ECLI:PT:TRC:2007:1300.05.9TBFIG.C1 http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ecli:pt:trc:2007:1300.05.9tbfig.c1 Relator Nº do Documento Silvia Pires Apenso Data do Acordão 09/10/2007 Data de decisão sumária Votação unanimidade Tribunal de recurso Processo de recurso Tribunal Judicial Da Figueira Da Foz Data Recurso Referência de processo de recurso Nivel de acesso Público Meio Processual Decisão Apelação confirmada Indicações eventuais Área Temática Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores divisão de coisa comum; requisitos; Página 1 / 5 02:11:51 08-06-2018
Sumário: I No plano jurídico, para que se possa concluir pela divisibilidade de uma coisa é necessário que não se altere a substância da coisa, não haja diminuição do seu valor ou não seja prejudicado o seu uso. Tem sido defendido que faltando qualquer destas exigências legais, a coisa é indivisível. II - O juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento e estado em que se encontra a coisa, quando a divisão é requerida, isto é, ter-se-á que atender ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser. III Se a sua utilização, com duas fracções autónomas, está dependente da realização de obras que são economicamente desaconselháveis, a divisão do prédio resulta inevitavelmente numa diminuição do seu valor, atenta a relação custo das obras/valor das fracções obtidas, o que contraria as exigências do art.º 209º do C. Civil. IV - Apesar de um comproprietário ter direito a exigir a divisão de um bem comum, não pode impor aos outros comproprietários uma divisão em substância que resulte numa diminuição do valor desse bem. Decisão Integral: Autora:A... Réus: B... C... Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra A Autora intentou a presente acção especial de arbitramento para divisão de coisa comum, pedindo a declaração de divisão de coisa comum entre Autora e Réus, alegando em síntese, que Autora e Réus são comproprietários de um prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua Bernardo Lopes, nº 13-17, Figueira da Foz, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Julião, sob o art. 2467, e descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº 2121, e de um prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua Bernardo Lopes, nº 19-23, Figueira da Foz, inscrito na matriz predial urbana da Figueira da Foz sob o art. 2468, e descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz, sob o nº 2121, na proporção de ½ para a autora e de ¼ para cada um dos réus, prédios esses que reputa indivisíveis em substância. Contestaram os réus, aceitando que são juntamente com a autora comproprietários dos identificados prédios, impugnando a afectação do imóvel cuja divisão se peticiona, alegada pela autora. Alegam ainda que os réus são comproprietários em comum de ½ indivisa dos identificados prédios, e não na proporção de ¼ indiviso para cada um dos réus, como alegado pela autora. Concluem que tais prédios são susceptíveis de divisão em substância, constituindo unidades autónomas entre si. Alegando ainda que são comproprietários em comum de ½ indivisa dos prédios identificados na petição inicial, e ainda do prédio urbano sito na Rua Académico Zagalo, nº 6, Figueira da Foz, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Julião, sob o art. 2483, e descrito na Página 2 / 5 02:11:51 08-06-2018
Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz, sob o nº 02122, sendo a autora comproprietária da outra metade indivisa deste prédio, deduzem reconvenção, pedindo a divisão do mesmo que reputam divisível em substância. O pedido reconvencional foi admitido. Nos termos do disposto no art. 1053º, nº 2, 4 e 5, do Código Processo Civil, com vista a proferir decisão sobre a questão da indivisibilidade ou divisibilidade das coisas comuns, e neste último caso, sobre a formação dos diversos quinhões, foi ordenada a realização de prova pericial. Os peritos apresentaram o relatório pericial de fls. 95 a 99, que foi objecto de esclarecimentos, a solicitação da autora, os quais formam prestados pela forma constante de fls. 114 e segs. Seguidamente foi proferida decisão que julgou que os prédios cuja divisão se peticiona são insusceptíveis de divisão em substância, julgando os mesmos indivisíveis. Desta decisão interpuseram recurso os Réus, com os seguintes fundamentos: Ø O prédio urbano sito na Rua Académico Zagalo, n.6, Figueira da Foz é constituído por rés-dochão e 1 andar com sótão, destinados a habitação. Ø Ambos os pisos são susceptíveis de utilização independente, constituindo unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio. Ø A propriedade horizontal pode ser constituída por decisão judicial proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário. Ø O prédio preenche todos os requisitos para ser constituído em regime de propriedade horizontal. Ø Apesar de antigo e degradado, o prédio é tecnicamente recuperável. Ø E geometricamente divisível. Ø A sua divisão em duas fracções autónomas não altera a sua substância. Ø Nem diminui o seu valor. Ø Ou acarreta prejuízo para o uso a que se destinam. Ø O prédio deveria ter sido julgado divisível e constituído em propriedade horizontal. Ø Ao decidir contrariamente, o Meritíssimo Juiz «a quo» violou as normas constantes dos art.º 1052, n.º1 e 1056, nº.1 do Cód. Proc. Civil e art.209º do Cód. Civil. Concluíram pela revogação da decisão recorrida na parte que julgou indivisível em substância o prédio urbano sito na Rua Académico Zagalo, n.º 6, Figueira da Foz, e substituída por outra que julgue o prédio divisível e o constitua em propriedade horizontal, composto por duas fracções autónomas. A Autora apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. 1. Do objecto do recurso Encontrando-se o recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, cumpre apreciar a seguinte questão: Página 3 / 5
