Mais Freguesia, Mais Poder Local

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Transcrição:

Mais Freguesia, Mais Poder Local Primeiro subscritor: Pedro Vidal As Autarquias têm sido um ator fundamental no desenvolvimento económico, social e cultural do País. Protagonizam a política local e são indispensáveis na formação da consciência do território, na melhoria das condições de vida das populações residentes e na criação de infraestruturas. Nos próximos anos, a concretização das mudanças necessárias na economia e na sociedade portuguesa passam, determinantemente, pela capacidade das nossas Autarquias e dos nossos Autarcas assumirem o papel de agentes de transformação e promoção da riqueza e bem-estar das populações. No que respeita às Freguesias, é necessário: - eliminar constrangimentos que prejudicam o seu funcionamento e ação autónoma; - reajustar e estabilizar o seu financiamento; - rever o estatuto do eleito local, de forma a dignificar os eleitos. 1. Autonomia do poder local 1.1 Enquadramento As Freguesias, enquanto Autarquias Locais previstas constitucionalmente, integram a organização administrativa do Estado com autonomia, atribuições e competências próprias, legitimidade democrática direta, escrutínio pelas entidades inspetivas e fiscalizadoras do Estado e, sobretudo, pelas populações. As Freguesias são pessoas coletivas territoriais, com órgãos representativos democraticamente eleitos e prosseguindo fins próprios, dentro dos limites estabelecidos que garantem a sua unidade e funções de soberania no seu âmbito territorial. 1

Embora mantendo limites territoriais antigos, em termos históricos, o Poder Local, como o conhecemos hoje, fez-se após a revolução de Abril e contra a centralização do Estado. Até aí, as Freguesias eram meras delegações do Poder Central, sem legitimidade nem fiscalização democrática, sem autonomia financeira, sem quadro de pessoal próprio ou qualquer poder regulamentar. Reconhecem-se assim, a partir da Constituição de 1976, as Autarquias Locais, e neste caso as Freguesias, como entidades autónomas do Estado, com especificidades que lhes conferem uma proteção contra as ingerências do Poder Central. As Autarquias Locais constituem um pilar da organização democrática do Estado, configuradas como administração política legitimada pelo voto e assente na organização democrática do poder político, assumindo-se como um instrumento ao serviço da satisfação dos interesses próprios das populações, no seu âmbito de intervenção, que a Lei 75/2013 veio confirmar e alargar. Quer pela proximidade, quer pelo âmbito territorial, estão habilitadas a exercer competências que, alocadas noutro patamar da Administração Pública, não seriam cumpridas com o mesmo grau de eficiência. Além desta mais-valia, tiveram um papel histórico na democratização do País, contribuindo com o seu trabalho para o desenvolvimento económico, para a sustentabilidade do território e para a dinamização e participação cívica dos cidadãos. Em matéria de recursos financeiros, as Autarquias têm direito, no âmbito da política económica nacional, a recursos próprios adequados, dos quais podem dispor livremente no exercício das suas atribuições. Os recursos financeiros das Autarquias Locais devem ser proporcionais às atribuições previstas pela Constituição e pela lei, garantindo ainda a autonomia quanto à gestão interna das próprias Autarquias: Sem prejuízo de disposições gerais estabelecidas por lei, as Autarquias Locais devem poder definir as estruturas administrativas internas de que entendam dotar-se, tendo em vista adaptá-las às suas necessidades específicas, a fim de permitir uma gestão eficaz. 2

