UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP PROJETO DE INTERVENÇÃO COM UMA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: TRABALHO QUE CONSTRÓI VIDAS



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Transcrição:

UNIVERSIDADE PAULISTA UNIP PROJETO DE INTERVENÇÃO COM UMA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: TRABALHO QUE CONSTRÓI VIDAS Adriana França Faucon Ana Carolina Bertallo Kelly Cristina Soares Linhares Supervisora/Orientadora: Profª Drª Ana Cláudia dos Santos Maio 2013 São Paulo SP

1. INTRODUÇÃO A pobreza retrata a falta de condições de viver dentro dos padrões socialmente estabelecidos em certo momento histórico, ou seja, caracteriza a insuficiência monetária para que o indivíduo exercite sua autonomia, enquanto cidadão. Tal apontamento nos direciona a um capitalismo que inclui e exclui, ao mesmo tempo, pois há uma população sobrando em relação à produção de seus meios de capital e diante disso, alguns grupos criam alternativas marginais de inclusão (VALLA et ALL, 2005). Como a pobreza é um problema da sociedade (idem, 2005), aconteceu um aumento significativo de apelos por parte do Estado para a existência de programas que auxiliassem nessa problemática, o que acabou trazendo uma visão assistencialista para essas práticas (FREITAS, 1996). Para estabelecer uma diferenciação para essa prática assistencialista, a Psicologia Social Comunitária vem realizar trabalhos com grupos, colaborando para a formação da consciência crítica e para a construção de uma identidade social e individual, favorecendo a construção de concepções a respeito de si mesmo, dos outros e do contexto social (idem, 1996). Este projeto tem como relevância para a profissão, a tentativa de construção de um novo paradigma para compreensão dos fenômenos psicossociais, através das relações travadas no cotidiano. Além disso, existe a possibilidade de intervenção e atuação do profissional da Psicologia junto aos problemas concretos das pessoas de sua localidade, os quais são únicos e particulares das pessoas envolvidas (idem, 1996). No caso dos indivíduos em situação de rua, apesar da dependência de um assistencialismo a que estão submetidos, uma vez que neste momento não se vêem capazes de garantir sua subsistência alimentar (VALLA et ALL, 2005), não lhes interessa qualquer sobrevivência, mas uma específica, com reconhecimento e dignidade. Mesmo na miséria, eles não estão reduzidos às necessidades biológicas, indicando que não há um patamar em que o homem é animal. O sofrimento deles revela o processo de exclusão afetando o corpo e alma, com muito sofrimento, sendo o maior deles o

descrédito social, que os atormenta mais que a fome. O brado angustiante do eu quero ser gente perpassa o subtexto de todos os discursos. E ele não é apenas o desejo de igualar-se, mas de distinguir-se e ser reconhecido (SAWAIA, 1999 p. 114-115). Esse é o retrato de uma violência simbólica, que oprime homens das classes pobres, sendo que essa violência tem o poder de impedir as expressões corporais e simbólicas, abafando a voz, baixando o olhar, endurecendo o corpo, seus movimentos, emudecendo os sentimentos e fraquejando a memória (COSTA, 2008). São nítidos os apelos relacionados a um tratamento justo, em busca de remuneração e atividade que reflitam a distribuição igualitária de recursos e oportunidades, sendo que essas questões marcam fortemente a vida desses indivíduos, que apresentam um sentimento bastante acentuado de raiva e hostilidade (RODRIGUES et all, 2007). É a aparição de um sentimento de injustiça, seja de ordem social, econômica ou cultural, relacionado ao modo como vive a maior parte da população, que necessita de meios para se manter (idem, 2007) e esse sentimento traz à luz a consciência do grupo sobre sua invisibilidade pública, traduzida através da humilhação social, cujo sofrimento vem sendo aturado por indivíduos das classes pobres, há várias gerações (FILHO, 1999 apud COSTA, 2008, p. 15-16). Quando se fala de injustiça, na medida em que muitos indivíduos não possuem acesso à sua fração na distribuição de recursos, é possível evidenciar também as condições indevidas de trabalho, as quais levam o indivíduo à contração de doenças, sejam físicas ou psicológicas. Isso contradiz um padrão de direitos sociais, previsto na constituição de 1988, que aponta para o direito à autonomia gerada através da própria produção, que garanta previdência, saúde e assistência (SILVA, 2009 apud BOSCHETTI, 2003). Além de estar previsto como direito, também é desejo dos indivíduos se sentirem capazes de produzir bens de consumo necessários a sua sobrevivência, o que propicia o desenvolvimento de novas habilidades, fazendo inclusive com que se sintam úteis e produtivos (SILVA, 2009). Diante da impossibilidade de colocar em prática aquilo que é seu direito, o sujeito é levado a uma ideologia que direciona à crença de que não há o que fazer, a não ser esperar que alguém faça por ele (VALLA et all, 2005).

