Helcio Martins Lamonica. UNICAMP Faculdade de Engenharia Mecânica Departamento de Energia



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POTENCIAL DE GERAÇÃO DE EXCEDENTES DE ENERGIA ELÉTRICA COM O BIOGÁS PRODUZIDO A PARTIR DA BIODIGESTÃO DA VINHAÇA NA INDÚSTRIA SUCRO-ALCOOLEIRA BRASILEIRA Resumo Helcio Martins Lamonica UNICAMP Faculdade de Engenharia Mecânica Departamento de Energia O objetivo deste trabalho é determinar o possível potencial de geração de energia elétrica do setor sucro-alcooleiro brasileiro com a utilização do biogás obtido pela biodigestão da vinhaça em motogeradores a combustão interna. O potencial de geração de energia elétrica com os dados de produção de álcool da safra 2004/05 é de 9.292 TJ/ano (2,6 TWh/ano), representando 0,75% do consumo nacional de energia elétrica no ano de 2003. Apesar deste potencial ser significativo o valor mínimo de venda obtido para a eletricidade produzida de R$ 89,98/GJ (R$ 323,92/MWh) é elevado para as condições atuais de mercado. Abstract This work evaluates the electric power potential of the Brazilian sugarcane industry using the biogas produced by vinasse biodigestion in internal combustion engine driven generators. The electric power surplus based on crop 2004/05 ethanol production data is 9,292 TJ/year (2.6 TWh/year), 0.75% of the total electric power consumption in Brazil during the year of 2003. In spite of its considerable potential the determined minimum selling price for its produced energy of R$ 89.98/GJ (R$ 323.92/MWh) is expensive for present Brazilian electric power market price. 1. Introdução O Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar e moeu, na safra 2004/05, 383 milhões de toneladas, produzindo 26,5 milhões de toneladas de açúcar e 15,3 milhões de m³ de álcool (Unica, 2005). A cana-de-açúcar é um dos principais produtos agrícolas do Brasil, sendo cultivada desde a época da colonização e da sua industrialização obtém-se como produtos principais o açúcar e o álcool, tendo como principais subprodutos o bagaço e a vinhaça, que é oriunda da fermentação do caldo da cana-deaçúcar, mel e melaço, sendo que estes últimos são subprodutos da fabricação de açúcar. O bagaço é, em quase sua totalidade, utilizado como combustível pela própria usina, produzindo toda energia eletromecânica e térmica necessária ao processamento da cana-de-açúcar, sendo seus excedentes comercializados como combustível ou possibilitando ainda a geração de excedentes de energia elétrica para venda. A vinhaça é um efluente altamente poluidor e, em geral, é rica em matéria orgânica e em nutrientes minerais como o potássio (K), o cálcio (Ca), o nitrogênio (N) e o enxofre (S), possuindo um ph entre 3,7 e 5,0 (Ludovice,1997). 1

A figura 1 apresenta o diagrama simplificado básico para a produção de álcool e conseqüente geração de vinhaça e a figura 2 a etapa de fermentação anaeróbica para produção de metano. CANA POLÍMEROS ORGÂNICOS (Amido, Celulose, Proteína, Gordura) PREPARO EXTRAÇÃO CALDO TRATAMENTO DE CALDO BAGAÇO GERAÇÃO DE VAPOR TURBINAS A VAPOR FASE DE HIDRÓLISE (Extracelular) COMPOSTOS DE CADEIA CURTA E POLÍMEROS SOLÚVEIS (açúcares, aminoácidos, ácidos graxos) FASE DE ACIDIFICAÇÃO H2 CO2 Ác.Acético Ác.Orgânicos Álcoois FERMENTAÇÃO FASE ACETOGÊNICA DESTILAÇÃO Ác.Acético H2 ÁLCOOL VINHAÇA CO2 (2,5-4,5%) CH4 (55-75%) FASE METANOGÊNICA Figura1 - Diagrama Simplificado Básico para a Produção de Álcool [Xavier, 1970] Figura2 - Etapas de Fermentação Anaeróbica para