O prédio urbano sito na Rua Académico Zagalo, n.6, Figueira da Foz é divisível? 2. Da divisibilidade do prédio Pretendem os Réus ver declarada a divisibilidade de prédio sito na Rua Académico Zagalo, nº 6, Figueira da Foz, alegando que o mesmo preenche todos os requisitos para ser constituído em propriedade horizontal, sendo esta acção um dos meios adequados para o efeito. Na sentença recorrida, considerando o relatório pericial, conclui-se pela indivisibilidade deste prédio. Resultam do relatório pericial e posteriores esclarecimentos fls. 95, 96, 97, 114, no que a este prédio respeita, com interesse para a decisão, os seguintes factos: O prédio urbano sito na Rua Académico Zagalo, nº 6, Figueira da Foz, é: - constituído por rés-do-chão e 1º andar. - de construção antiga. - Indiciando, pelo estado de progressiva degradação interior e a ausência de mobiliário que está há bastante tempo desabitado. - Existem indícios de infiltrações de água nesse prédio. - Os madeiramentos estão podres e carunchosos, o telhado degradado, as canalizações inutilizadas e a instalação eléctrica inadequada. - A sua recuperação é tecnicamente possível, contudo não é economicamente recomendável. - A sua recuperação implicaria um investimento exagerado e desajustado ao seu valor. - As suas divisões, nomeadamente cozinhas e WC, já não se coadunam com as exigências actuais. - O prédio no estado em que se encontra não reúne boas condições de habitabilidade. - Não é economicamente viável recuperar somente uma das divisões, r/c ou 1º andar, independentemente de reconstruir a outra. - Este prédio, tal como se encontra, é geometricamente divisível mas não o é tecnicamente recomendável. A sentença, adoptando o laudo pericial, considerou que o prédio era indivisível. Há três formas de indivisibilidade: natural, legal ou convencional. Sobre a divisibilidade natural, o critério legal está definido no art.º 209º, do Código Civil, que dispõe: São divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor, ou prejuízo para o uso a que se destinam. Esta norma consagra um conceito jurídico de divisibilidade e não um conceito físico. Na determinação do conceito jurídico de divisibilidade intervém um critério económico-social [1]. No plano jurídico, para que se possa concluir pela divisibilidade de uma coisa é necessário que não se altere a substância da coisa, não haja diminuição do seu valor ou não seja prejudicado o seu uso. Tem sido defendido que faltando qualquer destas exigências legais, a coisa é indivisível. O juízo acerca da divisibilidade da coisa comum deve reportar-se ao momento e estado em que se encontra a coisa, quando a divisão é requerida, isto é, ter-se-á que atender ao que o prédio é e não ao que poderá vir a ser [2]. O prédio urbano sito na Rua Académico Zagalo, nº 6, Figueira da Foz, é constituído por rés-dochão e 1º andar, mas no estado em que se encontra não possui condições de habitabilidade pois, entre outros, os madeiramentos estão podres e carunchosos, o telhado degradado, as canalizações inutilizadas e a instalação eléctrica inadequada, bem como não é economicamente viável recuperar somente uma das divisões, r/c ou 1º andar, independentemente da reconstrução da outra. Página 4 / 5
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org) Este prédio, tal como se encontra, é geometricamente divisível mas esta operação não é técnica, nem economicamente recomendável. Os Réus pretendem ver aplicado a este prédio um critério físico de divisibilidade, sem ponderar o critério jurídico, postulado no art.º 209º, do C.C.. Este exige que a divisão não provoque uma diminuição do valor da coisa, nem prejuízo para o seu uso. Ora, se a sua utilização, com duas fracções autónomas, está dependente da realização de obras que são economicamente desaconselháveis, a divisão do prédio resulta inevitavelmente numa diminuição do seu valor, atenta a relação custo das obras/valor das fracções obtidas, o que contraria as exigências do art.º 209º, do C. Civil. Apesar de um comproprietário ter direito a exigir a divisão de um bem comum, não pode impor aos outros comproprietários uma divisão em substância que resulte numa diminuição do valor desse bem. Conclui-se assim pela indivisibilidade do prédio urbano sito na Rua Académico Zagalo, nº 6, Figueira da Foz. Decisão: Pelo exposto, julgando-se improcedente o recurso interposto pelos Réus Reconvintes, confirmase a sentença recorrida. Custas do recurso pelos Réus. Coimbra, 9 de Outubro de 2007. [1] cf. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, pág. 257, da edição de 1983 da Livraria Almedina. [2] Neste sentido, vide MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo II, Coisas, pág. 158, da edição de 2000 da Livraria Almedina, e os acórdãos: - do T.R.P., de 28.2.91, relatado por Mário Cancela, in C. J. ano XVI, tomo I, pág.260; - do T.R.P., de 31.1.05, proc. 0457210, relatado por Fonseca Ramos, acessível in www.dgsi.pt; - do T.R.C., de 24.10.2006, proc. 40012-A/1985.C1, relatado por Jorge Arcanjo, acessível in www.dgsi.pt. Página 5 / 5