Regulação do metabolismo oxidativo e equilíbrio energético ruifonte@med.up.pt Departamento de Bioquímica da Faculdade de Medicina do Porto Semelhanças Usam a oxidação de compostos orgânicos como fonte de energia. 2 A velocidade de oxidação dos compostos orgânicos aumenta com o exercício. Diferenças óbvias 1 Os seres vivos não têm chave de ignição: continuam a gastar gasolina (a oxidar nutrientes) mesmo quando estão parados. 3 Os automóveis não procuram ativamente os postos de combustível nem engordam quando se põe gasolina a mais no depósito. 4 Os mamíferos tem pelo menos 2 (ou 3) depósitos de combustível: 2 glicídeos e triacilgliceróis (e proteínas). À despesa energética de um indivíduo (1) em repouso físico e mental, (2) em jejum há 10-18 h (3) e num ambiente com temperatura agradável chama-se taxa de metabolismo basal (BMR = basal metabolic rate). Como medi-la? Calor libertado 1600 kcal/dia O calor que aumenta de 1ºC, 1600 kg de água; 6,69 MJoules/dia 1,86 kwh/dia 70 kg consumido 15 moles / dia (336 L) Mesmo em repouso, os órgãos continuam ativos ocorrendo processos cíclicos cujo somatório é a hidrólise de ATP. Alguns exemplos: 1) Transporte iónico passivo via canais iónico e transporte ativo via ATPases de membrana 2) Contração e relaxamento muscular no diafragma e coração via ação da ATPase de miosina Porque é que, ao contrário do automóvel, o ser vivo continua a 3) Síntese e hidrólise de ácidos nucleicos (RNA e DNA) e nucleotídeos libertar calor e a consumir quando está parado? 3 4) Síntese e hidrólise de proteínas 4
6) Ciclos de substrato no sentido estrito 5) Ciclos de Cori e da alanina 7) Ciclos de substrato em sentido mais amplo como o que envolve os processos de hidrólise de triacilgliceróis 5 e re-esterificação Em condições de BMR, o grosso dos ATPs é consumido no transporte iónico ( 30 %) e síntese proteica ( 30 %). Uma percentagem menor ( 5 %) é consumida pela ATPase da miosina. ADP Estima-se que nas condições BMR um indivíduo adulto de 70 kg hidrólise cerca de 40 mmoles/min (60 moles/dia). 40 mmol ATP / min 5% trabalho mecânico transporte ativo Na Ca 2 Na ausência de mecanismos que fosforilem o ADP formado, todo o ATP do indivíduo ( 120 mmoles) se esgotaria em 3 min. 30% 30% síntese proteica outros 6 Cada ATP hidrolisado é imediatamente reposto: a concentração de ATP é estacionária porque vel. de síntese = vel. de hidrólise. A reposição do ATP (fosforilação do ADP) depende, em última análise, da oxidação dos nutrientes pelo. Admitindo que se formam cerca de 2,5 ATPs / átomo de oxigénio consumido (razão P:O = 2,5 razão P: = 5) a velocidade de 40 mmol de ATP / min 8 mmol de consumido / min 8 mmol consumido na cadeia respiratória /min (180 ml/min). nutrientes C H 2 O ADP 40 mmol ATP / min Na Ca 2 7 A oxidação dos nutrientes é um processo exotérmico; para além de C e H 2 O gera um terceiro produto : calor. Nas reações de oxidação dos nutrientes libertam-se cerca de 106 kcal / mole de consumido (= 19,8 kj/l). 8 mmol consumido na cadeia respiratória / min 0,85 kcal/min nutrientes C H 2 O ADP 40 mmol ATP / min A BMR pode ser estimada medindo o consumido ou o calor libertado porque 8 existe proporcionalidade (quase perfeita) entre o consumido e o calor libertado. Na Ca 2
