necessidades momentâneas. Na busca do sentido da vida, cria-se o deus e a religião pessoal: Jesus Cristo sim, Igreja não. O boom religioso revela isto: seitas, cultos, esoterismos, filosofias orientais, yoga, etc., num verdadeiro misticismo difuso e eclético, onde se vive a preferência religiosa e o suave consumismo religioso. A razão disso se encontra também no fato de o sagrado ter-se libertado do domínio da religião, isso é, qualquer pessoa pode atribuir-se o título de bispo, missionário e oferecer o serviço religioso como qualquer serviço de tele-entrega rápida e soluções milagrosas.

6 O homem moderno não serve a Deus, mas se faz servir dele. Culto e Igreja, na medida do necessário e quando sobra um tempinho, afinal, tudo o que é demais, faz mal. A fidelidade a uma única Igreja e a uma única visão de Deus são prejudiciais, pois, segundo o homem moderno, há outras facetas e aspectos que devem ser privilegiados e que uma única religião não completa. Assim, da missa de domingo se passa para o centro espírita de terça-feira, para a leitura e meditação da palavra de Deus no culto evangélico de quarta à noite, para a terreiro de umbanda de sexta-feira e para a fazenda budista de sábado. O resultado disto é o que se vê: ofertas religiosas as mais variadas possíveis. Igrejas, academias, farmácias e motéis é o que mais se vê nas ruas. São as instituições que mais proliferam e, no fundo, cada uma responde na medida exata ao que o homem moderno busca. O comércio religioso, em muitos casos, assume as mesmas características de qualquer oferta de produto, em nada diferente da venda de celulares, eletrodomésticos, carros, programas eróticos, etc. São ofertas religiosas em anúncios de jornais, rádios, outdoors, panfletos em esquinas movimentadas, liquidação de bênçãos e oração de cura pela metade do preço. O missionário que faz milagres, o professor que lê o futuro, a irmã que dá conselhos, o padre que faz show missa, o mestre que faz curso de meditação. Em tudo aparece a fuga do vazio, do anonimato e da vida sem sentido. O importante não é o que se crê e nem a medida desta crença, mas como forma de identificação com alguns outros e de autonomia, como demonstração da autonomia pessoal que se demonstra até mesmo na capacidade de comandar o próprio Deus. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.,Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.,Medo Liquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.,O Mal Estar da pós modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.,Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.,Amor Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.,Comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.,ÉTICA PÓS MODERNA. São Paulo: Paulus, 1997. TEOLOGIA DA MORTE DE DEUS: INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE DIETRICH BONHOEFFER

7 E SEU ATEÍSMO CRISTÃO 2 Considerações iniciais Dietrich Bonhoeffer é conhecido fora do meio teológico como um opositor de Adolf Hitler, é que, assim como Karl Barth e Paul Tillich se opuseram a apropriação feita pelo Regime Nazista de símbolos cristãos, produzindo uma resposta veemente a esse. Nessa época Bonhoeffer assim como os outros dois já eram teólogos muito respeitados na Alemanha e na Europa, tendo Bonhoeffer uma posição de destaque entre esses, com uma produção teológica de altíssimo valor. Por isso, destacamos Bonhoeffer pelo seu pensamento e não meramente por ter sido opositor de Hitler ou considerado um mártir da fé cristã protestante. Bonhoeffer e o Nazismo Apesar de ser a intenção desse trabalho uma análise do pensamento bonhofferiano será destacado brevemente o seu envolvimento com a já citada oposição ao governo de Hitler. Entre os teólogos anteriormente citados Dietrich Bonhoeffer foi quem teve o fim mais trágico, sendo que após o Concílio de Barmen 3 o teólogo assumiu uma posição política mais radical, ingressando na resistência militar ao regime, na qual em conjunto com o general Beck e o almirante Canrer, participaram de um plano para assassinar Hitler. O plano fora descoberto e o teólogo preso em 5 de abril de 1943, ficando detido em uma seção militar em Tegel nas proximidades de Berlim durante dezoito meses. No princípio de 1945 Bonhoeffer foi transferido para o campo de concentração de Bunchenwald, onde fora enforcado em 8 de abril, pouco antes da queda do Terceiro Reich. Aconteceu o que ele e Barth diziam desde o princípio de sua resistência ao nazismo A única coisa que o nazismo pode fazer contra nós é nos matar. (MONDIN, 2003, p. 204). Sua obra Fora enforcado pelo nazismo aos 39 anos. Mesmo com sua morte precoce, podem ser destacadas algumas obras de elevada importância que o coloca entre os grandes teólogos do século XX. Diferentemente do que alguns possam pensar que Bonhoeffer só é respeitado por ser um mártir cristão, afinal já era um teólogo altamente importante quando vivo. Dentre suas principais obras podem ser destacadas: Sanctorum Comunio 4 (1930), Ark und Sein: Transzendentalphilosophie und Ontologie in der Sistematichen Theologie (1931), Nachfolge (1937), (Imitação), Etik (1939), (Ética) e um livro póstumo que é uma coletânea de cartas enviadas pelo teólogo a amigos e à família quando estava na prisão em Berlim, Widerstand und Ergebung: Briefe und Aufzeichnungen aus der Haft (1951), (Resistência e Submissão), esse último um livro magnífico, que mostra uma fé incrivelmente inabalável, quando o autor passava por um momento de turbulência extrema, com certeza é um livro que merece ser lido, não apenas por teólogos e cristãos, mas por todos aqueles que se sensibilizam com os sentimentos humanos. 2 Makchwell Coimbra Narcizo Universidade Federal de Goiás Graduando em História Makch01@hotmail.com 3 Concílio que se postou contra o Governo Social-Nacionalista. Contando com grandes lideranças do protestantismo alemão. Nesse concílio fora redigida a Confissão de Barmen, um dos documentos cristãos mais importantes do século XX. 4 As obras com referência em português entre parênteses são as que existem tradução para o português e edição brasileira.

