1. INTRODUÇÃO: Apresentação do objeto de estudo:

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Transcrição:

8 1. INTRODUÇÃO: Apresentação do objeto de estudo: A descoberta e a utilização de drogas antimicrobianas, na medicina humana e veterinária, contribuíram, de forma decisiva, para a diminuição das taxas de mobilidade e mortalidade das doenças infecciosas, especialmente bacterianas. Assim a partir da introdução da terapêutica da penicilina e das sulfonamidas, ocorreu um crescente progresso no isolamento e no desenvolvimento de agentes antimicrobianos que pudessem ser utilizados satisfatoriamente na terapia e na profilaxia das doenças bacterianas. O advento do uso clínico de sulfonamidas, em 1933, e, em seguida, da penicilina, em 1941, levou à constatação de que a resistência bacteriana aos agentes antimicrobianos podia ser uma característica natural das espécies de bactérias ou ser adquirida por cepas individuais dentro de uma população sensível. Ao descobrir a penicilina em 1929, Fleming foi o primeiro observador de microrganismos aos antibióticos, descrevendo que bactérias do grupo colitifóide e a Pseudomonas aeruginosa (Bacillus pyocyaneus) não eram inibidas pelo antibiótico. A resistência aos antimicrobianos é um fenômeno genético, relacionado à existência de genes contidos no microrganismo que codificam diferentes mecanismos bioquímicos que impedem a ação das drogas. Em inúmeros microrganismos o fenômeno da resistência é natural decorrente de características inerentes às células bacteriana e que já existe antes da exposição a um determinado antibiótico. As bactérias geralmente se tornam resistentes a esses antibióticos através da produção de beta-lactamases. Estas substâncias são enzimas

9 dotadas de capacidades de hidrolisar o anel beta-lactâmico, transformando os antibióticos correspondentes em produtos inativos. Embora mais raramente, as bactérias podem se tornar resistentes aos antibióticos beta-lactâmicos por alterações de permeabilidade e modificações em suas proteínas fixadoras de penicilinas (pbp). Há também evidências de que mutações, genes reguladores da síntese de beta-lactamases, podem aumentar a produção dessas enzimas, tornando a bactéria resistente (TRABULSI et al., p. 81). A vancomicina foi pouco empregada nos 20 anos seguintes à sua descoberta, passando a ser utilizada, com frequência progressivamente maior, a partir da década de 70, no tratamento de infecções graves por estafilococos meticilino-resistentes, na endocardite enterocócica e em doentes alérgicos às penicilinas. Justificativa: O problema da resistência bacteriana aos antibióticos faz parte da evolução desses microrganismos na luta pela própria sobrevivência e consequente manutenção da espécie. Sobretudo nos hospitais, onde a antibioticoterapia é rotina, a resistência bacteriana constitui um dos mais sérios problemas, pois as cepas multirresistentes são selecionadas e propagadas com facilidade nestes locais. Há 11 anos trabalho em unidade hospitalar, e tenho observado vários pacientes que evolui com determinada infecção e inicia-se a antibioticoterapia equivalente a esse problema. O esperado é que essa droga venha agir, mas o que acontece é surpreendente; não atinge o ponto alvo, que é controlar essa infecção. Com base nos exames analisa as alterações e acrescenta outros antibióticos, apostando que esta infecção venha ser controlada, mais uma vez

10 isso não acontece. À medida que o tempo passa a preocupação aumenta, porque determinada bactéria que seria exterminada no início do tratamento agora ficou mais forte. A partir do exposto acima é que surgiu a minha inquietação em fazer um trabalho sobre Resistência Bacteriana a Antibiótico, específico a Vancomicina por ser um antibiótico de última geração e que já vem nos causando esse problema. Problema: O que diz a literatura sobre o mecanismo de Resistência Bacteriana? Objetivo: Evidenciar, a partir da literatura, o mecanismo da Resistência Bacteriana à Vancomicina em pacientes hospitalizados e a promoção do uso adequado dessa droga. Metodologia: Quanto à natureza: Caracteriza-se com uma pesquisa qualitativa que segundo Antônio Carlos Gil, para que se possa avaliar a qualidade dos resultados de uma pesquisa, torna-se necessário saber como os dados foram obtidos, bem como os procedimentos adotados em sua análise e interpretação. Daí o surgimento de sistemas que classificam as pesquisas segundo a natureza dos dados. Quanto aos objetivos: De acordo a literatura de Antônio Carlos Gil, as pesquisas explicativas têm como propósito identificar fatores que

11 determinam ou contribuem para a ocorrência de fenômenos. Estas pesquisas são as que mais aprofundam o conhecimento da realidade, pois têm como finalidade explicar a razão, o porquê das coisas. Quanto ao procedimento: É uma pesquisa bibliográfica, que segundo Antônio Carlos Gil é elaborada com base em material já publicado. Tradicionalmente, esta modalidade de pesquisa inclui material impresso, como livros, revistas, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos. Todavia, em virtude da disseminação de novos formatos de informação, estas pesquisas passaram a incluir outros tipos de fontes, como discos, fitas magnéticas, CDs, bem como o material disponibilizado pela Internet.

