R. Periodontia - Dezembro 2008 - Volume 18 - Número 04 DIAGNÓSTICO CLÍNICO E COMPLEMENTAR DAS DOENÇAS PERIIMPLANTARES Clinical and complementary diagnosis of peri-implantitis disease Giuseppe Alexandre Romito 1, Luciana Saraiva 2, Nívea Maria de Freitas 3 RESUMO O tratamento reabilitador por meio de implantes osseointegrados em pacientes parcialmente ou totalmente edentados tem sido utilizado na clínica odontológica com alta previsibilidade. O objetivo desta revisão da literatura foi o de avaliar os métodos de diagnósticos possíveis para condições que indiquem a presença de processo inflamatório ao redor de implantes. Foi possível concluir que a avaliação periódica da condição clínica dos tecidos moles ao redor dos implantes, as alterações na profundidade de sondagem, a mobilidade e a avaliação radiográfica são os melhores meios de detectar alterações no suporte ósseo. UNITERMOS: diagnóstico/periimplantite. R Periodontia 2008; 18:40-44. 1 Professor Doutor da Disciplina de Periodontia da Faculdade de Odontologia da USP. 2 Doutora em Periodontia pela Faculdade de Odontologia da USP, Profa. Responsável pela Disciplina de Periodontia da Faculdade de Odontologia da UMC. 3 Doutora em Periodontia pela Faculdade de Odontologia da USP. Recebimento: 27/10/08 - Correção: 08/11/08 - Aceite: 21/11/08 INTRODUÇÃO O tratamento reabilitador por meio de implantes osseointegrados em pacientes parcialmente ou totalmente edentados tem sido utilizado na clínica odontológica com alta previsibilidade. Entretanto, a sua longevidade pode ser comprometida por infecções nos tecidos que margeiam e/ou sustentam os implantes em função (Espósito et al., 1998). De acordo com a Federação Européia de Periodontologia (Albrektsson & Isidor, 1994), as infecções periimplantares podem ser classificadas em: 1- mucosite periimplantar, que é uma inflamação reversível que afeta os tecidos moles adjacentes a um implante em função e 2 - periimplantite, que corresponde a um processo inflamatório que afeta os tecidos ao redor de um implante osseointegrado em função, resultando em perda óssea. A prevalência da mucosite periimplantar tem sido relatada entre 8 e 44%, enquanto da periimplantite situa-se entre 1 e 19%. Esta grande diferença entre os índices provavelmente está relacionada ao uso de diferentes conceitos e critérios utilizados para se caracterizar doença e saúde periimplantar. No Brasil, os resultados de Ferreira et al. (2006), após avaliarem 212 indivíduos, mostraram que as prevalências de mucosite periimplantar e de periimplantite foram, 40
respectivamente, 64,6% e 8,9%. O principal fator etiológico associado às doenças periimplantares é o biofilme bacteriano que é semelhante ao encontrado na doença periodontal, onde há uma alta porcentagem de bactérias anaeróbias gram-negativas Monbelli et al., 1987; Quirynen; De Soete; Van Steenberghe, 2002). Os microrganismos Aggregatibacter actinomycetemcomitans, Prevotella intermedia, Porphyromonas gingivalis, Fusobacterium nucleatum, Campylobacter rectus e Treponema denticola já foram isolados em sítios com periimplantite (George et al., 1994; Hultin et al., 2002). Existem alguns parâmetros de diagnósticos, adaptados da Periodontia, que podem ser utilizados rotineiramente na prática clínica, a fim de monitorar tanto a osseointegração quanto o estado de saúde das estruturas adjacentes ao implante. AVALIAÇÃO CLÍNICA Índice de placa bacteriana modificado (Mombelli et. al, 1987): índice utilizado para verificar a presença e o acúmulo de depósitos de biofilme sobre os implantes (Tabela 1). Entretanto, existem divergências na comunidade científica na utilização deste índice para a previsibilidade de fracasso do implante (Romeo & Murgolo, 2007) Índice de sangramento sulcular modificado (Mombelli et. al., 1987): que corresponde à presença de sangramento da mucosa durante o percurso da sonda periodontal (1 mm dentro do sulco) ao redor do implante. Avalia a situação dos tecidos periimplantares para a formulação de um diagnóstico de mucosite periimplantar. É altamente sensível e medianamente específico para avaliar o estado de saúde dos tecidos superficiais, enquanto não é nem sensível nem específico para prever o fracasso do implante (Tabela 2). Exsudato e supuração: a presença de um exsudato é altamente sensível para evidenciar zonas com presença de inflamação, enquanto não é sensível para prever a evolução da doença. Já a supuração está relacionada a uma alta concentração de neutrófilos e