CHEVITARESE, André Leonardo e FUNARI, Pedro Paulo A. Jesus Histórico. Uma brevíssima introdução. Rio de Janeiro, Kliné, 2012. 1 Juliana B. Cavalcanti 2 André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo Funari André Chevitarese e Pedro Paulo Funari são pesquisadores que têm voltado os seus estudos para as experiências religiosas no mundo antigo e sua recepção ao longo da história. Repensando os aspectos multiculturais, a complexidade e o dinamismo em que se dão as relações de alteridade: o nós e o eles. Os autores, ainda fazem uma projeção de sua pesquisa no imaginário popular cristão brasileiro. Fazendo leituras de como a oralidade e a escrita se fundem e ampliam a complexidade destas experiências religiosas. Entre as principais publicações de André Leonardo Chevitarese estão: Cristianismos. Questões e debates metodológicos (2011), Judaísmo, cristianismo e helenismo (2007) e Jesus de Nazaré: uma outra história (2006). Das principais obras de Pedro Paulo Funari podemos citar: Os Manuscritos do Mar Morto (2012) e Identidades Fluidas no Judaísmo Antigo e no Cristianismo Primitivo (2010). O livro tem como proposta introduzir e refletir sobre a busca pelo Jesus histórico e o desdobramento do movimento em torno desta figura. Estudo este que apresenta uma larga trajetória no cenário mundial. No entanto, a maior parte dos estudos em torno desta questão permaneceu no campo da teologia, a partir de 1 Recebido em 10/10/2013. Aprovado em 25/11/2013. 2 Graduanda em história pela UFRJ. Publicações relevantes: Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo : uma breve análise sobre o programa paulino de Reino de Deus, aceito para publicação na próxima edição (Ano VI, Volume 11) da Revista Jesus Histórico. E-mail: julianajubcmt@yahoo.com.br
Resenha: Jesus Histórico denominações confessionais de cunho cristão. E, consequentemente, todas as reflexões sobre o referido assunto estavam direcionadas ao campo da crença. Com o advento da modernidade e tendo como arcabouço o Iluminismo, tema em questão passou a demandar novas preocupações. A partir de então, menos relacionadas com o aspecto religioso. Iniciava-se a busca pela historicidade deste personagem de grande importância para o mundo ocidental. Neste sentido, a proposta do livro é apresentar o que se sabe e as discussões sobre a vida de Jesus. A presente obra está fragmentada em nove capítulos que podem ser agrupados em quatro eixos temáticos: (a) Jesus, um homem: neste ponto os autores indicam a importância de se estudar o Jesus histórico. Evidenciando o impacto da personagem e de seu movimento no pensamento ocidental. Bem como, os impactos no estudo histórico da personagem a partir do advento do Iluminismo no século XVIII. (b) Como conhecer o Jesus histórico: a preocupação neste eixo é a apresentação da documentação para se acessar a vida da personagem Jesus de Nazaré. Os autores dividem essa documentação em três blocos: - Neotestamentária: fruto da construção de memória sobre o movimento que se desdobrou pós-jesus. Seriam os vinte sete livros que conformam o chamado Novo Testamento. Pode-se agrupá-los em quatro categorias: evangelhos (tendo destaque para os relatos da vida de Jesus), livro histórico, epístolas ou cartas e profético. Os autores aproveitam este ponto para abrir uma discussão sobre memória. Afirmando que memória é um elemento que esquece, relembra e interpola. Por isto é importante à reflexão destes relatos que são escritos muito a posteriori aos eventos. Criando-se assim, camadas e camadas de questões e reflexões destas comunidades que registraram escritos sobre Jesus e seu movimento; - Arqueológica: contribui para reconstruir e confirmar alguns personagens e circunstâncias mencionadas na documentação neotestamentária. E mais do que
Juliana B. Cavalcanti isso, são úteis para ampliar os estudos sobre a mesma. Possibilitando perceber e questionar aspectos que muitas das vezes se encontram limitados pela fonte escrita. Pode-se citar: 1. Gamla e Jodefat: aldeias judaicas do tempo de Jesus; 2. Massada e Qumram e a resistência judaica à ocupação romana; 3. A inscrição do prefeito Pôncio Pilatos. - Outras fontes literárias: Flávio Josefo e Evangelho de Tomé estão entre elas. Este bloco refere-se a toda e qualquer documentação que fale sobre a personagem ou o seu movimento e que não pertença à documentação neotestamentária. Estas fontes contribuem para uma maior dimensão deste movimento, principalmente no que diz respeito às diferentes tradições que se conformam. Ou melhor, esta documentação contribui para a percepção de que este movimento já nasce pluralizado. (c) A vida de Jesus: Chevitarese e Funari apresentam alguns dados sobre os principais eventos da vida de Jesus: infância, movimento Batista e Jesus, ministério de Jesus, milagres e crucificação. O autor fala que sobre a infância de Jesus são construções a posteriori numa busca de grupos cristãos em dar respostas a indivíduos de fora destes grupos. Um exemplo apresentado é com relação à concepção de Jesus pelo Espírito Santo que não é presente na comunidade marcana, mas está nas comunidades mateana e lucana. Os milagres se inserem neste mesmo contexto. Onde Jesus ora é apresentado nestas construções como um curandeiro ora como um homem divino. Sobre o movimento de Batista e Jesus e o ministério de Jesus. Os autores nos trazem uma informação interessantíssima. Ao contrário do que possa se pensar num primeiro momento. O movimento de Jesus deriva-se do movimento de Batista. Estes movimentos com caráter messiânicos foram próprios do período. Dado que, o contexto de instabilidade político-social na Palestina contribuía para o mesmo. 545