2. DESCRIÇÃO DO TRABALHO Este projeto de intervenção foi construído a partir do referencial teórico da Psicologia Social Comunitária, com atividades desenvolvidas em grupo, na proposta de Grupos Operativos, de Pichon-Rivère. Os encontros foram realizados em espaço disponibilizado pela instituição e durante o período de intervenção, 59 albergados participaram de pelo menos um, dos vinte encontros realizados, os quais aconteceram semanalmente, com duração aproximada de duas horas cada. O principal objetivo dos encontros foi buscar a compreensão sobre a trajetória profissional e história pessoal dos albergados, a identificação de uma consciência do grupo sobre a invisibilidade pública e questionamentos à respeito de seu próprio valor e poder diante de diversas situações da vida. A participação tinha caráter voluntário, o que influenciou positivamente no desenvolvimento do trabalho, favorecendo a participação de indivíduos com objetivos comuns, que percebiam suas ações como importantes para a formação de um grupo psicológico (RODRIGUES et all, 2007). A cada novo encontro, contava-se tanto com a assiduidade de alguns participantes, quanto com novas presenças, graças ao formato de participação voluntária e a rotatividade de assistidos na instituição, o que tornava necessária, em todos os encontros, a apresentação tanto dos facilitadores, quanto dos objetivos desta atuação na instituição. Embora as participações possuíssem um caráter voluntário, os facilitadores buscaram alinhar os temas trabalhados às expectativas dos participantes. Identificou-se um interesse genuíno, relacionado ao modo como esse trabalho poderia auxiliá-los e apesar das explicações e construções a cerca do papel do psicólogo naquela atuação específica, os facilitadores ainda eram buscados por alguns assistidos, para a solução de questões de ordem prática, não ligadas diretamente ao objetivo daquela intervenção, tais como o auxílio para retorno à sua localidade de origem, ou ainda, para encaminhamento a oportunidades de trabalho. Em todas essas ocasiões, era retomado o

papel daquele projeto, que consistia em construir conhecimento para que a partir disso, cada um pudesse criar a solução de vida que mais lhe fizesse sentido. Como estratégia de sensibilização houve a exibição de filmes e documentários, ouviram músicas, leram textos e executaram atividades plásticas, sempre com vistas a utilização de uma metodologia participativa de trabalho, para que fosse facilitado aos integrantes do grupo, a vivência de seus sentimentos, percepções sobre fatos e ações, que ressignificassem assim, seus conhecimentos e valores (SILVA, 2006). Identificou-se desde o primeiro encontro a disponibilidade, interesse e curiosidade do grupo, quanto ao entendimento do objetivo dos facilitadores no local. Em todos os encontros, os participantes foram receptivos e se voluntariavam inclusive a auxiliar na organização do ambiente. Observou-se uma atitude de respeito e aceitação para com o grupo de facilitadores, principalmente por sentirem a abertura de um espaço onde puderam abordar seus temas e seus sofrimentos, o que foi verbalizado por alguns dos participantes, em diferentes momentos. Por ser um ambiente em que alguns assistidos chegam sob o efeito de drogas e álcool, em determinadas ocasiões, mesmo contra o regulamento da instituição, alguns participantes não conseguiam repetir a atuação crítica demonstrada em momentos anteriores, graças ao efeito do uso dos entorpecentes. Mesmo dentre os indivíduos que não possuíam uma participação ativa, percebia-se o interesse e a escuta ativa a cerca da experiência trazida por seu colega. Com o passar do tempo, o vínculo foi-se consolidando e as participações se tornaram mais ativas, possibilitando a reavaliação e ressignificação de determinados pontos de vista. No primeiro encontro, todos os participantes, ao realizarem seus relatos, faziam um movimento de aproximação física, designando o desejo de uma acolhida individual. Além disso, quiseram abordar questões que revelavam o motivo de sua estadia no albergue. Verificou-se ainda que, apesar de a família ser o grupo necessário para garantir a sobrevivência do indivíduo, conforme Lane (1985), a maioria dos participantes não relata qualquer tipo de contato com seu grupo de origem, por se sentirem envergonhados pela manutenção da situação que lhe direcionou a esse tipo de assistência e ainda por se sentirem incapazes de se mostrar como uma pessoa autônoma.