1.2 Constrangimentos As Autarquias Locais sofrem atualmente uma série de constrangimentos que lhes retiram a autonomia e a eficácia na gestão, restringindo a capacidade realizadora e de intervenção. No caso das Freguesias, são disso exemplo as restrições à contratação de recursos humanos, o conjunto de restrições orçamentais e redução da participação das Freguesias nas receitas do Estado, a Lei dos Compromissos e Pagamentos em atraso, as retenções e consignações de receitas próprias das Freguesias, as imposições relativas às estruturas orgânicas, ao excessivo reporte de informação, entre muitas outras. As Freguesias, enquanto entidades da Administração Local, não são dependências ou serviços descentralizados do Estado, nem de outras entidades públicas, e não são entidades a quem o Governo possa dar ordens, impor diretivas ou exercer poder tutelar ou de superintendência. Desta forma é fundamental que as Autarquias Locais, e no caso particular as Freguesias, possam ser dotadas de um quadro legislativo estável, que não coloque em causa a sua existência enquanto pilar da democracia e entidade próxima dos cidadãos. Deverão, para tal, ter capacidade e autonomia financeira e administrativa, em benefício das populações. 2. Financiamento 2.1 Enquadramento Ao longo dos anos tem havido uma redução progressiva do peso do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF) em relação aos sucessivos OE. Importa referir que, ao nível do FFF, temos assistido, ao longo dos anos, a uma supressão de valores, com a sistemática suspensão e não aplicação das normas da anterior LFL, o que contribuiu para uma cada vez menor participação das Freguesias nos recursos públicos. Efetivamente, o princípio constitucional de justa repartição de recursos tem sido larga e grosseiramente violado. As Freguesias têm-se substituído, em inúmeras ocasiões, às 3

funções do Estado Central, sendo inaceitável que a relação entre o FFF e o montante global dos sucessivos OE seja de valores tão reduzidos. Ano Fundo de Financiamento das Freguesias Orçamento de Estado Aplicação da Lei das Finanças Locais Diferença (LFL- OE) 2008 199,9M 198,2M 1,7M 2009 220,1M 208,1M 12,0M 2010 227,4M 211,8M 15,6M 2011 226,7M 193,6M 33,1M 2012 204,8M 184,0M 20,8M 2013 224,5M 184,0M 40,5M 2014 184.0M 181,5M 2,5M 2015 202,1M 184,0M 18,1M 2016 200,8M 186,3M 14,5M 2017 210,4M 191,7M 18,7M 2018 208,9M 197,8M 11,1M Total de FFF não Transferido 188,6M Valor Absoluto ( ) Valor Relativo (%) O.E. 2000 43.447.076.092 FFF 2000 138.530.556 0.3188 O.E. 2001 45.482.990.947 FFF 2001 153.500.594 0.3375 O.E. 2002 47.169.627.222 FFF 2002 169.927.974 0.3602 O.E. 2003 63.169.039.411 FFF 2003 176.045.381 0.2787 O.E. 2004 76.781.959.085 FFF 2004 184.506.333 0.2342 O.E. 2005 83.161.672.109 FFF 2005 189.484.786 0.2279 O.E. 2006 99.793.009.685 FFF 2006 193.842.936 0.2159 O.E. 2007 97.239.211.462 FFF 2007 193.842.936 0.1993 O.E. 2008 121.944.353.823 FFF 2008 198.218.007 0.1625 O.E. 2009 161.234.323.831 FFF 2009 208.128.907 0.1291 O.E. 2010 153.510.732.588 FFF 2010 211.843.202 0.1380 O.E. 2011 177.735.977.343 FFF 2011 193.639.454 0.1089 O.E. 2012 188.576.308.918 FFF 2012 184.038.450 0.0976 4

