A HETEROGEINIDADE DISCURSIVA NA LETRA DA CANÇÃO: LAVAGEM CEREBRAL DE GABRIEL O PENSADOR¹

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Transcrição:

1 A HETEROGEINIDADE DISCURSIVA NA LETRA DA CANÇÃO: LAVAGEM CEREBRAL DE GABRIEL O PENSADOR¹ Maria da Conceição Alves de CARVALHO² RESUMO: O presente artigo consiste em um breve estudo a partir dos postulados da teoria da Análise do Discurso de linha francesa. Tem como objetivo construir uma análise dos discursos que se fazem presente na canção Lavagem Cerebral, do rap, Gabriel, O Pensador, de 1993. Deteremos -nos aos discursos de desabafo - manifesto para verificar as condições de produção e exaltar as vozes que compõem os discursos do sujeito discursivo. Começaremos traçando o conceito de discurso e trataremos das relações interdiscursivas na constituição do sujeito, com base nos suportes teóricos Michel Foucault, Mikhail Pêcheux, Bakhtin, Authier-Revuz, entre outros. A música de Gabriel faz com que o sujeito que a escuta, a ouve, reflita sobre seu papel social, além de indagar sobre o lugar discursivo dos indivíduos. Palavras-chave: Discurso. Formação Discursiva e Ideológica. Preconceito. Discriminação Racial. 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O tema escolhido aconteceu pelo fato da discriminação racial estar inserida em uma realidade constatada na sociedade em que vivemos. Dessa forma, iremos fazer a análise da canção Lavagem Cerebral, de Gabriel, O Pensador, de 1993 através de seus discursos e desabafos, identificando os efeitos de sentidos nos relatos de preconceitos e da discriminação racial, para ao final da pesquisa levar o sujeito que ouve a sua música reflita sobre seu papel social. Como se observa nas palavras do autor Nabuco (2010, p.68), abolicionistas são todos os que confiam num Brasil sem escravos; os que predizem os milagres do trabalho livre, os que sofrem com a escravidão. Podemos considerar que o racismo é um tormento da humanidade, porém há luta constante contra o mesmo, sendo este dever de todo cidadão. Vivemos em uma sociedade hipócrita que tenta mascarar esse preconceito racial, mas que na prática não tem muito êxito. No Brasil, o negro deveria ter um papel 1 Artigo desenvolvido para conclusão de curso de Letras Português apresentado à Unidade Acadêmica Especial de Letras e Linguística/ Regional Catalão/Universidade Federal de Goiás, sob orientação da Profª Ms Neuza de Fatima Vaz de Melo para obtenção do título de graduada. 2. Graduanda do 8º período do curso de Letras Português, vinculado à Unidade Acadêmica Especial de Letras e Linguística/ Regional Catalão/Universidade Federal de Goiás.

2 relevante, pois, deveriam ser vistos com mais respeito e tratados como qualquer outro ser humano, até porque o que o difere dos demais é simplesmente a cor de sua pele. Dizia o autor Nabuco: No Brasil, a questão não é, como nas colônias europeias, um movimento de generosidade em favor de uma classe de vítimas de uma opressão injusta. Além disso, raça negra não é para nós uma raça inferior ou segregada da população negra, é um elemento de considerável importância nacional, estreitamente ligada por infinitas relações orgânicas a nossa formação, é parte integrante do povo brasileiro (NABUCO, 2010, P.19). Desde o início de nossa História, ou seja, época do Brasil Colonial, podemos verificar a partir de nossos ancestrais que a raiz de nosso país é muito racial. Segundo a teória que estudamos podemos afirmar que somos todos mestiços. Há uma miscigenação, misturas de raça que permanecem até os dias de hoje. Conhecemos toda a nossa história, ou seja, a história da raça negra desde a formação de povos brasileiros, o capitalismo escravocrata, com escravos vivendo em condições subumanas, uma série de situações estarrecedoras. esse tipo de situação causa grande desconforto para a vítima, tais como: humilhações, revolta, indignação, sede de justiça e igualdade social, moral. O racismo, ainda hoje, afeta inúmeras pessoas, como, por exemplo, o fato da mesma ser mais clara, ou mais escura já é motivo suficiente de discriminação á pessoa negra. Como se pode ver, o racismo e o preconceito ainda são grandes e visíveis em nosso país. Vivemos em uma sociedade corrompida por preconceitos e com a visão de que tudo é normal pelo fato de ser histórica uma luta ao seu combate que dura séculos em busca de respeito e igualdade. Com isso, sentimos a necessidade de trabalhar o discurso com a preocupação de inscrevê-lo em uma relação da língua com o social, com a história, buscando no palco da materialidade linguística as marcas das contradições ideológicas. Desta forma, o tema escolhido nos leva aos seguintes questionamentos: o que essa reflexão sobre vários discursos refletirá ou contribuirá com relação à valorização do negro em nossa sociedade? Será que seríamos capazes de construir o nosso cotidiano de forma harmoniosa com a questão racial? E seguir firme na busca de uma justiça que valha para todos?