Depois de conhecer mais sobre o perfil dos assistidos, buscou-se iniciar discussões a partir do tema trabalho e sobrevivência, o que desencadeou, em certos momentos, discursos carregados de emoção. Nos primeiros encontros, os participantes falaram sobre a importância do trabalho e quão transformador ele pode ser, tanto para o cidadão, quanto para a sociedade. Além disso, mencionam o trabalho como determinante para a construção e manutenção de uma família e o responsável pela ocupação da mente do indivíduo, proporcionando crescimento material e social. Relacionam a questão do trabalho à criação de esferas na sociedade, sendo que o indivíduo que não concorda com seu formato, está excluído. Associam a uma via de mão dupla, em que ao mesmo tempo um exclui o outro: o indivíduo exclui a sociedade quando não deseja seguir suas regras e a sociedade exclui o indivíduo quando percebe que ele não deseja se enquadrar naquele formato. Através dessas afirmativas, percebe-se a consciência que o grupo tem a respeito da sociedade e sua inserção através do trabalho. Quanto ao formato de atuação, buscou-se sempre fomentar a comunicação através de um desenvolvimento progressivo, através do qual eram valorizadas experiências, conhecimentos e afetos anteriores, com os quais o indivíduo pensa e age, ou seja, um esquema referencial para a construção de uma fala que leva à aprendizagem e a operatividade (RIVIERE, 1994). Em um dos encontros, fez-se uso do texto Invisibilidade Pública (COSTA, 2008), que tinha como objetivo exercitar a criticidade, discutindo a questão do trabalhador invisível, a humilhação social e a maneira pela qual as vítimas desse processo respondem a ele. Os participantes relacionaram o texto à criação de classes sociais e ao poder financeiro, apontando para a discriminação e condição de cidadão escravizada. Ao obter relatos sobre o que os participantes nomeiam como a própria invisibilidade, seja por questões relacionadas a algum tipo de vício que lhes toma o controle ou por exercer alguma posição de trabalho, que entendem como inferiores, ou nem mesmo essas, pode-se relacionar tal sentimento ao desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens (COSTA, 2008).

Outro recurso utilizado durante os encontros foi o trecho do filme O Gladiador, o qual retrata situações relacionadas à necessidade da recuperação do indivíduo frente às adversidades, sendo que a partir dessa necessidade os indivíduos podem se encontrar diante de trabalhos que nem sempre são apreciados. A partir dessa exibição, foram obtidos relatos relacionados à dificuldade para retomada da vida em sociedade produtiva, mas apesar da dificuldade não vêem como impossível e sim, trabalhosa: lembram que a personagem Maximus estava a beira da morte e precisou de tempo e estratégia para se recuperar. Para além desse ponto de partida, outros relatos apontaram para formas de recuperação daqueles próprios indivíduos e ligavam-se à perspectiva de superação de obstáculos, não somente no que se refere à vida profissional, mas também a outros aspectos. Foram alcançados relatos e opiniões que estavam envoltos por uma criticidade relacionada à realidade, não só individual ou daquele grupo, mas também à uma realidade brasileira, quando direcionam críticas relacionadas à saúde, à educação e outros direitos que entendem como inexistentes para um grupo menos favorecido. Além disso, o grupo buscou construir também um paralelo com outras sociedades. Por ter-se mostrado atrativa e produtiva, a opção de exibição de vídeos foi utilizada em mais algumas oportunidades. Outra opção foi o vídeo Paixão pelo Trabalho, através do qual, foram exploradas questões relacionadas à produtividade, que envolve não somente grandes construções, mas também as construções do dia a dia, que fazem com que o indivíduo se motive frente às atividades que desempenham. Durante a apresentação do vídeo, foi possível perceber a concordância do grupo em relação à mensagem transmitida através de acenos positivos de cabeça e algumas frases curtas emitidas. Em meio a esse movimento, identifica-se a tarefa explícita, através da qual, os indivíduos trazem à tona suas questões de ordem prática. Percebe-se a emoção e a identificação com que recebem os materiais disponibilizados, a exemplo de um participante, que ao ver a cena de um escritório, chama a atenção de seus colegas para o que lhe remeteu a lembrança do escritório, onde em outra época trabalhou.

