UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO A VEZ DO MESTRE



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Transcrição:

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO A VEZ DO MESTRE A CRIMINALIDADE E A PENA DE PRISÃO Por: Alexandre Pinheiro Campos de Faria Orientador Prof. Dra. Valesca Rodrigues Rio de Janeiro 2008

2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU PROJETO A VEZ DO MESTRE A CRIMINALIDADE E A PENA DE PRISÃO Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal. Por: Alexandre Pinheiro Campos de Faria.

3 AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço à minha família, que sempre me apoiou na minha educação e formação como pessoa. Agradeço também, aos meus colegas de turma, aos meus amigos estudiosos do Direito, ao Instituto A vez do Mestre e em especial à Professora Valesca Rodrigues.

4 DEDICATÓRIA Este Trabalho é dedicado à minha família, em especial à minha mãe Eliane, que está sempre em primeiro lugar na minha vida, à minha irmã Daniele, que foi primordial neste ano da Pós, estando do meu lado todas as terças feiras à noite, tendo sido uma grande incentivadora, que me ajudou muito. À minha noiva Marne, que sem ela não teria conseguido finalizar esse trabalho. Agradeço, também pelas cobranças e por ter me dado forças para continuar nessa luta. Obrigado por tudo. Aos meus amigos de turma, Estanislau, que divertia a todos, Maria Inês, Mariana e Dani, que sempre juntos, estávamos assistindo as aulas e depois atravessando a Ponte Rio- Niterói de volta para casa. À professora e orientadora Valesca, por toda compreensão e profissionalismo.

5 RESUMO Já no inicio do século XIX falava-se no fracasso das prisões enquanto medida capaz de transformar criminosos em cidades respeitadores da lei. Na verdade, jamais a privação da liberdade atingiu o objetivo de ressocializar o infrator pela simples razão de que é absolutamente contraditório esperar que alguém aprenda, de fato, a viver em liberdade, estando privado da liberdade. E, mais ainda, espera-se que a pena de prisão, além de ressocializar, ou reformar, cumpra os objetivos de retribuir, incapacitar e deter. O único objetivo que a pena de prisão consegue realizar é o retribuir ou punir, ou seja, castigar. A intimidação a ser obtida pelo castigo demanda que este seja apto a causar terror. Como podem então, serem reintegrados ao meio social se são rejeitados por esta sociedade, se são confinados à força, privados de autonomia de vontade, de recursos, de bens de natureza social, de família, de segurança, se são submetidos a um regime de controle quase total, tendo que se adequar às condições de vida que lhe são impostas? Para que tivéssemos resultados eficientes, seria necessário que pelo menos, o tempo passado na prisão abrisse ao preso alguma perspectiva de aprimoramento pessoal, com aprendizado de alguma profissão, por exemplo, que lhes proporcionassem alguma possibilidade de futura inserção no mercado de trabalho, a educação, poderia ser outro veículo de ascensão social; buscar alternativas para sancionar e até mesmo o Estado dirimir seus esforços na área preventiva dando aos chefes de família a possibilidade de criarem seus filhos com dignidade tentando minimizar as desigualdades sociais ao invés de ser somente repressor. As prisões continuarão conosco por muito tempo e, por isso mesmo, é urgente que se desenvolvam esforços para torná-las menos cruéis e para que não adicionem sofrimentos aos já condenados, aos nãocidadãos. Necessário se faz, colocar a Lei 7.210, de 11/06/84 Lei de Execuções Penais em prática retirando do papel do mundo abstrato os direitos inerentes aos detentos. A expressão defesa de direitos, sob a égide da

6 Constituição/88, engloba, claramente, o direito da dignidade humana e da integridade física, o manejo do instituto no espírito de uma constituição democrática e social, como visto, inclui a reivindicação, a ressalva de direitos, enfim, uma ampla interação do cidadão, individualmente considerado ou como integrante da sociedade.

7 METODOLOGIA Este trabalho foi desenvolvido, antes de tudo, pela vivência do dia a dia de nossa sociedade, dos problemas notórios que a criminalidade gera ä sociedade brasileira. O trabalho foi uma soma de estudos bibliográficos, com a exposição dos problemas da criminalidade, com a demonstração da fragilidade do sistema carcerário e da ineficácia dos resultados da pena de prisão. A monografia foi realizada com a leitura de doutrina especializada, de jornais, revistas e artigos sobre o tema Foi de muito valia também, assistir a filmes e documentários sobre o assunto, que relatam perfeitamente a realidade da criminalidade no contexto da sociedade brasileira.

8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 CAPÍTULO I Da criança e do adolescente no mundo do crime 11 CAPÍTULO II A retrospectiva da pena de prisão 16 CAPÍTULO III Dos substitutivos penais 35 CAPÍTULO IV Do Estudo da personalidade do delinqüente 38 CAPÍTULO V Bases para uma reforma do sistema penal 43 CONCLUSÃO 49 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 51 ÍNDICE 54 FOLHA DE AVALIAÇÃO 55

9 INTRODUÇÃO No contexto da nossa sociedade, os indivíduos que cometem crimes, sejam crimes graves ou pequenos delitos, de modo geral, tiveram uma infância com muitas dificuldades, onde adolescentes são vítimas ou perpetradores de violência a crescente gravidade e freqüência da delinqüência, do desaparecimento, da vadiagem, do consumo de álcool e drogas, da prostituição, da agressão sexual e física, da gravidez entre adolescentes e do homicídio, parricídio e suicídio cometidos por jovens devido às desigualdades sociais geradas por um sistema capitalista que influencia o consumo em massa de novas tecnologias e bens de consumo supérfluos que geram cada vez mais desigualdades sociais. O Estado que tem o poder-dever de manter a segurança, o bem comum dentro da sociedade, gerando a dignidade para todos e a igualdade social, só consegue ser cada vez mais omisso e indiferente. A lei 7.210/84 Lei de Execuções Penais, traz em seus artigos, incisos e alíneas, meios de conduzir um sistema prisional justo com intuito de conduzir o indivíduo encarcerado a oportunidade de ressocialização, gerando condições a preservar sua dignidade e integridade física. Mas a realidade do nosso sistema prisional é outra, onde o ser humano tem um tratamento desumano, rotulador, discriminador e institucional no qual a lei que prevalece é a lei da cadeia, tendo o encarcerado, na realidade, que lutar o tempo todo pela sua vida e integridade física. A nossa Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, inciso III, assegura que: ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante. E a todo tempo esta cláusula pétrea é violada. Todo esse caos no sistema prisional e principalmente na pena de prisão de liberdade, na realidade é uma responsabilidade do Estado e de todos nós, onde os encarcerados sofrem violências diariamente, onde crianças são submetidas o tempo todo à violência, sejam elas físicas ou psicológicas. Nós

