II-046 CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA E BIOLÓGICA DOS RESÍDUOS DE SISTEMAS TIPO TANQUE SÉPTICO-SUMIDOURO DA CIDADE DO NATAL Carla Gracy Ribeiro Meneses (1) Engenheira Civil/UFRN, 1998; mestranda do Programa de Pós-graduação em Engenharia Sanitária (LARHISA/UFRN), concentração na área de Saneamento Ambiental; bolsista da CAPES. Maria del Pilar Durante Ingunza Doutora ETSICCyP/UPM, Madri, Espanha, 1997; mestre em Meio Ambiente; geóloga/ucm, Madri, Espanha; professora do Programa de Pós-graduação em Engenharia Sanitária (LARHISA/UFRN). Nadja Maria Nobre de Farias Mestre em Engenharia Civil - Hidráulica e Saneamento Escola de Engenharia de São Paulo/USP; Engenheira Civil/UFRN; professora adjunta do curso de Engenharia Civil. Antônia Cláudia Jácome da Câmara Mestre em Parasitologia/UFMG, 1995; Farmacêutica Bioquímica/UFRN, 1990; professora assistente II Departamento de Microbiologia e Parasitologia/UFRN. Endereço (1) : Rua Dr. Sebastião Zuza de Matos, bl. 03, apto. 103 - Jardim Botânico Neópolis Natal RN CEP: 59.080-470 Brasil Tel.: (84) 217-5179 e-mail: carlagracy@bol.com.br RESUMO Uma das principais causas do baixo nível de saúde e da má qualidade de vida de um povo, é a carência de saneamento básico, principalmente no tratamento dos esgotos. No Brasil, são conhecidas e aplicadas várias técnicas de tratamento de esgotos, desde sofisticados sistemas convencionais até os processos mais simples. Dentre as técnicas adotadas, os tanques sépticos são encontrados em grande quantidade e em praticamente qualquer lugar habitado que se vá. Na cidade do Natal, por ressentir de sistema público de esgotamento sanitário são apenas coletados aproximadamente 27% dos esgotos produzidos a solução amplamente adotada é o sistema tipo tanque séptico-sumidouro, por possuir facilidade construtiva e operacional. No entanto, o maior inconveniente na utilização de sistema tipo tanque séptico-sumidouro em Natal, consiste basicamente no tratamento e destino final dos resíduos gerados, que são transportados por empresas privadas do tipo limpa fossa, as quais na sua maioria tradicionalmente faziam a disposição no solo ou em áreas inundáveis, à céu aberto, normalmente localizadas na periferia da cidade. Sendo assim, o presente trabalho vem relatar uma caracterização físico-química e biológica dos resíduos do sistema tipo tanque séptico-sumidouro da cidade do Natal, que auxiliará no estudo de alternativas para tratamento complementar ou destinação final desses resíduos. PALAVRAS-CHAVE: Tanque séptico - sumidouro, Caracterização físico-química e biológica INTRODUÇÃO Os tanques sépticos foram concebidas por volta de 1860, na França, a partir de pesquisas realizadas por Jean Louis Mouras. Foi a primeira unidade inventada para tratamento de esgotos e até hoje é ainda amplamente utilizada, constituindo-se em uma das principais alternativas para tratamento primário de esgotos residências e de pequenas áreas não servidas por redes coletoras. São unidades de forma cilíndrica ou prismática, de fluxo horizontal, que desempenham as funções múltiplas de sedimentação da matéria sólida e remoção de materiais flutuantes, além de serem digestores de baixa carga, sem mistura e sem aquecimento. ABES Trabalhos Técnicos 1