Produção de Metano [Souza, 1999] 2. Composição química da vinhaça Várias são as citações bibliográficas sobre a composição química da vinhaça. Sua característica química depende de sua origem. Na tabela 1 encontram-se os resultados de análises químicas e a tabela 2 os principais usos da vinhaça, com as suas vantagens e desvantagens. Atualmente a vinhaça é utilizada como fertilizante na lavoura de cana-de-açúcar, em dosagens controladas, trazendo benefícios econômicos na substituição total ou parcial da adubação mineral, melhorando as características físico-químicas do solo, aumentando a produtividade agrícola, e com isto eliminando o problema imediato de poluição hídrica superficial. O CTC realizou levantamento em 64 amostras de vinhaça de 28 usinas do Estado de São Paulo, perfazendo uma média de 2,3 coletas por usina. As coletas foram feitas na vinhaça pura logo na saída da destilaria (Elia Neto e Nakahodo, 1995), a tabela 3 mostra um resumo dos dados obtidos e que serão utilizados no dimensionamento do sistema de biodigestão. Na safra 2004/05 o CTC monitorou a produção de 19 usinas associadas que produziram um total de 1,8 milhões de m³ de álcool, gerando 19,8 milhões de m³ de vinhaça, com uma produção média de 11 m³ de vinhaça / m³ de álcool (CTC, 2005). Embora haja diversas aplicações da vinhaça com diferentes finalidades, neste trabalho foi abordado somente o processo de biodigestão anaeróbica. 2

Tabela 1 - Composição Química da Vinhaça de Diferentes Tipos de Mosto. [Orlando Filho e Leme, 1984]. Mosto Elementos/Unidades Melaço Misto Caldo N kg/m 3 vinhaça 0,75-0,79 0,33-0,48 0,26-0,35 P 2 O 5 kg/m 3 vinhaça 0,10-0,35 0,09-0,61 0,09-0,50 K 2 O kg/m 3 vinhaça 3,50-7,60 2,10-3,40 1,01-2,00 CaO kg/m 3 vinhaça 1,80-2,40 0,57-1,46 0,13-0,76 MgO kg/m 3 vinhaça 0,84-1,40 0,33-0,58 0,21-0,41 SO 4 kg/m 3 vinhaça 1,5 1,6 2,03 *MO kg/m 3 vinhaça 37-57 19-45 15-35 Mn mg/dm 3 6-11 5-6 5-10 Fe mg/dm 3 52-120 47-130 45-110 Cu mg/dm 3 3-9 2-57 1-18 Zn mg/dm 3 3-4 3-50 2-3 ph 4,0-4,5 3,5-4,5 3,5-4,0 *MO = Matéria orgânica Tabela 2 Uso Potencial da Vinhaça Vantagens e Desvantagens [Cortez et al, 1992] Processo/Produto Final Vantagens Desvantagens Fertirrigação Método mais barato Torna-se caro para transporte Fácil de ser adotado Efeito de longo prazo desconhecido Ração Animal Barato Não é pesquisado Fácil de ser adotado Biodigestão/Biogás Produção de energia útil Relativamente caro Redução da DBO Alta tecnologia Efluente é fertilizante Combustão em Caldeiras Disposição completa Não é pesquisado Produção de energia útil Teste em pequena escala Recuperação do potássio nas cinzas Produção de proteínas Alimento Caro Não deixa resíduo Não é pesquisado Tabela 3 - Caracterização da vinhaça para dimensionamento do biodigestor (Elia Neto e Nakahodo, 1995) Dados médios da vinhaça: ph 4,0 DQO 28.450 mg/l Temperatura 70 a 90 C Sólidos totais 25.155 mg/l DBO 16.950 mg/l Carga orgânica 300 g DQO/l álcool 3. A Biodigestão Nos últimos anos, o processo que tem gerado maior interesse é a biodigestão anaeróbica, que quando comparada aos outros processos de aproveitamento do vinhoto, apresenta uma série de vantagens, tais como a redução drástica da sua carga orgânica, pois a maior parte da DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) é convertida a biogás, elevação do valor de ph, que passa a ser próximo de 7, solucionando o problema de corrosão, mantendo os mesmos teores de NPK (Nitrogênio, fósforo e potássio) da vinhaça in natura, conservando o seu poder fertilizante e eliminando o odor desagradável, e a atração de moscas e outros agentes causadores de doenças (Prada, et al, 1998). Os digestores consistem em uma câmara de fermentação, onde é processada a biodigestão da matéria orgânica, uma campânula que armazena o gás produzido ou, simplesmente, uma saída para esse gás, uma entrada do substrato a ser fermentado e uma saída para efluente produzido pelo processo (Granato, 2003). 