8 Suas influências Dentre seus principais influenciadores podem ser destacadas: Lutero (o qual o autor tentou atualizar para a modernidade), Kant (trabalhando com a concepção de limites da razão), Harnack (mesmo indo contra seu antigo mestre, que era adepto da teologia liberal, tão criticada por Bonhoeffer), Thomas de Kemps (adotando seu conceito de imitação), Karl Holl e Renhold Seeberg (promotores do chamado renascimento luterano ) e Karl Barth e Emil Brunner (apesar de ter rompido com esses posteriormente). Pensamento (A Teologia da Morte de Deus) Bonhoeffer é o principal precursor do que ficou conhecido como: Teologia da Morte de Deus ou Ateísmo Cristão ou ainda Cristocentrismo a-religioso. No qual o teólogo ao ver a ineficácia da pregação cristã ao homem moderno, sendo que o autor não identifica o ateísmo como uma heresia ou meramente uma aversão à igreja, pois, nada mais é do que um traço essencial do homem moderno, que imerso nas conquistas da modernidade, não consegue mais ser um homem religioso; sendo assim, propõe a libertação da mensagem bíblica, fazendo isso em termos a-religiosos que é o único que o homem moderno compreende e pode compreender. A questão está centrada justamente na natureza da teologia na interpretação de Bonhoeffer, na medida em que para esse para uma melhor interpretação da mensagem cristã é necessário que se faça antes uma secularização dessa mensagem. O problema é que, existe uma linguagem cujo qual a mensagem cristã está posta, sendo essa uma linguagem idealista que é na verdade a linguagem clássica. Assim, para uma correta compreensão da mensagem cristã, que é o principal fundamento do teólogo de Wroclaw é necessário que essa seja feita uma substituição dessa linguagem para uma linguagem mais moderna. Assim, sua interpretação é mais radical que a de Rudolf Bultmann, que propõe rever as vestes mitológicas da mensagem cristã assim como suas bases filosóficas, para Bonhoeffer é necessário ir além, é necessário mudar a linguagem religiosa que fora expresso originalmente. (MONDIN, 2003, 211). Para Bonhoeffer a questão não é separar Deus e os milagres como propõe Bultmann (BULTMANN et. Al., 1999; 2003a; 2003b), mas sim os interpretar abertamente em um sentido nãoreligioso, já que para o autor essa é uma exigência do homem moderno. Segundo Bonhoeffer houve uma crescente secularização da igreja, que para ele independendo do país ser católico ou protestante, houve no período da Reforma uma emancipação do homem perante Deus. Esta é celebrada como a emancipação do homem na consciência, na razão e na cultura, e como a justificação do secular enquanto tal. A fé bíblica dos Reformadores em Deus afastou-os do mundo, acontecendo com o mundo da seguinte maneira: Preparou-se de tal forma para o florescimento das ciências matemáticas e experimentais que, ao passo que os cientistas dos séculos XVI e XVII ainda eram crentes, quando a fé em Deus decaiu, restou apenas um mundo racionalizado e mecanizado. (BULTMAN, 1939, Apud: MONDIN, 2003, p. 221). Assim, a razão emancipada conquistara o mundo, levando a um triunfo da ciência técnica, o que relegou a igreja de um lugar de domínio a um não lugar frente às necessidades do mundo. Levando não apenas a uma negação teórica da existência de Deus, mas segundo Mondin (2003, 222) a uma hostilidade a Deus. Até por isso como argumenta Mondin (2003, 222): Aí está a característica do ateísmo ocidental. Ele não pode desfazer-se de seu passado. Não pode ser essencialmente senão

9 uma religião, essa não renegação de seu passado faz com que esse ateísmo seja diferente de outros ateísmos como de alguns gregos, indianos ou chineses. Assim, conclui Bonhoeffer: Seria um erro grosseiro identificar o ateísmo com a aversão à igreja: o ateísmo é um traço essencial do homem moderno, que, depois das conquistas da ciência e da técnica, não pode mais ser um homem religioso (...) O homem moderno aprendeu a enfrentar qualquer problema, mesmo os importantes, sem recorrer a hipótese da existência e da intervenção de Deus. (BULTMAN, 1939, Apud: MONDIN, 2003, p. 222). Bonhoeffer propõe o abandono das técnicas tradicionais tanto da teologia quanto das pregações, que podem ser encaradas como uma ofensa a modernidade não religiosa, fazendo uma atualização teológica e hermenêutica da mensagem cristã, que tem como essência o próprio Cristo, devendo ser apenas cristocêntrica. Assim, a pregação deve ser baseada não na vivencia de cada homem como era (é) feito até então, mas de um Deus que possa explicar o mundo. Como fazer isso então, já que o homem moderno aprendeu a resolver seus problemas sem recorrer à hipótese da existência de Deus? A questão para Bonhoeffer é que o que designamos chamar Deus está confinado fora das coisas da vida, além do mais as respostas que antes deveriam ser dadas por Deus, saíram da alçada de da igreja e da teologia, sendo respondidas (ou tentativas de respostas) pela psicanálise, sociologias ou pela medicina. Assim, para Bonhoeffer a única chance de a igreja se fazer valer levando sua mensagem para uma maior parte do mundo é ter coragem de rever os fundamentos de sua mensagem: O único modo de sermos honestos é reconhecer que devemos viver no mundo etsi deus non deuretur, como se Deus não existisse. (BONHOEFFER, 2003, 241). Como então deve ser a relação da igreja com esse mundo des-religiozizado, já que o cristão tem o dever de passar a frente as boas novas do evangelho? A resposta de Bonhoeffer é simples, pelo exemplo, pois assim, talvez, com o exemplo cristão, possa se fazer com que os outros intuam o conteúdo da fé desses. Nas palavras de Bonhoeffer: Que o cristão permaneça no mundo, mas não pela bondade da criação ou por sua responsabilidade em relação ao curso do mundo, mas por amor ao Corpo de Cristo encarnado e por amor a igreja. Que permaneça no mundo para empenhar-se no ataque contra ele e que viva a vida de sua vocação secular para mostrar-se ainda mais como um estrangeiro nesse mundo. (BULTMAN, 1937, Apud: MONDIN, 2003, p. 224). A intenção de Bonhoeffer não é como muitos podem interpretar e têm intepretado alguns, de fazer a linguagem cristã adotar uma linguagem seular, mas sim, de faze-la perder a eficácia frente ao testemuno. Como expresso anteriormente esse teólogo morrera jovem, no auge de sua produção, assim, não pode concluir alguns de seus pensamentos e tampouco responder a algumas indagações a esse. Como a questão de como funciona então essa circularidade entre o cristão que testemunha o mundo a religioso? Na medida em que, as pessoas que porventura aceitem a mensagem cristão estão nesse mundo a-religioso. Além de não ter visto a falência da religião da ciência após a destruição da Europa, que muito se deu por ideais cientificistas ou se apoiando nessas. Não concordamos com quem liga diretamente o pensamento de Bonhoeffer e sua Teologia da Morte de Deus com o que ficou conhecida em especial na década de 1960 como Teologia Radial. Esse pensamento tratava que uma vez que Deus não era empiricamente verificável, a visão do mundo