10 só lembramos que esta violência existe quando somos atingidos diretamente, ou seja, quando chega a nos atingir já e um reflexo das grandes segregações sofridas por um indivíduo ao longo de toda sua existência. Conforme ressalta Cezar Bitencourt, citando o jurista Heleno Cláudio Fragoso, a prisão representa um trágico equívoco histórico (...) e que validamente só é possível pleitear que ela seja reservada exclusivamente para os casos em que não houver, no momento, outra solução. E, prossegue Bitencourt, fazendo referência a Michel Foucault ao afirmar que ela [a prisão] é a detestável solução da qual não se pode abrir mão. Assim, começaram a surgir propostas de formas de punição distintas da prisão já no início do século XX. Na esteira do amplo processo de consolidação, proteção e defesa dos chamados Direitos Humanos, a ONU, através de suas Resoluções, também começa a contribuir para o fomento desse movimento de humanização por meio da construção pactuada de diplomas internacionais como, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e as Regras Mínimas para Tratamento do Recluso de 1955. Soma-se a estes importantes esforços, a elaboração de resoluções que enfatizam tanto a necessidade de redução do número de reclusos quanto à oportunidade de soluções alternativas à prisão, as quais culminaram, em 1990, na Resolução 45/110-Regras Mínimas das Nações Unidas para Elaboração de Medidas Não-Privativas de Liberdade, as chamadas Regras de Tóquio. Hoje, é mais do que sabido os efeitos perversos que a pena de prisão pode produzir, dentre eles, a superlotação carcerária que atenta contra o respeito à dignidade da pessoa humana e, com isso, desencadeia uma série de outros problemas, como os acidentes e incidentes prisionais do tipo motins, rebeliões, chacinas, fugas em massa, etc.

11 CAPÍTULO 1 DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO MUNDO DO CRIME Analisando a questão da existência de crianças em gangues de drogas nas favelas comparando-as com crianças-soldados, passamos a conhecer a natureza, escala e intensidade do problema e, de certa forma, aceitamos a lógica de que o equivalente mais próximo é de fato a participação de crianças em conflitos armados. Não somente por causa das realidades externas, as causas por trás e as realidades internas, para as crianças e suas comunidades, também têm muito em comum com o uso de crianças soldados em situações de guerra. Muitas crianças tornam-se soldados porque não têm muitas outras opções, seja economicamente ou educacionalmente, em termos de proteção e status. Uma vez que entram para o mundo do crime, diminui ainda mais o leque de opções disponíveis para fornecer a mesma segurança, status e recursos. A pronta disponibilidade de armas leves e automáticas tem permitido que as crianças se envolvam numa idade cada vez menor em relação ao que era possível anteriormente, e que usem força letal comparável à de adultos. Ao mesmo tempo, a preocupação internacional para impedir que crianças sejam usadas como soldados, não está baseada somente na necessidade de proteger as crianças da exposição aos ferimentos e mortes. Também reconhece que as crianças são diferentes dos adultos porque ainda se encontram em estágio de desenvolvimento mental, emocional e físico.

12 Doutriná-los na violência, encorajando-os a matar e ferir os outros, cometer estupro ou tortura, distorce o processo de desenvolvimento. Isto afeta a criança individualmente, é claro, mas também tem um impacto no futuro da comunidade e da sociedade em geral. Embora crianças estivessem envolvidas em torno das margens do comércio de drogas antes, a situação atual é qualitativamente diferente e está afetando a relação com a comunidade. A não ser que sejam tomadas medidas imediatas para conduzir a questão, é difícil achar que o aumento da violência e a diminuição na idade das crianças não vão continuar. Seria isto então, outra manifestação de crianças-soldados? Superficialmente, as semelhanças são espantosas: facções armadas, com armas militares, controlando territotórios, pessoas e/ou recursos e operando numa estrutura organizada. Porém a resposta é não, e torna-se importante fazer a distinção tanto por razões legais quanto práticas. Em primeiro lugar, regulamentos diferentes são aplicados em conflitos armados. Tais crianças, por serem soldados, têm direito de agir como soldados e de serem tratadas como soldados, em outras palavras, em um conflito armado, têm direito de matar outros soldados e também podem ser mortas por eles. Em segundo lugar, conflitos armados são situações excepcionais (a despeito da natureza prolongada de alguns deles). A natureza excepcional da situação é um dos fatores que conduz crianças a entrar, assim como o fechamento das escolas, a falta de proteção em função da morte ou dispersão da família, a falta de comida por causa da interrupção da chegada de suprimentos, e outros. Também podese assumir que o conflito armado chegará ao fim em algum ponto e a vida voltará ao normal. Em situações de conflito prolongado, em que crianças têm sido seriamente envolvidas, estamos aprendendo que o encerramento do conflito é somente o início da mudança da realidade interna e externa das crianças que tenham gasto sua infância nesse caminho. Contudo, a precondição para a mudança é o término do conflito.