3 Crescia, assim, o nosso interesse em investigar como a produção desses discursos é constituída nos discursos que são passíveis de observar na canção Lavagem Cerebral, de Gabriel, O Pensador, de 1993. Então, em contato com várias leituras que tratam sobre a discriminação e o preconceito racial, e de músicas conhecidas, como as do próprio Gabriel, O Pensador, como tantos outros cantores tais como: Chico Buarque, Milton Nascimento, Elimar Santos... Instigaram ainda mais a necessidade de levar a discussão sobre o tema proposto neste estudo, a respeito dos múltiplos discursos, bem como, a identificação, na letra da canção objeto de nossa pesquisa, bem como quais os sentidos possíveis que os mesmos são representados para as pessoas daquela época, ou seja, época do Brasil Colonial e ainda hoje, uma vez que o cantor Gabriel, O Pensador, representa a luta contra as desigualdades sociais ocorridas na década de 1990. Assim, a proposta desta pesquisa vem reforçar o desejo ainda mais de fazer um estudo sobre o discurso polifônico na letra da canção de Gabriel, O Pensador, o rapper conhecido como Lavagem Cerebral, de 1993, na tentativa de esclarecer nossa sociedade através dos vários discursos a respeito do racismo, do preconceito e da discriminação apontando uma análise clara, mas, sobretudo, profunda, quanto aos atos de não respeito as diferenças de cor, crença, raça e nível social. Espero que essa pesquisa possa contribuir para interessados, em que através da Análise do Discurso possa entender as verdadeiras intenções do autor, visando a compreensão de como as condições de produção se encontram no discurso, através do conceito de polifonia. 2 CAMINHOS TEÓRICOS Como já citamos anteriormente, a partir de nossa pesquisa, ficou evidente que o início de nossa História, ou seja, época do Brasil Colonial, alicerçado em nossos ancestrais, verificamos que a raiz do nosso país é muito racial, somos todos mestiços, há uma miscigenação, mistura de raças que permanece até os dias atuais. Podemos apontar em nossa sociedade vários exemplos que nos levam a reflexão acerca do preconceito, discriminação racial, conformismo perante a situação dos negros no meio social. Assim, Geledes (2013) afirma que: O racismo é uma ideologia que se realiza nas relações entre pessoas e grupos, no desenho e desenvolvimento das políticas públicas, nas

4 estruturas de governo e nas formas de organização dos estados, ou seja, trata se de um fenômeno de abrangência ampla e complexa que penetra e participa da cultura, da política e da ética. (apud, MORAES, 2013, p. 11). Depois de refletirmos e discutirmos sobre o assunto e fazermos a nossa análise conforme foi proposto, nossas ações e a forma de pensarmos e agirmos, jamais serão os mesmos e refletirá muito em nossas atitudes, especificamente, nas relações com as pessoas e com os grupos de nossa convivência, bem como repensar nossa participação na cultura, na política e na ética. Entendemos que a Análise do Discurso é uma área da linguística que tem como objetivo de estudo a língua em movimento, que produz sentido enquanto prática, ou seja, estuda sobre as diferentes maneiras de significar, estuda-se o discurso como um instrumento de comunicação, considerando-o assim como objeto. Na visão da Análise do Discurso (doravante AD), a linguagem não é transmissão de informação ou instrumento de comunicação. A linguagem é o lugar de conflitos e confrontos, pois ela só pode ser apanhada no processo de interação social. Assim, o sujeito é produzido na/pela linguagem, ou seja, o sujeito como efeito de linguagem e que se configura de forma multifacetada. Desse modo, Melo (2004, p. 29) aborda que esse sujeito dividido e afetado pela linguagem, apresenta um discurso permeado por outros discursos, sendo o sujeito marcado pela exterioridade, isto é, pela história e pela ideologia, tornando-se o sujeito historicamente marcado. Em se tratando do sujeito em Lavagem Cerebral, de Gabriel, O Pensador, temos um sujeito que se constitui articulando a memória discursiva: o passado estará presente como efeito de pré-construído, de já-dito. Ainda nas palavras de Foucault (1995, p. 28). este já-dito não seria simplesmente uma frase já pronunciada, um texto já escrito, mas um jamais dito, um discurso sem corpo, uma voz tão silenciosa quanto um sopro, uma escrita que é senão vazia quanto seu rastro. Isto posto, é necessário salientarmos que o objeto do referido campo teórico é o discurso, pois, AD destina-se em demonstrar os sentidos dos discursos baseando-se nas condições de produção e nas ideologias em que o sujeito está inserido, de modo que o discurso é constituído por tais elementos. Conforme Orlandi:

5 O discurso é a materialidade específica da ideologia e a língua é a materialidade específica do discurso. Desse modo temos a relação entre língua e ideologia afetando a constituição do sujeito e do sentido. Resta dizer que sujeito e sentido se constituem ao mesmo tempo. É pelo fato mesmo de dizer que o sujeito se diz, se constitui. (ORLANDI, 2006, p.17) Diante disso, é possível afirmar que a ideologia não é subjetiva, portanto resulta de uma prática social, é o mecanismo que produz sentidos para o sujeito a partir da posição ou lugar que ele ocupa, assim O discurso implica uma exterioridade á língua, encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente linguística. Referimonos a aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são pronunciadas. Assim observamos em diferentes situações de nosso cotidiano sujeito em debates e/ou divergências, sujeitos em oposição cerca de um mesmo tema. (FERNANDES, 2008, p.12). Compreendemos que o discurso constitui-se a partir de elementos que tem existência no social, na ideologia e na História, com isso o discurso se encontra sempre em movimento, não possuem forma fixa, uma vez que é o produto da língua e da linguagem e ambas estão em constantes transformações. Segundo a concepção de Foucault (2002, p. 13), analisar o discurso é fazer desaparecer e reaparecer as contradições; é mostrar o jogo que jogam entre si; é manifestar como pode exprimi-las, dar-lhes corpo, ou emprestar-lhes uma fugidia aparência. Como se observa nestas palavras de Foucault, o analista deve trabalhar o discurso com a preocupação de inscrevê-lo em uma relação da língua com o social, com a história, buscando no palco da materialidade lingüística as marcas das contradições ideológicas. Diante disso, Orlandi 1999 (apud Fernandes, 2008, p. 20) salienta a respeito dessa transformação e argumenta que a palavra discurso, etimologicamente, apresenta a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim, palavra em movimento, prática de linguagem: com estudo do discurso observa-se o homem falando. Assim, o discurso se dá na/pela materialidade lingüístico-histórica em que sentidos e sujeitos se constituem, evidenciando o caráter sempre tenso e movente do discurso.

6 Na visão de Orlandi, As condições de produção incluem, pois os sujeitos e as situações. A situação, por sua vez, pode ser pensada em seu sentido estrito e em sentido lato. Em sentido estrito ela compreende as circunstâncias da enunciação, o aqui e o agora do dizer o contexto imediato. No sentido lato, a situação compreende o contexto sócio histórico, ideológico, mais amplo. Se compararmos contexto imediato e contexto em sentido amplo é para fins de explicação, na prática não podemos dissociar um do outro, ou seja, em toda situação de linguagem esses contextos funcionam conjuntamente. (ORLANDI, 2006, p15). Entendemos que Pêcheux (1990, p.17, apud Melo 2004, p. 39), ao estabelecer um conceito de ideologia, o faz sob uma base materialista do discurso: inscreve o processo discursivo em uma relação ideológica de classes, reconhece que as classes sociais não são indiferentes à língua, pois utilizam-na de acordo com o campo de seus antagonismos. Acerca disso, consideramos formação ideológica (FI) como um conjunto complexo de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas se relacionam mais ou menos diretamente às posições de classe em conflito umas com as outras. À luz da concepção de Foucault (2002, p. 43), as formações discursivas (FDs) são as grandes unidades históricas que os enunciados constituem. São concebidas como sistemas de dispersão. Trata-se de uma formação discursiva quando se pode descrever, entre um certo número de enunciados, um sistema de dispersão, no qual entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, pode-se definir uma regularidade uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações. Isto significa dizer que uma formação discursiva agrupa um conjunto de acontecimentos enunciativos. Nas palavras de Pêcheux (1990, p. 166), são as formações discursivas que, em uma formação ideológica dada, e levando-se em conta uma relação de classe, determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posição dada numa conjuntura social, o que significa dizer, que toda formação discursiva deriva de condições de produção específicas, identificáveis. A formação discursiva é utilizada pela Análise do Discurso para designar o lugar onde se articulam discurso e ideologia.