12 2. REVISÃO DE LITERATURA: 2.1 RESISTÊNCIA BACTERIANA À VANCOMICINA: Segundo o conceito original de Waksman, estabelecido em 1942, dá-se o nome de antibiótico às substâncias produzidas por seres vivos, geralmente microscópicos, dotados de atividade antimicrobiana, que atuam como tóxicos seletivos, em pequenas concentrações. Os antibióticos são produzidos completamente, ou pelo menos em parte, por processo biológico, enquanto os quimioterápicos são obtidos por síntese laboratorial. Consideramos que o termo antimicrobiano seja o mais adequado na atualidade para designar tanto as substâncias naturais (antibióticos) quanto às sintetizadas em laboratório (quimioterápicos) com efeito antiinfeccioso. Até 1936, quando os sulfamídicos começaram a ser empregados no tratamento de doenças infecciosas, não se dispunha de medicamentos com atividade antimicrobiana específica. A partir de 1942, como início do uso da penicilina G na prática médica, iniciou-se nova era na história da terapêutica clínica. Grande número de doenças infecciosas passou a recebe tratamento eficaz, com resultados impressionantes. A experiência dos primeiros anos deu origem à propagação do falso conceito de que era iminente o controle das doenças infecciosas, com o emprego de antibióticos cada vez mais potentes. Hoje, os antibióticos estão entre os medicamentos prescritos com maior frequência, tanto em ambulatórios quanto em hospitais. Todavia, tornou-se reconhecidamente abusivo o uso de antibióticos, que passaram a ser indicados, muitas vezes, sem necessidade ou com imprecisão.

13 Os antibióticos são apenas indicados para tratamento de doenças causadas por bactérias, fungos e protozoários. Infelizmente, isso não significa que os mesmos venham sendo usados sempre de forma adequada e racional, pois o principal problema decorrente do uso abusivo desses fármacos é a resistência aos antimicrobianos em geral. Pode-se, portanto, concluir que a resistência a antimicrobianos nas bactérias causadoras de infecções é um problema importante de saúde pública devido a inúmeros aspectos. Dentre os principais aspectos mensuráveis deste problema encontram-se os riscos associados à falência terapêutica decorrente da resistência, falência essa responsável por argumentos globais de custos de tratamentos, representados por infecções crônicas, infecções recorrentes, sequelas, uso de antimicrobianos mais caros e, em última análise, morte. Muito se tem discutido sobre as mudanças nos princípios tradicionais norteadores do uso adequado de antimicrobianos ao longo dos últimos tempos. Apregoa-se que as referidas mudanças de princípios seriam necessárias essencialmente para obter melhores resultados nos tratamentos empíricos, tanto com melhor evolução do paciente, quanto com menor surgimento de resistência. De certa forma, pode-se encarar tais mudanças como um ajuste às recentes alterações no cenário microbiológico global, com o surgimento cada vez mais frequente de microrganismos mais resistentes. Logo, os tais princípios tradicionais de uso de antimicrobianos talvez sejam iguais aos princípios ditos modernos, apenas adaptados frente a uma nova realidade epidemiológica. Significa dizer que, fundamentalmente, entende-se como princípio tradicional básico do uso de antimicrobianos o início da terapia com droga de menor espectro possível. Pois, a crença que dava sustentação a tal assertiva sempre foi a de que antimicrobianos de amplo espectro teriam maior potencial para indução e seleção de isolados resistentes.

14 Ora, vejamos que quando do traçar desta política de uso de antimicrobianos de pequeno espectro, por volta de 1960, a classe médica enfrentava situação epidemiológica completamente diferente da que enfrentamos hoje em dia. A realidade era composta por ambientes hospitalares e comunitários com baixos índices de resistências. Havia baixa prevalência de estafilococos resistentes à meticilina, de pneumococos resistentes à penicilina, de bacilos Gram-negativos não-fermentadores resistentes aos betalactâmicos existentes então, inexistência de enterococos resistentes à vancomicina, etc. Todavia, o ritmo de surgimento de tais resistências não parece ter sido igual para todos os binômios antimicrobianos e patógenos. Podemos observar algumas combinações antimicrobiano-patógeno com potencial bombástico para o surgimento de resistência, porém, também observamos algumas combinações anitimicrobiano-patógeno para quem a resistência surge muito lentamente dentro de uma perspectiva histórica. Os antibióticos representam uma das mais importantes descobertas da historia da medicina, mas, por outro lado, podem induzir a pressão seletiva, particularmente quando utilizados em posologias inadequadas, pois afetam tanto os agentes do processo infeccioso quanto a microbiota normal do indivíduo tratado. As evidências acumuladas ao longo do século XX demonstram que a introdução de um novo antibiótico, eficaz e seguro, leva a um uso disseminado e, consequentemente, à seleção de microrganismos resistentes. O conhecimento dos mecanismos de ação dos antibióticos e de suas propriedades farmacodinâmicas e farmacocinéticas fornece subsídios para o uso racional, prolongando sua vida útil.

