DETERMINAÇÃO DO NÍVEL DE ESTRESSE E QUALIDADE DA CARNE EM BOVINOS TRANSPORTADOS AO FRIGORÍFICO Andressa Karollini e Silva 1 ; Fabiano Mendes de Cordova 2 1 Aluno do Curso de Medicina Veterinária; Campus de Araguaína; e-mail: andressa_karollini@hotmail.com PIBIC/CNPq 2 Orientador(a) do Curso de Medicina Veterinária; Campus de Araguaína; e-mail: fabiano.patologia@uft.edu.br RESUMO A maneira mais comum dos bovinos serem conduzidos aos abatedouros é através do transporte rodoviário. No entanto, o transporte é considerado a mais importante causa de estresse, resultando em prejuízos à saúde e ao bem-estar dos animais. Nesse sentido, objetivamos avaliar os níveis de estresse aos quais os animais são submetidos durante o manejo pré-abate e, assim, obter dados relevantes que também visem minimizar as perdas econômicas e interferências na qualidade da carne. O grupo experimental (GE) foi destinado ao abate de emergência. O grupo controle (GC) foi destinado ao abate de acordo com o fluxo normal dos estabelecimentos. Na avaliação hematológica, observamos valores inferiores de eritrócitos, hemoglobina, hematócrito e plaquetas do GE quando comparado ao GC. O GE apresentou valores superiores de proteínas séricas e glicose em relação ao GC. Na análise da ureia e creatinina, houve diferença significativa entre os grupos, porém os resultados foram superiores aos valores de referência para ambos. A maior média de ph muscular foi observada nos animais do GE. Conclui-se que animais transportados por longas distâncias são submetidos a estresse severo, associado à privação de água e alimentos que causam alterações hematológicas, bioquímicas e contusões graves. Tais alterações afetam o sistema musculoesquelético e desencadeiam a quebra da homeostase, tornando os animais extremamente debilitados. A condição resulta no encaminhamento do animal ao abate de emergência, com aproveitamento condicional da carcaça e assim, perdas econômicas significativas. Palavras-chave: qualidade carne; bovinos, transporte; estresse Página 1
INTRODUÇÃO A maneira mais comum dos bovinos serem conduzidos aos abatedouros é através do transporte rodoviário (TARRANT; KENNY; HARRINGTON, 1988). No entanto, o transporte é considerado a mais importante causa de estresse, resultando em prejuízos à saúde e ao bem-estar dos animais (MORMED et al., 1982). Os efeitos do estresse podem ser analisados por diferentes variáveis, incluindo os parâmetros sanguíneos, que tem sua dinâmica influenciada pelo transporte (CROOKSHANK et al., 1979), podendo ser utilizados como indicadores de bem-estar animal (AVERÓS et al., 2008). Durante o estresse físico e psicológico, ocorre ativação do eixo simpático-adrenal (SAUNDERS; STRAUB, 2002) e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HADDAD; SAADÉ; SAFIEH-GARABEDIAN, 2002), com elevação das concentrações plasmáticas de cortisol e, por conseguinte, alteração na dinâmica leucocitária. O estresse e a hipercortisolemia alteram a glicemia (TRIPP; SCHMITZ, 1982) e quadros de desidratação podem evidenciar alterações nas concentrações de proteínas totais (PT) e albumina, assim como alguns índices do hemograma caracterizando hemoconcentração (KNOWLES; WARRIS, 2000), a qual também ocorre durante o transporte. Nesse sentido, objetivamos avaliar os níveis de estresse aos quais os animais são submetidos durante o manejo pré-abate e, assim, obter dados relevantes que também visem minimizar as perdas econômicas e interferências na qualidade da carne. MATERIAL E MÉTODOS Animais e tratamentos Os experimentos foram desenvolvidos em frigoríficos que se encontravam sob Serviço de Inspeção Federal (SIF), localizados na região de Araguaína (TO). Foram utilizados bovinos transportados em caminhões. O grupo experimental (GE) foi constituído por 24 animais destinados ao abate de emergência, que percorreram aproximadamente 800 km em 12 horas, abatidos logo após a chegada ao frigorífico. O grupo controle (GC) foi constituído por 24 animais, que percorreram aproximadamente 100 km em 3 horas e abatidos no fluxo normal dos estabelecimentos, obedecendo a um período de 12 horas de dieta hídrica e jejum alimentar. Todos os animais foram insensibilizados antes do abate com pistola pneumática ou de dardo cativo. Colheita das amostras de sangue e análises laboratoriais A coleta de sangue foi realizada de forma individual durante a exsanguinação dos animais, utilizando-se tubos com ou sem anticoagulante. As coletas do GE foram realizadas em diferentes Página 2