7 O discurso é a produção e o intercâmbio de efeitos de sentidos em um dado contexto, devido ao fato de o homem ter sua prática discursiva, em constante mudança, associada à situação em que o sujeito se insere, ou seja, as condições de produção. Verificamos que a essência do discurso está na exterioridade da língua, ou seja, nas influências que o contexto exerce sobre o sujeito discursivo e o mesmo constitui o seu discurso por meio das diferentes vozes sociais. Assim Fernandes (2008, p. 36) destaca que o discurso não é homogêneo, pelo contrário é heterogêneo. Authier-Revuz formula, inicialmente, o conceito de Heterogeneidade Constitutiva, segundo o qual: Todo discurso é constitutivamente atravessado por outros discursos e pelo discurso do Outro. O outro não é um objeto (exterior, do qual se fala), mas uma condição (constitutiva, pela qual se fala) do discurso de um sujeito falante que não é a fonte primeira de seu discurso. (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 141). Dessa forma, através da Análise do Discurso, busca-se entender os vários discursos que se encontra na letra da canção, objeto de estudo, representado pelo atravessamento de outros discursos e discurso do Outro, sendo estes, o discurso crítico, o discurso argumentativo, o discurso de revoltas e o discurso de reivindicações da busca de uma sociedade mais justa, demonstrando as críticas dos acontecimentos daquela época e da atualidade. Na letra da música pesquisada, observamos os discursos que nos fala da presença existente de uma sociedade reprimida, com uma voz que não quer calar, mas combater o racismo. 3 ANALISANDO O PASSADO PARA ENTENDER O PRESENTE. Conforme Sabeh (2014), em meados das décadas de 80 e 90, nasce nos E.U.A, o rap estilo musical, o qual tem a denominação proveniente da expressão inglesa Rythimand Poetry (ritmo e poesia), pois consistia em rimar palavras sobre uma batida eletrônica. Na época, o rap era um estilo do povo negro, era a música do gueto, dos bairros negros de Nova Iorque. Desta forma, pode-se dizer que durante muitos anos a exclusão social sofrida pelos negros gerou a necessidade de união e, portanto, de constituir algo

8 exclusivo e direcionado para a realidade que vivenciavam. O rap era, ao mesmo tempo, diversão e denúncia, prazer e desabafo diante das dificuldades cotidianas. Ao longo dos anos deixou de ser exclusividade, foi diminuindo, e atualmente, o rap é um dos ritmos mais ouvidos no mundo todo. No Brasil, o rap chegou por influência norte-americana, porém, já não está restrito à realidade dos negros, pois ganhou caráter denunciativo e principalmente de crítica social. Um dos maiores nomes do rap brasileiro, Gabriel, O Pensador, que se diferenciou dos demais cantores de rap do Brasil por utilizar em suas músicas temas polêmicos, que levam o sujeito ouvinte a uma reflexão a crítica social e moral, como acontece na música do rap, assim como o tema da canção Lavagem Cerebral direciona as pessoas a lutar ou não contra o preconceito, foi muito criticado pelos seus pares por ser garoto branco e de classe média, filho de jornalista. Gabriel apareceu no fim de 1992, quando ainda era estudante de Comunicação Social na Universidade Católica do Rio de Janeiro, com a sua primeira música denominada - Tô Feliz - Matei o Presidente época do processo de impeachment do então Presidente Fernando Collor de Mello. Por meio da teoria da Análise do Discurso de vertente francesa, desenvolvida por Michell Pêcheux, a linguagem concebe se como mediação (discurso) que é necessária entre o homem e a realidade natural e social. Entretanto, considerando se a linguagem não apenas como instrumento de mediação entre os seres humanos, a construção subjetiva/cultural e a música, porém como expressão ideológica e cultural de um determinado corpo social. Considerando esses aspectos, serão analisadas as discursividades da letra da canção em estudo. Analisaremos a partir de sua exterioridade, isto é, do contexto histórico em que se insere e a partir da noção de sujeito dos diferentes discursos por causa do caráter dialógico da linguagem. Outro enunciado usado para expressar esse caráter polifônico da linguagem é a heterogeneidade. O discurso é heterogêneo porque é sempre atravessado por outros discursos, habitado por outras vozes marcadas pelas formações ideologias e pelas formações discursivas através dos diferentes discursos, as mesmas sendo: histórica, política, cultural e social. Quanto à questão do objeto de estudo, é importante lembrar que nele apresentam - se discursos históricos, sociais, culturais e ideológicos bastante evidentes no sujeito enunciador. Dentre tais discursos observamos: o discurso de luta contra o preconceito e discriminação racial, o discurso de luta por igualdade social, ou seja, o discurso