O calor libertado num sistema onde ocorrem reações = diferença entre as entalpias dos produtos e reagentes. Entalpia de A Entalpia de B Nos casos dos glicídeos e lipídeos, o calor libertado na sua oxidação é igual nos seres vivos e no calorímetro A B C D Entalpia de C Entalpia de D H = calor libertado glicose palmitato 6 23 6 C 6 H 2 O 669 kcal 16 C 16 H 2 O 2413 kcal 793 kcal 76 kcal 869 kcal mas no caso das proteínas (e aminoácidos) os produtos da oxidação nos seres vivos não coincidem com os produtos 9 formados num calorímetro Poderá parecer estranho que, sendo o metabolismo tão complexo, quando se fala no calor libertado pelo ser vivo apenas se refiram as reações de oxidação dos nutrientes mas... nutrientes C H 2 O... num ser vivo adulto as concentrações (e a quantidade total) dos intermediários, coenzimas, ATP, ADP,, etc. são estacionárias (quase não variam) e, consequentemente, não há consumo nem formação efetiva destes intermediários. O calor libertado = H das reações onde ocorreu consumo efetivo de reagentes e formação efetiva de produtos. 10 Exemplificando para o caso da oxidação da glicose. glicose 6 6 C 6 H 2 O 669 kcal O processo de oxidação da glicose está acoplado à síntese de ATP e poderia pensar-se que a equação a escrever quando se pensa num organismo vivo inteiro deveria ser: glicose 6 32 ADP 32 6 C 6 H 2 O 32 ATP 32 H 2 O 509 kcal Mas só sintetizamos uma molécula de ATP quando uma se hidrolisa... 32 ATP 32 H 2 O 32 ADP 32 160 kcal... e o somatório das duas últimas equações é: glicose 6 6 C 6 H 2 O 669 kcal 11 Uma parte (25-30%) do calor libertado e do oxigénio consumido em condições de medida da BMR não estão diretamente relacionados com síntese de ATP. (1) Nas mitocôndrias das células, não existe acoplagem perfeita entre oxidação de nutrientes e síntese de ATP (ou seja, a razão P: < 5, sempre). (2) Existem enzimas em cuja ação se consome e se liberta calor (várias oxigénases e oxídases) e que não são a oxídase do citocromo c (complexo IV). 15 mol de / dia kcal/dia 1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 1 e calor (1) desacoplagem fisiológica entre oxidação e fosforilação (2) oxigénases e oxídases e calor estritamente acoplados com síntese/hidrólise de ATP: 8 mmol de / min x 1440 min = 11,5 moles de / dia 0,85 kcal / min x 1440 min = 1224 kcal / dia BMR 12
10,4 mmol de /min (> 8 mmol) 1,1 kcal/min (> 0,85 kcal/min) nutrientes C H 2 O ADP 40 mmol ATP / min Na Ca 2 Ao incluirmos o gasto de energia não diretamente relacionado com o gasto de ATP, o calor libertado passa a ser de 1,1 kcal/min em vez de 0,85 kcal/min. (1) Pensa-se que 20% a 25% da BMR se deve a desacoplagem fisiológica entre fosforilação e oxidação nas mitocôndrias= uma parte do reduzido a H 2 O pelo complexo IV na mitocôndria não está diretamente relacionado com síntese de ATP. 4 H I Q III cyt c IV 1 NADH NAD n/10 n/10 NADH NAD (2 H 4 H ) O n/10 O H2 O 10 H 2,5 ADP 2,5 V Simp. n H Proteínas desacopladoras 2,5 ATP Leak (pingar) Quando n protões entram na mitocôndria através de um transportador que não é a síntase de ATP (leak), a manutenção do gradiente electroquímico da membrana exige que n protões sejam bombeados para fora da mitocôndria. O bombeamento destes n protões não se traduzem em síntese de ATP mas este bombeamento está dependente da oxidação dos nutrientes (e da redução do ); por cada n protões bombeados n/10 NADH são oxidados. Atualmente admite-se que uma das proteínas responsáveis pelo leak de H é o trocador ADP/ATP da membrana mitocondrial interna [Brand et al. (2005) Biochem J 392:353]. Outra parte do leak de H poderá corresponder a atividades basais de várias UCPs ( uncoupling proteins ). 14 (2) Uma parte (embora menor) do gasto em condições de BMR não é sequer consumido na ação catalítica do complexo IV. As oxigénases (envolvidas, por exemplo, na oxidação de aminoácidos) e as oxídases de função mista (como a NADP hidroxílase da fenilalanina e as enzimas da família dos citocromos P450) NADPH também consomem e, indiretamente (via consumo de NADPH), estimulam a via das pentoses-fosfato e a produção de C. Todos estes processos Glicose-6-P embora não diretamente relacionados com a síntese NADP de ATP são exotérmicos. 6-fosfo-gliconolactona Ribulose-5-P NADPH NADP NADPH C NADPH Etanol NADP acetaldeído Acetil-CoA H 2 O Fenilalanina Tetrahidrobiopterina Dihidrobiopterina Tirosina α-cetoglutarato glutamato C H 2 O H 2 O p-hidroxifenil-piruvato fumarato Homogentisato maleilacetoacetato H 2 O fumarilacetoacetato acetoacetato A taxa de metabolismo basal (BMR) é, em geral, tanto maior quanto mais pesado é o indivíduo Toleban e col. Metab. (2008) 57:1155 * CGL1= lipodistrofia congénita generalizada (deficit marcado de tecido adiposo por alteração na esterificação) mas a relação é mais linear quando se relaciona a BMR com a massa magra. Massa magra = massa corporal - 16 tecido adiposo *
