UFMA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍCAS PÚBLICAS QUESTÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XXI A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO LIVRE: uma discussão pós-cabanagem no Estado do Pará 1 Maria José de Souza Barbosa 1 Risomar Ferreira de Sousa 2 Maria Helena Loureiro dos Santos 3 RESUMO O artigo em pauta tece algumas considerações acerca da organização do trabalho pós-cabanagem, no Estado do Pará, destacando o instrumento jurídico Corpos de Trabalhadores de 1838, como o termidor da mobilidade do trabalho nômade, além de instrumento de constituição do mercado de trabalho livre nesta região. O aspecto central da discussão gira em torno das transformações ocorridas no mundo do trabalho e suas implicações para o processo de organização do trabalho livre no Pará. Palavras Chave: Trabalho, Organização, Cabanagem, Mercado Livre. ABSTRACT The article in guideline weaves some consideration concerning the organization of the work after-cabanagem, in the State of Pará, detaching the legal instrument "Bodies of Workers" of 1838, as the termidor of the mobility of the nomadic work, beyond instrument of constitution of the market of free work in this region. The central aspect of the funny quarrel around the occurred transformations in the world of the work and its implications for the process of organization of the free work in Pará. Keywords Work, Organization, Cabanagem, Free Market 1 INTRODUÇÃO A ocupação da Amazônia, desde o período colonial, está vinculada à extração de seus produtos naturais: madeira e a produtos extrativistas não madeireiros. O colonizador português implanta, durante o período das drogas do sertão, o processo econômico baseado no sistema extrativista. No início, houve a combinação da exploração extrativista com exploração agrícola, utilizando-se a mão de obra indígena, através da escravidão, mas os índios resistiram a esta exploração. Os valores e costumes indígenas eram determinados pela vida na floresta, portanto, este povo não possuía o hábito do cultivo sistemático. Assim, o processo de subordinação da cultura indígena à cultura européia foi um dos fenômenos essenciais para a formação da Amazônia. O desrespeito aos costumes dos povos autóctones levou-os a processos de resistência e, conseqüentemente, ao fracasso do sistema de colonização. Pode-se dizer que esse processo de apropriação da natureza selvagem constitui os primeiros conflitos agrários 1 Doutora. Departamento de Políticas e Trabalhos Sociais da Universidade Federal do Pará 2 Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará/PPGSS 3 Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará/PPGSS
2 da historia brasileira, contando com a dizimação de aldeias inteiras, assim como com a depredação da natureza. Por não conheceram a mata, os portugueses destruíam ao invés de extraírem. Com a entrada dos missionários na região Amazônica, a estratégia utilizada para a apropriação desta foi à catequese dos gentios que se renderam. Nesta etapa, os jesuítas tiveram uma parcela impar, controlando os indígenas através de seus ensinamentos culturais e religiosos. O índio aprendia com o padre o cultivo e, em contrapartida, ensinava ao mesmo como coletar todos os produtos da região, com as missões religiosas, as drogas do sertão têm seu apogeu. Portugal começou a ter dimensão do mercado lucrativo que a Amazônia representava, assim como do poder da igreja e do controle que a mesma exercia. Somando-se esses fatores aos temores de perderem o controle da região, resolveram quebrar alianças com a igreja. Com a retirada do Estado, hegemonizado pela religião, por Marques de Pombal, separando a igreja do Estado Português, inicia-se uma nova era de expropriação, tendo o Estado como tutor emérito dos produtos. Como explicita Carvalho (1986, p.25) Aí temos os primeiros laços de aprisionamento da Amazônia, porque ela não teve a oportunidade de vender seus produtos para quem ela quisesse, mas apenas para o governo português. O que se chama exclusivo comercial. A fim de compreendermos a inserção da região amazônica no mercado nacional e mundial tornou-se necessário o resgate histórico do desenvolvimento econômico a partir do colonialismo e seus desdobramentos. Este retorno nos possibilita compreender os impactos do processo de mundialização do capital na produção amazônica, seu surgimento e efeitos em nosso cotidiano; as transformações econômicas, políticas e sociais que este provocou em nosso espaço geográfico mundial, nacional e, especificamente, local. As transformações no modo de organização do trabalho pós-cabanagem e a resistência contra o domínio e a exploração do colonizador aparecem distribuídas nas duas partes deste estudo. Na primeira parte apresentamos as protoformas do trabalho livre no Pará. A constituição do trabalho dependente foi confrontada com o trabalho livre dos povos autóctones e a desmobilização dos cabanos teve como contrapartida, a resistência dos colonizados. A recusa ao trabalho regulado era feita por meio de fugas e deserções, estratégias dos cabanos em busca da liberdade selvagem. Na segunda parte, o instrumento jurídico os corpos de trabalhadores abordamos como eficazes instrumentos de controle da rebeldia dos cabanos, desmobilização do trabalho nômade e de constituição do trabalho dependente.