15 A vancomicina foi obtida originalmente em 1956, nos EUA, em meio de cultura de Streptomyces orientalis (atualmente denominado Amycolatopsis orientalis), oriundo do solo de uma floresta de Bornéu, no sudeste da Ásia, passando a ser rotineiramente utilizada na prática médica em 1958. É antibiótico composto por glicopeptídeo tricíclico, cujo mecanismo básico de ação antimicrobiana se desenvolve por inibição da síntese da parede celular das bactérias sensíveis. A vancomicina, o glicopeptídeo atualmente em uso clínico, tem seu uso restrito ao tratamento das infecções por Gram-positivos, pois a membrana externa dos Gram-negativos representa um obstáculo à ligação das drogas aos seus alvos. Age ligando-se ao terminal D-alanina-D-alanina do muramilpentapeptídeo, impedindo a ação das transpeptidases, levando à desestruturação do peptidoglicano. O espectro de atividade antimicrobiana da vancomicina refere-se às bactérias Gram-positivas, particularmente estafilococos, pneumococos, estreptococos, corinebactérias e clostrídios. São raras as cepas de Staphylococcus aureus que não respondem às concentrações séricas alcançadas com a administração endovenosa de doses usuais da vancomicina. Em 1987, Schwalbe e col., descreveram a emergência de cepas de estafilococos coagulase-negativos resistentes à vancomicina. Também já se encontraram cepas de Staphylococcus aureus meticilino-resistentes que exibiram, em relação à vancomicina, o fenômeno da tolerância. Embora os enterococos sejam habitualmente sensíveis à vancomicina, já detectaram, inclusive no Brasil, cepas de Enterococcus faecium resistentes a esse antibiótico. Nos hospitais norte-americanos estas taxas chegam a 25%. A

16 vancomicina é o antibiótico de primeira escolha para tratamento de infecções graves causadas por cepas de Staphylococcus aureus, de Staphylococcus epidermidis e dos demais estafilococos meticilino-resistentes; pode também ser usada no tratamento de infecções estafilocócicas graves por cepas meticiliosensíveis em pacientes alérgicos às penicilinas e cefalosporinas. O desenvolvimento de resistência bacteriana a antibiótico pode ser considerado uma consequência genética inevitável da atividade humana, ao impor novos tipos de pressão seletiva sobre as populações de microrganismos. A rapidez que as bactérias se adaptam às alterações do meio ambiente é evidenciada pela brevidade com que desenvolvem resistência a novos antibióticos. Os genes de resistências já existiam antes do início da era antibiótica; sua presença foi demonstrada em cepas bacterianas isoladas antes do advento dos antibióticos e de pessoas pertencentes a populações isentas do uso desses medicamentos. Os genes de resistência têm evoluído no decorrer da era antibiótica. Historicamente, é interessante estabelecer comparação entre o desenvolvimento da antibioticoterapia (com a sucessiva descoberta e introdução na prática médica de novos antibióticos) e a intensificação do uso desses medicamentos com fatos observados em relação ao surgimento de cepas bacterianas resistentes aos antimicrobianos. Sendo a evolução uma característica dos seres vivos, as bactérias se adaptaram rapidamente ao uso dos antibióticos. A partir dos primeiros relatos do surgimento da resistência antibacteriana, as pesquisas orientadas em esclarecer os mecanismos de resistências foram necessárias para utilizar antibióticos de forma mais racional, e evitar o surgimento de resistência durante terapias prolongadas.

17 Atualmente conhece-se a maioria dos mecanismos de resistência, porém, com o uso das técnicas moleculares, novos conhecimentos estão surgindo a respeito da mobilização de elementos genéticos entre espécies iguais ou diferentes, de grande importância quando se falam de surtos por bactérias multirresistentes, principais causadores de infecção hospitalar. As bactérias têm conseguido adquirir altos níveis de resistência aos antibióticos como resultado de mutações dos genes cromossômicos ou pelo intercâmbio de material genético via elementos genéticos móveis. O extenso e indiscriminado uso de antibióticos na comunidade e hospitais têm favorecido o surgimento das bactérias multirresistentes, cujo espectro de ação antimicrobiana suscita diferentes mecanismos de ação. Para controlar a falência terapêutica, programas de controle e de uso racional são imprescindíveis, assim como a necessidade de maior conhecimento sobre os mecanismos de resistência pela comunidade médica. De modo geral poderíamos definir a evolução da resistência bacteriana como resultado de: Fenômeno fisiológico: Comunidades bacterianas formadas a partir de unidades formadoras de colônias que se organizam com a finalidade de obter um beneficio mútuo. Pressão seletiva: Processo no qual uma população bacteriana heterogênea é exposta a um determinado antimicrobiano. Fatores intrínsecos (resistência intrínseca): Decorrente de características inerentes à célula bacteriana e que já existe antes da exposição a um determinado antibiótico.