Resenha: Jesus Histórico (d) A busca pelo Jesus Histórico: a preocupação é apresentar o elemento divisor de águas no estudo sobre o Jesus Histórico. Este elemento divisor será o advento do Iluminismo; um evento que marca no pensamento ocidental a dissociação entre Estado e religião. O Iluminismo, mais do que promover esta separação. Evoca o interesse pelo estudo até mesmo para responder demandas de estudiosos do campo religioso que ao produzirem evangelhos harmônicos deixavam explícito o interesse pela vida de Jesus. E é nesse contexto que em finais do século XVIII emergem as primeiras biografias sobre Jesus. E seguiam as seguintes lógicas: 1. Tudo pode ser interpretado a partir de um paradigma consistente; 2. Exclusão do material evangélico que não preenchia o paradigma; 3. Reflexão de uma reflexão não oriunda dos Evangelhos. Estas biografias, segundo os autores, inauguram a primeira busca pelo Jesus Histórico. Entre os principais autores temos: Reimarus, Ernest Renan. Estas biografias vão acabar por acarretar uma visão cética e de não possibilidade da personagem enquanto campo de pesquisa. Schweitzer, um autor, próprio desta fase, verifica que a personagem Jesus e o seu movimento estava muito vinculado aos discursos contemporâneos e que o estudo de Jesus (em níveis metodológicos) era impossível e que a níveis teológicos era desnecessário. Suas críticas resumem-se em três aspectos: 1. A busca pelo Jesus da história só havia obtido resultados negativos; 2. Jesus fora atualizado pelos pesquisadores. Portava vestes por demais modernas (CHEVITARESE; FUNARI: 2012: 45); 3. Exatidão e relevância históricas não são mutuamente excludentes. E os pesquisadores falharam neste sentido. Em outras palavras, ao propor um retrato do Jesus da história. Schweitzer alerta para a ausência de estudos sobre o elemento escatológico (Jesus se revela
Juliana B. Cavalcanti como um profeta anunciando que o fim dos tempos estava próximo e que o Reino de Deus estava por vir) e sobre o papel da oralidade (estaria presente nas frases curtas, na repetição de palavras, na recorrência de fórmulas orais sempre repetidas). Ao concluir que Jesus seria uma figura estranha e enigmática, Schweitzer acaba por afirmar que o estudo sobre Jesus deveria ser deixado de lado. O campo toma novos rumos com o professor Käseman. Sobre o contexto de Segunda Guerra Mundial e toda a teologia nazista que pregava o sentimento antijudaico, Käseman defendeu que o estudo sobre Jesus histórico passava a gozar de bases metodológicas. A partir de então se instaura a chamada Segunda onda ou fase pela busca do Jesus Histórico. Entre os principais autores desta fase temos: 1. Günther Bornkamm: estava preocupado em estabelecer as motivações ou autoconhecimento de Jesus. Sua crucificação é interpretada como resultado da oposição feita por Jesus às autoridades político-religiosas; 2. Norman Perrin: seu trabalho abarca os ensinamentos e linguagem de Jesus. A terceira onda inicia-se com o The Jesus Seminar (ou Seminário de Jesus). The Jesus Seminar tinham inicialmente a intenção de examinar cada fragmento das tradições atreladas a Jesus. Com o tempo o trabalho passou abarcar o estudo sobre as atitudes e ações atribuídas a Jesus. Sendo divida em três momentos: 1. Esforço em determinar o que Jesus teria dito. Sendo uma retomada, em certo sentido, as preocupações dos primeiros grandes estudos sobre o Jesus histórico; 2. Busca-se pelos verdadeiros atos de Jesus; 3. Culmina com a publicação do livro Jesus, o homem, tendo como objetivo a descrição do contexto político-histórico em que o personagem se insere. John Crossan aparece como o grande divulgador do grupo Jesus Seminar. Sua base teórico-metodológica consiste em três níveis: a. Microcósmico: tratamento da documentação literária, por intermédio de um inventário das tradições sobre Jesus (idade da fonte e número de atestações independentes para a tradição); 547
Resenha: Jesus Histórico b. Mesocósmico: reconstrução do tempo e espaço em que Jesus viveu. c. Macrocósmico: análise do movimento de Jesus na perspectiva da antropologia cultural e social. Buscando reconstruir a dinâmica e a estrutura social do mundo em que Jesus viveu. Por fim, são apresentadas as novas tendências no campo de pesquisa. Estas tendências são marcadas por três grandes eixos: 1. Marcado pelo interesse de se ter uma compreensão racional de Jesus: Bento XVI; 2. Caráter judaico de Jesus e emprego crescente da documentação arqueológica: Charlesworth; 3. Caráter social de Jesus: Hosley. Assim, estes eixos têm como ponto norteador reflexões sobre o estudo do Jesus Histórico e o seu movimento. Para isto, os autores abrem uma discussão sobre o que fomentou os estudos e o que possibilitou que a personagem Jesus e seu movimento se tornassem linha de pesquisa em ambientes laicos. O fato de apresentar todas as fases ou momentos deste estudo culminando no momento atual não torna a obra apenas relevante por ser um material que introduz e sintetiza muito bem os principais eixos de estudo. Mas sua relevância se encontra também por ser um material produzido por pesquisadores brasileiros que traz consigo reflexões sobre experiências plurais no movimento de Jesus.