3 2 AS PROTOFORMAS DO TRABALHO LIVRE NO PARÁ O processo das grandes navegações, isto é, de colonização do novo mundo foi decisivo para o desenvolvimento do capitalismo mundial. Ao chegar nas novas terras o colonizador para apropriar-se do espaço territorial, precisava impor sua cultural, negando os hábitos e costumes dos povos autóctones, com a finalidade de expandir à civilização dos países europeus. É neste contexto de confronto entre duas modalidades de construção da sociedade: de um lado, uma sociedade alicerçada no mundo de trabalho dependente, e do outro, uma população que mantinha uma produção a partir do trabalho livre, que ocorre a quebra da liberdade dos indígenas. Neste contexto os instrumentos jurídicos do Estado colonial buscavam disciplinar e controlar os indígenas para subjugá-los ao colonizador, mas foram obstacularizados pela luta, pela resistência e pelas revoltas, isto é, pela recusa absoluta as diversas formas de engajamento do trabalho forçado. Assim, o processo de colonização foi determinante para a expansão do capitalismo transnacional. Na tentativa de superação da cultura dos povos autóctones e manutenção da cultura européia diversos instrumentos jurídicos foram criados. É a partir destes instrumentos que os povos autóctones foram interceptados em sua liberdade selvagem, mas a população nativa buscou varias formas de resistência contra o domínio e exploração do colonizador. Dessa forma a relação capital/trabalho precisa levar em consideração as fugas e deserções que representavam gastos extremamente elevados para o colonizador, haja vista, a recusa dos nativos pelo trabalho regulado. Esses custos tornaram a economia colonial cada vez mais insustentável. Na Amazônia, o controle dos indígenas, passava pela catequização, prática que foi bastante utilizada na segunda metade do XVII. O papel dos missionários pode ser identificado no domínio e ocupação da região amazônica no período que vai de 1516 até 1775, a partir da influencia dos missionários no Maranhão e no Grão-Pará. Neste sentido a evangelização funcionava como estratégia para diminuir os custos com as fugas e deserções. A tarefa de reduzir os indígenas em cristãos era à base do aportuguesamento dos nativos (BARBOSA, 2003, p.96)... de defensores da liberdade indígena, passaram a fazer concorrência com os colonizadores pelo monopólio da mão-deobra dos índios, uma vez que a obtenção de índios era quase impossível sem a chancela dos missionários. Na transição do trabalho livre para o trabalho dependente na Amazônia, as evasões, fugas e deserções tornaram-se as principais estratégias de manutenção do
4 trabalho livre dos índios em face das mutações de padrões culturais impostas pelos colonizadores. Para Barbosa (2003, p.106) a resistência dos indígenas ao mando do colonizador exigiu a mão forte e efetiva do Estado colonial, pois o índio desertor, o escravo fugitivo e o homem livre vagabundo precisavam ser enquadrados pelas leis firmes, isto é, pelos regimentos de constituição do mercado de trabalho. As políticas do Estado colonial para a regulação do trabalho nômade foram confrontadas com a liberdade selvagem e a desmobilização dos povos autóctones teve como contrapartida, a resistência, através das fugas dos mesmos que organizaram os passos para a liberdade, ainda que na condição de cidadãos aportuguesados. Historicamente a escravidão do índio para a América latina foi uma prática transportada das colônias portuguesas, do antigo mundo. Na América latina o volume da mão-de-obra escrava cresceu no momento em que o plantio da cana-de-açúcar tornou-se uma das principais atividades econômicas de Portugal em face da colonização. A inserção da Amazônia na economia mundial estava baseada na extração das drogas do sertão, daí ter sido pouco utilizada a mão-de-obra do negro como agente produtivo. Os produtos da floresta eram majoritariamente extraídos pela força de trabalho do índio, exímio conhecedor desses produtos. Este fato pode ser explicado pela utilização maciça de índios na exploração das drogas do sertão. Sales (1971) aponta que somente na Amazônia se criara um tipo de economia em que o índio tivera papel importante a desempenhar. Para garantir a subordinação desse trabalho estruturava-se, em contrapartida toda uma organização social baseada na pequena propriedade unifamiliar, em que a miscigenação entre índios e portugueses garantia privilégios decorrentes da cidadania portuguesa. A partir desta análise percebe-se que a utilização do trabalho exógeno, na Amazônia, foi introduzido, inicialmente, a partir da liberdade do índio, visando suprir a falta de mão-de-obra, pois os índios não aceitavam a forma de trabalho introduzida pelo colonizador, isto é, o índio recusava o trabalho regulado. 