Quando um indivíduo engorda aumenta a sua massa de triacilgliceróis mas também a quantidade de tecido metabolicamente ativo ( citoplasma dos adipócitos, vasos sanguíneos do tecido adiposo, músculo, fígado, rins, coração = massa isenta de gordura ) BMR [Prentice et al. 1986, Br Med J 192: 983-87] Contudo, quando se emagrece, a diminuição na BMR é maior que a que seria de esperar tendo em conta a diminuição de massa isenta de gordura. A secreção normal de hormonas tiroideias e o tono simpático basal contribuem para a BMR porque: o leak de H SNSimpático no tecido adiposo castanho (estimulação de UCP1) Sensibilidade do tecido adiposo castanho à noradrenalina o leak de H noutros tecidos (mecanismos desconhecidos) Exemplos: turnover proteico e turnover iónico vel. dos ciclos de substrato gasto de ATP Reciprocamente, quando se emagrece perde-se gordura, mas também a massa isenta de gordura BMR. Quando se emagrece: a secreção de hormonas tiroideias o tono simpático no tecido adiposo castanho Processos de turnover leak de H despesa energética Em muitas doenças há BMR e podem estar envolvidos mecanismos relacionados com gasto de ATP ou não relacionados directamente com este gasto % de aumento relativamente a não doente Hipertiroidismo (aumento das hormonas tiroideias) 60 a 100 % Traumatismo com fracturas múltiplas 10 a 25 % Grandes queimados 25 a 60 % Doenças febris (aumento para 39ºC) 10 a 25 % No caso do hipertiroidismo a causa do aumento da BMR é turnover proteico e iónico (e outros ciclos de substrato ) e leak de H Noutras doenças em que há da BMR (nomeadamente nos traumatismos, nos queimados e doenças infeciosas agudas) há (1) do tono simpático que provova leak de H Que acontece à despesa energética quando um indivíduo aumenta a sua atividade física? Calor libertado >> 1600 kcal/dia consumido >> 15 moles / dia (>> 330 L) A maioria dos indivíduos têm uma taxa metabólica máxima (máximo esforço físico durante um período curto de tempo) que é 10 BMR. (2) da síntese hepática de proteínas de fase aguda (3) do trabalho cardíaco e dos músculos respiratórios A despesa energética tem assim um 2º componente: despesa energética = BMR despesa energética associada à atividade física 20
O esforço físico provoca aumento das atividades da ATPase da miosina e das ATPases do Ca 2 e do Na /K. Que aconteceria se a despesa energética não aumentasse quando um indivíduo aumenta a sua atividade física? 8 mmol consumido na cadeia respiratória / min nutrientes ADP Na Ca 2 400 mmol ATP / min Um automóvel aumenta de velocidade quando aumentamos a velocidade com que a gasolina é injetada no motor. E nos seres vivos como é que é regulada a velocidade de oxidação dos nutrientes? Chance e Williams (1955) JBC 217:383 A 1ª resposta veio de estudos com mitocôndrias isoladas ainda antes de o modelo de Mitchell ter sido proposto (ADP = acelerador da oxidação). 40 mmol ATP / min C H 2 O ATP A concentração de ATP desceria, a de ADP e aumentaria e os processos dependentes de ATP deixariam de ocorrer. 21 22 Adaptando a proposta do ADP como acelerador (Chance e Williams, 1955) à teoria de Mitchell H H H I dg3p-fad Q III cyt c II-FAD O NADH NAD desidrogénases IV H2 O ADP e ATP síntase do ATP gradiente eletroquímico da membrana mitocondrial cadeia respiratória [NADH] e [NAD ] desidrogénases do ciclo de Krebs, glicólise e oxidação em β H V Simp. ADP ATP Glicogénio Fosforílase do glicogénio Glicose Frutose-6-P Frutose-1,6-BisP ruvato acetil-coa NAD NADH NADH Cínase da frutose-6-p NAD NAD Desidrogénase do piruvato NADH AMP ADP e AMP ATP Desidrogénase do isocitrato Desidrogénase do α- cetoglutarato Outras observações feitas in vitro também apontam para a importância das variações de concentração de ADP, AMP, ATP, NAD e NADH. ADP e NAD ATP e NADH ADP e NAD ATP e NADH ADP e NAD ATP e NADH 24