13 Ao mesmo tempo, os paralelos com crianças-soldados são mais próximos do que com outros grupos reconhecidos, como gangues jovens ou crianças de rua, e muitas dessas experiências (positivas e negativas) na busca de soluções para as razões de as crianças se tornarem soldados, e para sua desmobilização e reintegração na comunidade, serão úteis em relação a esta situação de agora em diante definida como crianças em violência armada organizada. Infelizmente, o problema de crianças em violência armada organizada não é de modo algum exclusividade das favelas brasileiras. Esta é uma importante oportunidade para a comunidade internacional ficar atenta e começar a buscar soluções para o problema. O adolescente e violência A idéia de adolescência como um estágio singular do desenvolvimento humano tem apenas cem anos. Entretanto, desde sua invenção, a adolescência revelou-se um conceito obrigatório e desafiador. Os cientistas sociais voltaram à atenção para os adolescentes e seus problemas e as pesquisas sobre o curso típico da adolescência proliferaram, ao lado de uma ampla documentação sobre caminhos desviantes. Uma compreensão das influências psicológicas, familiares e culturais normais que moldamos adolescentes de hoje capacita-nos a observar mais de perto os efeitos da violência. O que é uma adolescência normal ou saudável? Como a violência altera a experiência? Que fatores protegem da violência os adolescentes ou tornam capazes de se recuperar posteriormente? As famílias envolvidas com a violência são visivelmente diferentes de outras famílias que resistem bem ao período da adolescência?

14 As famílias nas quais a violência de qualquer tipo se desenvolve, violência física, abuso sexual, suicídio, delinqüência, estão por definição, angustiadas. As famílias envolvidas com a violência funcionam de modos diferentes, marcadas por tipos específicos de problemas no desenvolvimento dos indivíduos e do grupo familiar. Os efeitos sociais da violência sobre a vida dos adolescentes vão além do período de desenvolvimento da adolescência, preparando o terreno para dificuldades que adentram pela vida adulta. Embora as descobertas variem, constatou-se que o adulto vítima de violências durante a adolescência (sobretudo homens) têm, de modo geral, níveis mais altos de agressão e maior probabilidade de cometer crimes violentos. Parece até mesmo haver uma relação linear entre a quantidade de abuso sofrido pelos agressores e a quantidade de violência que eles causam (Geller & Ford-Soma, 1984) Da iniciação de crianças e adolescentes no mundo do crime Geralmente as crianças e adolescentes que se envolvem com a criminalidade vêem de contextos familiares desfavoráveis, com histórico de abandono, negligência dos pais, maus-tratos por pais alcoólatras ou presenciaram cenas de violência doméstica, ou seja, sofreram violência física e/ou psicológica. Todos fazem uso de algum tipo de droga, a maioria para se proteger do frio, enganar a fome, ganhar respeito dos colegas de rua ou dar coragem para efetuarem um crime. Dentre estas drogas estão: maconha ou merla, álcool, crack, cocaína, tinner ou cola, haxixe, entre outras. A evasão escolar entre os adolescentes é muito alta, raramente

15 encontra-se algum que tenha passado da 5ª série do ensino fundamental. Existem relatos de dificuldade de aprendizado e desmotivação para o estudo, em função do desamparo e da falta de alguém que os acompanhe. Os poucos que vivem em casa com a mãe continuam desamparados, já que elas precisam trabalhar para o sustento, passando o dia fora de casa, os deixando sozinhos e expostos a um contexto social violento. Observa-se, também, a hipótese de que a falta de estrutura de lazer, educação, saúde e assistência social para as crianças e adolescentes favorece o ingresso deles na vida do crime. Importante consignar, que não é a pobreza que leva ao crime, mas a desigualdade social. Os menores que são pegos ao cometer sua primeira infração ficam sob liberdade assistida, porém é uma medida pouco eficaz, visto que são poucos técnicos para acompanhar milhares de adolescentes. Assim, a taxa de reincidência é alta. Muitos adolescentes que hoje cumprem medidas sócioeducativas receberam medidas protetivas sem sucesso quando crianças. Sabemos que a expectativa de vida desses jovens em situação de risco é de 25 anos. Eles sofrem de uma auto-estima muito baixa, que os faz se desvalorizarem não se importando com o risco de vida aos quais estão submetidos. É necessária uma mobilização de toda a sociedade, para proporcionar a eles oportunidades para que tenham acesso a outras possibilidades de vida, amparada pela implementação de políticas públicas.

16 CAPÍTULO 2 A RETROSPECTIVA DA PENA DE PRISÃO É de considerar como antecedente remoto da prisão o cárcere, palavra usada para designar masmorras, subterrâneos ou torres, onde os indivíduos permaneciam em verdadeiros amontoados humanos, não por força de uma sanção penal, mas para aguardar o julgamento ou a aplicação da pena imposta, sendo esta normalmente representada por castigos corporais, morte, desterro, etc... Dessa forma, o cárcere era utilizado como um local de retenção provisória, não se fazendo uso da prisão como pena, com o significado hoje por nós conhecido. Como pena apareceu à prisão na Idade Média, no Direito Canônico, desenvolvendo-se por influência da Igreja, tendo maior aplicação a partir do século V. Passou, depois a ser utilizada fora do âmbito religioso, mas, até por volta do século XIII, foi aplicada apenas a um grupo restrito de criminosos. Somente bem mais tarde, por volta do século passado, é que a prisão surgiu como forma principal de punição, substituindo os trabalhos forçados, os castigos corporais e o degredo, como resultado dos movimentos em prol da humanização das penas. Surgiram, então, as celas dos mosteiros. Entre os cristãos, esses lugares eram às vezes procurados espontaneamente por aqueles que visavam alcançar a santidade: os penitenciais. Penitenciários, por outro lado, se denominavam os enviados por um juiz ou tribunal eclesiástico a celas por terem violado as leis da Igreja, para se recolherem, fazendo penitências, com a finalidade de não reincidirem. Foi inspirada nesses penitenciários que a justiça dos Estados adotou a prisão como forma de pena. Aliás, há muito se perceberam os efeitos nocivos do isolamento celular. Sua decadência foi posta em relevo por argumentos de autores de renome, sendo