O.E. 2013 183.748.889.524 FFF 2013 184.038.450 O.E. 2014 172.054.989.466 FFF 2014 184.564.577 O.E. 2015 140.151.634.614 FFF 2015 187.106.381 0.1002 0.1070 0.1335 2.2 Participação nos Impostos do Estado e Distribuição Horizontal do FFF Os mandatos autárquicos são exercidos por períodos de quatro anos. Os eleitos locais só podem planear adequadamente as suas atividades dentro de um quadro financeiro previsível. Em períodos excecionais, é compreensível que as Autarquias Locais sejam chamadas a suportar parte dos sacrifícios que todos devemos partilhar solidariamente. No entanto, essa repartição de esforço não deveria dispensar os princípios da proporcionalidade, da justiça e da responsabilidade. Muito menos, deveria permitir que se penalizem instituições que, geralmente com equilíbrio financeiro, contribuem para mitigar as dificuldades económicas e sociais das populações, ao mesmo tempo que outras instituições descentralizadas - muitas das quais contribuíram expressivamente para os desequilíbrios das finanças públicas e para o endividamento do Estado vêem o seu financiamento ser efetivamente reforçado. É ainda menos admissível que a exceção se torne a regra e que se façam permanentes penalizações que deveriam ser transitórias. Na Lei das Finanças Locais de 2007, a dimensão do FFF era de 2,5% da média dos impostos cobrados (IRS, IRC e IVA), descontadas as receitas consignadas a cada imposto. Esta regra foi excecionada, o que levou a que as Freguesias nunca tenham recebido mais do que 2,05% na participação dos impostos. Tem que existir um princípio de estabilidade e de previsibilidade como regra. Não é possível acordar na Lei das Finanças Locais uma determinada percentagem de participação das Freguesias nas receitas do Estado e ano após ano, a Assembleia da República excepcionar essa lei e dar ao fundo a dimensão que bem entende. Em 2013, na Lei das Finanças Locais em vigor, aquela percentagem baixou para 2% e as Freguesias passaram a receber 100% do IMI rústico e 1% das receitas do IMI urbano. Mas tal alteração não compensou a perda de receita verificada, ou seja, o montante do IMI 5

urbano ficou estimado em 20 milhões de euros e o meio ponto percentual que foi cortado representou 40 milhões de euros. Em 2015, em vez de 202 milhões de euros de dimensão do FFF, foram orçamentados 187 milhões, uma melhoria de 2,6 milhões de euros face aos três anos anteriores, mas 6,5 milhões abaixo do orçamentado em 2011 e 15 milhões abaixo do que previa a LFL. Para mais, a diferença entre estes valores ficou afeta a fins que não os previstos na LFL. A atual lei é cega a várias realidades, porque apenas tem em conta a área, a população e a tipologia das Freguesias, sendo que aqui deveria haver uma ponderação mais justa entre estes três critérios. O sucessivo incumprimento dos critérios estabelecidos na LFL, desde 2007, gerou um acumulado de 126 milhões de euros em desfavor das Freguesias. Há que pôr em cima da mesa critérios inovadores para a distribuição do Fundo que permitam uma segunda volta na distribuição do remanescente, até se esgotar a participação das Freguesias nos impostos do Estado. 3. Estatuto do eleito local As reformas realizadas durante o período de assistência económica e financeira, que elevaram a responsabilidade e o nível de exigência no desempenho de funções e alargaram as atribuições e competências dos eleitos - quando não mesmo o âmbito territorial das freguesias, por via das agregações - não foram acompanhadas por uma revisão do estatuto dos eleitos locais. Em particular, para os eleitos que desempenham funções executivas é necessário promover a dignificação das suas condições de representação institucional e uma compensação mais justa pelo seu esforço, risco pessoal e ação em proximidade com as populações. É de recordar que a maior parte destes autarcas subsiste dos rendimentos da sua profissão. Muitas freguesias nem sequer têm funcionários e são os próprios eleitos que abrem a porta quando é necessário atender um cidadão. 6