Em exercícios aeróbicos a 90% do máximo de consumo de, a variação da concentração de ATP nos músculos esqueléticos em contração é quase impercetível, a de ADP pode aumentar 4 vezes e a de AMP 20 vezes. 0,08 0,06 mm nos músculos 0,04 esqueléticos mm nos músculos esqueléticos 0,02 ADP (mm) ADP (mm) AMP (mm) 0 0 2 4 6 8 10 tempo de exercício físico a 90% de VO2 max (min) 0,002 0,0015 0,001 0,0005 AMP (mm) AMP (mm) 0 0 2 4 6 8 10 tempo de exercício físico a 90% de VO2 max (min) No entanto, neste mesmo tipo de exercícios a velocidade de hidrólise (e síntese) de ATP nas fibras musculares que se estão a contrair pode ser 100 vezes superior à basal. Concentrações em repouso: [ATP] = 5 mm [ADP] = 0,02 mm [AMP] = 0,0001 mm Baseado em Spriet e col. (2000) Med Sci Sports Exerc; 32: 756 25 No caso do coração, a hidrólise (e síntese) de ATP pode aumentar 4 vezes, mas as variações nas concentrações intracelulares de ADP, AMP,, ATP, NAD e NADH são nulas. Em qualquer caso, as variações nas concentrações são sempre demasiado modestas para poderem, por si só, explicar completamente as variações de velocidade no consumo de oxigénio e nutrientes quando a velocidade de hidrólise (e síntese) de ATP aumenta durante o esforço muscular. nutrientes NAD desidrogénases H 2 O cadeia respiratória H (fora) ADP síntase do ATP ATPases C NADH H (dentro) ATP vel.1 = vel.2 = vel.3 = vel.4 Ca 2 Adaptado de Korzeniewski (2006) Am J Physiol Heart Circ Physiol 291: 1466 26 Quando um músculo é estimulado por um nervo motor ocorre despolarização que induz uma cadeia de fenómenos... Com origem no meio extracelular ou no retículo sarcoplasmático o Ca 2 move-se para o citoplasma. [Ca 2 ] citoplasmático 100 vezes (0,1 µm 10 µm) [Ca 2 ] na matriz da mitocôndria 27 Que efeitos provoca o Ca 2 nas enzimas relacionadas com a oxidação dos nutrientes e com a hidrólise do ATP? nutrientes NAD H 2 O H (fora) ADP Fosforólise e desidrogénase C NADH cínase da fosforílase do glicogénio desidrogénase do glicerol-3-p (membranar) desidrogénases do piruvato do isocitrato do α-cetoglutarato Cadeia respiratória Complexos I e IV Ca 2 mitocondrial H (dentro) Síntase do ATP ATP Síntase do ATP Ca 2 citoplasmático ATPases ATPase da miosina ATPase do Ca 2 28
Quando se mede a BMR a temperatura ambiente tem de ser agradável. Que acontece se estiver frio? A despesa energética tem um 3º componente: despesa energética associada à adaptação ao frio. Trémulo = [Ca 2 ]citoplasma que estimula processos de hidrólise de ATP. Estimulação do SNSimpático (SNS) adrenalina e noradrenalina Desacoplagem (uncoupling) entre fosforilação e oxidação mitocondrial no tecido adiposo castanho. sensibilização Estimulação do sistema hipotálamo hipofisário - tiroide hormonas tiroideias Ativação de processos de turnover iónico, e proteico aumento da velocidade de hidrólise do ATP. do consumo de e de nutrientes e da produção de calor. O bebé humano não treme, mas tem tecido adiposo castanho, onde existe termogenina (UCP1; uncoupling protein 1) cuja atividade é estimulada pelo Sistema Nervoso Simpático. SNSimp. 