17 Enrico Ferri seu mais eloqüente crítico. A solidão do silêncio não basta; é um tormento sinistro, é uma forma aguda da monotonia, irmã gêmea da loucura. Para Sutherland o criminoso pouco tem que pensar a não ser nos seus crimes, e essa concentração os impedem de criar novos interesses 1. Além do mais, o isolamento celular apresenta uma desigualdade na sua forma aflitiva, pois o homem de hábitos sedentários o suporta melhor do que o acostumado à vida de movimento ao ar livre. Passou-se então a dar grande importância ao diálogo, deixando de lado o isolamento completo, pois somente assim poderia haver convencimento e a demonstração do que estava errado e evitar a persistência do homem no crime, verificando-se que não era suficiente conter os indivíduos nem fazê-los pagar seu crime pelo sofrimento físico e moral. Deu-se maior relevância à sua reforma. Não se levando em conta as prisões canônicas, as primeiras experiências penitenciárias tiveram lugar na Europa. A partir do século XVI, surgiram as chamadas Casas de Força, nas quais eram internados, com obrigatoriedade de trabalho, mendigos, vagabundos, prostitutas, jovens entregues a uma vida desonesta e ladrões, imediatamente após a condenação. As primeiras foram estabelecidas em Londres (1550), Nuremberg (1558), Amsterdã (1595) e Gand (1775), tendo sido esta última, fundada por Vilain XIV, a que maior importância teve, elogiada inclusive por Howard, por ter servido de base para a organização penitenciária belga e porque era a que mais se aproximava das idéias humanistas. 1 P.7. CASTIGLIONE, Teodolindo. Estabelecimentos penais abertos. São Paulo. Ed. Saraiva. 1959.

18 Nos séculos XVII e XVIII, surgiram outros estabelecimentos de detenção para condenados, com os mais diversos nomes, sem contudo obedecer a nenhum sistema penitenciário. Em 1677, estabelece-se em Florença, por Filipo Franci, uma prisão celular. Em 1703, o Papa Clemente XI destina uma parte do Hospício de São Miguel, em Roma, para estabelecimento penitenciário, tendo como finalidade a educação e emenda, sob regime de silêncio e isolamento noturno. Aliás, o Papa Clemente XI mandara gravar nesse instituto a máxima de que, além de intimidar-se os transgressores da lei, deve-se procurar torná-los honestos, por meio de um conveniente tratamento penal. Na Casa de Força de Gand, durante o dia o trabalho era comum, sob o regime de silêncio, e à noite havia isolamento com base numa classificação metódica por categoria dos condenados. Viliain XIV era contrário ao confinamento e aos castigos corporais. Por volta de 1846, Marchonochie, Capitão da Marinha Inglesa, experimenta um novo sistema, o Mark System, na ilha de Norfolk, que deu origem ao regime progressivo. Sua idéia era de que o tratamento deveria ser mais preventivo que curativo, olhar para o futuro e não para o passado. Não obstante todas as tentativas para melhorar cada vez mais a situação das prisões, a verdade, contudo, é que ela não cumpre seus fins e continua sendo um fator criminógeno. O aumento da reincidência e o aparecimento de novas formas de delitos são sintomas de sua falência. Muitas modificações ocorreram, mas a prisão subsistiu com seus defeitos tradicionais, demonstrando a prática que tem prevalecido uma mentalidade repressiva, o que na atual política penal é imperdoável. Por outro lado, as modificações introduzidas no sistema penitenciário são insuficientes para atender a sua verdadeira finalidade, qual seja, recuperar os delinqüentes para que, ao retornarem à sociedade, possam torna-se cidadãos úteis e não um peso para ela, que talvez tenha sido a própria causadora de suas deficiências.

19 Das falhas das penas privativas de liberdade. Consideramos bárbaras as penas de antigamente, e não nos conformamos com os meios usados para punir os criminosos; mas será que as penas hoje também não são severas demais, ao obrigar um indivíduo a permanecer dez, vinte anos ou mais numa prisão onde nada de útil será obtido, nem para si, nem para a sociedade, que não sossegou enquanto não o viu jogado atrás das grades? Como podemos, então, considerar a pena privativa da liberdade como um meio eficaz no combate à criminalidade se o criminoso, em vez de contar com meios para recuperar-se, solver os danos causados à vítima ou auxiliar sua própria família, passa a viver à custa dos impostos pagos, entre outros, por essa mesma vítima? Não deixando de lado a consideração de que a situação caótica das prisões na atualidade se deve, principalmente, à superpopulação carcerária, o que talvez não existisse no passado, Teodolito Castiglione chama a atenção para um fato muito interessante: Quando se afirma que as prisões estão em declínio não devemos supor que seus males sejam recentes. Nos termos passados as prisões não eram melhores que as atuais, ao contrário as condições eram piores. Mas na realidade não foram as prisões que pioraram, mas sim o homem que progrediu e na sua mentalidade atual percebeu as deficiências dos lugares destinados à segregação do criminoso, lugares estes que nada ou bem pouco auxiliam na recuperação do delinqüente, levando-se em conta que hoje não se atribui maior valor à punição do que à correção do preso 2. 2 CASTIGLIONE, Teodolindo...Ob. cit. P.17.

20 Sabemos, contudo, que a prisão não pode desaparecer por completo, pois, assim como existem indivíduos que nunca deveriam ir para a cadeia, outros para seu próprio bem e para o bem da sociedade, necessitam lá permanecer por certo tempo. Pensamos que devem continuar a existir estabelecimentos de segurança máxima para os mais perigosos, mas apresentando condições humanas de tratamento, procurando-se, por outro lado, uma solução que atenda aos interesses do indivíduo e da sociedade em relação aos menos perigosos. Da crise no sistema penitenciário Tendo em vista a crise no sistema penitenciário, ocasionada pelas falhas do sistema de penas, bastante grave no Brasil, a preocupação central dos trabalhos realizados no I Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, realizado em São Paulo em 1973, foi a de tentar soluções para o tratamento da delinqüência, tendo em vista o estado deplorável de nosso sistema penitenciário. Não podemos acreditar em recuperação, sabendo a situação real dos nossos presídios. Como recuperar homens que estão amontoados, sem condições sequer de sobrevivência? O que hoje ocorre contraria frontalmente as conclusões do Seminário de Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente, promovido pela ONU, e realizado no Rio de Janeiro em 1953, estabelecendo que o limite de capacidade dos estabelecimentos penitenciários de segurança máxima e de 500 homens, e conflito com os ideais de outros seminários, propugnando métodos diversos para a recuperação dos infratores.