Ao mesmo tempo, as tarefas implícitas também aparecem, por exemplo, quando se visualiza através de alguns participantes, as dificuldades em verbalizar suas problemáticas e opiniões, ocasionando inclusive sua não participação. Tal comportamento faz parte da dinâmica invisível, que é o fato pensado, sentido, mas não compartilhado no grupo. É uma forma de resistência à realização da tarefa e mesmo diante dessa dinâmica, alguns participantes se destacam quando se manifestam com clareza, criticidade e vontade de agregar. Em um novo encontro, fez-se uso da música Roda Viva, de Chico Buarque, a qual suscitou nos participantes críticas direcionadas à sociedade e à máquina que ela movimenta, gerando dependência entre as mais diversas relações. Alguns assistidos voltaram seu posicionamento às lembranças de situações pessoais do passado. A pedido do próprio grupo, em um dos encontros, foram introduzidos materiais que tinham como objetivo discutir questões práticas relacionadas a direitos trabalhistas. Um dos materiais utilizados foi o texto Quais os Direitos do Trabalhador?, que traz em seu conteúdo os direitos do trabalhador a partir da utilização da CTPS, que identificada social como um documento de identidade para o trabalhador e, histórico, relacionado inclusive a sua vida futura e a de seus dependentes (HAULY, 2002). Percebe-se que alguns dos participantes revelam seus conhecimentos relacionados a seus direitos trabalhistas e a consciência dos deveres quando empregados. A partir desse debate, relatam inclusive suas vivências e apresentam as dúvidas quanto à sua utilização, apontando para o significado que esse documento possui. Buscou-se também utilizar atividades plásticas com os participantes, a partir da utilização de revistas, tesouras, cartolinas, colas e canetas. Em um dos encontros, os assistidos foram convidados a construir seu currículo em painel, a partir desses itens. A intenção era que trouxessem as experiências profissionais já vivenciadas e o que possuíam de expectativa com relação a esse tema. Essa atividade possibilitou resgatar ideias e sonhos relacionados ao que o trabalho pode proporcionar. Em uma nova oportunidade explorou-se a música O Cio da Terra, de Chico Buarque (1976). Buscou-se com essa obra, propiciar reflexão sobre a felicidade e auto realização através do trabalho, que é retratado na música como uma forma de transformação deste em cultura.

Uma nova proposta para esse trabalho consistiu em exibir o vídeo Você Faz a Diferença, cuja intenção estava direcionada à construção de materiais que representassem o entendimento sobre a relação entre o filme e o tema sugerido para o encontro. Para essa construção foram disponibilizados papel sulfite, revistas, tesouras, colas, colas coloridas, canetinhas, lápis de cor e giz de cera, que serviriam de insumo para a confecção de painéis que seriam expostos pelos autores na sequência. Como resultado desse encontro, os participantes apontam fortemente para uma preocupação relacionada a questão do direito, quando falam, por exemplo, que o mercado de trabalho está restrito a alguns, abordando inclusive a questão relacionada às cotas raciais, uma vez que entendem que o direito a vivenciar uma vida de igualdade deve estar disponível a todos. À essa reflexão, associa-se a justaposição entre previdência e assistência, que é um elemento comum que define capacidade e possibilidade destas políticas de garantir o acesso aos direitos: trabalho (SILVA, 2009 apud BOSCHETTI, 2003, p.64). No encontro seguinte, disponibilizou-se argila, que deveria ser manipulada de forma a representar as dificuldades relacionadas à empregabilidade. Um dos participantes remete essa participação à sua infância, relembrando que retirava argila da beira de um córrego, com a qual produzia bonecos e animais, que podiam ser vendidos em uma feira livre da cidade onde morava. Para representar esse momento, ele reproduziu novamente os objetos de seu passado. Ressente-se, pois hoje, graças a sua saúde debilitada em função da bebida, não consegue ter a mesma produtividade, que o leva a viver na incerteza de uma vida totalmente dependente de assistencialismo. Em outro participante, percebe-se um sentimento de injustiça relacionado ao modo como vive a maior parte da população, quando diz que teve suas condições de trabalho prejudicadas em virtude da privatização da empresa onde atuava. Como suas condições de trabalho eram debilitantes, pois trabalhava muitas horas por dia e dormia muito pouco, não conseguiu se recolocar graças a falta de saúde. Tal apontamento leva a reflexão sobre o estudo do trabalho humano, o qual deve levar em consideração, além da própria organização do trabalho, também o desenvolvimento da atividade, com proximidade àqueles de exercem a atividade, a fim de

