Mesa-Redonda: CONTROVÉRSIAS CIENTÍFICAS E APRENDIZAGEM SOCIAL: O CASO DA CATÁSTROFE DE MARIANA (MG)

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Transcrição:

Mesa-Redonda: CONTROVÉRSIAS CIENTÍFICAS E APRENDIZAGEM SOCIAL: O CASO DA CATÁSTROFE DE MARIANA (MG) Coordenador: Francisco de Paula Antunes Lima (UFMG) Dia/Hora: 20/07/2017 - das 15h30 às 18h00 Resumo da apresentação de Eugênio P. Hatem Diniz - Fundacentro-MG O rompimento da barragem de rejeito de Fundão: questões não respondidas, aprendizado social bloqueado Com base em cinco relatórios que analisaram diversas questões relacionadas à barragem de rejeito de Fundão (BRF) e o seu rompimento, ocorrido em 05 de novembro de 2015, a equipe do projeto Conexões de Saberes Sobre o Trabalho 1 elaborou uma rede de fatores a respeito dessa catástrofe socioambiental iniciada com um acidente de trabalho. Partindo do rompimento da BRF e retroagindo em direção aos determinantes anteriores da sua história, o texto procura justificar a necessidade de uma análise organizacional lastreada em análises ao mesmo tempo cognitivas, etnográficas e históricas, de forma a contribuir para a ampliação da compreensão da rede de determinantes do acidente, viabilizando, em termos práticos, o avanço da segurança de sistemas complexos e de alto risco (DINIZ et al., 2017). Espera-se com isso que novas pesquisas sejam empreendidas na e pela própria Samarco e em outras empresas que possuem barragens de rejeitos em operação ou inativas. Ressalte-se que essa busca dos sentidos de cada fato, de cada decisão ou ausência de decisão forçosamente deve ser dissociada da identificação de culpados e de erros como fatores autossuficientes e compreensivos dos acidentes. Não se pretende aqui ampliar o leque de culpados, muito menos justificar e abrandar as possíveis responsabilidades. Nosso objeto de trabalho é a promoção da saúde e da segurança do trabalhador. 1 O Projeto Conexões de Saberes Sobre o Trabalho é coordenado pela UFMG e conta com o apoio da FAPEMIG. O autor deste artigo faz parte do projeto. 1

A análise organizacional aqui proposta busca elucidar as vulnerabilidades organizacionais que possam comprometer a segurança e a eficiência das empresas. Sob a concepção do acidente organizacional, o erro é tratado como categoria de fonte de aprendizado e de melhoria, e não de algo de que nos livramos sacrificando bodes expiatórios (DINIZ et al., 2017). Como afirmam Llory e Montmayeul (2014, p.xxxi): O conceito do erro humano tornouse um dogma que pesa sobre o futuro da segurança. Muitas empresas, após um grande avanço alcançado em termos de prevenção de acidentes e de confiabilidade, encontram-se atualmente num estágio de estagnação, com poucos acidentes, mas alguns deles surpreendentemente graves ou catastróficos. Para esses autores, por ironia, a análise organizacional necessita, para se desenvolver, de acabar com um de seus conceitos geradores: o erro humano (LLORY; MONTMAYEUL, 2014, p. xxxi). Retornando à história da BRF, em agosto de 2014 observaram-se trincas longitudinais em taludes e bermas na região do recuo do eixo da BRF, levantamento do terreno e saturação de pé de talude (MTPS, 2016, MORGENSTERN et al., 2016). O relatório do Independent Tailings Review Board, de novembro de 2014, recomendava o preenchimento da área do recuo em regime prioritário. A Samarco estimava um ano para completar esse serviço (MTPS, 2016). O aparecimento das trincas ocorreu devido ao elevado gradiente hidráulico e ao fato de o desvio em S do dique e a própria praia se estenderem sobre uma área com argila, material mais impermeável e sujeito à deformação. A opção por fazer o desvio do eixo em S, próximo à ombreira esquerda, em 2012, diferindo do projeto original, ocorreu por três motivos: i) deficiência estrutural e problemas na fundação da galeria secundária constatados em 2012; ii) construção do dique 1A (para armazenar argila) muito próximo da ombreira direita do dique 1 (construído para armazenar rejeito arenoso). O dique 1A foi construído emergencialmente porque o dique 2 atingiu sua capacidade de armazenamento de argila antes do previsto; iii) surgimento, em 2012, de um sumidouro próximo à ombreira esquerda, a montante do dique 1. O sumidouro ocorreu em consequência do comprometimento das 2