No Brasil, encontram-se tanques sépticos em grande quantidade e em praticamente qualquer lugar habitado que se vá. A maioria atende habitações unifamiliares mas são empregados também para vazões maiores. De acordo com Andrade Neto (1997), o sucesso do tanque séptico, deve-se, principalmente à construção e operação muito simples. Não exige técnicas construtivas especiais, nem equipamentos, e a operação não requer a presença constante de operador qualificado. Na cidade do Natal, devido a existência de um grande número de unidades do tipo tanque séptico, torna-se necessário a construção de instalações especificamente projetadas e construídas com a finalidade de receber o material removido dessas unidades e que são transportados por empresas privadas do tipo limpa fossa, as quais na sua maioria tradicionalmente faziam a disposição no solo ou em áreas inundáveis, à céu aberto, normalmente localizadas na periferia da cidade. O presente trabalho faz uma caracterização físico-química e biológica dos resíduos de tanque sépticosumidouro, coletados do descarregamento de caminhões limpa-fossa e analisados em laboratório, que auxiliará no estudo de alternativas para tratamento complementar ou destinação final desses resíduos. O desenvolvimento desse trabalho contou com o apoio e a participação da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (CAERN) e da empresa Imunizadora e Limpadora Potiguar. METODOLOGIA As coletas foram realizadas no período de agosto de 2000 a fevereiro de 2001, com freqüência quinzenal, totalizando um número de 15 coletas. No momento da coleta, eram anotadas informações e dados que poderiam ajudar na interpretação dos resultados. Foram retiradas frações individuais de amostras obtidas do descarregamento de caminhões limpa fossa, colocadas em frascos plásticos e acondicionadas em caixa térmica com gelo, que reunidas formavam uma amostra composta. Essa amostra composta era transportada para o laboratório da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte e mantida sob refrigeração a 4 C, para preservar a sua representatividade e conservação, até ser submetida à análise. A seleção dos parâmetros analisados baseou-se naqueles normalmente realizados, e principalmente, nos que são mais importantes no estudo de tratamento de esgotos. Sendo assim, foram analisados os seguintes parâmetros de acordo Standard Methods for Examination of Water and Wastewater e no J. Rodier.: temperatura, ph, cor, turbidez, condutividade, sólidos totais (fixos e voláteis), sólidos suspensos (fixos e voláteis), sólidos dissolvidos (fixos e voláteis), sólidos sedimentáveis, cloretos, acidez, alcalinidade, fósforo total, nitrogênio (orgânico, amoniacal, nitrito e nitrato), óleos e graxas, DBO, DQO, coliformes fecais e helmintos. Para a enumeração de ovos de helmintos foi utilizado o método desenvolvido por BAILEGER (1979) e modificado por AYRES & MARA (1996). Depois da amostra ser coletada e encaminhada para análise no laboratório da CAERN, os parâmetros DBO, coliformes fecais e sólidos sedimentáveis, foram analisados imediatamente, sendo os outros analisados dentro do período de validade de cada parâmetro. É importante ressaltar que, para cada amostra individual coletada foi determinado de imediato a temperatura e o ph, e para a realização das análises de cloretos, acidez, alcalinidade, fósforo total, nitrogênio (orgânico, amoniacal, nitrito e nitrato) a amostra foi diluída e filtrada em papel de filtro, efetuando-se os testes nas porções filtradas. Já para a análise de cor, turbidez, DBO e DQO a amostra foi apenas diluída. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DAS ANÁLISES A apresentação dos resultados se fixaram, basicamente nos valores máximos, médios e mínimos dos parâmetros analisados. A tabela 1 apresenta esses valores. 2 ABES Trabalhos Técnicos
