Diagrama de desvio fonatório na clínica vocal Palavras-chave: acústica da fala, percepção auditiva, qualidade da voz Introdução A análise acústica tornou-se realidade na clinica fonoaudiológica devido ao desenvolvimento de programas de baixo custo, o que ajudou a disseminar o emprego de diversos parâmetros acústicos na avaliação e acompanhamento de resultado de tratamento das disfonias. Com a compreensão das limitações na utilização de medidas isoladas na análise acústica da voz, pesquisadores alemães propuseram um gráfico bi-dimensional, Goettingen Hoarseness Diagram GHD 1,2,3, denominado originalmente de diagrama de rouquidão, como método de avaliação quantitativa da periodicidade e do ruído do sinal sonoro, com características acústicas próprias. O diagrama é baseado em quatro medidas acústicas: três delas relacionadas à irregularidade do sinal sonoro - jitter, shimmer e correlação; e a quarta, ao componente de ruído, denominado proporção sinal glótico/ruído excitado (GNE glottal to noise excitation ratio). O diferencial deste diagrama é de ser capaz de avaliar vozes muito desviadas 2,4, além de mostrar diferença significante entre grupos disfônicos e diferentes mecanismos fonatórios e permitir o monitoramento da qualidade vocal 1,2,5. O interesse e a aplicabilidade clínica do diagrama de rouquidão motivaram sua inclusão em programa brasileiro para análise acústica, chamado Voxmetria (CTS Informática), que permite a extração de medidas acústicas e oferece a distribuição da amostra vocal no diagrama de desvio fonatório - DDF. O DDF permite a descrição bidimensional e a representação gráfica de características vocais, baseados em quatro parâmetros acústicos 1,2,3,5, que produzem uma descrição das medidas acústicas com a menor perda de informação possível. No DDF, três parâmetros relacionados à irregularidade da onda sonora (jitter, shimmer e coeficiente de correlação) localizam-se no eixo horizontal. O quarto parâmetro, o GNE é representado no eixo vertical. Estas coordenadas foram determinadas por métodos lineares e não-lineares devido à necessidade de uma melhor descrição da voz em duas dimensões. Apesar da qualidade vocal ser geralmente composta por mais de um tipo de voz, a maior ocorrência na clínica vocal é de vozes rugosas, soprosas e tensas 6. A identificação destes tipos de voz é uma tarefa complexa em determinadas situações, podendo ser facilitada pela contribuição de dados acústicos.
A relação entre a análise acústica da voz, a avaliação perceptivo-auditiva e o comportamento vocal facilita a compreensão dos ajustes anátomo-fisiológicos empregados pelo paciente na produção da voz. Compreender como os dados destas avaliações correlacionam-se é mais importante do que traçar múltiplas avaliações em pacientes com queixa vocal. Objetivo Identificar as características discriminatórias do diagrama de desvio fonatório em vozes predominantemente adaptadas, rugosas, soprosas e tensas, em indivíduos adultos. Método Foram analisadas 196 amostras vocais de indivíduos adultos, divididas em dois grupos, com e sem alteração vocal. O grupo com alteração vocal foi formado por 163 amostras de indivíduos com queixas de voz e qualidade vocal desviada à triagem vocal. O grupo sem alteração vocal foi formado por 33 vozes de indivíduos sem queixa vocal e qualidade vocal adaptada. A amostra vocal consistiu na emissão sustentada da vogal /ε/, em intensidade e frequência confortáveis, registrada diretamente no computador, em situação de gravação controlada, com microfone unidirecional de cabeça, com faixa reta de respostas. As vozes foram registradas e editadas por meio do programa Sound Forge, versão 4.5. Foi produzido um arquivo com todas as amostras, acrescidas de 10% de repetição aleatória, para análise de confiabilidade intra-avaliador. As amostras foram submetidas à avaliação perceptivo-auditiva, por três fonoaudiólogas especialistas em voz que as avaliaram após 6 horas de treinamento, concentrando-se na identificação do tipo de predominância da qualidade vocal adaptada, rugosa, soprosa ou tensa, e no grau de alteração da qualidade alterada, por meio da escala analógico-visual e sua correspondência numérica 7. Quando não havia predominância evidente ou quando a amostra era indicativa de outro tipo de voz, os avaliadores foram orientados a assinalar a categoria outra. As vozes que obtiveram concordância de, pelo menos, duas juízas foram submetidas à avaliação acústica. Das vozes alteradas, as juízas marcaram o grau de alteração por meio da escala analógico-visual. A análise acústica do sinal vocal foi realizada no programa VoxMetria (CTS Informática) e abrangeu a configuração da distribuição das vozes no diagrama de desvio fonatório quanto à área de normalidade, densidade, forma e localização nos quadrantes do diagrama. A distribuição das amostras no DDF foi realizada de duas maneiras, sendo a primeira relacionada
à localização no DDF (dentro e fora da área de normalidade); a segunda, baseada na configuração da distribuição dos pontos, em relação à densidade (ampliada ou concentrada), à forma (horizontal, vertical e circular) e à localização em um dos quatro quadrantes do diagrama. Os resultados foram submetidos a tratamento estatístico (Teste de Igualdade para duas Proporções e Teste Qui-quadrado para Independência). Resultados Houve diferença significante na localização das amostras vocais em relação à área de normalidade do diagrama, sendo que 100% (33) das vozes adaptadas encontraram-se dentro da área e 69,3% (113) das alteradas fora dela (p<0,001). Vozes adaptadas apresentaram densidade concentrada (78,8%, 26) com diferença significante das vozes alteradas (p<0,001), que apresentaram densidade ampliada (56,4%, 92). Em relação ao tipo de voz, todas as vozes adaptadas localizaram-se no quadrante inferior esquerdo, 45% (27) das rugosas no quadrante inferior direito, 52,6% (30) das soprosas no superior direito e 54,3% (25) das tensas no inferior esquerdo (Tabela 1). Tabela 1 Distribuição das amostras vocais nos quadrantes do DDF Quanto ao grau de desvio vocal, das 16 vozes alteradas avaliadas com grau 1, 93,8% (15) localizaram-se no quadrante inferior esquerdo, assim como algumas vozes grau 2 (72,7%, 24). As vozes com grau 3 (desvio moderado) distribuíram-se nos quadrantes inferior direito, superior esquerdo e superior direito, sendo que neste localizaram-se as vozes com pior grau de alteração. Dos desvios vocais grau 4 (intensos), 80% (8) localizaram-se no quadrante superior direito (Tabela 2).