4 H (2 H 4 H ) 10 H n H I Q III cyt c IV 1 NADH NAD n/10 n/10 NADH NAD O n/10 O H2 O 2,5 ADP 2,5 V Simp. 2,5 ATP Quando o SNSimpático (e, indiretamente, as hormonas tiroideias) estimulam a UCP1 aumenta a velocidade de oxidação do NADH e dos nutrientes aumenta o consumo de oxigénio e produção de calor (pode ser para o dobro). A UCP1 (Uncoupling Protein 1) é uma proteína da membrana da mitocôndria que, como a síntase do ATP, deixa passar H a favor do gradiente, mas não sintetiza ATP. A passagem dos H diminui o gradiente eletroquímico facilitando a tarefa (estimulando) 30 dos complexos I, III e IV e em última análise a oxidação dos nutrientes. UCP1 Leak No homem adulto, a resposta termogénica ao frio pode ser também mediada pelas hormonas tiroideias e pelo SNSimpático que ativam o leak de H nas mitocôndrias dos músculos e tecido adiposo castanho [Wijers et al. (2008) PLOSone 3: e1777]. No caso do músculo, os mecanismos e as proteínas envolvidas no aumento do grau de uncoupling mitocondrial são ainda controversos. A maioria dos adultos tem tecido adiposo castanho e UCP1. [Nedergard et al. (2011) Ann N York Acad Sci 1212: E20]. Quando se mede a BMR o indivíduo deve estar em jejum há 10-18 h. Que acontece se tiver acabado de comer? A ingestão de alimentos provoca no consumo de (e na produção de calor). A despesa energética tem assim um 4º componente: efeito termogénico dos nutrientes (ou ação dinâmica específica = denominação que já entrou em desuso). 4 H (2 H 4 H ) I Q III cyt c IV 1 NADH NAD n/10 NADH n/10 NAD O n/10 O H2 O 10 H 2,5 ADP 2,5 V Simp. 2,5 ATP UCP1 e? n H Leak SNS 31 Causas mal conhecidas mas possivelmente associadas a... Aumento do gasto de ATP nos processos de armazenamento de glicose (síntese de glicogénio) e gorduras (síntese de triacilgliceróis) e da síntese proteica. Aumento da atividade de oxigénases e oxídases envolvidas na oxidação de AAs... Estimulação do SNSimpático com aumento do leak de H
A despesa energética total = somatório de (1) BMR (taxa metabólica basal) (2) despesa energética associada a atividade física (3) efeito termogénico dos nutrientes a) associado estritamente a hidrólise/síntese de ATP b) ação de oxídases e oxigénases e desacoplagem basal na fosforilação oxidativa (4) despesa energética associada à adaptação ao frio Quando se estuda o equilíbrio energético, uma boa analogia para o ser vivo é uma lareira em que o calor produzido e o consumido correspondem à despesa energética. Tal como numa lareira o calor libertado é a diferença entre as entalpias dos reagentes (compostos orgânicos que se oxidam e oxigénio que se reduz) e as entalpias dos produtos (C H 2 O compostos orgânicos incompletamente 33 oxidados). Que acontece se um indivíduo não se alimentar durante algum tempo? A formação contínua de ADP mantém ativos os processos oxidativos e o indivíduo vai oxidando os seus próprios lipídeos, glicídeos e proteínas. A quantidade total de calor libertado (ou consumido) é a despesa energética. Se a lareira não for alimentada com lenha acaba por apagar-se por falta de combustível... Para manter a lareira acesa e com tamanho constante é necessário adicionar-lhe os combustíveis que se vão queimando... Um indivíduo em equilíbrio energético (= balanço energético nulo) mantém constante a massa corporal porque toma do exterior energia metabolizável dos alimentos = despesa energética. 34 A que é que corresponde a energia não metabolizável dos alimentos? Ainda é possível (por combustão completa numa fornalha) obter energia das fezes, da urina e dos gazes expirados Valores médios... em kcal/g Oxidação completa num calorímetro, lareira Oxidação humana. Energia metabolizável dos alimentos absorvidos e das reservas energéticas. Energia metabolizável dos alimentos que irão ser ingeridos parte da energia dos alimentos não é metabolizada A energia não metabolizável dos alimentos é variável e, num indivíduo sem problemas gastrointestinais, depende dos alimentos ingeridos e do seu processamento: 1- As proteínas geram ureia (da