O cumprimento das atribuições e competências, quer próprias, quer delegadas, depende em muito da capacidade do autarca e do tempo que pode dedicar às suas funções. A exigência colocada hoje sobre os autarcas, quer do ponto de vista da proximidade, quer do ponto de vista do volume e dimensão das atribuições e responsabilidades, agora alargadas, é pouco consentâneo com o estatuto do eleito local e regime de permanência em vigor, e pode ter efeitos perversos na separação de interesses. Assim sendo, propõe-se que qualquer Freguesia que tenha até 1500 eleitores possa ter o Presidente de Junta a meio tempo e que as Freguesias que tenham entre 1500 e 10 mil eleitores possam ter um Presidente de Junta em regime de tempo inteiro, para além dos casos já previstos. Sugere-se ainda que as Freguesias que tenham entre 10 mil e 20 mil eleitores, ou tenham mais de 7 mil eleitores e uma área igual ou superior a cem quilómetros quadrados, possam, além do Presidente de Junta, ter um vogal do órgão executivo a exercer mandato em regime de tempo inteiro. Para as Freguesias com mais de 20 mil eleitores, a proposta abre a possibilidade de terem mais um vogal a tempo inteiro ou dois a meio tempo. 4. Propostas 4.1 No que respeita à Autonomia - Rejeitar qualquer interferência do Poder Central no Poder Local que não seja a de mera tutela administrativa e inspetiva da legalidade. - Descentralização de competências clara e ajustada à realidade da sociedade portuguesa, onde a partilha das competências entre os Municípios e as Freguesias se faça no respeito pelos princípios da subsidiariedade, da celeridade e da eficiência, bem como da autonomia e legitimidade própria de órgãos que são do mesmo nível. - Caminhar para um regime jurídico das Autarquias Locais que equipare o regime jurídico das competências legalmente delegadas por via de acordos de execução ao das competências próprias, sem prejuízo do regime de delegação de competências dos Municípios nas Freguesias, por via de contratos interadministrativos. 7

- Assegurar a revisão de um conjunto de instrumentos legislativos que condicionam a autonomia do Poder Local, a saber: - regras relativas à gestão de recursos humanos e dos quadros de pessoal próprios das Freguesias; - regras que condicionam a atividade das Juntas de Freguesia e a sua autonomia financeira, como a LCPA (Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso), bem como normas relativas a retenções e consignações de receitas próprias das Freguesias, para além das previstas na Lei das Finanças Locais (LFL); 4.2 No que respeita ao financiamento - Alterar a Lei das Finanças Locais, de forma a: - reforçar a autonomia local e a independência das instituições, estabelecer um valor mínimo que garanta dignidade ao funcionamento dos seus órgãos e permita o exercício isento das suas competências; - reforçar a percentagem de participação das Freguesias nos Impostos recolhidos pelo Estado, bem com a equiparação das Freguesias a outras instituições, para efeitos de IVA; - Corrigir as injustiças e incorreções perpetuadas pelas atuais medidas de pagamento ao SNS, evitando as duplas tributações, que causam constrangimentos enormes à gestão financeira das Freguesias; - Criar condições que permitam às Freguesias obter financiamento de médio e longo prazo, quando os encargos resultantes não ultrapassem uma fração da média das receitas correntes dos dois anos anteriores e haja aprovação, por maioria qualificada, pela Assembleia de Freguesia. 4.3 No que respeita ao estatuto dos Eleitos Locais 8

- Permitir que os eleitos disponham de documento de identificação próprio que comprove oficialmente o cargo que desempenham, à semelhança do que já existe para os membros dos órgãos municipais. - Alargar o regime de permanência dos membros dos executivos das Freguesias, de forma a prever: - nas Freguesias até 1500 eleitores, Presidente de Junta a meio tempo (como atualmente); - nas Freguesias com 1500 e até 10 mil eleitores, um elemento a tempo inteiro, para além dos já previstos; - nas Freguesias com 10 mil e até 20 mil eleitores, ou que tenham mais de 7 mil eleitores e uma área igual ou superior a cem quilómetros quadrados, mais um vogal a tempo inteiro ou dois vogais a meio tempo; - nas Freguesias com mais de 20 mil eleitores, mais um vogal a tempo inteiro ou dois vogais a meio tempo. Com melhores condições, será mais fácil realizar o verdadeiro sentido do que é ser Autarca. Pedro Vidal Presidente da União de Freguesias do Préstimo e Macieira de Alcôba 9