10 bíblico foi tida por mitológica e inaceitável para a mente moderna. A verdade é que essa ala teológica se apropriou não tanto do pensamento bonhoefferiano, afinal a questão da morte de Deus está presente no Ocidente desde muito tempo, passado desde Nietzsche a Dostoievski, o que esses teólogos apropriaram de fato de Bonhoeffer foi mais um vocabulário do que o pensamento propriamente dito. No Brasil Bonhoeffer nunca foi muito conhecido nem mesmo nos círculos acadêmicoteológicos, entretanto isso começa a mudar, nos últimos anos há uma campanha de divulgação do pensamento do teólogo, feita especialmente pala Escola Superior de Teologia (EST) da Igreja Evangélica Luterana no Brasil (IECLB). Em 1995 na ocasião do cinqüentenário do assassinato de Bonhoeffer, a EST promoveu o dia de Bonhoeffer, no qual estudantes e teólogos tiveram como pauta a vida e a teologia do teólogo alemão. Desde então obras do autor passaram a ser publicadas e republicadas. No caso de Bonhoeffer não se pode falar de uma influência posterior à Segunda Guerra Mundial, afinal esse não sobreviveu a ela, sendo silenciado um dos teólogos mais brilhantes que o protestantismo já produziu, entretanto, é importante ressaltar que no período em que esteve prezo sua teologia ressaltava ainda mais a necessidade da mensagem cristã atingir o homem moderno, mas infelizmente não pode desenvolver seu pensamento. A teologia bonhoeffiana veio denunciar que o homem moderno não aceitava a pregação cristã e que algo deveria ser feito para que atingisse esse objetivo, talvez seja essa a grande contribuição desse autor à teologia do século XX. Na crise em que a modernidade vive, sendo criticada por algumas correntes, o pensamento bonhoefferiano se faz ainda mais necessário para os cristãos. Bibliografia A Bíblia Sagrada. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2003. BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. São Leopoldo: 7.ed. Sinodal, 2002.. Ética. São Leopoldo: 6.ed. Sinodal, 2002.. Resistência e submissão. São Leopoldo: 8.ed. Sinodal, 2003.. Tentação. São Leopoldo: 4.ed. Sinodal, 2002.. Vida em comunhão. São Leopoldo: 5.ed. Sinodal, 2002. BULTMANN, Rudolf. Demitologização. São Leopoldo: Sinodal, 1999.. Milagre: Princípios de interpretação do Novo Testamento. São Paulo: Novo Século, 2003.

11. Jesus Cristo e mitologia. São Paulo: Novo Século, 2003.. Teologia do Novo Testamento. São Paulo:Teológica, 2004. CAIRNS, Earle. O Cristianismo Através dos Séculos. São Paulo: 2.ed. Vida Nova, 2003. CALVINO, Juan. Institución de la religión cristiana. Barcelona: 5.ed. Felire, 1999. DOSTOIEVSKI, Fiódor M. Os Irmãos Karamazov. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1971.. Memórias do Subsolo.São Paulo. 4.ed. Editora 34, 2003. HÄGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre: Concórdia, 1986. LÖWENICH, Walter. A teologia da cruz de Lutero. São Leopoldo: Sinodal, 1989. LUTERO, Martim. Da liberdade cristã. São Leopoldo: 4.ed. Sinodal, 1983. MACKINTOSH, Hugo. Teologia moderna. De Schleiermacher a Bultamann. São Paulo: Novo Século, 2003. MONDIN, Battista. Os grandes teólogos do século XX. São Paulo: Teológica, 2003. NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Martin Claret, 2004.. Assim Falou Zaratrustra. São Paulo: Martin Claret, 2004.. O Anticristo. São Paulo: Scala. SCHLEIERMACHER, Friederich. Hermenêutica: arte e técnica da interpretação. Petrópolis: Vozes, 1999. Título: A doença do ateísmo entre os gregos Autor: Hermisten Maia Pereira da Costa