21 Certamente, ninguém desconhece a prática dos vários tipos de delitos dentro das prisões, consubstanciada em agressões pessoais, mortes, atentados ao pudor, furtos, roubos, além das infrações ao regulamento inteiro, constituindo um verdadeiro submundo do crime. A conclusão lógica é que o indivíduo não poderá ser reeducado para viver num mundo livre e honesto, se a escola é um cativeiro e um verdadeiro manancial de crimes, embora mantida pelo próprio Estado. Desde há muito os juristas tem-se manifestado a respeito dos males da prisão, dando grande destaque à promiscuidade e ao abandono espiritual. Pedro Chaves, Corregedor Geral da Justiça, assim ponderou, em 1954: A situação penitenciária não pode continuar como está. E necessário que o mal das prisões seja amenizado, que o detento seja tratado com a dignidade devida à espécie humana 3. Para transformarmos o infrator em membro da sociedade, não podemos provocar-lhe rebeldia com os métodos utilizados, sendo necessário que o ajudemos a desenvolver seu poder de iniciativa e senso de responsabilidade. A esse respeito Nelson Hungria assim se manifesta: Os estabelecimentos da atualidade não passam de monumentos de estupidez. Par reajustar homens à vida social invertem os processos lógicos de socialização; impõem silêncio ao único animal que fala; obrigam a regra que eliminam esforços de reconstrução moral para a vida livre do amanhã, induzem a um passivismo hipócrita pelo medo do castigo disciplinar, ao invés de remodelar caracteres ao influxo de nobres e elevados motivos; aviltam e desfibram, ao invés de incutirem o espírito de hombridade, o sentimento de amor-próprio; pretendem, paradoxalmente, preparar para a liberdade mediante um sistema de cativeiro 4. 3 4 DELMANTO, Celso - Comentários ao código penal. 3. Ed. Rio de Janeiro Forense, 1955. V. l. t. I. p. 190. 4 PIMENTAL, Manoel Pedro. Ensaio sobre a pena. Justitia. São Paulo, 77:107, 2 trim.1972.

22 A reforma das prisões não é um conceito nem uma aspiração. Trata-se de uma necessidade inadiável. A prisão não deve servir para segregar apenas. Se levarmos somente isto em consideração e não procurarmos criar no íntimo desses homens aptidões sociais, ou seja, modelá-los com uma meta que consista em torná-los aptos à vida social, acabaremos por produzir nos mesmos a perda do hábito de viver em comum numa sociedade livre. A doutrina em geral ressalta os males das prisões, apontando sua falência como meio reformulador do delinqüente. Evidentemente, no decorrer dos tempos algumas modificações ocorreram, mostrando progresso em relação aos desumanos calabouços primitivos, mas não de forma suficiente no ponto de vista da reeducação dos condenados, ajudando muito pouco ao homem em sua luta contra o crime. A opinião dominante é de que não é possível reabilitar o condenado ao convívio social, aplicando- lhe um isolamento que não é natural, que lhe traz, pelo tipo de vida a que obriga, repercussões negativas físicas e psíquicas, tornando-o ainda mais anti-social, por não lhe proporcionar uma existência racional e normal, levando a uma despersonalização incompatível com a vida em liberdade. A pena agrava as tendências antisociais e cria no preso um espírito hostil e agressivo contra qualquer forma de autoridade e de ordem. Nesta linha de raciocínio, a pena firmou-se na necessidade da recuperação social do delinqüente e na atribuição de uma pena proporcional ao ato praticado, função recuperatória esta que passou a ser admitida com base nos ensinamentos da Escola Positiva, firmando-se com os objetivos da corrente denominado Defesa Social, ao pregar que: 1. A pena não tem somente caráter expiatório, mas interessa também à proteção da sociedade; 2. A pena, além de ser exemplar e retribuitiva, tem um escopo de melhoramento, senão mesmo de uma reeducação do delinqüente;

23 3. A justiça penal deve ter sempre presente a pessoa humana, além das simples exigências da técnica processual, a fim de que o tratamento pessoal seja sempre humano 5. O preso é um sujeito de direitos e deveres, alguns próprios de qualquer pessoa, que permanecem apesar da condenação, outros que advém da mesma. Mas só a passividade do elemento a ser recuperado não basta para sua regeneração; é mister levá-lo a uma tomada de consciência e nele desperta não apenas o propósito de se emendar, mas também o de se reintegrar em seu ambiente social. O cumprimento puro e simples da pena de prisão não leva a bons resultados, provado que está estatisticamente, pelo grande número de reincidências. Se é que há alguma finalidade correta para a existência da prisão, esta é sem dúvida, a segregação do delinqüente perigoso, com o escopo de que ele valorize a sociedade e respeite suas regras. Hoje, sabemos que a defesa social, que se restringe a segregar temporariamente sem corrigir, não preenche suas finalidades e nenhum serviço presta ao condenado, pois não usa os meios adequados para suprimir, no homem, o criminoso que perturba a paz coletiva. A prisão deve ter o mesmo objetivo que tem a educação da infância na escola e na família; preparar o indivíduo para o mundo a fim de subsistir ou conviver tranqüilamente com seus semelhantes 6. 5 6 PIMENTAL, Manoel Pedro. Ob. Cit. p. 89. 6 CASTIGLIONE, Teodolindo Ob. Cit. P.17.