galerias e dos drenos, que apresentaram problemas de recalque, trincas e obstrução, no período entre 2009 e 2012 (MTPS, 2016; MORGENSTERN et al., 2016). O elevado gradiente hidráulico decorreu de oito fatores antecedentes. A Samarco não obteve sucesso em recuperar a galeria principal (dique 2) (jan.- jun./2011) e a secundária (dique 1) (nov./2011-abr./2012). A empresa construiu, então, em 2011, um extravasor interligando o dique 2 (de armazenamento de argila) com o dique 1 (de armazenamento de areia). De janeiro/2011 a julho/2012, a argila drenou para o dique 1, acumulando-se no local onde fora construído o desvio do eixo, na elevação entre 824 e 850 metros. Em 2009, devido ao comprometimento das galerias de fundo, um tapete drenante foi instalado logo acima do dique 1, na elevação de 826 metros. O nível freático ficou abaixo do nível do tapete drenante e acima do nível da argila, aumentando o gradiente hidráulico da BRF. Essa situação fez com que a Samarco permitisse e aceitasse um fator de saturação maior na BRF (MTPS, 2016; MORGENSTERN et al., 2016). A interconexão fluvial entre as barragens de Fundão, Germano, Santarém e a pilha de estéril da mina da Vale S.A., vizinha da BRF, também contribuiu para o gradiente hidráulico elevado. Essa questão havia sido considerada positiva no Estudo de Impacto Ambiental, uma vez que Fundão atuaria como barreira retentora de sedimentos para a barragem de água de Santarém, localizada a jusante (PoEMAS, 2015). Mais quatro fatores contribuíram para o elevado gradiente hidráulico. Entre 2012 e 2015, a produção de rejeitos aumentou 687%, fazendo com que o seu represamento distasse cada vez mais longe do tapete drenante e comprometesse a capacidade de vazão dos 27 tubos de polietileno (100 mm de diâmetro cada). O grande volume de rejeito afetou também a extensão da praia, distância de areia que separa o rejeito fino (água/argila) da crista do dique e que deve ser de, no mínimo, 200 m. A extensão da praia chegou a 100,54 m, em 06/10/2015 (MTPS, 2016; MORGENSTERN et al., 2016). 3

O método de alteamento a montante é o método de maior risco e com histórico de acidentes graves. A produção de rejeito elevada propiciou, em 2015, uma taxa de alteamento média de 15,6 m/ano (MORGENSTERN et al., 2016), acima do valor recomendado de 5,0 a 10,0 metros/ano. A taxa de alteamento acima da recomendada, entre 2013 e 2014, foi explicada pela necessidade de sustentar os drenos adicionais que seriam instalados na ombreira esquerda (MORGENSTERN et al., 2016). O excesso de água e o movimento da areia provocado pela extrusão lateral da argila (oriunda do dique 2), deixando-a mais desagregada, podem ter facilitado o processo de liquefação (MORGENSTERN et al., 2016). O processo de disposição hidráulica do rejeito na barragem contribuiu para o baixo fator de coesão da areia, tornando-a mais susceptível à liquefação. O sismo natural e o sismo induzido também podem ter agido como gatilhos da liquefação. Na tarde do dia do rompimento da BRF foram observados sismos de origem natural, detonações nas minas (MORGENSTERN et al., 2016), além de intensa movimentação de máquinas pesadas no local. O projeto original não levou em consideração o sismo natural, pois estimou a barragem sem gradiente hidráulico elevado (MTPS, 2016). Bem antes desses problemas, o risco de rompimento da barragem foi classificado como moderado no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Em 2014, no relatório elaborado pela FEAM à BRF, de Classe III (alto potencial de dano ambiental e necessidade de auditoria anual), consta que ela apresentava estabilidade garantida (PoEMAS, 2015). No Cadastro Nacional de Barragens de Mineração, a BRF, apesar de ter um dano potencial associado alto, foi considerada de baixo risco (PoEMAS, 2015). A análise preliminar de risco presente no EIA classificou como improvável a ocorrência de um evento catastrófico de efeito dominó com rompimento da barragem do Santarém (PoEMAS, 2015). Em 2013, o Instituto Pristino apresenta o laudo da Análise Técnica Referente à Revalidação da Licença Operacional (RLO) da BRF, onde são 4

estabelecidas condicionantes para revalidação da licença: monitoramento geotécnico e estrutural em intervalo inferior a um ano; elaboração de um plano de contingência; análise de ruptura (DAM-BREAK), que já estava prevista para ser entregue desde julho de 2007. Por último, a queda do preço do minério de ferro, a pressão para manter o pagamento de dividendos e o endividamento da Samarco (29% em 2014) podem ter implicado na necessidade de redução de custos de operação da BRF (PoEMAS, 2015) e no aumento da exportação. Além disso, desde 2011, a Vale S.A repassa à Samarco minério de baixo teor para beneficiamento. Esses fatores fazem com que o volume de produção de rejeito aumente (PoEMAS, 2015). Dada a complexidade da questão, podemos agrupar os fatores conhecidos até o momento em sete grandes categorias de análise que precisam ser exploradas: I. Projeto e construção II. Controle social, institucional, fiscalização III. Sinais precursores IV. Causas físicas imediatas da liquefação V. Antecedentes da geração do gradiente hidráulico VI. Mercado do ferro, preço, lucro VII. Manutenção preventiva e corretiva da BRF Apesar da importância dos fatores identificados, torna-se necessário um mergulho mais apurado na compreensão desse enredo. Por exemplo, os problemas apresentados não contemplam o processo de negociação das decisões, a interação precisa entre os fatores apresentados e outros a desvelar, a gestão de operação da BRF, o tratamento desses sinais precursores, as opiniões e as intuições silenciadas ou sucumbentes e suas razões, etc. (DINIZ et al., 2016). Portanto, para que esse acidente gere um aprendizado social em termos de prevenção, elencamos alguns pontos que precisam ser investigados, considerando-se as sete categorias propostas: 5