urina) e não N 2 2- Os combustíveis perdidos nas excreções não representam energia metabolizável.... a celulose e outras fibras da dieta não são absorvidas... dependendo do grau de cozedura uma parte dos nutrientes não é digerida nem absorvida... e perde-se nas fezes... parte do álcool ingerido e dos corpos cetónicos formados perdem-se na urina e no ar expirado 35 Glicídeos (amido ou glicogénio) 4,1 4,1 4 (absorção incompleta) Proteínas 5,9 4,3 (ureia e não N 2 ) 4 (absorção incompleta) Lipídeos (triacilgliceróis) 9,5 9,5 9 (absorção incompleta) Etanol 7,1 7,1 7 (perdas na respiração e urina) Nota: é frequente na literatura médica usar-se a expressão Cal como sinónimo de kcal. 36
Se a energia metabolizável dos alimentos = despesa energética o indivíduo tem balanço energético nulo. Um balanço energético nulo não é sinónimo de alimentação saudável: Quando falamos de balanço energético não é adequado pensar em períodos curtos de tempo. Taxa da despesa energética total e ingestão calórica ao longo de um dia num indivíduo adulto sedentário jantar Energia metabolizável almoço dos alimentos pequeno almoço ingeridos lanche Períodos de ginástica Se a energia metabolizável dos alimentos > despesa energética balanço energético positivo... diferença = energia de oxidação da matéria orgânica que se acumula no ser vivo... Se a energia metabolizável dos alimentos < despesa energética balanço energético negativo... diferença = energia de oxidação da matéria orgânica do ser vivo que se oxida e não 37 é reposta... a dormir Ao longo das horas de um dia quase (termogénese associada à ingestão de alimentos) não há relação entre a (1) energia metabolizável dos nutrientes ingeridos e a (2) despesa energética. Despesa energética total A maior parte dos adultos tende a manter o peso mais ou menos estável durante largos períodos de tempo (meses ou anos) existem mecanismos neuroendócrinos que 38 tendem a ajustar o valor calórico da dieta (apetite) ao da despesa energética. Nos mamíferos adultos saudáveis e com alimentos disponíveis (e apetecíveis ) a energia metabolizável dos alimentos tende a equilibrar (ou a suplantar ligeiramente) a despesa energética (= balanço energético nulo ou ligeiramente ). Na regulação homeostática da ingestão de alimentos estão envolvidas hormonas libertadas no tubo digestivo, no pâncreas e no tecido adiposo. O hipotálamo é o local do cérebro mais importante na regulação do apetite. Por exemplo: 1) A leptina é uma hormona sintetizada no tecido adiposo a uma velocidade proporcional à sua massa. A leptina tem recetores em núcleos hipotalâmicos que quando estimulados pela leptina inibem o apetite. 2) A colescistocinina é libertada no intestino quando uma refeição contém lipídeos; estimula o nervo 39vago induzindo saciação. Antes que apodreçam, o sítio mais seguro para guardar os alimentos em excesso é no próprio tecido adiposo. Os mecanismos homeostáticos neuroendócrinos tendem a manter a energia metabolizável dos alimentos igual à despesa energética mas... os hábitos dietéticos e a baixa atividade física na civilização ocidental moderna aumento de peso médio de cerca de 10 kg entre os 25 e os 40 anos de idade. Qual o valor da diferença entre a energia metabolizável dos alimentos e a despesa energética que explica este aumento de peso? 8 000g * 9,5 kcal/g = 76 000 kcal 400g * 4,3 kcal/g = 1 720 kcal 77 720 kcal 77 720 kcal / (365 dias *15 anos) = excesso médio de 14,2 kcal por dia Considerando uma despesa energética média de 2400 kcal/dia... para engordar 10 kg em 15 anos basta ter um balanço energético positivo de 0,59 %. O único método de avaliação do balanço energético é a comparação da massa corporal (eventualmente complementada com a avaliação da sua composição) 40 em dois momentos temporais (intervalo > 1 mês, por exemplo).