12 Vinculação Institucional: Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) Titulação Acadêmica: Doutor E-mail: Hermisten@terra.com.br Grupo de Pesquisa: Ateísmo e Crítica Religiosa Resumo: Partindo da compreensão de Platão de que o ateísmo é uma doença (Platão, Leis, 908c), examino preferencialmente as obras primárias, investigando de forma introdutória alguns autores da Grécia antiga, especialmente, Xenófanes, Heráclito, Empédocles e Sócrates, analisando as suas críticas à religião prevalecente, avaliando se tais críticas eram sinais de ateísmo ou resultado de uma perspectiva da inconsistência da religião dominante. A doença do ateísmo entre os Gregos Hermisten Maia Pereira da Costa Introdução A Religião é um fenômeno universal. A Antropologia, a Sociologia, a Filosofia, a Arqueologia e a História, entre outras ciências, têm demonstrado de forma convincente que a religião está presente em todas as culturas antigas e modernas. Por isso, podemos falar do homem como sendo um ser religioso. O homem procura desesperadamente um significado para a sua vida, tentando encontrar um equilíbrio entre os seus extremos existenciais: a vida e a morte, o ser e o nada, a ordem e o caos. Dentro desta perspectiva, o caminho religioso é, quase que invariavelmente seguido pelo homem na busca de significado para o seu existir. A experiência religiosa é universal, assumindo características pessoais e, ao mesmo tempo universais. Do mesmo modo que minha experiência é particular e pessoal, ela tem em si os mesmos ingredientes da experiência do outro: todos desejam o mesmo equilíbrio, ainda que não pelos mesmos caminhos e com nomes diferentes. A religião é um apanágio do ser humano. O grande etnólogo Bronislaw Malinowski (1884-1942), inicia o seu livro Magia, Ciência e Religião, com esta afirmação: Não existem povos, por mais primitivos que sejam, sem religião nem magia (MALINOWSKI, [s.d], p. 19). Na Antigüidade, Cícero (106-43 a.c.), Plutarco (50-125 AD) e outros, constataram este fato. Cícero observou que não há povo tão bárbaro, não há gente tão brutal e selvagem, que não tenha em si a convicção de que há Deus (Ver: CICERO, 1972, I.17; II.4). Mas, o que significa religião? Ainda que não possamos responder a questão apenas pela simples explicação da palavra, acreditamos que esta pode fornecer-nos algumas pistas. A palavra religião é de origem incerta. Cícero (106-43 a.c.), associa a palavra ao verbo latino relegere (reler, ler com cuidado) (CICERO, 1972, II.72-74). Cícero, assim explicou: Aqueles que cumpriam cuidadosamente com todos os atos do culto divino e por assim dizer os reliam atentamente foram

13 chamados de religiosos de relegere, como elegantes de eligere, diligentes de diligere, e inteligentes de intellegere; de fato, nota-se em todas estas palavras o mesmo valor de legere que está presente em religião (CICERO, 1972, II.28). Deste modo, a religião seria o estudo diligente acompanhado da observância das coisas que pertencem aos deuses (MULLER, 1985, p. 262). No entanto, a explicação mais famosa, relaciona a origem da palavra à religio e religare (religar) trazendo a idéia embutida de religar-se com Deus. Essa explicação encontra-se em Lactâncio (c. 240-c. 320) Divinae Institutiones, (c. 304-313) e Agostinho (354-430) De Civitate Dei (1990, Vol. I, X.3, p. 373 e X.32, p. 410-414) e De Vera Religione. Lactâncio que discorda da explicação de Cícero, diz: Nós dissemos que o nome religião (religionis) é derivado do vínculo de devoção, porque Deus ligou o homem a Ele, e o prende por devoção; porque nós O temos que servir como um mestre, e ser-lhe obediente como a um pai (LACTANTIUS, 1994, IV.28, p. 131). Agostinho, após falar do que não devemos adorar, afirma: Que a nossa religião nos ligue, pois, ao Deus único e onipotente (AGOSTINHO, 1987, 55, p. 145). Thomas Hobbes (1588-1679) em 1651, vai um pouco além, concluindo que a religião é exclusividade do ser humano: Verificando que só no homem encontramos sinais, ou frutos da religião, não há motivo para duvidar que a semente da religião se encontra também apenas no homem, e consiste em alguma qualidade peculiar, ou pelo menos em algum grau eminente dessa qualidade, que não se encontra em outras criaturas vivas (1974, p. 69). 1. A Antigüidade Pagã: Os deuses, nossos companheiros: Na Antigüidade não era raro ou anormal, um homem ser chamado de filho de deus. O mundo estava cheio de homens considerados divinos, semideuses e heróis nascidos de casamentos dos deuses com os mortais. Tais homens se diziam filhos de deus e, por isso, eram em alguns casos, até mesmo adorados, como manifestações da divindade. Mesmo o Novo Testamento apresenta alguns indícios deste costume entre os pagãos (Atos dos Apóstolos 8.9-11; 12.21,22; 14.11,12; 28.6). O episódio narrado por Lucas em Atos 14.8-18 ilustra bem a crença do povo. E, neste caso, há algo curioso: Júpiter e Mercúrio, os quais foram identificados pelo povo como sendo Barnabé e Paulo, respectivamente (At 14.12), eram associados à região pela literatura latina. Ovídio (42 a.c.-18 d.c.), em sua obra principal, Metamorfoses, narra que o pobre casal, Filemon e Báucis, hospedou em sua humilde casa, Júpiter e Hermes (= Mercúrio), que vieram à sua cidade disfarçados de mortais à procura de uma hospedagem, e que não conseguiram pousada em nenhuma das mil casas da região, exceto na do casal. Filemon e Báucis, por este ato de hospitalidade, conta-nos Ovídio, foram recompensados sendo poupados do dilúvio que destruiu as casas de seus vizinhos não hospitaleiros, tendo, inclusive, num ato simultâneo a sua pequena casa transformada num templo e, a pedido receberam a incumbência de serem sacerdotes e guardiões do santuário de Júpiter e, conforme solicitaram, Filemon e Báucis, morreram juntos (OVÍDIO, 1983, VIII, p. 214-216). Esta lenda que já era bem conhecida nos tempos de Paulo e Barnabé, esclarece porque tão prontamente o povo os identificou com tais divindades após o milagre realizado por Deus através deles. Além disso, a idéia de que as divindades assumissem temporariamente uma forma humana, já fazia parte da religiosidade do povo. Homero, o grande poeta grego, em sua Odisséia, escrita por volta do séc. IX a.c., registrou: Os deuses tomam às vezes a figura de estrangeiros, vindos de longes terras e, sob aspectos diversos, vão de cidade em cidade, a fim de ficarem conhecendo quais os homens soberbos e quais os justos (1979, XVII, p. 162). Em outra passagem, na mesma obra, Homero narra como a deusa Palas Atena, filha de Zeus (= Júpiter), se aproximou em determinado momento, do seu protegido, Ulisses. Dele se abeirou Atena, sob o aspecto de um adolescente pastor de ovelhas, gentil como são os filhos dos príncipes, os ombros