identificar situações potencialmente perigosas não somente à saúde física, mas também à saúde mental do indivíduo (VIEIRA et all, 2007). Esse mesmo assistido retoma a questão relacionada à sua família e se nomeia bode expiatório de todos eles, pois foi o único filho que teve que se sujeitar a trabalhar enquanto criança, quando também cuidava de seus irmãos, que puderam frequentar a escola, mas que em sua opinião não souberam aproveitar: eles são cobras que eu alimentei e que me picaram. Eles me jogaram pra fora de casa, por isso estou aqui, hoje. Esse sentimento permeia várias esferas das vidas das pessoas com quem foi estabelecido contato através deste trabalho, esteja ele relacionado à injustiça, seja de ordem social, econômica ou cultural (RODRIGUES et all, 2007). Na maior parte das atividades, os participantes abordam a importância de terem uma ocupação e fazem referência à sua situação atual no albergue, apontando para o tempo em que se mantêm desocupados, alegando que poderiam estar produzindo, o que lhes seria muito útil prática e intelectualmente. Relaciona-se a isso, o que nos retrata Silva (2009), quando aponta para as modificações possíveis no ser humano a partir de sua produção, o que propicia o desenvolvimento de novas habilidades, fazendo inclusive com que o indivíduo se sinta útil e produtivo, pois ao produzir seus meios de existência, os homens produzem indiretamente sua própria vida material (SILVA, 2009, p.39). O homem transforma a natureza e ao mesmo tempo se transforma, não somente por meio da relação com a cultura, mas também através da identificação com o grupo, da auto realização e do sentimento de autoestima. O trabalho é elemento da experiência e do saber de cada um e é através dele que o indivíduo se reconhece e ao mesmo tempo obtém reconhecimento do outro (VIEIRA et all, 2007). A partir da exibição do documentário Lixo Extraordinário, que tinha como objetivo apontar para as possibilidades de produção levando em conta uma arte tida como não convencional, os participantes foram direcionados a explorar suas percepções acerca do material. Alguns já se identificam com o tipo de trabalho apresentado e um dos participantes menciona sua experiência: hoje, com uma carroça, recolhe todo o tipo de material que possa ser reciclado, não somente nas ruas, mas também em algumas instituições que conhecem seu trabalho. Além disso, ele também recolhe em supermercados mantimentos que estão com seu prazo de validade próximos da expiração e com esse