A variação no tempo da massa dos diferentes compartimentos do organismo (massa gorda e massa isenta de gordura) pode servir para saber se existe balanço energético positivo, nulo ou negativo e para quantificar o seu valor. Exemplo de um estudo que incluiu uma viagem à Antártida durante 95 dias [Stroud et al. (1994) Clin Sci 87 supp: 54] Valor calórico da dieta diária foi estimada = 5 070 kcal/dia Défice calórico admitindo que: (1) variação de reservas de glicídeos = 0 (2) 20 % da massa isenta de gordura = proteína 14 500 g Lip * 9,5 kcal/g = 137 750 kcal 2 020 g Pro * 4,3 kcal/g = 8 686 kcal 146 436 kcal balanço negativo (146436 kcal/95 dias) = 1 541 kcal/dia A despesa energética diária foi estimada pela técnica da DLW = 6 524 kcal/dia balanço negativo = (6 524 5 070) = 1 454 kcal/dia Aceitando os pressupostos, os dois valores (1541 e 1454 kcal/dia) deveriam ser 41 iguais; a pequena diferença resulta do erro experimental. O calorímetro indireto mede as velocidades de consumo de e a produção de C permitindo calcular a despesa energética e o Quociente Respiratório (QR) QR = moles ou volume C excretado / moles ou volume de consumido. O Quociente Respiratório (Respiratory Exchange Ratio) varia com o tipo de nutriente que está a ser oxidado. QR = C / O QR é 1 quando glicose (C 6 H 12 O 6 ) 6 6/6 = 1 6 CO se oxidam glicídeos 2 6 H 2 O e 0,7 quando se palmitato (C 16 H 32 ) 23 16/23 = 0,7 oxidam lipídeos. 16 C 16 H 2 O glutamina (C 5 H 10 O 3 N 2 ) 4,5 4 C 3 H 2 O 1 ureia leucina (C 6 H 13 N) 7,5 5,5 C 5,5 H 2 O 0,5 ureia 4/4,5 = 0,9 5,5/7,5 = 0,73 O QR das proteínas tem, em média, um valor intermédio 42 0,84. O QR é 1 se, num dado momento, o único nutriente a ser oxidado é a glicose (ou, e glicogénio). Glicose Na prática em todos os momentos oxidamos misturas de glicídeos, lipídeos e proteínas com diferentes proporções que dependem da: (1) dieta (mais ou menos rica em lipídeos versus glicídeos), (2) do estado nutricional e O QR seria 0,7 se, num dado momento, os únicos nutrientes a serem oxidados fossem lipídeos. Triacilgliceróis QR = 1 (3) da intensidade do exercício físico. QR = 0,7 Num indivíduo em balanço energético nulo em que a composição corporal também não varia, o seu QR médio = QR da dieta (food RQ). 30 dias com despesa de 70 kg de peso 2400 kcal/dia = 72000 kcal e igual valor de energia metabolizável na dieta Dieta: X g de glicídeos Y g de lipídeos Z g de proteínas X g de glicídeos oxidados Y g de lipídeos oxidados Z g de proteínas oxidadas 70 kg de peso Quando estamos a emagrecer (balanço energético negativo) oxidamos toda a dieta triacilgliceróis endógenos QR < QR da dieta Quando estamos a engordar (balanço energético positivo) oxidamos todos os glicídeos da dieta, mas parte dos ácidos gordos da dieta são armazenados QR > QR da dieta 44
O QR aumenta, aproximando-se de 1, quando oxidamos glicídeos e baixa, aproximando-se de 0,7, quando oxidamos lipídeos. QR entre 1 e 0,95 No período pós-prandial (de uma refeição que contenha glicídeos), a insulina está alta (1) estimulação das enzimas (glicocínase, cínase da frutose-6-p hepáticas e desidrogénase do piruvato) e dos transportadores (GLUT 4 no músculo) que promovem a oxidação da glicose, (2) inibição a lipólise ( hidrólise de triacilgliceróis nos adipócitos) e (3) inibição da carnitina-palmitiltransférase 1 (o que implica inibição da oxidação dos ácidos gordos). QR 0,85 No período pós-absortivo (jejum antes do pequeno almoço) a insulina está baixa (1) inibição das enzimas e transportadores que promovem a oxidação da glicose (2) estimulação a lipólise e (3) estimulação da carnitinapalmitil-transférase 1 (que promove a oxidação dos ácidos gordos). 