14 recobertos de dupla e fina capa, trazendo nos pés reluzentes sandálias e na mão um cajado (1979, XIII, p. 123). Ulisses, no diálogo que se sucede após a identificação da deusa, diz: Deusa, quando te aproximas de um mortal, muito dificilmente este te reconhecerá, por hábil que seja, porque tomas todos os aspectos (1979, XIII, p. 125). O fato é que na Antigüidade a história estava repleta de intervenções divinas e, de certa forma o povo era governado pela divindade, visto que, especialmente no Oriente, o rei era tido como filho de algum deus. No Egito, o monarca reinante era considerado divino, sendo concebido como uma geração física do deus supremo, chamado Ré; o rei era uma espécie de epifania (manifestação) do próprio deus. Na Arábia, o rei era adorado como se fosse deus. Para os sumerianos, babilônios e árabes, o rei era visto como filho adotivo de um ou de vários deuses. Os colonizadores gregos em suas conquistas chefiados por Filipe da Macedônia (c. 382-336 a.c.) e posteriormente por seu filho, Alexandre o Grande (356-324 a.c.), assimilaram tais idéias mesclando-as com a sua mitologia tradicional, que por si só já era bastante complexa. Dentro deste sincretismo religioso, encontramos o imperador romano, sendo chamado de Divi Filius; os gregos criam que muitos homens descendiam fisicamente dos deuses; a ascendência divina é que determinava a existência dos reis, filósofos, sacerdotes e justos. Tais crenças proliferavam, assumindo particularidades em cada cidade e até mesmo em cada família, crescendo ainda mais o número de divindades, sendo somado a isto, um processo intenso de canonização dos homens. O historiador Fustel de Coulanges (1975, p. 117-118), escreveu sobre este processo: Todo homem, tendo prestado algum grande serviço à cidade, desde aquele que fundara até outro que lhe conseguira alguma vitória ou aperfeiçoara suas leis, tornava-se um deus para essa cidade. Nem sequer se torna necessário ter sido grande homem ou benfeitor; bastava haver impressionado vivamente a imaginação de seus contemporâneos e ter-se tornado alvo de tradição popular, para qualquer pessoa se tornar herói, isto é, um morto poderoso cuja proteção fosse desejada e cuja cólera temida (...). Os mortos, fossem quais fossem, eram os guardas do país, sob condição de se lhes prestar culto. Por isso que, por mais que recuemos na história, sempre acharemos no Oriente, povos, tribos e famílias, que alegam serem provenientes de um ancestral divino. Havia também, homens que eram considerados como que possuidores de habilidades divinas para realizarem milagres, sendo chamados de homens divinos. Existiam os círculos dos espirituais que entendiam que uma pessoa podia tornar-se divina mediante o desenvolvimento do conhecimento de Deus. Em síntese, a idéia de filho de deus, refletia uma confusão existente no conceito de divindade e humanidade, acarretando, via de regra, uma diminuição da idéia de deus e, também, por outro lado, uma elevação do homem. 2. A Crítica Grega à Religiosidade Predominante: Na Grécia antiga, ateísmo era a acusação comum feita àqueles que fizessem crítica à religião predominante. Se a pessoa fosse pública ou influente, essa acusação poderia servir como forma de vingança ou, para desacreditá-lo diante da opinião pública. O caso mais conhecido é o do filósofo