24 Da ineficácia da pena de prisão Muito se tem discutido acerca da finalidade da pena, punir ou reeducar, mas na verdade pouco se tem feito na prática quanto à reeducação. O que na realidade precisamos é de uma modificação radical no sistema penitenciário, visando obter melhores resultados, pois as falhas que apresenta, tal como ainda é praticado, demonstram sua falência. Como bem lembra Marc Ancel: À pena devemos dar uma finalidade diferente daquela que se reconhecia anteriormente; a pena deve ter como meta reeducar o delinqüente por meio de um tratamento rico de conteúdo humano e de justiça social. O preso tem direito à ressocialização. Ainda que o homem tenha apresentado comportamento contrário ao exigido pela sociedade, esta não pode ferir sua dignidade humana nem afastá-lo definitivamente da coletividade, isto porque a sociedade existe para o homem e assim sendo tem deveres para com ele; um deles é lhe oferecer chances de recuperação, colaborando a comunidade para que cada um de seus membros seja um cidadão livre 7. À entrada de qualquer penitenciária, sente-se o artificialismo ambiental; e é esse ambiente com regras próprias que irá envolver o delinqüente por um bom tempo, fazendo com que ele acabe esquecendo como era a vida fora da prisão. Lá dentro, a sociedade é irreal e transforma o indivíduo num autômato. A comunicação normal sofre profundas alterações, adotando-se gírias que na sociedade livre são condenadas ou consideradas sem sentido, mas que muito significam no ambiente prisional. Na verdade, o que ocorre nas prisões contribui para tornar o preso um ser cada vez mais

25 diferente. A Constituição Federal, em seu art. 5º, XLIX, protege a integridade física e moral do detento e do presidiário; no entanto, nada disso é respeitado dentro das prisões; ao contrário, o preso é explorado, castigado e levado ao máximo da revolta e vergonha. Como é constrangido em seus movimentos físicos, o detento acaba por perder suas características pessoais. O bom preso é o que aliena sua personalidade. Ficando algum tempo nesse ambiente, haverá maior dificuldade em adaptar-se ao meio social; nessas circunstâncias, reincide e volta ao presídio onde, de certa forma, encontra algum alívio, por estar, muitas vezes, já habituado com as respectivas regras e comportamentos. Hoje, sabemos que a prisão é um fator criminogênico, afirmação que já vem da época de Lombroso. O indivíduo, quando lá ingressa, recebe uma série de traumas morais e psicológicos que, certamente, irá interferir em sua recuperação. Nas prisões existe uma sociedade à parte, com regras próprias, com regulamentos e castigos e, principalmente, onde impera injustiças. Passado algum tempo nesse ambiente de corrupção e vícios, não sai como um penitente, mas volta à sociedade como um reincidente potencial. Na prisão, em vez de haver um polimento em seu comportamento, pode-se demonstrar que, se não sabia mentir, ser hipócrita e dissimular, lá dentro ele aprenderá. Diante do exposto, concordamos com Alípio Silveira, quando afirma que, ainda que nossas instituições penitenciárias oferecessem boas condições ao preso, não constituiriam o melhor método de recuperação, pois sabemos que muitos condenados, ao passarem por esses institutos, irão adquirir vícios até então inexistentes 8. Para que se consigam boas condições de tratamento do preso, antes de mais nada é preciso mudar-se a mentalidade de que somente a prisão reeduca e ressocializa, procurando-se aplicação de substitutivos, pois a imposição indiscriminada da pena de prisão acaba por ocorrer para a superpopulação carcerária, motivo de tantos problemas. Referindo-se à superpopulação carcerária, Franco Montoro, afirma que a prisão, em vez de ser 7 8 MENDES. Nelson Pizzotti. A nova defesa social Justitia. São Paulo. 85: 25. 2º trim. 1974 SILVEIRA. ALÍPIO. Teoria e prática albergue. São Paulo. LEUD. 1973. P.46

26 uma solução, está se constituindo num problema, pois, além de não colaborar na recuperação dos presos, concorre para degenerá-los. As superpopulações carcerárias, acarretando a mistura dos indivíduos de todas as classes, tornam mais fácil a aprendizagem do crime; daí dizer-se que as prisões são as faculdades dos crimes 9. Edmond Locard, Olof Kinberg, José Agustin Martinez, Roberto Lyra e outros lembraram, com propriedade, que os verdadeiros criminosos existem entre aqueles que já passaram pela prisão. O tratamento num ambiente desses é totalmente impossível, dada a diversidade de tipos e temperamentos, constituindo-se às vezes num ambiente sensivelmente pior do que o de fora, tanto moral como socialmente. E certo está Alípio Silveira ao afirmar que a superpopulação carcerária concorre para o péssimo tratamento dispensado aos indivíduos ali recolhidos, havendo um verdadeiro depósito de presos em promiscuidade, não concorrendo isso para a recuperação de ninguém; ao contrário, uma coisa está garantida, a reincidência 10. O problema, todavia, permanece; quem muda é o delinqüente, que se torna um prisonizado. Precisamos deixar de lado a idéia de que a pena de prisão é o único remédio para o criminoso, seja qual for seu grau de periculosidade e a gravidade do delito praticado, pois essa pena vem sendo adotada como se não houvesse realmente outros meios de sanção; por um lado, porque é um remédio ineficaz, e por outro, porque é inexeqüível. O caos do sistema penitenciário A construção de mais prisões de segurança máxima está longe do ideal. Procurarmos a solução por meio da construção de novas penitenciárias, 9 MONTORO. FRANCO. A Pena sem prisão. Revista de Informações Legislativa. Brasília. 10 (40) 72-28. out./dez

27 que de nada nos adianta, não representa a solução ideal, pois o que temos em vista é a reeducação e a recuperação do delinqüente, ou seja, o estabelecimento fechado. É necessário que se faça o remanejamento de determinados internos para outros lugares, ou que se lhes apliquem medidas alternativas, para que tenham chance de uma vida normal. Não devemos proliferar a idéia de que unicamente segregando o infrator conseguiremos bons resultados em relação aos aumentos do índice da criminalidade. O complexo problema carcerário é bastante aflitivo no Brasil, principalmente no Estado de São Paulo, embora seja o que possui maiores recursos. Assim por exemplo, na Casa de Detenção as antigas celas foram transformadas em xadrezes coletivos para aumentar o espaço. Certos beliches são tapados com lençóis à guisa de cortina, recebendo o nome de apartamentos onde, resguardados, os detentos entregam-se à prática do homossexualismo. Os presos mais fracos são submetidos aos mais fortes, ou vendidos a troco de cigarros. Estas realidades do caos do sistema penitenciário estão estampados diariamente nos jornais e manchetes do pa s, que só corroboram para comprovar que o nosso sistema penitenciário está falido e só gera monstros, ao invés de ressocializar. A superpopulação carcerária impede a classificação do condenado e a individualização da pena, pois para sabermos qual a medida aplicável ao delinqüente, é preciso conhecê-lo. Saber os fatores endógenos e exógenos que o levaram à prática do ato delituoso; conhecer sua conduta durante e depois do processo e no decorrer de sua vida carcerária é o que torna mais fácil sua readaptação social. O indivíduo, quando chega ao estabelecimento penal, deveria ser examinado sob todos os aspectos e ângulos de sua personalidade para que lhe fosse corretamente aplicado um 10 SILVEIRA. ALÍPIO. Ob. Cit. P.46.