9 argumentativo, o discurso de revoltas e o discurso de reivindicações da busca de uma sociedade mais justa, todos estão inseridos em uma realidade constatada na sociedade em que vivemos e, de maneira geral, em nosso país. Levando em consideração a situação enunciativa e as formações discursivas sociais e históricas apresentadas na referida canção, podemos observar logo no título da canção Lavagem Cerebral, um duplo sentido: o primeiro solicita que as pessoas façam uma lavagem cerebral, e o segundo, as pessoas se libertariam e não seriam mais discriminadoras, não seriam mais preconceituosas. Conforme o sujeito enunciador da narrativa da letra da canção. Em se tratando do sujeito em Lavagem Cerebral, de Gabriel, O Pensador, temos um sujeito que se constitui articulando a memória discursiva: o passado estará presente como efeito de pré-construído, de já-dito. Nas palavras de Foucault (1995, p. 28). Dessa forma, um dado discurso vai sempre se remeter a outro discurso, e ainda a outro, para se constituir. No entanto, ao mesmo tempo em que desencadeia efeitos de sentidos, será também um jamais-dito. O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de seu retorno, Foucault (1995, p. 28). Assim, conhecendo toda a nossa história, a história da negritude desde a formação dos povos brasileiros, com os escravos vivendo em condições subumanas, na letra da canção em análise o sujeito enunciativo marca o espaço social, o lugar de onde fala, que também existe nos discursos histórico social, aqui representados pela voz digna do falar de qualquer habitante brasileiro, discursos indignação, de revolta mediante aos acontecimentos dos fatos que ocorrem no Brasil, os quais vem se arrastando até os dias atuais, conforme versos citados abaixo: Racismo preconceito e discriminação em geral Éuma burrice coletiva sem explicação Afinal que justificativa você me dá para um povo que precisa de união Mas demonstra claramente Infelizmente Preconceitos mil De naturezas diferentes. Vê-se que o sujeito do discurso opera seu discurso em vários discursos outros que se interpenetram marcados pela busca de um sujeito do discurso histórico, social e

10 descentrado. A força polifônica dos enunciados, reveladora de FDs vinculadas ao comportamento histórico-social em que o enunciado é marcado na materialidade discursiva pela forma mas, funciona como recurso de deslocamento no interior do entrelaçamento discursivo. O sujeito do discurso deixa de ser somente um crítico social e moral, e volta a ser o sujeito do discurso, histórico, social e descentrado, o centro do entrecruzamento discursivo. Segundo Orlandi (2005), para a Análise do Discurso, o sujeito do discurso é histórico, social e descentrado. Descentrado, pois é cindido pela ideologia e pelo inconsciente. Histórico, por que não está alienado do mundo que o cerca. Social, por que não é o indivíduo, mas àquele apreendido num espaço coletivo. O sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam. (ORLANDI, 2005, p. 20). O recorte abaixo deixa claro que no discurso do sujeito enunciador, a sua luta por um país melhor seja com mais igualdade social, fazendo com que o sujeito receptor, sujeito ouvinte, aquele que escuta o rapp, reflita sobre abandonar o preconceito. Mostrando que essa gente Essa gente do Brasil é muito burra E não enxerga um palmo à sua frente. Fica claro no discurso do sujeito enunciador a sua luta por um país melhor, com mais igualdade social. No entanto, o sujeito narrador continua a fazer críticas á sociedade, chamando a atenção para que as pessoas se conscientizem e lutem contra o preconceito e a discriminação racial, demonstrados na enunciação dos versos a seguir. Vejamos: Porque se fosse inteligente esse povo já teria agido de forma mais consciente eliminando da mente todo o preconceito. Deste modo, os enunciados da canção acima reivindicar através do discurso de desabafo que o negro ocupe seu espaço perante a sociedade, distante da desigualdade social. O que significa estar em meio a uma sociedade não quer dizer de fato que o indivíduo esteja inserido nela, o que mostra as relações sociais vivenciadas pelos sujeitos constituintes dessa narrativa. Nestes versos:

11 A "elite" que devia dar um bom exemplo É a primeira a demonstrar esse tipo de sentimento Num complexo de superioridade infantil Ou justificando um sistema de relação servil. O sujeito enunciador demonstra com clareza o discurso da discrepância social desde a infância do indivíduo, seguindo até atingir a maior idade. Idade esta, que ao tratar da questão sobre o racismo, usa-se de uma relação de servidão, ou seja, os negros são vistos culturalmente como escravos, apresentados também num discurso ideológico repressor, uma vez que retoma ideologias impostas pela sociedade. A sociedade é ao mesmo tempo refém e opressora de suas ideologias. O sujeito para ser aceito no meio social em que vive, precisa seguir regras. E uma das regras postas, segundo o discurso enunciado, é a da servilidade. Nos fragmentos que seguem, o sujeito discursivo faz uma alusão para que o sujeito ouvinte da canção reflita sobre seu papel social perante a sociedade: E o povão vai como um bundão na onda do racismo e da discriminação Não tem a união e não vê a solução da questão Que por incrível que pareça está em nossas mãos. O enunciado onda nos remete a ideia de perturbação que se propaga em nossa sociedade alienada as ideologias que o poder exercia e ainda exerce sobre as pessoas. Porém, o sujeito discursivo não aceita aquela situação, exige da sociedade uma solução para a questão do racismo e preconceito, uma vez que, no enunciado supracitado, aponta que tal solução encontra-se nas mãos de todos os cidadãos, mas ao mesmo tempo, nos demonstram um sujeito alienado. Ainda, neste fragmento, várias vozes se entrecruzam. Aparece o discurso argumentativo, na voz do sujeito discursivo, confirmando a presença dos vários sujeitos sociais, os quais vão emergir das representações, das reivindicações na busca de uma sociedade mais justa.

12 Desta forma, o sujeito que ouve a sua música Lavagem Cerebral do rapper Gabriel, O Pensador, pode refletir sobre o seu papel na sociedade. O sujeito discursivo mostra através da canção o discurso de indignação, cobrando do sistema político uma solução: Só precisamos de uma reformulação geral/uma espécie de lavagem cerebral. Neste verso, o sujeito discursivo, de forma explicita pede por uma reformulação, ou seja, uma mudança geral no sistema político brasileiro, visando a igualdade social e a queda dos preconceitos dentro da sociedade. Na seqüência da análise, o sujeito discursivo ao enunciar seu dizer, Não se importe com a origem ou a cor do seu semelhante, demonstra para seus outros sujeitos discursivos que são: os sujeitos leitores e sujeitos ouvintes, sujeitos sociais, os seus discursos, os quais não quer dizer que sejam os mesmos adotados pelos demais sujeitos. Desta forma, notam-se, diferenças nas interpretações entre os vários sujeitos que compõe está canção. Na continuidade da análise, as FDs marcadas pela mistura de raças, as quais deram origem a miscigenação são reforçadas pelos discursos históricos sociais associados à História do Brasil, conforme o fragmento seguinte: Aliás branco no Brasil é difícil porque no Brasil somos todos mestiços O Brasil colonial não era igual a Portugal A raiz do meu país era multirracial Tinha índio, branco, amarelo, preto. O sujeito discursivo focaliza que O Brasil colonial não era igual a Portugal, através do deslocamento histórico, mostrando vozes que fazem ouvir no intradiscurso, a voz do Descobrimento do Brasil pelos Portugueses, rememorando um episódio central da história da miscigenação, desde o Brasil Colonial, tal como relatado nos livros de História do Brasil: Período da Escravidão dos negros vindos da África, A Catequização dos Índios pelos Jesuítas, mostra-se como marco o histórico no evento da miscigenação, conforme o polêmico apontamento apresentado pelo sujeito discursivo desta canção, bem como nos evidenciando de maneira clara a presença de vários discursos históricos. Ainda nesse contexto, o sujeito narrador faz a seguinte pergunta: Nascemos da mistura então porque o preconceito? aos sujeitos constitutivos do discurso, por meio das enunciações mostra um sentido de reflexão, o que chama a atenção dos sujeitos ouvintes,