leucócitos, em um quadro inflamatório avançado. É um parâmetro sugestivo para lesão periimplantar avançada, mas que não é utilizado para diagnóstico precoce (Romeo & Murgolo, 2007). Profundidade de Sondagem: associada à avaliação radiográfica e o grau de mobilidade, a sondagem periimplantar é sugerida como um procedimento diagnóstico extremamente útil. Sendo um teste clínico manual, alguns fatores podem contribuir para a variabilidade entre diferentes examinadores, como por exemplo, o diâmetro da Tabela 1 ÍNDICE DE PLACA BACTERIANA MODIFICADA ESCALA 0 Ausência de placa bacteriana 1 Reconhecimento da placa só deslizando a sonda sobre a superfície marginal do implante 2 Presença de placa visível à simples vista 3 Presença abundante de depósitos moles Tabela 2 ÍNDICE DE SANGRAMENTO SULCULAR MODIFICADO ESCALA 0 Ausência de sangramento 1 Presença de manchas de sangue isoladas 2 Presença de uma linha de sangue direcionada para a margem do implante 3 Sangramento abundante e prolongado sonda, o posicionamento dela, os pontos de referência considerados, os tipos de medição, a pressão exercida no exame, as condições de saúde do local, pelo desenho e superfície do implante e pela forma do componente protético (Hämmerle & Glauser, 2004). A sondagem do sulco periimplantar permite definir a profundidade de sondagem periimplantar, a distância entre a margem gengival e um ponto de referência no implante, sangramento a sondagem e presença de exsudação ou supuração (Mombelli & Lang, 1998). Recomendam-se sondas plásticas retas e com pontas arredondadas para não danificar a superfície do implante. Em condições de saúde ou no caso de uma inflamação leve, a penetração da ponta da sonda além de 3 mm é detida na aderência epitelial, que é morfologicamente semelhante ao epitélio juncional da dentição natural. Na presença de inflamações mais severas, a sonda penetra no tecido conjuntivo supra crestal até se aproximar da crista óssea (Romeo & Murgolo, 2007). O aumento da profundidade de sondagem está associado com a presença de inflamação na mucosa periimplantar, mas não é sensível para identificar a perda óssea ao redor dos implantes. Um progressivo aumento da profundidade de sondagem ao longo do tempo é um importante indicador da falha de um implante (Esposito et al., 1998). É um exame altamente sensível para o diagnóstico da doença inflamatória, mas por si só não é sensível para identificar a pre- 41
SINAIS CLÍNICOS ENCONTRADOS NOS CASOS DE PERIIMPLANTITE (DE SANZ ET AL., 1991) Parâmetros Valores para periimplantite Valores para periimplantite de etiologia bacteriana de etiologia traumática Profundidade de sondagem > 3 mm < 3 mm Sangramento Sim Não Mobilidade Não Sim Perda óssea marginal < 2 mm > 3 mm Radiolucidez periimplantar Não Sim Exame histológico dos Gengivite avançada Tecido sadio tecidos moles marginais sença de uma reabsorção óssea marginal. Vários estudos mostraram que a profundidade de sondagem em sítios saudáveis deve ser ao redor de 3 mm (Adell et al., 1981; Mombelli et al., 1987; Buser; Weber, Brägger, 1990; Mericske-Stern et al., 1994). Estudos microbiológicos em bolsas periimplantares rasas e profundas mostraram que sítios mais profundos apresentaram maiores proporções de microrganismos periodontopatogênicos. Sangramento à sondagem: respeitando-se a força de sondagem (0,25 N), é um dado altamente sensível para identificação da doença inflamatória, enquanto seu uso para prever o fracasso do implante, ainda não está bem claro. Sítios periimplantares saudáveis não apresentam sangramento à sondagem, contrariamente aos sítios acometidos pela doença periimplantar que mostraram 67% de sangramento à sondagem em sítios com mucosite periimplantar e 91% de sangramento à sondagem em locais com periimplantite (Lang et al., 1994). Assim como na doença periodontal, o índice de sangramento à sondagem nos sítios periimplantares não pode ser utilizado como preditor de progressão da doença, mas a ausência de sangramento durante a sondagem pode ser utilizada como indicador de estabilidade de perda óssea em implantes osseointegrados (Jepsen et al., 1996; Luterbacher et al., 2000). Mucosa queratinizada: sua presença ao redor dos dentes naturais parece desempenhar um papel importante na manutenção da saúde periodontal, enquanto a ausência desta mucosa não é um fator previsível para a perda da inserção. O mesmo se aplica à mucosa periimplantar; sua presença está fortemente relacionada ao bom estado de saúde dos tecidos