28 método recuperativo. O exame pessoal é que vai orientar seu diagnóstico individual e social e seu prognóstico para a vida que se segue à pena. É lamentável, entretanto, constatar que nada disto é feito, ficando, assim, prejudicada a individualização administrativa da pena. Quanto à individualização da pena, sabendo-se que sem ela não há como se falar em preparo para a vida livre, o art. 5º da Lei das Execuções Penais determina que os condenados serão classificados segundo seus antecedentes e periculosidades, para orientar a individualização da execução penal e o art. 6º da mesma lei afirma que ela será feita por comissão técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador e acompanhará a execução das penas privativas da liberdade e restritivas de direitos, devendo propor as progressões e regressões dos regimes, bem como as conversões. A criminalidade é um fenômeno tão complexo e múltiplo que não há dois delinqüentes iguais. Assim, para que se consiga algo proveitoso, a pena deverá ser diferenciada, estar de acordo com cada pessoa e não aplicada como se todos os presos fossem homens estereotipados. A pena de prisão pode corrigir se o tempo de segregação for bem aproveitado para a reeducação. Isto é, que o homem seja preparado para a vida livre. A pena de prisão nos moldes em que é executada, não permite a individualização penal, somente possível quando se leva em conta não só a gravidade do delito praticado, mas também a pessoa do delinqüente. Da ocupação/trabalho do preso Outro problema de superlotação carcerária é o relativo ao trabalho, que não tem sido possível na extensão e variedade necessárias, o que piora

29 ainda mais a situação dos internos. O trabalho, que é tido como um ótimo remédio para acalmar e preencher o tempo, é privilégio apenas de uma minoria. A maioria dos condenados fica nas celas numa ociosidade quase completa, desaprendendo o pouco inútil que sabia e tendo aulas de novas práticas delituosas, o que gera vícios, influindo nas personalidades fracas e servindo para distorcer-se, pois, num contra-senso, não atendendo a finalidade da pena, que é reintegrar o homem à coletividade, em condições de exerce uma atividade útil. Há quem entenda que a industrialização dos presídios proporciona lucros para muitos, menos para o preso, que só obtém, a cada três dias de trabalho, redução de um dia no cumprimento da pena, mas a realidade é que a inatividade acaba levando o indivíduo a uma situação negativa, que encoraja a negligência. A ocupação profissional é necessária na vida do homem, visto que um desocupado é um possível candidato a ações ilícitas. A importância do trabalho para a recuperação do homem está consagrada mundialmente. Assim, além de outros aspectos positivos, temos os aspectos: Humano: colabora para a saúde física e mental, ajudando a manter uma profissão ou desenvolvê-las; evitar que o preso fique entregue ao gasto inútil do tempo, piorando suas condições psicológicas, levado pela solidão e tédio; colabora para que se mantenha o equilíbrio orgânico e psíquico. Carcerário: mantendo-se o indivíduo ocupado, facilita-se a disciplina, evitando-se possíveis rebeliões, pois acalma e incute confiança no dia de amanhã; colabora para diminuição da reincidência, uma vez que a falta de habilitação para o trabalho é, sem dúvida, uma das suas causas. Econômico: percebendo um salário, por menor que seja, o preso é estimulado a auxiliar a família e a adquirir pequenas coisas que lhe são necessárias, sem ficar dependendo apenas do Estado, ou da colaboração familiar.

30 É bem verdade que nem sempre o trabalho funcionara como meio reeducador do homem, pois há presos que não precisam ser reeducados, uma vez que possuem profissões e estão habilitados há trabalhar, sendo o delito um acidente em suas vidas. Mas, nesses casos, o trabalho permitirá que esses indivíduos não percam o habito que possuíam e não sejam indivíduos prisonizados. Também há de ser lembrado que esse trabalho deverá ser adequado, útil e não mera ocupação que pouco incentiva. É bem verdade que há casos em que o indivíduo se ajusta perfeitamente a suas ocupações, mantendo assim condições para retornar à vida livre dentro de suas atividades normais, e às vezes sai do presídio até com oferta de trabalho, mas isto representa a exceção e não a regra. Nossas prisões, todavia, ainda não estão aparelhadas para profissionalizar o condenado, ou mesmo mantê-lo ocupado de forma útil. Com remuneração ao redor de R$ 400 por mês, sem direito a 13º, férias e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), os presos se transformaram em vantagem competitiva para as indústrias. Por essa razão, é cada vez maior o interesse dos empresários na mãode-obra carcerária. Quase metade dos cerca de 85 mil presos das unidades administradas pela Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo presta serviços às empresas. Da infra-estrutura do sistema penitenciário Além do sofrimento que a vida prisional impõe ao condenado, na maioria das vezes fica ele na dependência do temperamento, interesse e