I. Se acidentes são eventos organizacionais, quais são os processos e II. III. IV. os mecanismos de gestão que produzem acidentes? Por quais razões os sistemas produtivos complexos como o da Samarco têm dificuldades de assimilar informações e percepções dos trabalhadores e de empresas consultoras que funcionam (ou deveriam funcionar) como lançadores de alertas (whistleblowers)? Como os diversos fatores identificados (inter)agiram, dificultando ou impedindo a compreensão e a ação diante dos sinais precursores? Como as barreiras existentes entre gestores e trabalhadores da linha de frente impediram que a informação verdadeiramente útil e vital circulasse e gerasse ações e reações no tempo que se faziam necessárias? V. Como o EIA, os fatores econômicos e de mercado influenciaram nas decisões da Samarco das agências públicas? Acreditamos que o conhecimento que traga à luz uma abordagem sistêmica que articule diferentes níveis de análise, da prática cotidiana à cultura organizacional e recorrendo a técnicas de análise cognitiva para reconstituir os processos decisórios de modo mais aprofundado, abrirá um leque de possibilidades mais amplo e consistente em termos de produção de aprendizado social e de medidas de prevenção. Referências INSTITUTO PRÍSTINO. Análise Técnica Referente à Revalidação da Licença Operacional da Barragem de Rejeitos do Fundão SAMARCO MINERAÇÃO S/A. Laudo Técnico em resposta ao Parecer Único Nº 257/2013. PA Nº00015/1984/095/2013. Disponível em: http://www.earthworksaction.org/files/pubs-others/9.1-laudo-tecnico.pdf. Acesso em: 10 out. 2016. DINIZ, E. P. H; LIMA, F. de P. A; CAMPOS, M. A; ROCHA, R. O acidente da Barragem de Rejeitos de Fundão: um acidente organizacional? In: PINHEIRO, T. M. M.; POLIGNANO, M. V.; GOULART, E. M. A. (Org.). Desastre de trabalho da Samarco na Bacia do Rio Doce: causas, impactos e desdobramentos. Projeto Manuelzão UFMG 2017. No prelo. 6

LIMA, F. P. A; RABELLO, L.; CASTRO, M. (Org.). Conectando saberes: dispositivos sociais de prevenção de acidentes e doenças no trabalho. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2015. 493 p. (Série Confiabilidade Humana). LLORY, M.; MONTMAYEUL, R. O acidente e a organização. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2014. 192 p. Disponível em: http://www.forumat.net.br/at/sites/default//arqpaginas/o_acidente_e_a_organizacaomiolo_e_capa2.pdf. Acesso em 01 jun. 2017. MINISTÉRIO DO TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL (MTPS). Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais. Seção de Segurança e Saúde no Trabalho (SEGUR). Rompimento da Barragem de Rejeitos Fundão em Mariana MG. Belo Horizonte: MTPS, 2016. Relatório de Análise de Acidente. Disponível em: http://ftp.medicina.ufmg.br/osat/relatorios/2016/samarcomineracaorelat ORIOROMPIMENTOBARRAGEM20160502_09_05_2016.pdf. Acesso em 01 jun. 2017. MORGENSTERN, N. R. (Chair); VICK, S. G; VIOTTI, C. B.; WATTS, B. D. Report on the Immediate Causes of the Failure of the Fundão Dam. In: FUNDÃO TAILINGS DAM REVIEW PANEL. Disponível em: http://fundaoinvestigation.com/the-report/. Acesso em: 05 out. 2016. PoEMAS. Antes fosse mais leve a carga: uma avaliação dos aspectos econômicos, institucionais e sociais do desastre da Vale/BHP/Samarco em Mariana (MG). Relatório preliminar. 2015. Mimeo. Disponível em: http://www.ufjf.br/poemas/files/2014/07/poemas-2015-antes-fosse-mais-levea-carga-vers%c3%a3o-final.pdf. Acesso em 01 jun. 2017. WANDERLEY, L. J. et al. Desastre da Samarco/Vale/BHP no Vale do Rio Doce: aspectos econômicos, políticos e socioambientais. Cienc. Cult., São Paulo, v. 68, n. 3, Set. 2016. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0009-67252016000300011&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 13 out. 2016. 7