periimplantares, embora sua ausência ao redor dos implantes, apesar de dificultar a higiene bucal, não parece ser um parâmetro significativo no prognóstico implantar (Romeo & Murgolo, 2007). Mobilidade: a perda progressiva do suporte ósseo periimplantar tem como último efeito à mobilidade do implante. Verificar esse dado implica na evidência de um fracasso. Este parâmetro permite reconhecer os fracassos precoces causados pela falta de osseointegração, enquanto está presente como último sinal evidente de fracasso tardio, infeccioso ou traumático (Romeo & Murgolo, 2007). A mobilidade é pouco indicada para diagnosticar as fases iniciais das doenças periimplantares e, portanto, para estabelecer um diagnóstico precoce. Esta avaliação é altamente específica, mas não é um parâmetro sensível, já que não identifica as etapas precoces nos fracassos tardios. Avaliação radiográfica O exame radiográfico do nível ósseo alveolar é umas das técnicas de maior validade para o controle e avaliação do implante no longo prazo. Existem limites diagnósticos relacionados, por exemplo, a não reprodutibilidade do exame radiográfico e com a possibilidade de examinar só duas das superfícies do implante (mesial e distal). É prudente comparar as radiografias realizadas com as anteriores e avaliar as dimensões horizontais e verticais do implante, para não se arriscar a erros de avaliação devido à eventual distorção das imagens. As variações ósseas ao redor dos implantes podem ser avaliadas comparando-se o nível da crista alveolar em relação aos pontos de referência estáveis do implante, e nestes casos, podemos facilmente utilizar as espiras como parâmetros. A perda óssea aceita pelos critérios de êxito aplicados em Implantodontia, no primeiro ano de vida do implante é de cerca de 0,9 a 1,6 mm e posteriormente, 0,05 a 0,13 mm ao ano. Devido à dificuldade de se mensurar perdas ósseas menores do que 0,2 mm foi sugerido que um implante deve ser condenado quando a perda óssea marginal atingir o seu terço apical (Lekholm et al., 1994). Avaliação microbiológica Estudos clínicos em humanos e em animais mostraram a associação entre a presença de lesões periimplantares e o aumento de espécies bacterianas específicas (Mombelli et 42
al., 1987; George et al., 1994; Mombelli & Lang, 1998; Hultin et al., 2002). Métodos de identificação de microrganismos como a cultura bacteriana, sondas de DNA e a reação em cadeia da polimerase (PCR) foram propostos para monitorar o biofilme subgengival e determinar o aumento do risco de desenvolvimento das doenças periimplantares. A análise conjunta dos aspectos clínicos, radiográficos e microbiológicos pode ser útil no planejamento do tratamento das doenças periimplantares, porém a análise microbiológica ainda é restrita as pesquisas científicas (Mombelli & Lang, 1998; Hämmerle & Glause, 2004). CONCLUSÕES Juntas, a avaliação periódica da condição clínica dos tecidos moles ao redor dos implantes, as alterações na profundidade de sondagem, a mobilidade e a avaliação radiográfica são os melhores meios de detectar alterações no suporte ósseo. Os profissionais devem monitorar os tecidos circunjacentes por sinais de doença periimplantar, verificando alterações na profundidade de sondagem e evidência radiográfica de destruição óssea, supuração, acúmulo de cálculo, edema, alterações de cor e sangramento. Mombelli & Lang, 1998 propuseram uma abordagem decisional para o diagnóstico e o tratamento das doenças periimplantares bacterianas, que se baseia na identificação de alguns sinais clínicos: - Verificar a profundidade de uma bolsa periimplantar tida como normal ; - Verificar a profundidade da bolsa periimplantar superior a 3 mm; - Estudar os sinais clínicos do quadro inflamatório periimplantar; - Estabelecer as causas do quadro inflamatório periimplantar. ABSTRACT Oral rehabilitation of partial or totally edentulous patients using implants has been successfully done with high predictability. Peri-implantitis is an inflammatory process affecting the tissues around an osseointegrated implant in function, resulting in loss of supporting bone. A review of the literature currently available leads to the conclusion that an evaluation of clinical conditions around implants, increase of probing depth, mobility, and radiographic are the best parameters to detect alterations around bone tisues from osseointegrated implants. UNITERMS: diagnóstico/ peri-implantite 43
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