3 AGREGAÇÃO E ENGAJAMENTO: óbice aos corpos de trabalhadores O instrumento jurídico Corpos de Trabalhadores, de 25 de abril de 1838 era uma lei que autorizava o governador da província do Gram-Pará a estabelecer em todas as vilas e lugares da província Corpos de Trabalhadores destinados ao serviço da lavoura, do comércio, e das obras publicas, como meio de controle da mobilidade do trabalho nômade. No dizer de Barbosa (2003, p.146) os Corpos de Trabalhadores, lei instituída em 1838, cujo
5 objetivo primeiro era organização da força de trabalho compulsória, gerando como efeito o encerramento das lutas dos cabanos 4. O processo de constituição do trabalho dependente, na Amazônia, foi marcado por muitos conflitos entre os colonizadores e os povos autóctones num primeiro momento. E posteriormente entre o Estado imperial nascente e os trabalhadores livres. Os Corpos dos Trabalhadores eram compostos de índios, mestiços, e pretos, que não fossem escravos, e que não tivessem propriedades, ou estabelecimentos a que se aplicassem constantemente. Por meio desta lei os índios, mestiços e pretos, que não fossem escravos, e não tivessem propriedades, ou estabelecimentos, a que se apliquem constantemente, foram recrutados para compor o quadro de trabalhadores compulsórios. A implementação dos Corpos de Trabalhadores permitiu, além do termino da Cabanagem, a dinamização de um mercado de trabalho dependente, vinculado necessariamente ao controle social dos cabanos, que eram trabalhadores livres, transformaram-se em trabalhadores compulsórios, desmobilizando, desta forma, o trabalho nômade. O controle da mobilização do trabalho nômade, isto é, dos cabanos era feito por meio das guias, passaporte, expedido pelos Comandantes de Trabalhadores. Nestas guias registravam-se os motivos e objetivos dos deslocamentos, rompendo assim, com a mobilização do trabalho nômade, uma das principais características do trabalho livre e independente do cabano. 5 Mas os cabanos na tentativa de burlar o alistamento obrigatório recorriam ao trabalho agregado, e aos termos de Engajamentos. 6 Essas duas modalidades de trabalho dependente mantiveram os trabalhadores longe dos alistamentos nos serviços públicos, e, ao mesmo tempo, garantia o exercício de atividades extrativas. A diferença entre o trabalho agregado e o engajamento, é que no trabalho agregado os trabalhadores não tinham tempo determinado para realizar suas tarefas, não havendo uma atividade especifica, o trabalhador fica totalmente fora do das regras do mercado de trabalho; enquanto no trabalho engajado havia uma relação de dependência com definição do tempo de permanência no trabalho contratado. Estas duas modalidades de organização do trabalho favoreceram uma nova relação de trabalho à medida que, garantia a permanência dos trabalhadores próximos as 4 Ocorrido em maio de 1935. A cabanagem surge como uma resistência ao processo de trabalho assalariado, isto é contra a liberdade do mercado de trabalho expressa nas mais diversas formas de subordinação do trabalho livre. É importante perceber que a retirada dos cabanos da cidade de Belém, em 1836, não significou o fim da cabanagem. 5 Artigo 4º O Serviço a que estes corpos ficão destinados, será contractado por quem dele precizar, perante o juiz de paz do districto, procedendo licença dos comandantes respectivos, que serão responsáveis ao governo pela igualdade e segurança de taes contractos. 6 Lei nº 8 de 8 de maio de 1838. Autorizo o Governo a convidar e fazer transportar dos Estados de Portugal até 50 religiosos para virem servir, por enganjamento, de parochos missionários nas igrejas vagas dos certões da Província, e a dispender a quantia necessária.