15 Sócrates (469-399 a.c.), que entre outras acusações teve a de... não crer nos deuses em que o povo crê e sim em outras divindades novas (PLATÃO, 1972, 24b-c, p. 17). 5 Mas, na realidade apesar de listas antigas de ateus gregos (GUTHRIE, 1995, p. 220-221), cuja crença é denominada por Platão (427-347 a.c.) de doença (PLATÃO, 1999, IX, p. 357-358, 402) tem sido extremamente difícil provar além de qualquer contestação, que algum pensador grego tivesse sido ateu puro. No entanto, o que acontecia era coisa diferente: apesar do paganismo grego da Antigüidade ser cheio de lendas e superstições, de quando em quando alguns pensadores se levantavam contra as crenças e costumes populares, declarando algo de relevo. Muitas das críticas estavam relacionadas ainda que não solitariamente, à fragilidade moral dos deuses tão candidamente descrita nas obras de cunho histórico-religioso e que dominavam a mente dos povos. Encontramos, por exemplo, a percepção de que os homens tendiam a fazer seus deuses à sua imagem e semelhança. Aliás, esta é uma característica do ser humano, projetando o seu mundo a partir de si mesmo, dando uma espécie de troco a Deus. Entre os filósofos da Antigüidade que souberam criticar com discernimento as práticas religiosas do seu tempo, destacamos Xenófanes (c. 570-c.460 a.c.), Heráclito (c. 540-480 a.c.) e Empédocles (c. 495-455 a.c.). Hesíodo, dizendo: Xenófanes faz uma crítica mordaz a Homero e "Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses tudo o que para os homens é opróbrio e vergonha: roubo, adultério e fraudes recíprocas. "Como contavam dos deuses muitíssimas ações contrárias às leis: roubo, adultério, e fraudes recíprocas. "Mas os mortais imaginam que os deuses são engendrados, têm vestimentas, voz e forma semelhantes a eles. "Tivessem os bois, os cavalos e os leões mãos, e pudessem, com elas, pintar e produzir obras como os homens, os cavalos pintariam figuras de deuses semelhantes a cavalos, e os bois semelhantes a bois, cada (espécie animal) reproduzindo a sua própria forma. "Os etíopes dizem que os seus deuses são negros e de nariz chato, os trácios dizem que têm olhos azuis e cabelos vermelhos" (1977, Fragmentos 11-16). Xenófanes propunha uma visão próxima ao monoteísmo ou pelo menos, um politeísmo não antropomórfico (GUTHRIE, 1995, p. 211), mas, ainda assim, cosmológico, identificando, conforme pontua Aristóteles, o uno, ou seja, o universo, como sendo Deus (ARISTÓTELES, 1973, p. 223). Xenófanes (1977, Fragmento 23) escreve: Um único deus, o maior entre deuses e homens, nem na figura, nem no pensamento semelhante aos mortais. Na realidade, Xenófanes destaca um deus supremo acima dos demais deuses e dos homens (GILSON, 2006, p. 55). Reale e Antiseri acentuam que depois das críticas de Xenófanes, o homem ocidental poderá nunca mais conceber o divino segundo formas e medidas humanas. (REALE; ANTISERI, 1990, Vol. 1, p. 48). Heráclito a quem, juntamente com Sócrates, Justino considera cristão antes de Cristo (JUSTINO DE ROMA, 1995, p. 61-62), ridiculariza o 5 Evidentemente, há inúmeros outros casos. Um outro bem conhecido é o de Diágoras de Melos aliás, em todas as menções feitas ao seu nome, aparece o apelido de o ateísta, discípulo de Demócrito, que foi acusado de impiedade quando ensinava em Atenas (411 a.c.) devido ao seu suposto ateísmo (Vejam-se: CICERO, 1972, I.1. p. 69; III.88-90, p. 232; GUTHRIE, 1995, p. 220-221).

16 antropomorfismo e a idolatria da religião contemporânea, dirigindo a sua crítica à prática do sacrifício como meio de purificação, e às orações feitas às imagens: Em vão procuram purificar-se, manchandose com novo sangue de vítimas, como se, sujos com lama, quisessem lavar-se com lama. E louco seria considerado se alguém o descobrisse agindo assim. Dirigem também suas orações a estátuas, como se fosse possível conversar com edifícios, ignorando o que são os deuses e os heróis (HERÁCLITO, 1977, Fragmento 5). Talvez isto revele o que Heráclito expressa no Fragmento 79: "O homem é infantil frente à divindade, assim como a criança frente ao homem." Todavia devemos ressaltar que ele não era irreligioso, apenas discordava da prática religiosa que via. (HERÁCLITO, 1977, Fragmentos 14 e 67). Heráclito, fugindo da idéia de fatalismo, entendia que o homem é responsável pelos seus atos, portanto, afirma: "O caráter é para o homem um demônio" (dai/mwn). (1977, Frag., 119). Deus, que é um ser espiritual: Empédocles fala do privilégio de se conhecer a "Bem aventurado o homem que adquiriu o tesouro da sabedoria divina; desgraçado o que guarda uma opinião obscura sobre os deuses. "Não nos é possível colocar (a divindade) ao alcance de nossos olhos ou de apanhá-la com as mãos, principais caminhos pelos quais a persuasão penetra o coração do homem. "Pois o seu corpo (da divindade) não é provido de cabeça humana; dois braços não se erguem de seus ombros, nem tem pés, nem ágeis joelhos, nem partes cobertas de cabelos; é apenas um espírito; move-se, santo e sobre-humano, e atravessa todo o cosmos com rápidos pensamentos". (1977, Fragmentos, 132-134). Na História Grega, o século V a.c., costuma ser denominado, "Século de Ouro" ou "Século de Péricles". Dá-se neste período o grande desenvolvimento democrático de Atenas. As assembléias e tribunais dependiam da habilidade retórica dos seus participantes. O discurso era o meio mais eficaz de adquirir influência, poder e honrarias ou de se defender dos inimigos. A Retórica adquiriu um "status" de inigualável arma política, assegurando a vitória a quem soubesse usá-la melhor. Escrever Jaeger (1989, p. 236): "A faculdade oratória situa-se em plano idêntico ao da inspiração das musas aos poetas. Reside antes de mais nada na judiciosa aptidão para proferir palavras decisivas e bem fundamentadas. (...) A idade clássica chama de orador o político meramente retórico. (...) Neste ponto, devia basear-se na eloqüência toda a educação política dos chefes, a qual se converteu necessariamente na formação do orador". Este século é marcado por profundas modificações; a vitória nas guerras médicas, quando foram expulsos os invasores persas das terras helênicas [Maratona (490); Salamina (480) e Platéia (479)], trouxe prosperidade no comércio, aumento de sua riqueza e, sobretudo, desenvolvimento e esplendor da sua cultura. Péricles (499-429 a.c.) deu uma Constituição democrática à Atenas, e a vida política e civil da cidade, tomou novos aspectos, despertando um novo interesse intelectual. A preocupação pelo mundo que foi característica das épocas anteriores, cede lugar agora, à preocupação com o homem. Neste contexto surgiram os sofistas, facundos oradores, retóricos e fundamentalmente pedagogos que tinham como meta a educação dos nobres, especialmente na Gramática, na Literatura, na Filosofia, na Religião e, principalmente na Retórica. Os sofistas foram mestres que tiveram grande influência no 5º e 4º séculos antes de Cristo. Deles partiram críticas severas à religião praticada. Protágoras (c. 480-410 a.c.), por exemplo, partindo do princípio de que o homem é o senhor e padrão de toda realidade, conduziu seu pensamento pelo