45 Bibliografia consultada: 1. Brand, M. D. (2005) The efficiency and plasticity of mitochondrial energy transduction, Biochem Soc Trans. 33, 897-904. 2. Das, A. M. (2003) Regulation of the mitochondrial ATP-synthase in health and disease, Mol Genet Metab. 79, 71-82. 3. DosSantos, R. A., Alfadda, A., Eto, K., Kadowaki, T. & Silva, J. E. (2003) Evidence for a compensated thermogenic defect in transgenic mice lacking the mitochondrial glycerol-3-phosphate dehydrogenase gene, Endocrinology. 144, 5469-79. 4. Hansford, R. G. & Zorov, D. (1998) Role of mitochondrial calcium transport in the control of substrate oxidation, Mol Cell Biochem. 184, 359-69. 5. Korzeniewski, B., Noma, A. & Matsuoka, S. (2005) Regulation of oxidative phosphorylation in intact mammalian heart in vivo, Biophys Chem. 116, 145-57. 6. Rolfe, D. F. & Brown, G. C. (1997) Cellular energy utilization and molecular origin of standard metabolic rate in mammals, Physiol Rev. 77, 731-58. 7. Sharma, N., Okere, I. C., Brunengraber, D. Z., McElfresh, T. A., King, K. L., Sterk, J. P., Huang, H., Chandler, M. P. & Stanley, W. C. (2005) Regulation of pyruvate dehydrogenase activity and citric acid cycle intermediates during high cardiac power generation, J Physiol. 562, 593-603. 8. Silvestri, E., Schiavo, L., Lombardi, A. & Goglia, F. (2005) Thyroid hormones as molecular determinants of thermogenesis, Acta Physiol Scand. 184, 265-83. 9. Zaninovich, A. A., Rebagliati, I., Raices, M., Ricci, C. & Hagmuller, K. (2003) Mitochondrial respiration in muscle and liver from coldacclimated hypothyroid rats, J Appl Physiol. 95, 1584-90. 10. Frayn, K. N. (2010) Metabolic regulation. A human perspective., 3nd edn, Wiley-Blackwell, Oxford. 11. Elia, M. (2000) Hunger disease, Clin Nutr. 19, 379-86. 12. Flatt, J. P. (1995) McCollum Award Lecture, 1995: diet, lifestyle, and weight maintenance, Am J Clin Nutr. 62, 820-36. 13. Kalderon, B., Mayorek, N., Berry, E., Zevit, N. & Bar-Tana, J. (2000) Fatty acid cycling in the fasting rat, Am J Physiol Endocrinol Metab. 279, E221-7. 14. Wijers, S. L., Saris, W. H. & van Marken Lichtenbelt, W. D. (2009) Recent advances in adaptive thermogenesis: potential implications for the treatment of obesity, Obes Rev. 10, 218-26. 15. Lopez, M., Varela, L., Vazquez, M. J., Rodriguez-Cuenca, S., Gonzalez, C. R., Velagapudi, V. R., Morgan, D. A., Schoenmakers, E., Agassandian, K., Lage, R., de Morentin, P. B., Tovar, S., Nogueiras, R., Carling, D., Lelliott, C., Gallego, R., Oresic, M., Chatterjee, K., Saha, A. K., Rahmouni, K., Dieguez, C. & Vidal-Puig, A. (2010) Hypothalamic AMPK and fatty acid metabolism mediate thyroid regulation of energy balance, Nat Med. 16, 1001-8. 16. Cannon, B. & Nedergaard, J. (2010) Thyroid hormones: igniting brown fat via the brain, Nat Med. 16, 965-7. 17. Nedergaard, J., Bengtsson, T. & Cannon, B. (2010) Three years with adult human brown adipose tissue, Ann N Y Acad Sci. 1212, E20-36. 18. Livesey, G. & Elia, M. (1988) Estimation of energy expenditure, net carbohydrate utilization, and net fat oxidation and synthesis by indirect calorimetry: evaluation of errors with special reference to the detailed composition of fuels, Am J Clin Nutr. 47, 608-28. 19. Wijers, S. L., Saris, W. H. & van Marken Lichtenbelt, W. D. (2009) Recent advances in adaptive thermogenesis: potential implications for the treatment of obesity, Obes Rev. 10, 218-26. 46