6 suas famílias, originavam uma mão-de-obra dependente, e estabelecia uma relação de dependência/solidariedade entre trabalhadores, proprietários fundiários e lideranças locais. Para os trabalhadores essas alianças representavam a possibilidade de restituição de sua liberdade e de fuga do trabalho compulsório, fugindo do controle exercido no âmbito dos corpos dos trabalhadores. A resistência tornava-se mais sutil, mas nem por isso menos eficaz em tempo de repressão. Na Amazônia os trabalhadores recrutados para o trabalho assalariado compulsório eram destituídos de sua liberdade. Assim, os corpos dos trabalhadores tornavam-se uma anomalia na organização do trabalho dependente, pois os trabalhadores não tinham a liberdade de vender sua força de trabalho; o trabalhador compulsório não era regido pela lei da oferta e da procura, mas por um rígido instrumento jurídico forjado pelo Estado imperial brasileiro para desmobilizar e controlar a massa trabalhadora. A pesca, a preparação de peixes desidratados, a caça, a coleta de produtos naturais eram atividades praticadas como recurso de produção e reprodução da vida da população livre da província, fato este que não justificava o discurso ideológico da vadiagem. Tratava-se do confronto entre dois modelos de formação da sociedade na Amazônia, de um lado, o modelo de produção capitalista e do outro, o modo de produção natural. Neste contexto, os Corpos de trabalhadores foi o veículo pelo qual se deu o controle do trabalho nômade e a construção da disciplina dos trabalhadores (60 mil indivíduos do sexo masculino, forma privados do direito de vagar livremente pelo território da província). Esse instrumento jurídico foi bastante criticado porque ao recrutarem os trabalhadores desestruturavam as culturas de subsistência no Pará, já que os recrutados eram em sua maioria pequenos produtores rurais que não tinham títulos de propriedade de suas terras 7, sendo por isso, classificados como vadios. Com o término do movimento da cabanagem em 1840 os trabalhadores livres do Estado do Pará passaram por um processo de trabalho que interessava somente às autoridades do Estado e aos proprietários fundiários, mas não aos trabalhadores, visto que atendiam as necessidades postas pelas urbanizações crescentes das cidades, da população mercantil e da própria infraestrutura do Estado imperial, formando um mercado de trabalho dependente subjacente à repressão. O europeu passava a ilustrar a necessidade de adequação da sociedade 7 O problema de propriedade da terra ainda é presente do Pará, isso faz com que, mesmo tendo os todos os outros meios para produzir o homem amazônico não tem a propriedade da terra daí a necessidade da reforma agrária.
7 local ao novo sistema de produção internacional sob o comando do capitalismo mundial. Esse novo modelo econômico introduziria hábitos civilizatórios e contribuiria para a superação de um modelo de produção exclusivamente extrativista, pois o atraso econômico da Amazônia era associado à falta de civilização de seus habitantes. REFERÊNCIAS BARBOSA, Maria José de Souza. A Cabanagem entre a Liberdade do Mercado e o Mercado da Liberdade. Rio de Janeiro. UFJR. Ano 2003. LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. Amazônia: Estado, Homem, Natureza. Belém: CEJUP, 1992(coleção Amazoniana, nº1). SALES, Vicente. O Negro no Pará, sob o regime da escravidão. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, Serv. de Publicações [e] Univ. Federal do Pará, 1971. SILVEIRA, Ítala Bezerra da. Cabanagem: uma luta perdida. Belém: Secretaria de Estado da Cultura (SECULT), 1994. VERGOLINO, HENRY, Anaíza & FIGUEIRED, Arthur Napoleão. A presença Africana na Amazônia Colônia: uma noticia histórica. Belém, Arquivo Público do Pará. 1990.