ANÁLISES FÍSICO-QUÍMICAS: Temperatura: A temperatura variou de 27,95 a 31,30 C, sendo a média de 29,85 C. ph: Apresenta variação de 6,30 a 7,20, com média de 6,94. Isto significa, que o ph manteve-se praticamente próximo do estado neutro. Cor e Turbidez: Os valores de cor e turbidez variaram de 600 a 22.000 uh e de 1.350 a 25.320 ut, respectivamente. O valor elevado de cor e turbidez, foi encontrado em amostra com valor elevado de sólidos em suspensão. Sólidos: os teores de sólidos totais e sólidos suspensos variaram respectivamente de 2.280 a 39.238 mg/l e de 1.240 a 17.350 mg/l. As elevadas concentrações de sólidos foram provavelmente devido a maior presença de amostras provenientes unicamente de tanques sépticos. Alcalinidade: A alcalinidade sob a forma de bicarbonato foi predominante, e variou entre 154 a 902 mg CaCO 3 /l, com média de 498 mg CaCO 3 /l. Fósforo: A concentração máxima de fósforo foi de 67,20 mg P/l. Os outros valores variaram de 6,20 a 28,80 mg P/l. DBO e DQO: Os valores situam-se entre 1.020 a 4.800 mg/l e entre 2.400 a 16.000 mg/l, respectivamente. Esses valores são considerados altos comparados aos valores de DBO e DQO encontrados em um esgoto doméstico bruto. Nitrogênio: O nitrogênio total variou de 54,24 a 179,60 mg N/l, com média de 119,68 mg N/l. Neste foi detectado a maior presença de nitrogênio sob a forma amoniacal (38,08 a 148,80 mg N/l). A concentração de nitrito foi igual a zero e a concentração de nitrato variou de 0 6 mg N/l. Óleos e Graxas: Os teores de óleos e graxas variaram entre 6,20 a 8.533 mg/l, com média de 531 mg/l Este valor máximo foi proveniente de uma amostra da caixa de gordura de um refeitório industrial. ANÁLISES BIOLÓGICAS: Coliformes fecais: A concentração de coliformes fecais apresentou-se entre (10 5 10 8 UFC/ml) com média de 10 7 UFC/ml. Esses valores elevados confirmam a baixa eficiência na remoção de microrganismos patogênicos. Helmintos: Os resultados de contagem e identificação de ovos de helmintos nas amostras variou de 53 a 837 ovos/l, com média 225 ovos/l. A maior freqüência foram de ovos de Ascaris lumbricoides, sendo esses morfologicamente férteis, mesmo não tendo sido testada a sua viabilidade. ABES Trabalhos Técnicos 3
Tabela 1: Valores máximo, médio e mínimo dos parâmetros analisados PARÂMETROS UNID. MÁXIMO MÉDIA MÍNIMO FÍSICOS Temperatura C 31,30 29,85 27,95 ph - 7,20 6,94 6,30 Cor uh 22.000 4.813 600 Condutividade µscm -1 2.500 1.567 900 Turbidez ut 25.320 7.677 1.350 QUÍMICOS Sólidos totais mg/l 39.238 12.880 2.280 Sólidos totais fixos mg/l 8.010 2.824 240 Sólidos totais voláteis mg/l 11.828 3.518 1.710 Sólidos susp. totais mg/l 17.350 7.091 1.240 Sólidos susp. fixos mg/l 3.620 1.575 150 Sólidos susp. voláteis mg/l 8.160 2.246 1.030 Sólidos dis. Totais mg/l 21.888 4.052 1.100 Sólidos dis. Fixos mg/l 4.446 1.518 90 Sólidos dis. Voláteis mg/l 7.348 1.966 120 Sólidos sedimentáveis ml/l 700 266 34 Cloretos mg/l 370 254 140 Acidez mg/l 500 205 60 Alcalinidade mgcaco 3 /l 902 498 154 Fósforo mg P/l 67,20 18,05 6,20 Nitrogênio total mg N/l 179,60 119,68 54,64 Nitrogênio orgânico mg N/l 70,56 34,91 14,56 Nitrogênio amoniacal mgnh 3 /l 148,80 88,87 38,08 Nitrito mgno 2 /l 0,00 0,00 0,00 Nitrato mgno 3 /l 6,00 1,87 0,00 Óleos e graxas mg/l 8.533 531 6,20 DBO mg/l 4.800 2.434 1.020 DQO mg/l 16.000 6.895 2.400 BIOLÓGICOS Coliformes fecais UFC/ml 2,00E+08 3,16E+07 6,90E+05 Helmintos Ovos/l 837 225 53 CONCLUSÕES: A partir dos resultados obtidos, pode-se fazer algumas considerações com relação as características físicoquímicas e biológicas dos resíduos do sistema tipo tanque séptico-sumidouro da cidade do Natal: A temperatura variou de 27,95 a 31,30 C, com média de 29,85 C, estando próxima da faixa de temperatura ótima para a digestão anaeróbia (30 a 35 C) (HAANDEL & LETTINGA, 