4. Determinação da quantidade de gás e de energia elétrica produzida Para determinação da produção de biogás e energia elétrica foi solicitado um orçamento da empresa Brasmetano, que é fornecedora de projetos/equipamentos para tratamento de efluentes. A empresa propôs um sistema de biodigestão anaeróbico de fluxo ascendente tipo "manta de lodo", o módulo ofertado tem capacidade de tratamento de 2.760 m³ / dia de vinhaça com as características da tabela 3 e é suficiente para tratar 50% da produção média de vinhaça das usinas monitoradas pelo CTC, a tabela 4 mostra os principais dados do sistema. Dentre as diversas tecnologias e ciclos termodinâmicos disponíveis para conversão do biogás em eletricidade foi considerada a utilização de moto-geradores a combustão interna por serem os mais utilizados para este tipo de combustível devido a sua robustez e facilidade de manutenção. 3

Tabela 4 - Produção de biogás e de energia elétrica (Brasmetano, 2005) Produção de álcool 250 m³/dia Vazão de vinhaça 2.760 m³/dia (115 Nm³/h) Produção de biogás 27.000 Nm³/dia (1.125 Nm³/h) Composição do biogás: CH 4 60 % CO 2 40 % H 2 S traços Poder calorífico inferior do gás (PCI) 21.320 kj/nm³ Eficiência global do moto-gerador 30 % ao PCI Potência gerada 2.000 kw Potência consumida pelo sistema 240 kw Potência líquida disponível 1.760 kw Energia térmica total do gás 575,6 GJ/dia (159,9 MWh/dia) Energia elétrica líquida gerada 152,1 GJ/dia (42,2 MWh/dia) Fator de conversão energia elétrica 608,4 MJ/m³ álcool (168,8 kwh/m³ de álcool) Investimento para implantação do módulo 10.000 10³ R$ Custo anual de O & M 200 10³ R$ / ano Valor mínimo de venda da energia elétrica (1) 89,98 R$/GJ (R$ 323,92 / MWh) (1) Valor mínimo de venda da energia elétrica calculado pela análise do fluxo de caixa do projeto considerando: fluxo de caixa com horizonte de 10 anos, capital próprio 30% do investimento total a uma taxa de atratividade de 15% a.a., financiamento dos 70% pelo BNDES com taxa de juros de 16,25% a.a., um ano de carência e nove para pagamento e financiamento (BNDES, 2005), taxa de imposto de renda de 25% (CTC, 2005), tempo de vida do empreendimento 18 anos (Brasmetano, 2005), operação efetiva da planta de 4.320 h/ano. Custos base abril/2005. 5. Determinação do potencial Brasileiro de excedentes de energia elétrica gerada com o biogás da vinhaça O potencial de geração de energia elétrica com o biogás e moto-geradores a combustão interna, mostrado na tabela 5, foi estimado utilizando-se os dados de moagem e produção de álcool obtidos na base de dados da UNICA referentes a safra 2004/05 (Unica, 2005). Tabela 5 - Potencial de geração de energia elétrica com biogás, dados de produção 2004/05 Moagem total de cana 383.245.19 t 9 Moagem para açúcar 55 % Moagem para álcool 45 % Produção de açúcar 26.515.086 t Produção de álcool 15.275.246 m³ Energia elétrica gerada com biogás 9.292 TJ/ano (2,6 TWh/ano) Potência média gerada na safra 645 MW Fator de geração por tonelada de cana 24.247 kj/t de cana (6,7 kwh/t de cana) Consumo