material, ele realiza vendas em uma comunidade próxima ao albergue. Através dessa ação, ele consegue obter alguma quantia em dinheiro, que é essencial para sua sobrevivência. Identificou-se o interesse que os albergados possuem em realizar uma atividade que proporcione não somente a ocupação, mas também a criatividade e o retorno financeiro que gere autonomia. Além disso, apontam para a possibilidade de abandono às drogas e ao álcool. Indicam a possibilidade de elaboração de uma cooperativa, que reflete o desejo não somente de manter-se ocupado, mas também em garantir uma fonte de renda que lhes proporcione subsistência. Em vários dos encontros, os participantes relatam que para serem reconhecidos, respeitados e valorizados pela sociedade há que se lutar muito e apesar de toda tentativa, as alternativas que encontram para se manter ainda são formas marginais de inclusão (VALLA et ALL, 2005). Enquanto para alguns a vivência a partir de um assistencialismo se revela como um desconforto por não poderem exercitar sua autonomia, para outros, parece uma opção de vida, o que acaba por reforçar, em alguma instância, a existência de práticas assistencialistas (idem, 2005). No último encontro, solicitou-se que os participantes construíssem um cartão para seu colega, no qual deveriam mencionar o que havia sido registrado como mais importante nos encontros vivenciados. Como resultado desse encontro, foram obtidos conteúdos relacionados não somente as reflexões críticas que o tema trabalho e subsistência propiciou, mas também conteúdos ligados ao acolhimento e à escuta uma vez que aqueles indivíduos não têm, em sua maioria, com quem compartilhar seus sentimentos e expectativas.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A intervenção, em um projeto de Psicologia Social Comunitária, tem como objetivo possibilitar um espaço de escuta e reflexão, no qual os indivíduos se percebam detentores de poder para realizarem questionamentos relacionados aos seus direitos, a partir de demandas e temas que lhes façam sentido. Por isso, a importância de se trabalhar aspectos psicossociais com indivíduos em situação de rua, para que a posição de exclusão e marginalização não se apresente como definitiva. Como essa condição está ligada ao sentimento de injustiça, entende-se que as discussões propiciam um fortalecimento frente à essa realidade. Se a injustiça é um dos principais responsáveis pelas distorções que permeiam a vida social em muitas esferas, a não legitimidade daquela posição em que se encontra determinado grupo, gera a possibilidade de buscar mudança para a situação atual (RODRIGUES et ALL, 2008). Acredita-se que o primeiro passo foi dado, uma vez que se buscou o favorecimento da mudança, através do qual os próprios integrantes do grupo puderam discutir e refletir politicamente os mecanismos de poder que envolvem a realidade na qual estão inseridos, o que permitirá a busca de transformação para a realidade individual e grupal. Foram abordados temas que serviram de base para reflexões à cerca da vida profissional e pessoal dos indivíduos em situação de rua acolhidos pelo albergue e apesar de ser esperado pelo senso comum que essas pessoas sejam desprovidas de potencial, isso não retrata a realidade, uma vez que se constatou uma boa comunicação, interesse e um nível crítico de avaliação da realidade. As discussões fomentaram a criticidade relacionada a uma distribuição de recursos e oportunidades, através de atividades e remuneração que remetam a uma distribuição caracterizada como justa (RODRIGUES et ALL, 2007). No caso desse grupo, especificamente, manifestou-se como necessária a mudança relacionada à capacidade de produção de bens de consumo essenciais à sobrevivência, sendo que tal demanda foi identificada a partir das próprias participações e foi possível graças a utilização de recursos que facilitaram a introdução de temas que propiciaram reflexões, troca de experiência e ressignificação de conteúdos, na medida em que alguns participantes até o início desse trabalho não haviam se questionado a respeito de seu

próprio valor, nem sobre seu empoderamento diante de diversas situações da vida, o que acontece na maioria do tempo por se sentirem diminuídos perante a sociedade. Contou-se com expressivas participações nos encontros, o que se relacionou, possivelmente, ao formato de atuação, que buscou utilizar uma metodologia participativa de trabalho, que tinha como objetivo propiciar aos integrantes a vivência de seus sentimentos, percepções sobre fatos e ações, ressignificando seus conhecimentos e valores, o que permitiu inclusive a visualização da possibilidade de mudança (SILVA, 2006). Apesar da abertura de espaço para as reflexões, em alguns momentos identificouse alguma dificuldade relacionada ao contato com os temas abordados, impedindo o aprofundamento das questões, sendo que em determinadas ocasiões, alguns indivíduos chegavam a abrir mão de sua participação. Em geral, os participantes manifestavam o sentimento de exclusão e diminuição em sua relação com os meios de produção, na medida em que são discriminados na sociedade muitas vezes em função de sua apresentação pessoal. Quando isso não é empecilho, o fato de apresentarem residência provisória em um albergue é por si só, excludente. Esse trabalho proporcionou relevância aos assistidos a partir do momento em que teve como objetivo possibilitar a acolhida, a escuta e a reflexão, o que pode, em alguma instância, gerar autonomia. Os encontros propiciaram a compreensão sobre a trajetória profissional e história pessoal dos albergados, a identificação de uma consciência do grupo sobre a invisibilidade pública e questionamentos à respeito do próprio valor e poder diante de diversas situações da vida. Ainda foi possível, a internalização de experiências, não somente para o público alvo das ações, mas também para os facilitadores desse processo, uma vez que esse se tornou um compromisso comum.