18 Fatores genéticos adquiridos (resistência adquirida): Que surge quando cepas resistentes emergem de populações bacterianas originalmente sensíveis, em geral após exposições a antibióticos, e resulta de uma alteração genética que se expressa bioquimicamente na resposta à ação dos antibióticos. A presença do gene vana nesta cepa resistente à vancomicina sugeriu fortemente que o determinante de resistência poderia ter sido adquirido da troca de material genético entre Enterococcus ssp., resistente à vancomicina para Staphylococcus aureus sensível. O mecanismo de resistência à vancomicina em Staphylococcus aureus até hoje não foi completamente elucidado, mas postula-se que seja devido ao esgotamento da vancomicina do meio, devido ao engrossamento da parede celular e consequente aumento do número de sítios de ligação D-alanil-D-alanina.

19 2.1.1 Resistência á Vancomicina em Staphylococcus aureus: Staphylococcus aureus tem sido desde há muito reconhecido como um importante patógeno de infecções hospitalares. Durante a última década, S. Aureus resistente à meticilina (MRSA) tem-se tornado endêmica em hospitais em todo o mundo. Além disso, é agora patógeno comunidade incipiente em muitas regiões geográfica. MRSA é importante porque, para além ser resistente à meticilina, a maioria das cepas também são resistentes a antibiótico β-lactama outro, com a excepção de glicopéptido antibióticos. Em 1980, por causa da generalizada ocorrência de MRSA, terapia empírica para infecções estafilocócica (sépsis particularmente nosocomial) foi mudado à vancomicina em instituições de saúde. Usar vancomicina nos Estados Unidos também aumentou durante este período por causa dos números crescentes de infecções com Clostridium difficile e estafilococos coagulase negativa (ECN) em instituições de saúde. Em 1997, a primeira linhagem Staphylococcus com susceptibilidade reduzida à vancomicina e teicoplanina foram relatadas apartir do Japão. Pouco depois, dois casos adicionais foram relatados apartir dos Estados Unidos. No entanto, em primeiro lugar clínica isolado de S. aureus resistente à vancomicina (VRSA) foi relatado a partir dos Estados Unidos em 2002. Mais recentemente alguns trabalhadores relataram estafilococos resistentes à vancomicina manchas do Brasil e Jordânia. Estirpes de S. aureus vancomicina Intermediário (VISA) com vancomicina concentração inibitória mínima (MIC) de 8 mg / ml foram relatados no Japão, Estados Unidos, França, Reino Unido e Alemanha. A maioria destes isolados aparecem ter desenvolvido a partir de infecções por MRSA preexistentes. Assadullah et al da Índia relataram sensibilidade reduzida de vancomicina contra MRSA e ECN.

20 Apenas quatro Staphylococcus aureus resistente à vancomicina- (VRSA) isolados foram relatados até agora dos EUA (Chang et al, 2003;. Tenover et al, 2004;. CDC, 2004; Weigel et al, 2007;. Perichon & Courvalin, 2006). Não houve relato de um gene mediado por VRSA van da Ásia ainda, exceto para a vancomicina-intermediário S. aureus (VISA) no Japão (CDC, 1997) e Coréia (Kim et al., 2000). Recentemente, Tiwari & Sen (2006) relataram que VRSA van é gene-negativos Infelizmente, confusão sobre as definições de vancomicina resistência tem sido gerada pela literatura recente, a fonte desta confusão parece ser os pontos de interrupção diferentes em suscetibilidades utilizados nos diversos países onde estafilococos resistentes à vancomicina têm sido relatados. O Comitê Nacional para Laboratório Clínico Padrões (NCCLS) definem estafilococos para o qual a concentração inibitória mínima (MIC) de vancomicina é 4 g / ml para ser susceptível, enquanto os isolados para o qual o MIC é de 8 a 16 g / ml são intermediários e aqueles para os quais a MIC é 32 g / ml são resistentes. Japão, no entanto, considera alguns isolados para o qual a MIC é 8 g / ml para ser resistentes como resultado, alguns isolados relatado como resistente em Japão foram reclassificados como intermediário nos Estados Unidos Estados. Confusão com respeito à resistência à vancomicina em estafilococos também é gerada pelo uso do termo: heteroresistência estafilocócica. Esse fenômeno, que é visto tanto na coagulase-negativa estafilococos e S. aureus, refere-se à variabilidade de susceptibilidade à vancomicina entre subpopulações de único isolado. Um heteroresistente isolado contém duas populações de células, uma maioria da população que é permeável à vancomicina e uma população minoritária que é resistente. Heterorresistência é provavelmente mais comum