brasileiro de energia elétrica 1.231.200 TJ/ano (342 TWh/ano) base 2003 (BEN, 2004) Porcentagem do consumo nacional 0,75 % O potencial a ser explorado utilizando apenas o bagaço e a palha da cana-de-açúcar como combustível e com tecnologias convencionais, ciclo Rankine de 8,2 MPa - 480 ºC, é de 79.200 TJ/ano (22 TWh/ano), em cogeração somente com bagaço, podendo chegar a 194.400 TJ/ano (54 TWh/ano) com uso de turbinas de extração e condensação usando todo o bagaço mais 50% do potencial da palha (Linero e Lamonica, 2005). 4

6. Conclusão Para a produção nacional de álcool da safra 2004/05 o potencial de produção de energia elétrica com a utilização do biogás produzido pela biodigestão da vinhaça com moto-geradores a combustão interna é significativo, 9.292 TJ/ano (2,6 TWh/ano), representando 0,75% do consumo nacional de energia elétrica do ano de 2003, porém a um preço de R$ 89,98/GJ (R$ 323,92/MWh). O setor possui ainda um grande potencial de geração de excedentes de energia elétrica utilizando apenas o bagaço e/ou a palha da cana-de-açúcar como combustível, em ciclos convencionais, podendo chegar a 194.400 TJ/ano (54 TWh/ano) com preços inferiores aos obtidos pela geração com biogás. Considerando o mercado atual de energia elétrica e o potencial ainda a ser explorado, com uso apenas da fibra da cana-de-açúcar (bagaço e palha), a preços inferiores ao obtido neste trabalho, pode-se concluir que esta fonte somente será utilizada se houver incentivos à sua aplicação. Palavras-chave Biodigestão; vinhaça; cana-de-açúcar; açúcar; álcool; energia elétrica. Referências Bibliográficas [1] BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, www.bndes.gov.br, acesso em 14/10/2005. [2] BEN, Balanço Energético Nacional, Ministério das Minas e Energia, www.mme.gov.br, edição de 2004. [3]Brasmetano Indústria e Comércio Ltda, proposta nº 0057-01-04 de 17/11/2004, atualizada em abril de 2005. [4] Cortez, L., Magalhães, P., Happi, J., Principais Subprodutos da Agroindústria Canavieira e Sua Valorização, Revista Brasileira de Energia, Vol.2, nº. 2, 1992. [5] CTC, Centro de Tecnologia Canavieira, referência safra 2004/05, informações internas e pessoais, 2005. Elia Neto, A.e Nakahodo, T., Caracterização Físico-Química da Vinhaça, CTC, Relatório Interno, 1995. [6] Ferreira, E.S. e Monteiro, A.O., Efeitos da Aplicação da Vinhaça nas Propriedades Químicas, Físicas e Biológicas do Solo, Boletim Técnico Copersucar, São Paulo, 36, p.3-7, 1987. [7] Granato, E.F., Geração de Energia Através da Biodigestão Anaeróbica da Vinhaça, FEB-Unesp, Dissertação de Mestrado, 2003. [8] Linero, F., Lamonica, H., projeto BRA/96/G31, www.ctc.com.br, 31/08/2005, CTC, Piracicaba, São Paulo. [9] Ludovice, M.T., Estudo do Efeito Poluente da Vinhaça Infiltrada em Canal Condutor de Terra Sobre o Lençol Freático, Campinas, FEC-Unicamp, p.5-6, Dissertação de Mestrado, 1996. [10] Orlando Filho, J. e Leme, E.J.A., Utilização Agrícola dos Resíduos da Agroindústria Canavieira, Simpósio Sobre Fertilizantes na Agricultura Brasileira, Brasília, DF, Anais, p.451-475, 1984. [11] Prada, S.M., Guekezian, M.e Suarez-Iha, M.E.V., Metodologia Analítica Para a Determinação de Sulfato em Vinhoto. Quím.Nova, vol.21, nº 3, p.249-252, maio/jun.1998. [12] Unica, União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, www.unica.com.br, acesso em 04/10/2005. [13] Xavier, S. Álcool como Carburantes Razões da sua Utilização. Brasil Açucareiro, Vol. 76 n.º 5, p. 16-20, nov/1970. 5