1994). Em relação a microrganismos patogênicos, encontra-se dentro da faixa favorável para o desenvolvimento de Ascaris lumbricoides (25 a 30 C) (NEVES, 1995). ph médio de 6,94 está próximo do valor neutro e dentro da faixa de ph ótimo para o crescimento bacteriano (6,5 a 7,5) ( VON SPERLING, 1995 apud METCALF & EDDY, 1991). Teores elevados de sólidos foram obtidos em amostras que apresentaram maior contribuição de resíduos provenientes unicamente de tanques sépticos, isto porque, uma das finalidades do tanque séptico é a retenção e acumulação de sólidos. No entanto, os teores mínimos de sólidos foram encontrados em amostras com maior concentração de resíduos procedentes de sumidouros, no qual recebem diretamente dos tanques sépticos, apenas efluentes líquidos praticamente isentos de sólidos. 4 ABES Trabalhos Técnicos
Para valor máximo e mínimo de sólidos em suspensão foi observado valor máximo e mínimo de cor e turbidez. De fato, esta relação era esperada, visto que foram feitas medidas de cor aparente e que a turbidez é originada pela presença de materiais em suspensão. A concentração máxima de fósforo está associado a presença de amostra de uma caixa de gordura proveniente de um refeitório industrial, onde provavelmente existe um maior uso de detergentes para limpeza. Os valores de DBO e DQO são considerados altos, provavelmente devido a falta de manutenção. Geralmente, por comodidade do usuário ou falta de orientação técnica, o tanque séptico funciona por vários anos e a sua limpeza só é realizada somente quando o mesma apresenta problemas de funcionamento. Óleos e graxas particularmente não são desejáveis nas unidades de tratamento de esgotos, pois aderem às paredes, vindo a produzir odores desagradáveis, formarem espuma, uma camada de matéria flutuante que interfere e inibe a vida biológica e traz problema de manutenção e eficiência no sistema de tratamento. Por isso, os resíduos provenientes de caixa de gordura, onde normalmente os teores de óleos e graxas são mais elevados, devem receber um tratamento adequado. Os resultados mostram que as amostras apresentam valores elevados de coliformes fecais e um grande número de ovos de helmintos, principalmente de Ascaris lumbricoides, que são considerados uma das helmintoses mais comuns no Brasil. Portanto, considerando os resultados obtidos, ressalta-se a necessidade de estudos de tratamento que propiciem um controle eficiente na redução ou remoção desses organismos patogênicos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ANDRADE NETO, C.O de. Sistemas Simples para Tratamento de Esgotos Sanitários: Experiência Brasileira. Rio de Janeiro, 1997, ABES, 301p. 2. AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION (APHA), AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION (AWWA), WATER ENVIROMENT FEDERATION (WEF). Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater. APHA Washington, 1.155 p. 1995. 3. AYRES, R & MARA, D. Analysis of wastewater for use in agriculture. A laboratory manual of parasitological and bacteriological techniques. Geneva, WHO. 1996. 4. NEVES, D.P. Parasitologia humana. 9 a edição. EDITORA ATHENEU, 524 p, 1995. 5. RODIER, J. Analises de las Aguas. Aguas naturales, aguas residuales y aguas del mar. Barcelona, Ediciones Omega S.A, 1981 6. VAN HAANDEL, A.C. & LETTINGA, G. Tratamento anaeróbio de esgotos um manual para regiões de clima quente. Publicação independente. Campina Grande/PB, 246 p, 1994. 7. VON SPERLING, M. Princípios básicos do tratamento de esgotos. Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental UFMG. Belo Horizonte, 221 p. 1996. ABES Trabalhos Técnicos 5