4. APRESENTAÇÃO DO LOCAL E CONDIÇÕES NAS QUAIS A ATIVIDADE DE ESTÁGIO ACONTECEU A atividade de estágio realizou-se no Albergue Zancone durante o ano de 2011. A unidade está localizada na Av. Imperatriz Leopoldina, 1.335 Vila Leopoldina, São Paulo Capital. Ela acolhe diariamente, por 24 horas, pessoas em situação de rua, provenientes da cidade de São Paulo, com a capacidade de atendimento de 100 homens. A mantenedora do albergue é o Instituto Rogacionista Santo Aníbal, cuja sede fica na Av. Santa Marina, 534 Água Branca, São Paulo, Capital. Além do albergue, o Instituto mantém outras atividades assistenciais como creche, atividades lúdicas e recreativas com crianças e jovens, em outras unidades. A parceria de estágio da Universidade Paulista com o Albergue Zancone iniciou-se em 2010, sendo 2011, o segundo ano que o albergue recebia estagiários do curso de psicologia da UNIP. No albergue os encontros aconteciam nos finais de semana, aos sábados no período da tarde, em sala reservada da unidade, ou mesmo no pátio junto aos atendidos. Ali se organizavam os grupos, onde se sentavam nos bancos ou cadeiras disponíveis. Era proposital que algumas vezes a atividade acontecesse no pátio, para justamente atrair os albergados. O fato de também acontecer no período da tarde foi devido ao horário do almoço, pois neste momento se reunia no albergue muitos moradores, motivo para convidálos para o grupo. Com o desenrolar das atividades, os moradores que já haviam participado de alguns dos encontros vinham espontaneamente ao grupo, quando estavam no albergue naquele momento. Todas as atividades eram acompanhadas pelos educadores do albergue. Eles não participavam na roda, com o grupo, mas estavam presentes no pátio onde circulavam continuamente. Além disto, havia o corpo técnico que dava plantão nos finais de semana e estavam disponíveis para qualquer dúvida que surgisse. Os encontros se iniciaram no mês de abril, parando em julho, por volta das férias escolares, finalizando em dezembro. Ao final do estágio, naquele ano, foi realizada uma devolutiva final para a equipe do albergue, apresentando o trabalho realizado, metodologia, parecer do grupo e sugestões de transformações possíveis na instituição.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COSTA, F.B. Moisés e Nilce: retratos biográficos de dois garis. Um estudo de Psicologia Social a partir da Observação Participante e Entrevista. Tese apresentada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2008. FREITAS, M.F.Q. Psicologia na Comunidade, Psicologia da Comunidade e Psicologia (Social) Comunitária Práticas da psicologia em comunidade nas décadas de 60 a 90, no Brasil. In: Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia. 6ª ed. Petrópolis, Vozes, 1996. HAULY, L.C. Cartilha do Trabalhador: Direitos Constitucionais do Trabalhador. Coordenação de Publicações da Câmara dos Deputados, Brasília, 2007. LANE, S.T.M. O que é Psicologia Social. Brasiliense, São Paulo, 1985. PAUGAM, S. A desqualificação social: ensaio sobre a nova pobreza. São Paulo: Educ/Cortez, 2003. PICHON-RIVIERE, E. Técnica dos Grupos Operativos. In: PICHON-RIVIERE, E. O Processo Grupal. Martins Fontes, São Paulo, 1994. RODRIGUES, A., ASSMAR, E.M.L. e JABLONSKI, B., Psicologia Social. Vozes, Petrópolis, 2007. SAWAIA, B. Sofrimento ético-político. In: SAWAIA, B. (Org.) As Artimanhas da Exclusão. Petrópolis, Vozes, 1999, p.97-118. SILVA, M.L.L. Trabalho e População em Situação de Rua no Brasil. Cortez, São Paulo, 2009. SILVA, R.C.S. Porque Trabalhar com Grupo para Promoção de Saúde. In: Metodologias Participativas para Trabalhos de Promoção de Saúde e Cidadania. São Paulo, Vetor, 2006. VALLA, V.V et all. Pobreza e Capitalismo. In: Para Compreender a Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro, 2005. VIEIRA, C.E.C., BARROS, V.A. e LIMA, F.P.A. Uma Abordagem da Psicologia do Trabalho, na Presença do Trabalho. In: Psicologia em Revista. Belo Horizonte, v. 13, p. 155-168, 2007.

6. RESUMO O presente trabalho tem por objetivo apresentar o resultado de um estágio supervisionado realizado em 2011 por um grupo de estudantes de Psicologia em um albergue que atende homens adultos e está localizado na cidade de São Paulo. O estágio teve como objetivo implementar ações que promovessem acolhida, escuta, reflexão e, portanto, o fortalecimento dos moradores da instituição e consequentemente, sua inserção em atividades produtivas. O projeto de intervenção foi desenvolvido a partir do referencial teórico da Psicologia Social Comunitária, com atividades feitas em grupo, na proposta de Grupos Operativos, de Henrique Pichon-Rivière. Os encontros propiciaram a compreensão sobre a trajetória profissional e história pessoal dos albergados, a identificação de uma consciência do grupo sobre a invisibilidade pública e questionamentos a respeito de seu próprio valor e poder diante de diversas situações da vida. Foram visualizados os apelos relacionados à uma distribuição de recursos e oportunidades, através de atividades e remuneração que remetam a uma distribuição caracterizada como justa (RODRIGUES et ALL, 2007). Palavras-chave: Situação de Rua, Trabalho, Pobreza.