13 pois, para esse sujeito discursivo, o racismo é visto como sendo burrice dos cidadãos, de acordo com o seguinte verso: Pois como eu já disse racismo é burrice. Desta forma, para o sujeito discursivo, o racismo torna a pessoa burra, incapacitando-a de perceber a existência de algo a mais, além da sua cor, demonstrado pelos discursos argumentativo, de revolta. Prosseguindo com análise do corpus, é possível dizer que o sujeito discursivo, aponta em seus discursos aos sujeitos sociais, quando se refere ao falar sobre colocar ponto final na ignorância, na expectativa de abolir o preconceito e o racismo da sociedade, por meio de uma lavagem cerebral, na qual os indivíduos poderiam mudar sua visão frente a estes discursos sociais: Dê a ignorância um ponto final: Faça uma lavagem cerebral. O enunciado ignorância o qual o sujeito discursivo se refere, mostra aos sujeitos ouvintes e demais sujeitos sociais que compoe esta canção, a falta do entendimento ou até mesmo do conhecimento da origem histórica deste povo miscigenado, o qual são rotulados por sua cor negra. Nos excertos a seguir observamos os enunciados que demonstram o discurso de sentimento que o sujeito discursivo busca remeter ao sujeito leitor e demais sujeitos para reforçar que as formações discursivas estão para designar o lugar onde se articulam discurso e ideologia. Vejamos: No Brasil o mesmo negro que constrói o seu apartamento ou que lava o chão da delegacia. É revistado e humilhado por um guarda nojento. Assim, ao mesmo tempo são reforçadas pelos discursos ideológicos, históricos e sociais. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta deste artigo teve como objetivo construir uma análise dos vários discursos que se fizeram presentes na canção Lavagem Cerebral, do rap Gabriel, O Pensador, de 1993. Vimos que os vários discursos apresentados na composição da canção analisada são discursos bastante amplos. Muitos ainda ficaram por serem analisados e que contêm discursos alheios, mas os que aqui analisamos foram suficientes para percebermos como

14 o enunciado se constrói e forma novos sentidos a partir da retomada do discurso de outrem, além de evidenciar os vários sujeitos sociais, os quais compõe a sociedade. Bakhtin em seu livro, Marxismo e filosofia da linguagem, propõe que nada do que se escreve é original, mas representa o produto do que já se leu ou ouviu no decorrer da vida. Por isso, o sujeito discursivo demonstra preocupação com a sociedade e cobra atitudes que tange a queda do preconceito e da discriminação racial. Mostra através da canção que a solução para estas questões vem se arrastando desde o Brasil Colonial e encontra-se nas mãos de cada cidadão. Assim, a finalização deste trabalho leva a compreensão de que os pressupostos teóricos da Análise do Discurso mostram com clareza através da canção analisada, os papéis dos diversos sujeitos que transitam nos múltiplos discursos, e busca conscientizálos de suas atitudes desde a infância até a maturidade. Apontando-lhes uma análise profunda, quanto aos atos de não respeito às diferenças de cor, raça e igualdade entre os povos. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. RJ: Ed. Graal, 1985.AMORIM, Marília. O pesquisador seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa Editora, 2001. AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneidade(s) enunciativa(s). In.: Cadernos de Estudos Lingüísticos. Campinas/SP. 1990, p. 25 42. ANDRADE, I. P. A. A mulher negra na MPB, um abalo à identidade racial. In: Quintas Fátima (org.) Mulher Negra: preconceito, sexualidade e imaginários. Anais do IV Congresso Afro-Brasileiro. Recife, abril de 2004, Fundação Joaquim Nabuco. BAKHTIN, Michail (V.N Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Ed: 9ª e 10ª. São Paulo-SP, 2002.

15 BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Analisando o discurso Brandão (USP). Disponível em: < www.estaçãodaluz.org.br >. Acesso em: 2016 FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do discurso: reflexões introdutórias. São Paulo: Editora clara luz Trilhas Urbanas, 2008. FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves 6. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002 FOUCAULT, Michel. L orde du discursos. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola. 1996.. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 6 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. MELO, N.F.V. AS MÚLTIPLAS VOZES EM O CENTAURO NO JARDIM: OS VÁRIOS SUJEITOS, Dissertação de Mestrado, 2004. MORAES, Fabiana. No país do racismo institucional: dez anos de ações do GT Racismo no MPPE. Coordenação Assessoria Ministerial de Comunicação Social do MPPE. Grupo de Trabalho sobre Discriminação Racial do MPPE-GT Racismo. Recife: Procuradoria Geral de Justiça, p. 43-62, 2013. MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina. Introdução à lingüística: fundamentos epistológicos. São Paulo: Cortez Editora, 2004. NABUCO, Joaquim. Obras completas de Joaquim Nabuco (Volume 10): Pensamentos soltos. Camões e assuntos americanos. 1849-1910. ORLANDI, E. P. Introdução às ciências da linguagem: discurso e textualidade. Campinas, São Paulo: Pontes, 2006. ORLANDI, E. P. Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. Campinas: Pontes, 2012.