21 do que pura resistência ou susceptibilidade diminuída, como evidenciado pelo fato de que foi encontrado em até 20% de S. aureus isolado em um hospital no Japão. Um estudo similar dos Estados Unidos também encontraram populações heterorresistência a ser mais comum do que homogênea populações com susceptibilidades reduzidas, no entanto, as incidências globais foram muito menor, com apenas 2 de 630 isolados (0,3%) heteroresistência demonstrando e nenhum mostrando verdadeiro susceptibilidade reduzida à vancomicina. O significado clínico de heteroresistência não é totalmente compreendido. Embora um estudo mostrou que os pacientes que foram infectados com cepas heterorresistência teve maior taxas de mortalidade do que os pacientes infectados com isolados sensíveis, é difícil de determinar conclusivamente de impacto com base em apenas um estudo, pequena retrospectiva. Dada a importância clínica incerta e a dificuldade e despesa na detecção heteroresistência, não parece haver qualquer papel para o rastreio fora de estudos de investigação. A importância epidemiológica da resistência à vancomicina trouxe uma grande dose de atenção às questões de controle de infecção em relação a propagação da resistente à vancomicina estafilococos. A comunidade de controle de infecção é, compreensivelmente nervoso, dada a rápida disseminação de enterococos resistentes à vancomicina que ocorreu em hospitais de todo o mundo. Foi estabelecido que o S. aureus podem ser transmitidos entre os pacientes de várias rotas, incluindo a superfície ambiental das mãos de profissionais de saúde, e derramamento nasais. Embora menos é conhecido sobre a transmissão de estafilococos coagulase negativa, tem sido bem documentado surtos destes organismos, e é assumido que eles são

22 transmitidos por muitas das mesmas rotas como S. aureus. Supõe-se também que a vancomicina resistentes à meticilina pode ser transmitida pelos mesmos mecanismos como o sues homólogos sensíveis. Na verdade, tem havido um surto de vancomicina-intermediário S. aureus (VISA) em um Hospital francês entre os pacientes que não receberam qualquer antibióticos glicopeptídeos e cujo risco principal para a aquisição do organismo era a exposição ambiental. A resistência à vancomicina entre os estafilococos coagulase-negativo foi relatada pela primeira vez mais de 20 anos. No entanto, o primeiro relatório de um significativo clinicamente isolado foi em 1987. Desde essa altura, tem havido, pelo menos, cinco outros relatos de casos de clinicamente relevante estafilococos coagulase-negativo que tinha diminuído susceptibilidade à vancomicina. Desde o relatório inicial de susceptibilidade reduzida à vancomicina em estafilococos coagulase-negativo, houve a pelo menos 20 estudos selecionados que um grande número de isolados em uma tentativa de definir a prevalência deste problema. Fatores de risco para resistência à vancomicina: Como é o caso com os estafilococos coagulase negativa, a relativa raridade de susceptibilidade à vancomicina diminuiu em S. aureus fatores de risco torna difíceis de determinar. A exposição a vancomicina (ou outros antibióticos glicopeptídeos) novamente se destaca como um forte risco de cada paciente neste país que desenvolveu um VISA isolar tinha estado em terapia com vancomicina por algum período de tempo, embora a duração fez variar amplamente, de apenas alguns semanas a vários meses. Antes da infecção causada por MRSA também parece ser um risco forte, como há casos conhecidos de VISA têm desenvolvido a partir de cepas

23 sensíveis à meticilina. O risco relativo colocada individualmente por exposição à vancomicina e Infecção por MRSA é difícil de determinar, como eles tendem a ir lado a lado na maioria dos casos. Insuficiência renal parece ser um fator de risco significativo, uma vez que estava presente em cinco dos sete casos dos Estados Unidos. Mecanismos de resistência à vancomicina: O verdadeiro mecanismo de resistência à vancomicina em S. aureus não é conhecido. Ele foi inicialmente temido que o S. aureus adquiriria os genes que codificam para van resistência à vancomicina em espécies de Enterococcus, especialmente depois desta transferência foi sucesso realizado no laboratório. Além disso, resistente à vancomicina Enterococcus faecalis emite um feromônio sexual que promove transferência de plasmídeo, e tem sido demonstrado recentemente que este feromona mesmo é produzido por S. aureus. Emissão deste feromona por organismos S. aureus que estão em proximidade para enterococos resistentes à vancomicina que contêm a codificação plasmídeos van genes pode resultar em transferência destes genes resistentes. No entanto, até agora, nem os genes van, nem seus produtos alterados peptidoglicano foram recuperados em vancomicina Staphylococcus intermediários ou Staphylococcus resistentes. Em vez disso, parece que a resistência à vancomicina em S. aureus é conferida por outras alterações na parede celular bacteriana. Vários anos antes da VISA primeiro isolamento clínico a ser relatado, Daum et al. produzidas estirpes laboratoriais de VISA e VRSA que tinham paredes de células muito mais espessa do que o sensível em estirpes originais. Investigadores subsequentes demonstraram que a síntese da parede celular e