17 pleno subjetivismo, dizendo: "O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, e das que não são enquanto não são" (Apud PLATÃO, 1988, 152a; 160c). Deste conceito, ele deduz o seu agnosticismo teológico que, segundo nos parece, era o único caminho possível para ser coerente com o seu pensamento relativista: Quanto aos deuses, não posso saber se existem nem se não existem nem qual possa ser a sua forma; pois muitos são os impedimentos para sabê-lo: a obscuridade do problema e a brevidade da vida do homem" (DIÓGENES LAERCIO, 1947, X, p. 581-582). Um seu contemporâneo, ainda que não sofista, Melisso de Samos, também partilhava do mesmo agnosticismo, conforme testemunho de Diógenes Laércio: Dos deuses, dizia que não se deve dar explicação definitiva. Pois não se os pode conhecer (MELISSO DE SAMOS, 1977, Doxografia 3). Trasímaco de Calcedônia, entendendo que a justiça é sempre a do mais forte (PLATÃO, 1993, 338e-339a; 343c-344c), sustentava que os deuses foram inventados pelos governantes com o objetivo de assustarem os homens. No entanto, caso eles existam, não têm providência nem se preocupam com os assuntos humanos (PLATÃO, 1993. 336b; 338c; 1999, 889e). Aliás, o conceito de um deus indiferente aos problemas humanos, não era estranho no V/IV séculos a.c. conforme indica Platão (427-347 a.c.), ainda que combatendo esta acepção (XENOFONTE, 1972, I.4.10ss.; PLATÃO, 1999, 885B; 888c. Livro X, p. 402; 1993, 365d-e). Outro sofista, Pródico de Céos (c. 470-?), entendia que a origem da religião estava associada à gratidão dos homens, que denominaram de deuses as coisas úteis à vida, tais como o sol, a lua, os rios, os lagos, o alimento e o vinho (CICERO, 1972, I.118; GUTHRIE, 1995, p. 221-224). Platão (427-347 a.c.), com discernimento correto, entendia que um dos males de sua época era a corrosão da religião praticada por supostos sacerdotes e profetas que ele chama de mendigos e adivinhos, os quais exploravam a credulidade das pessoas, especialmente das ricas. Dentro do quadro descrito, uma das fórmulas usadas por esses líderes religiosos, era fazer as pessoas crerem que poderiam mudar a vontade dos deuses mediante a oferta de sacrifícios ou, através de determinados encantamentos; os deuses seriam, portanto, limitados e aéticos, sem padrão de moral, sendo guiados pelas seduções humanas: Mendigos e adivinhos vão às portas dos ricos tentar persuadi-los de que têm o poder, outorgado pelos deuses devido a sacrifícios e encantamentos, de curar por meio de prazeres e festas, com sacrifícios, qualquer crime cometido pelo próprio ou pelos seus antepassados, e, por outro lado, se se quiser fazer mal a um inimigo, mediante pequena despesa, prejudicarão com igual facilidade justo e injusto, persuadindo os deuses a serem seus servidores dizem eles graças a tais ou quais inovações e feitiçarias. Para todas estas pretensões, invocam os deuses como testemunhas, uns sobre o vício, garantindo facilidades (...). Outros, para mostrar como os deuses são influenciados pelos homens, invocam o testemunho de Homero, pois também ele disse: Flexíveis até os deuses o são. Com as suas preces, por meio de sacrifícios, votos aprazíveis, libações, gordura de vítimas, os homens tornam-nos propícios, quando algum saiu do seu caminho e errou (Ilíada IX.497-501) (1993, 364c-e). Platão faz críticas severas, especialmente a Homero e Hesíodo por terem forjado conceitos de Deus que, segundo ele, não correspondiam à realidade (1993, 377d; 382a-383a; 388b-d); por isso, tais lendas que eram mescladas de elementos verdadeiros e falsos (1993, 377a) não deveriam ser contadas às crianças e aos jovens, visto que elas corromperiam a formação dos mesmos. As primeiras histórias a serem contadas, deveriam ser as mais nobres, que orientassem no sentido da virtude (1993, 378e). Para ele, Deus estava acima de nossa capacidade racional e, mesmo que fosse percebido, seria incomunicável:..., descobrir o autor e o pai deste universo é um grande feito, e quando se o descobriu, é impossível divulgá-lo a todos ([s.d], 28). Platão, com acuidade acentua que o Criador que formou o universo é um ser pessoal e bom:

18 Ele era bom, e naquele que é bom nunca se lhe nasce a inveja. Isento de inveja, desejou que tudo nascesse o mais possível semelhante a ele. (...) Deus quis que tudo fosse bom: excluiu, pelo seu poder, toda imperfeição, e assim, tomou toda essa massa visível, desprovida de todo repouso, mudando sem medida e sem ordem, e levou-a da desordem à ordem, pois estimou que a ordem vale infinitamente mais que a desordem ([s.d], 29-30). Há também um aspecto interessante: ainda que a questão do monoteísmo não seja discutida entre os filósofos gregos; daí: deus e deuses serem expressões intercambiáveis; há um fragmento muito citado entre os antigos, escrito por Antístenes de Atenas (c. 450-360 a.c.), primeiramente sofista e depois discípulo de Sócrates (469-399 a.c.), no qual diz, conforme menciona Cícero (106-43 a.c.): Antístenes (...) em seu livro A Filosofia Natural, destrói o poder e a personalidade dos deuses ao dizer que embora a religião popular reconheça muitos deuses, há somente um Deus na natureza (CICERO, 1995, I.32). Considerações Finais: Ao que parece, não existiu de fato ateísmo entre os gregos. A crítica feita à religiosidade oficial era, na realidade, uma crítica não aos deuses, mas, aos equívocos das concepções que ameaçavam à genuína compreensão teológica. Posteriormente, apologistas cristãos, inspirados nessas críticas e de outros filósofos gregos e romanos impacientes com as divindades inúteis, usariam métodos semelhantes para criticarem a religião grega e a de outros povos (GREEN, 1984, p. 16). Nos séculos posteriores ao Novo Testamento, a questão da adoção de concepções filosóficas gregas não foi pacífica; havia quem concordasse (Justino e Clemente de Alenxandria) e outros que entendiam que o Cristianismo nada tinha a ver com o pensamento pagão (Taciano e Tertuliano). No entanto, o que acabou por prevalecer foi a consciência de que todas as coisas provêm de Deus e, que as concepções verdadeiras da realidade ainda que nos lábios de ímpios (Cf. At 17.28;Tt 1.12), podem ser instrumentos úteis para a elaboração e transmissão da verdade divina. Isto porque qualquer tipo de conhecimento parte de Deus, que é a sua fonte inesgotável; portanto, toda verdade é proveniente de Deus, havendo inclusive pontes entre o que pensadores pagãos disseram e a plenitude da verdade conforme revelada nas Escrituras. Essas pontes evidenciam-se de modo transparente no comentário feito no segundo século, por Justino (c. 100-165 AD):... se há coisas que dizemos de maneira semelhante aos poetas e filósofos que estimais, e outras de modo superior e divinamente, e somos os únicos que apresentamos demonstração, por que nos odeiam injustamente mais do que a todos os outros? Assim, quando dizemos que tudo foi ordenado por Deus, parecerá apenas que enunciamos um dogma de Platão; ao falar sobre conflagração, outro dogma dos estóicos; ao dizer que são castigadas as almas dos iníquos que, ainda depois da morte, conservarão a consciência, e que as dos bons, livres de todo castigo, serão felizes, parecerá que falamos como vossos poetas e filósofos; que não se devem adorar obras de mãos humanas, não é senão repetir o que disseram Menandro, o poeta cômico, e outros com ele, que afirmaram que o artífice é maior do que aquele que o fabrica (1995, p. 37-38). Agostinho (354-430) valoriza a Filosofia; contudo, para ele nem todos os chamados filósofos o são de fato, visto que o filósofo é aquele que ama a sabedoria. "Pois bem argumenta Agostinho, se a sabedoria é Deus, por quem foram feitas todas as coisas, como demonstraram a autoridade divina e a verdade, o verdadeiro filósofo é aquele que ama a Deus" (1990, Vol. I, VIII.1).

19 As palavras de Justino Mártir (c. 100-165 AD) permanecem como princípio regulador:... Tudo o que de bom foi dito por eles (filósofos), pertence a nós, cristãos, porque nós adoramos e amamos, depois de Deus, o Verbo, que procede do mesmo Deus ingênito e inefável. (JUSTINO DE ROMA, 1995b, XIII.4, p. 104). Referências Bibliográficas AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. 2ª ed. Petrópolis, RJ./São Paulo: Vozes/Federação Agostiniana Brasileira, 1990. AGOSTINHO. Santo. A Verdadeira Religião. São Paulo: Paulinas, 1987. ARISTÓTELES, Metafísica. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. IV), 1973. CICERO, The Nature of the Gods. England: Pinguin Books, 1972. COULANGES, N.D. Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Hemus, 1975 DIÓGENES LAERCIO Vidas, Opiniones y Sentencias de los Filósofos más Ilustres. Buenos Aires: Librería El Ateneo Editorial, (1947). EMPÉDOCLES, Fragmentos. In: BORNHEIM, Gerd A., org. Os Filósofos Pré-Socráticos. 3ª ed. São Paulo: Cultrix, 1977. GILSON, Étienne. O Espírito da Filosofia Medieval, São Paulo: Martins Fontes, 2006. GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova, 1984. GUTHRIE, W.K.C. Os Sofistas. São Paulo: Paulus, 1995. HERÁCLITO. Fragmentos. In: BORNHEIM, Gerd A., org. Os Filósofos Pré-Socráticos. 3ª ed. São Paulo: Cultrix, 1977. HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. XIV), 1974. HOMERO, Odisséia. São Paulo: Abril Cultural, 1979. JAEGER, Werner. Paidéia: A Formação do Homem Grego. 2ª ed. São Paulo/Brasília, DF.: Martins Fontes/Editora Universidade de Brasília, 1989. JUSTINO DE ROMA. I Apologia. São Paulo: Paulus, 1995. JUSTINO DE ROMA. II Apologia. São Paulo: Paulus, 1995b. LACTANTIUS, The Divine Institutes. In: ROBERTS, Alexander; DONALDSON, Roberts, eds. Ante- Nicene Fathers. Peabody, Massachusetts: Hendrickson publishers, 1994, Vol. VII. MALINOWSKI, Bronislaw. Magia, Ciência e Religião. Lisboa: Edições Setenta, (s.d.). MELISSO DE SAMOS. Doxografia. In: BORNHEIM, Gerd A., org. Os Filósofos Pré-Socráticos. 3ª ed. São Paulo: Cultrix, 1977. MULLER, Richard A. Dictionary of Latin and Greek Theological Terms. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1985. OVÍDIO, As Metamorfoses. Rio de Janeiro: Editora Tecnoprint, 1983.

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