16 PÊCHEUX, M. Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Org. Françoise Gadet; Tony H. ª K.; tradutores Bethânia S. Mariani...[et al.] Campinas: Editora da UNICAMP,1990. SABEH, M. V.G. O discurso declarado: uma análise crítica e social sobre a música Nádegas a declarar. Caderno de Resumos do VI seminário de estudos Linguísticos da Unesp (FCLAr/UNESP CAPES), 2014. Anexo 1 Lavagem Cerebral - Gabriel O Pensador

17 Racismo preconceito e discriminação em geral É uma burrice coletiva sem explicação Afinal que justificativa você me dá para um povo que precisa de união Mas demonstra claramente Infelizmente Preconceitos mil De naturezas diferentes Mostrando que essa gente Essa gente do Brasil é muito burra E não enxerga um palmo à sua frente Porque se fosse inteligente esse povo já teria agido de forma mais consciente Eliminando da mente todo o preconceito E não agindo com a burrice estampada no peito A "elite" que devia dar um bom exemplo É a primeira a demonstrar esse tipo de sentimento Num complexo de superioridade infantil Ou justificando um sistema de relação servil E o povão vai como um bundão na onda do racismo e da discriminação Não tem a união e não vê a solução da questão Que por incrível que pareça está em nossas mãos Só precisamos de uma reformulação geral Uma espécie de lavagem cerebral Não seja um imbecil Não seja um Paulo Francis Não se importe com a origem ou a cor do seu semelhante O quê que importa se ele é nordestino e você não? O quê que importa se ele é preto e você é branco? Aliás branco no Brasil é difícil porque no Brasil somos todos mestiços Se você discorda então olhe pra trás Olhe a nossa história Os nossos ancestrais O Brasil colonial não era igual a Portugal A raiz do meu país era multirracial Tinha índio, branco, amarelo, preto Nascemos da mistura então porque o preconceito? Barrigas cresceram O tempo passou... Nasceram os brasileiros cada um com a sua cor Uns com a pele clara outros mais escura

18 Mas todos viemos da mesma mistura Então presta atenção nessa sua babaquice Pois como eu já disse racismo é burrice Dê a ignorância um ponto final: Faça uma lavagem cerebral Negro e nordestino constróem seu chão Trabalhador da construção civil conhecido como peão No Brasil o mesmo negro que constrói o seu apartamento ou que lava o chão de uma delegacia É revistado e humilhado por um guarda nojento que ainda recebe o salário e o pão de cada dia graças ao negro ao nordestino e a todos nós Pagamos homens que pensam que ser humilhado não dói O preconceito é uma coisa sem sentido Tire a burrice do peito e me dê ouvidos Me responda se você discriminaria Um sujeito com a cara do PC Farias Não você não faria isso não... Você aprendeu que o preto é ladrão Muitos negros roubam mas muitos são roubados E cuidado com esse branco aí parado do seu lado Porque se ele passa fome Sabe como é: Ele rouba e mata um homem Seja você ou seja o Pelé Você e o Pelé morreriam igual Então que morra o preconceito e viva a união racial Quero ver essa musica você aprender e fazer A lavagem cerebral O racismo é burrice mas o mais burro não é o racista É o que pensa que o racismo não existe O pior cego é o que não quer ver E o racismo está dentro de você Porque o racista na verdade é um tremendo babaca Que assimila os preconceitos porque tem cabeça fraca E desde sempre não para pra pensar Nos conceitos que a sociedade insiste em lhe ensinar E de pai pra filho o racismo passa Em forma de piadas que teriam bem mais graça

19 Se não fossem o retrato da nossa ignorância Transmitindo a discriminação desde a infância E o que as crianças aprendem brincando É nada mais nada menos do que a estupidez se propagando Qualquer tipo de racismo não se justifica Ninguém explica Precisamos da lavagem cerebral pra acabar com esse lixo que é uma herança cultural Todo mundo é racista mas não sabe a razão Então eu digo meu irmão Seja do povão ou da "elite" Não participe Pois como eu já disse racismo é burrice Como eu já disse racismo é burrice Como eu já disse racismo é burrice Como eu já disse racismo é burrice Como eu já disse racismo é burrice E se você é mais um burro Não me leve a mal É hora de fazer uma lavagem cerebral Mas isso é compromisso seu Eu nem vou me meter Quem vai lavar a sua mente não sou eu É você