24 volume de negócios está regulada na VRSA isola, levando a célula mais espessa e desorganizado paredes. Além disso, parece que os isolados resistentes têm significativamente menos de reticulação no componente de peptidoglicano a parede da célula. A fim de exercer um efeito, a vancomicina deve atingir a membrana citoplasmática da célula e se ligam com nascente precursores de parede, inibindo assim a sua incorporação no crescente da parede celular. Tem sido proposto que a mais espessa, desorganizado paredes celulares podem realmente interceptar vancomicina na periferia da célula, bloqueando assim a sua ação. Na verdade, tem sido demonstrado que a vancomicina pode ser recuperado a partir de intacta as paredes celulares de VISA e isolados VRSA, indicando que o antibiótico não está a ser inativado, mas apenas sequestrado pelas bactérias. Além disso, as paredes celulares alterados parecem ter uma afinidade reduzida para a vancomicina como alvos solúveis são capazes de se ligar mais antibiótico na presença de isolados resistentes à vancomicina. O papel de ligação da penicilina (PBPs) em resistência à vancomicina permanece obscuro. PLP são um grupo de enzimas que catalisar várias etapas na síntese da parede celular e são os alvos de antibióticos beta-lactâmicos. É uma mutação em um destas enzimas, PBP2a, que confere resistência à meticilina em MRSA.

25 2.1.2 Resistência à Vancomicina em Enterococcus: Atualmente, os enterococos têm se tornado um importante agente de infecção nosocomial. Desde os primeiros relatos sobre a emergência de patógenos resistentes, há mais de 15 anos, os enterococos resistentes à vancomicina (VRE) se constituem em problema mundial crescente. O Sistema Nacional de Vigilância para Infecções Nosocomiais do CDC (Centers for Disease Control and Prenvention) reportou 28,5% de VRE nas infecções nosocomiais em unidades de terapia intensiva americanas, em 2003. Os dados acerca da prevalência do VRE em unidades de terapia intensiva pediátricas e neonatais são limitados, porém um estudo realizado pela Pediatric Prevention Network, em 2001, relatou valores menores que 3% naquele momento. No Brasil, os primeiros relatos datam de 1996, em Curitiba (PR), onde o VRE foi isolado em uma menina de 9 anos previamente submetida a um transplante de medula óssea em um hospital universitário do mesmo Estado. Em 1997, outro Enterococcus faecium resistente à vancomicina foi isolado no País, desta vez no Hospital Santa Marcelina, em São Paulo (SP), onde atualmente este tipo de infecção se tornou epidêmica, com mais de 100 casos detectados nos anos seguintes. Mais recentemente, estes agentes têm sido isolados em vários hospitais em São Paulo. Desde o primeiro relato nacional, há 10 anos, a incidência aumenta anualmente, observando-se, nos enterococos isolados em hemocultura, 18 a 20% de resistência à vancomicina. Dentre as cepas dos enterococos resistentes à vancomicina, o Enterococcus faecium com o gene VanA é mais prevalente no Brasil. O uso indiscriminado de antimicrobianos e outros fatores relacionados ao próprio paciente e à internação têm relação direta com o surgimento de agentes resistentes.

26 2.1.3 Relato do caso: Criança de 10 anos, sexo feminino, com diagnóstico de teratoma imaturo há seis meses da internação na unidade de terapia intensiva pediátrica, em março de 2004. Após o diagnóstico, realizou quatro ciclos de quimioterapia, apresentando como intercorrência uma pneumonia com necessidade de internação em UTI, além de um episódio de crise convulsiva de etiologia desconhecida. Na evolução, uma segunda biópsia revelou tratar-se de teratoma maduro, com indicação de ressecção. A neoplasia foi ressecada parcialmente, necessitando de abordagem intestinal e colocação de ileostomia, o que motivou a admissão da paciente na UTI pediátrica. No quarto dia de pós-operatório, a criança evoluiu com saída de secreção fecalóide pela incisão cirúrgica e choque séptico, sendo reoperada para revisão e limpeza da cavidade. Nesta ocasião, foi iniciado o tratamento da infecção com vancomicina, imipenem e metronidazol. Em um período de 10 dias após a primeira cirurgia, foi reoperada três vezes em decorrência da persistência da infecção e deiscência das suturas das anastomoses intestinais. As culturas do líquido ascítico coletadas nas duas primeiras reabordagens identificaram Pseudomonas aeruginosa (sensível à amicacina, ceftazidima, ciprofloxacina, aztreonam, gentamicina, imipenem e piperacilina) e Enterococcus faecalis (sensível à ampicilina, gentamicina, penicilina e vancomicina). O tratamento foi mantido com vancomicina e imipenem. Durante a terceira reoperação, foram identificadas no líquido ascítico as mesmas bactérias: Pseudomonas aeruginosa, com sensibilidade semelhante às anteriores, e Enterococcus faecium, agora resistente à ampicilina, gentamicina, penicilina e também à vancomicina; sendo sensível somente à estreptomicina e linezolida. A análise microbiológica a cepa resistente à vancomicina foi realizada de acordo com as normas da Sociedade Americana de Microbiologia e os métodos descritos nos guidelines de 2003/2005 do