Tabela 2 Configuração das amostras vocais no DDF de acordo com o grau de desvio na escala numérica, no grupo com alteração vocal A Figura 1 exemplifica o diagrama de desvio fonatório. A Figura 1A ilustra uma das possibilidades de classificação da amostra vocal. A Figura 2B ilustra os achados do estudo. 1A 1B Figura 1A Distribuição de amostra vocal no DDF, fora da área de normalidade, densidade ampliada, forma horizontal, quadrante inferior direito. Figura 1B DDF relacionado ao tipo de voz e grau de desvio Comentários e Conclusões. O diagrama de desvio fonatório diferenciou vozes adaptadas e vozes alteradas e pode ser usado como recurso importante na clínica vocal. Vozes adaptadas localizaram-se dentro da área de normalidade e, a maioria das vozes alteradas, fora dela. Não houve relação entre tipo de voz, densidade e forma no DDF. A distribuição das vozes nos quadrantes relacionou-se com o tipo e o grau de desvio da voz (Tabela 1). Vozes rugosas tenderam a localizar-se no quadrante inferior direito, as soprosas no quadrante superior direito e, as tensas, no inferior
esquerdo. Vozes com grau 1 de desvio, e algumas vozes grau 2, localizaram-se no quadrante inferior esquerdo, e aquelas com grau de desvio elevado, no quadrante superior direito, independente do tipo de voz predominante (Tabela 2). Sabe-se que a análise acústica vocal não substitui a análise perceptivo-auditiva e não representa toda a avaliação do paciente. Avaliar vozes alteradas do ponto de vista perceptivoauditivo não é uma tarefa fácil e diferenças existem mesmo entre os avaliadores mais treinados 8. A identificação de parâmetros acústicos discriminatórios e a análise combinada destes estabelecem um ponto de partida para outros estudos relacionados aos diferentes tipos de voz. A importância do entendimento dos diferentes mecanismos fonatórios, assim como a melhor compreensão da percepção da qualidade vocal, auxilia no processo de decisão clínica, direcionamento o atendimento e oferecendo dados prognósticos da reabilitação vocal. Referências bibliográficas 1.Fröhlich M, Michaelis D, Strube HW, Kruse E. Acoustic voice quality description: case studies for different regions of the hoarseness diagram. In: Wittenberg T, Mergell P, Tigges M, Eysholdt U (ed). Advances in quantitative laryngoscopy, 2nd Round Table; 1997; Erlangen. p.143-150. 2.Fröhlich M, Michaelis D, Strube HW, Kruse E. Acoustic voice analysis by means of the hoarseness diagram. J Speech Hear Res 2000; 43: 706-720. 3.Michaelis D, Fröhlich M, Strube HW. Selection and combination of acoustic features for the description of pathologic voices. J Acoustic Soc Am 1998; 103:1628-1640. 4.Olthoff A, Mrugalla S, Laskawi R, Frölich M, Stuermer I, Kruse E, Ambrosch P, Steiner W. Assessment of irregular voices after total and laser surgical partial laryngectomy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg, 2003, 129: 994-9. 5.Michaelis D, Gramss T, Strube HW. Glottal-to-noise excitation ratio a new measure for describing pathological voices. Acta Acustica 1997; 83:700-706. 6.Nawka T, Anders LC, Wendler J. Die auditive Beurteilung heiserer Stimmen nach dem RBH- System. Sprache-Stimme-Gehîr. 1994, 18: 130-33. 7.Yamasaki R, Leão SHS, Madazio G, Padovani M, Azevedo R, Behlau M. Correspondência entre Escala Analógico-Visual e a Escala Numérica na Avaliação Perceptivo-Auditiva de Vozes. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia. 2008; Campos de Jordão SP. p49. 8.Kreiman J, Gerrat BR, Precoda K, Berke GS. Individual differences in voice quality perception. J Speech Hear Res 1992; 35:512-20.