7. MEMORIAL DESCRITIVO A escolha pelo estágio na disciplina de Grupos e Comunidades aconteceu devido a influência das aulas da disciplina de Psicologia Social que foi ministrada no transcorrer do curso de Psicologia. Havia uma expectativa do grupo em vivenciar de fato uma ação que pudesse colaborar para a transformação do sujeito e com isto, também colaborar para a mudança em sua vida concreta. Os primeiros meses de estágio na disciplina, ou seja, fevereiro e março, foram dedicados a leitura e discussão dos seguintes referenciais teóricos: Campos (1996), Valla (2005), Sawaia (2002), Cruz e Guareschi (2007), Silva (2002), Pichon-Rivière (1998) e Guirado (1997). As discussões eram feitas em grupo, elencando as ideias principais dos textos. Nesse período também o grupo de alunos foi se organizando e já pensando na população que gostaríamos de atendendo, fazendo grupo. A universidade apresentou as possibilidades de estágios, locais e população. O grupo inicialmente se constitui em dupla, entre as alunas Adriana e Kelly, e pela disponibilidade de horário, já que trabalhavam durante a semana, período integral, só podiam fazer o estágio no final de semana, foram então para o Albergue Zancone. A aluna Carolina estava em outro estágio, em um abrigo para crianças e jovens e, só foi se juntar à dupla no segundo semestre de 2011, no mês de agosto. Nesse momento nossas leituras também modificaram-se, ou seja, adequamos a população que atendíamos nas instituições e, também, líamos textos relacionados a população dos colegas de estágio, no caso de artigos que tratavam de mulheres, crianças e jovens. Os primeiros contatos com os moradores do albergue, ou seja, os participantes foram tímidos e com o tempo, houve uma maior aproximação. A cada encontro havia um aprendizado para o grupo. No primeiro semestre os encontros estavam relacionados a aproximação do grupo, contato, conhecimento sobre sua realidade. No segundo semestre por orientação da supervisão, o grupo procurou desenvolver um produto nesses encontros e, nesse sentido, foi escolhido o tema trabalho, já que era o principal assunto trazido pelos participantes.

No segundo semestre a aluna Carolina também se integrou ao grupo, realizando o estágio no albergue, já que o grupo que integrava se desfez, ficando sozinha, compondo um novo grupo. Houve um momento de adaptação de Carolina ao novo grupo, nas organizações das tarefas, elaboração dos relatórios e discussão sobre o estágio. O novo sempre causa certa apreensão e este assunto foi discutido com a supervisão. Com o desenrolar do trabalho, foi possível perceber que Carolina integrou-se ao grupo, cumprindo com as suas responsabilidades, discutindo seu olhar sobre o grupo e, conquistou um lugar nessa nova constituição. As discussões sobre o tema trabalho foram se aprofundando até a solicitação pelos participantes de lugares onde poderiam ir a busca de um emprego e/ou trabalho. Nesse sentido o grupo elaborou pesquisas de locais que pudessem orientar os participantes na procura de um emprego, assim como solicitamos uma conversa com a instituição para verificar a possibilidade da criação de uma cooperativa de reciclagem de papel e papelão. Todas essas experiências de pesquisa, de conversa com os participantes foram registradas na devolutiva final que foi entregue e discutida com os dirigentes do Albergue Zancone. Nessa última conversa ficou claro que a instituição também já tinha iniciado diversas tentativas para possibilitar aos participantes o acesso a uma fonte de renda. Porém, de acordo com o relato dos funcionários, há uma rotatividade constante no albergue, o que impossibilita a permanecia do albergado, além disso, problemas psiquiátricos, o contato com as drogas dificultam sua inserção. Há uma necessidade de execução de uma ação mais detalhada, como o contato com a família, tratamento com relação às drogas que devem estar atreladas a inserção no mercado de emprego e/ou trabalho.