27 Clinical and Laboratory Standards Institute (CLSI/NCCLS). A vancomicina era utilizada há seis dias, quando foi feito o isolamento do agente multirresistente. Os enterococos são agentes habitualmente encontrados na flora gastrintestinal de seres humanos e apresentam virulência relativamente baixa. As infecções nosocomiais ocorrem principalmente pelos Enterococcus faecium (85-90%) e Enteroccoccus faecalis (5-10%). As infecções por enterococos resistentes à vancomicina podem ser atribuídas à própria flora endógena do paciente, por contato direto paciente-paciente ou por contato indireto com as mãos dos profissionais de saúde ou ambiente contaminado. No entanto, estes organismos possuem uma grande capacidade de adquirir resistência intrínseca, induzindo a expressão de genes ou selecionando cepas resistentes a vários agentes antimicrobianos, como os antibióticos beta-lactâmicos, os aminoglicosídeos e outros, incluindo a vancomicina. Assim, estes microrganismos podem expressar graus variados de resistência à vancomicina determinada por mecanismo de mutação genética (fenótipos VanA, VanB, VanC, VanD, VanE), sendo os principais, o gene VanA (teicoplanina e vancomicina resistentes) e o gene VanB (vancomicina resistente). Esses genes resistentes, também podem ser transmitidos para outras bactérias gram-positivas, como o Staphylococcus aureus. Além do uso indiscriminado de antibióticos de largo espectro, em especial da vancomicina, outros fatores são determinantes de risco para infecção por estes agentes, como está mostrado no Quadro 1. No caso apresentado acima, podem-se identificar inúmeros fatores de risco determinantes do surgimento de agentes multirresistentes, entre eles, os VRE. Considerando os fatores relacionados isoladamente ao paciente, vale

28 enfatizar a doença de base, ou seja, uma neoplasia que, devido a fatores intrínsecos ou decorrentes do tratamento (quimioterapia), cursa com imunossupressão, desnutrição e inúmeras complicações, que culminarão num número maior de internações e uso de antibioticoterapia, algumas vezes empírica. Outro ponto relevante associado a essa paciente é que a mesma foi submetida a cirurgias intra-abdominais, com três reabordagens no período. Além disso, vários fatores relacionados à internação poderiam colaborar para o surgimento desses agentes, como o local da internação (UTI), o tempo prolongado de permanência hospitalar, a utilização de dispositivos invasivos (sondas e cateteres venosos centrais) e o uso de determinadas medicações, como antiácidos e antibioticoterapia de largo espectro. A exposição pregressa à antibioticoterapia de largo espectro, principalmente cefalosporinas, metronidazol e fluoroquinolonas, tem sido identificada como um fator de risco reconhecido no desenvolvimento destas bactérias multirresistentes. Estudos recentes têm examinado o risco de colonização intestinal por VRE, como conseqüência de antibioticoterapia. Foi demonstrado que o uso de agentes com atividade contra bactérias anaeróbias é importante para a persistência da colonização por VRE, mesmo após o uso ter sido interrompido. O tratamento atual das infecções por estes agentes ainda é um grande desafio. As poucas evidências existentes são baseadas principalmente em séries de casos ou estudos não controlados. A vancomicina, inicialmente, era a opção terapêutica final nos casos de resistência a outros antibióticos. Seu uso indiscriminado, nos últimos 20 anos, tem relação direta com o surgimento de agentes resistentes. A vigilância na liberação deste antimicrobiano pode diminuir sua aplicação para menos de 50% do uso inicial, com redução

29 concomitante da prevalência de VRE. Em locais onde o VRE é endêmico, a restrição simultânea de múltiplos antibióticos pode ser necessária para promover sua redução. As situações nas qual o uso de vancomicina deve ser desencorajado estão demonstradas no Quadro 2. Quadro 1 Fatores de risco relacionados ao surgimento de enterococcus resistentes à vancomicina Uso indiscriminado de antibioticoterapia de largo espectro, principalmente vancomicina. Referentes ao paciente: extremos etários, gravidade da doença de base; condições de imunossupressão como Aids, neutropenia e leucose; diarréia, insuficiência renal, hemodiálise, cirurgias, principalmente intra-abdominais, cateteres venosos centrais; Referentes à internação: internação em UTI, duração da internação, contato com portadores de VRE, medicações (antiácidos e sulcralfato, cefalosporinas de terceira geração e agentes anti-anaeróbios). Recentemente, descreve-se o uso das estreptograninas semi-sintéticas (quinupristina / dalfopristina) e de oxazolidonas, como a linezolida, no tratamento da infecção pelo VRE, sendo a ação primariamente bacteriostática. Outros agentes experimentais ainda estão em desenvolvimento (ramoplanina, clinafloxacina, minocylina e novos derivados da tetraciclina). A linezolida foi aprovada pela Food and Drugs Administration (EUA) para o tratamento de determinadas infecções causadas por agentes gram-positivos, em pacientes adultos e crianças. Este agente apresenta atividade bacteriostática para E. faecium e E.