31 sentimentos pessoais dos funcionários da prisão. Daí deduzir-se a grande importância de melhor preparo do pessoal penitenciário. Nossos guardas penitenciários são geralmente indivíduos despreparados. Não têm nenhum conhecimento de relações humanas, nem da psicologia do delinqüente. Percebendo salários insignificantes e tendo que lutar pela subsistência de uma família, são muitas vezes passíveis de suborno, os que também concorre para a deterioração da infra-estrutura do sistema penitenciário. O mesmo se pode dizer do pessoal administrativo em geral. Os próprios diretores, muitas vezes, não têm formação em Criminologia ou Psicológica, matérias de vital importância para a atividade que ocupam. Poderão ter grandes qualidades, mas não para orientar a vida carcerária, muito menos apresentar elementos colaboradores para a recuperação do preso. É bem verdade que em seu trabalho contam com a colaboração dos auxiliares, mas mesmo assim devem, como todo o pessoal, possuir uma formação adequada a suas atividades, ou seja, formação específica conforme o cargo que ocupam. Manter a disciplina nos presídios é real valor, mas tudo deve ser feito dentro das regras da humanidade. Às vezes, os funcionários das prisões oprimem mais que os próprios muros ou ferrolhos, o que acaba criando revolta e indisciplina. A necessidade de se dar melhor preparo aos funcionários das prisões, dentro das novas bases da política penitenciária, é evidente, tendo em vista que estes são elementos imprescindíveis, que participam ativamente na rotina da vida prisional, e que são peças importantes para a reinserção do condenado ao grupo social. Não devemos pensar apenas no preparo dos funcionários mais modestos, mas exigir a preparação para todos os graus, pois somente assim será possível um bom trabalho de equipe. A mentalidade de que somente com o uso da força se consegue alguma coisa em relação aos presos é errônea, bastando lembrar que, mesmo dentro de sistemas mais rigorosos, não se conseguem evitar comunicações clandestinas, encontros proibidos e comércio de entorpecentes, que levam à proliferação do vício. É do conhecimento geral que a saúde física e mental do preso é abalada quando ele

32 cumpre pena de prisão. O problema sexual, todavia, tem colaborado para agravar ainda mais essa situação. É notório conhecimento que as perversões sexuais são comuns nas prisões, sem que nada seja feito para modificar tal situação. Muitas soluções têm sido propostas, entre elas as visitas periódicas dos presos a seus lares e a coabitação em colônias penais de condenados com suas famílias. Idéias perfeitamente viáveis tendo em vista o regime de semi-liberdade. Por outro lado, buscam-se soluções também por meio de visitas periódicas das esposas ou companheiras aos condenados, o que traz vários inconvenientes. Essas soluções atendem àqueles que são casados ou que têm uma companheira fixa, mas não resolve a situação dos viúvos, desquitados ou solteiros. Estamos, com isso, diante de um tratamento injusto, que beneficia alguns privilegiados e traz mais tensão aos não beneficiados pela medida. Também deve ser lembrada a exigência do bom comportamento para a obtenção da permissão. Como bem lembra Paulo de Albuquerque Prado: A necessidade sexual atinge a todos por igual, bem ou mal comportados, e sabemos serem estes últimos justamente os que mais carecem de satisfação 11. Aliás, o julgamento do que é um bom detento é sempre muito falho, considerando-se como tal àquele que não cria problemas, o que não significa, tantas vezes, preparo para a vida livre. Na realidade ele é um prisonizado, ou seja, assimilou todas as normas e regulamentos da prisão; integrou-se àquela sociedade, mas tornou-se um marginalizado em relação à vida social. Deve ser lembrado que a necessidade afetiva pode levar à inversão sexual, pois a carência de afeto do sexo oposto vai gerar simpatias de tipo homossexual. É a exploração do sexo reprimido. Além daqueles que se sujeitam à prática libidinosa para sua satisfação, existem os que são obrigados, enquanto outros ainda a praticam visando a uma compensação econômica. É o ambiente prisional favorecendo a degeneração cada vez maior do ser humano. Assim, o 11 PRADO. DE ALBUQUERQUE, PAULO. A questão sexual nos presídios. Revista de Medicina e Cirurgia de São Paulo, São Paulo, 8 (5/6): 17-25, maio/jun. 1958. Separata

33 problema sexual não encontra solução satisfatória nas prisões. A possibilidade surge com o emprego das prisões abertas e dos substitutivos penais. É preciso tomarmos consciência do que ocorre, e tentar imediatamente uma saída. Seria mais cômodo alegar as dificuldades existentes para conseguir apenas algumas modificações e com isso cruzarmos os braços. Querer perfeição é utópico, então realizaremos o mínimo, pois o pouco desde que levado a efeito representará muito. O que não podemos é nos entregar ao comodismo, deixando que as falhas sufoquem os princípios de justiça e humanidade a ser realizada e acabar com as bastilhas penitenciárias, idéias estas que tiveram grande repercussão com os trabalhos de Enrico Ferri, Jimenez de Asúa e outros, para quem a prisão nada constrói. Não podemos, contudo, atribuir todas responsabilidades à pena de prisão. Outro fator deve ser lembrado, qual seja, a tão falada exclusão social do delinqüente não passa, na maioria das vezes, de rejeição pela própria sociedade. A ressocialização é trabalho que deve ser realizado em conjunto pelo sistema penitenciário aliado à colaboração da sociedade, que precisa reconhecer que o condenado pertence à coletividade e deve a ele voltar, como seu membro, para levar uma vida útil. Por isso, deve-a ser esclarecido e conscientizado do relevante papel que deve e pode realizar para a completa integração do homem que cumpriu sua condenação. Considerando todas as falhas apresentadas pela pena de prisão e, por outro lado, o aumento constante da criminalidade, verificamos que há necessidade de se mudar a política atual, a fim de se aplicar o menos possível a pena de prisão. Cumpre lançar mão de outros meios que tornem possível a solução dos vários problemas longe dos efeitos maléficos da prisão, demonstrado como já ficou que seu emprego não atende às finalidades a que se propunha. É contra-indicada para penas de longa ou curta duração, somente se justificando, ainda, para os de acentuada periculosidade, e isso dentro de um regime devidamente estruturado para possibilitar o tratamento exigido. Assim, é necessário incrementar outros meios de tratamento,

34 realizando um paciente trabalho de pesquisa e buscando substitutos penais satisfatórios, em vez de considerar a segregação como única via de sanção penal. Aliás, uma das conclusões do IV Congresso das Nações Unidas, realizado em Kioto, no Japão, em 1970, foi mostrar a tendência cada vez maior de impor substitutivos penais, eliminando tanto quanto possível à prisão.