30 faecalis, com cura clínica de 73% e cura microbiológica de 82%. Além disso, é disponível por via endovenosa e oral, com poucos efeitos colaterais. Recomenda-se que o tratamento antimicrobiano seja guiado pela suscetibilidade microbiológica da cepa resistente, com uso preferencial de agentes bactericidas e que exibam efeito sinérgico. Porém, a atividade in vitro apresentada por um agente antimicrobiano, ou por combinação destes, pode alcançar uma atividade terapêutica efetiva inferior a 70%. Dessa forma, e a partir do que foi discutido até o momento, pode-se deduzir que, apesar dos avanços no desenvolvimento de drogas antimicrobianas, as opções terapêuticas para as infecções graves relacionadas ao VRE continuam limitadas. Devido à forte relação entre o uso de antibioticoterapia de largo espectro e a colonização/infecção por estes agentes, o uso racional da antibioticoterapia passa a ser uma das medidas mais importantes no controles destas cepas. Numerosos estudos têm demonstrado a importância do estabelecimento de medidas de controle relacionadas aos cuidados com pacientes portadores e doentes por VRE, nas quais a equipe multiprofissional envolvida atua como pedra fundamental na base da prevenção. Tais medidas de prevenção da transmissão bacteriana, que devem ser instituídas de forma precoce, incluem: isolamento de contato em quarto privativo (isolado ou com outros pacientes com VRE); uso de precauções de barreira (luvas e aventais), que devem incluir tanto o paciente infectado como aquele colonizado; emprego de clorexidine para lavagem das mãos por parte de toda a equipe; otimização da antibioticoterapia; notificação interna (equipe de enfermagem, farmácia, nutrição e corpo clínico) e promoção de educação da equipe e dos familiares a respeito da importância e magnitude da problemática.

31 Quadro 2 Situações em que o uso da vancomicina deve ser desencorajado. Profilaxia cirúrgica de rotina, exceto em paciente com alergia grave à betalactâmicos. Terapia antimicrobiana empírica para neutropênico febril, exceto se evidência inicial de infecção causada por agente gram-positivo ou se a prevalência de infecções causadas por Staphylococcus aureus multirresistente é significativa no hospital. Tratamento em resposta à hemocultura única positiva para estafilococo coagulase negativo, se outra hemocultura do mesmo período for negativa (risco de contaminação). Uso empírico continuado para infecção presumida, em pacientes com hemocultura negativa. Profilaxia sistêmica ou local para infecção ou colonização de cateteres. Descontaminação seletiva do trato gastrintestinal. Erradicação da colonização por Staphylococcus aureus multirresistente. Tratamento inicial de colite associada a antibióticos.

32 CONCLUSÃO Este estudo conclui que a resistência à vancomicina em espécies de estafilococos está apenas começando a emergir como um problema clínico, mas a atenção que já recebeu serve para sublinhar a gravidade do problema. Uma melhor compreensão dessas questões será fundamental para ajudar a prevenir e tratar estas infecções no futuro. Constata-se com esta pesquisa, que a experiência passada com poliquimioterapia organismos resistentes é um indicador, o problema da vancomicina estafilococos resistentes só irá crescer no futuro. No entanto, conscientização dos problemas e da aderência estrita com as diretrizes atuais para uso de vancomicina e controle de infecção práticas podem ajudar a limitar o impacto destes organismos. Podemos, portanto, inferir que a utilização das medidas adequadas de prevenção e controle da infecção pode reduzir o aparecimento de cepas multirresistentes e minimizar a disseminação destes agentes. Tais medidas incluem controle dos fatores de risco e dos antibióticos com critérios claros e medidas de prevenção da transmissão bacteriana, além da vigilância ativa em locais de alto risco e prevalência. Finalmente, este estudo mostra que a vigilância ativa em unidades de alto risco pode ampliar a eficácia destas mediadas preventivas e deve fazer parte de qualquer programa de controle de infecção, principalmente em locais onde o VRE tem altas taxas de prevalência. Pode-se concluir que as infecções hospitalares em unidades de terapia intensiva permanecem como fatores determinantes da morbimortalidade, pois o risco inerente às condições clínicas e a necessidade de procedimentos invasivos propicia o desenvolvimento de infecções graves e muitas vezes fatais.

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