frigoríficos, de acordo com a ocorrência de casos de abate de emergência. As coletas do GC foram feitas em um único frigorífico, de forma aleatória. Para a realização do hemograma amostras foram acondicionadas em tubos com EDTA K2 e, para obtenção de plasma e determinação da glicemia, em tubos com NaF e EDTA. Ainda, amostras sem anticoagulante foram obtidas para as análises bioquímicas. Também foram realizados esfregaços sanguíneos em lâminas. As amostras foram identificadas e encaminhadas ao Laboratório de Patologia Clínica Veterinária da Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia (EMVZ) da UFT, para o processamento no mesmo dia. Para a realização do hemograma utilizou-se um analisador hematológico veterinário automatizado. A determinação da leucometria específica foi realizada nas lâminas de esfregaço coradas pelo método Romanowsky (Diff-Quick) e leitura em microscópio óptico em aumento de 400x. Das amostras de sangue (centrifugadas a 4.800 rpm/6 min) realizou-se a determinação sérica de ureia, albumina e PT e determinação plasmática da glicose em espectrofotômetro. A determinação sérica da creatinina foi realizada em espectrofotômetro semiautomático através de kit. Os valores de globulinas foram resultantes da diferença entre as proteínas séricas totais e a albumina. Análise do glicogênio muscular e medida de ph Um fragmento de 4 cm x 4 cm x 4 cm de tecido muscular (psoas maior, semitendinoso, oblíquo abdominal interno e intercostal), totalizando 192 amostras (GC = 96 e GE = 96), foi coletado da meia carcaça de cada animal. As amostras foram embaladas, identificadas e refrigeradas no momento da coleta e, posteriormente, congeladas (-20 ºC) e encaminhadas ao Laboratório de Morfologia e Bioquímica da EMVZ. Das amostras de cada músculo foram removidos fragmentos de 0,2 g e colocados em tubos de ensaio para análise das concentrações de glicogênio (DUBOIS et al, 1956). Para a avaliação do ph muscular, as amostras foram submetidas a descongelamento lento por 36 horas (5 ºC). Após o processo, foi mensurado o ph de cada amostra com phmetro portátil. Análise estatística Os dados relacionados às variáveis hematológicas e bioquímicas foram submetidos ao teste de normalidade (Kolmogorov-Smirnov) e homogeneidade de variância (eritrograma, leucograma, trombograma, PT, albumina, ureia, creatinina e glicose). As variáveis normais formam submetidas à análise de variância em um delineamento inteiramente casualizado com dois tratamentos (GC e GE). As médias dos tratamentos comparadas pelo teste t-student a 5% de probabilidade de erro. As variáveis que não apresentaram normalidade ou homogeneidade de variâncias foram submetidas à Página 3
transformação logarítmica. As variáveis que, mesmo com a transformação não foram normalizadas, foram submetidas ao teste não paramétrico de Mann-Whitney a 5% de probabilidade de erro. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na avaliação hematológica, observamos valores inferiores de eritrócitos, hemoglobina, hematócrito e plaquetas do GE, comparado ao GC. A possível causa da diminuição na quantidade de eritrócitos, hemoglobina e no hematócrito podem ser as hemorragias encontradas nestes animais, com extensos hematomas e contusões subcutâneas e musculares, lesões não observadas nos bovinos do GC. A redução das plaquetas ocorreu possivelmente por consumo, devido às contusões severas. O GE apresentou valores superiores de proteínas séricas e glicose em relação ao GC. Os valores de proteína foram semelhantes aos encontrados por outros pesquisadores, que relatam desidratação progressiva dependente do tempo de viagem (WERNER et al., 2013). A proteína é uma variável sensível ao estresse em animais transportados entre 6 e 24 horas (EARLEY; MURRAY; PRENDIVILLE, 2010). O aumento da liberação de glicocorticoides e catecolaminas pelo estresse resulta em gliconeogênese, elevando as concentrações de glicose no sangue (SHAW; TUME, 1992). Maiores níveis de cortisol circulantes aumenta a glicose plasmática, particularmente entre 3 e 16 horas de transporte (TADICH et al., 2005), coincidindo com a duração do deslocamento e do jejum dos animais usados nesse estudo. Na análise da ureia e creatinina, houve diferença significativa entre os grupos, porém os resultados foram superiores aos valores de referência para ambos (KANEKO; HARVEY; BRUSS, 1997). A desidratação, que diminui a perfusão renal e aumenta os níveis de cortisol, justificaria o aumento da ureia em ambos os grupos. Ainda, o estresse pode induzir a diurese (PARKER et al., 2003), pelo efeito da hiperglicemia sobre a taxa de filtração glomerular e, assim, aumento do fluxo tubular dos néfrons diminuindo a reabsorção da ureia (GUYTON; HALL, 2011). Além disso, a desidratação também é uma das causas de aumento da creatinina no sangue (MEYER; COLES; RICH, 1995; KERR, 2003). Não houve diferença na avaliação do glicogênio muscular entre GE e GC, porém maior média de ph muscular foi observada nos animais do GE. O estudo, inédito no Tocantins, permitiu quantificar o estresse de bovinos transportados por longas distâncias. Conclui-se que animais submetidos à privação de água e alimentos, com alterações hematológicas, bioquímicas e contusões graves, que afetam o sistema músculo-esquelético, tornam-se extremamente debilitados. A condição resulta no encaminhamento do animal ao abate de emergência, com aproveitamento condicional da carcaça e assim, perdas econômicas significativas. Página 4
LITERATURA CITADA AVERÓS, X.; MARTIN, S.; RIU, M. et al. Stress response of extensively reared young bulls being transported to growingfinishing farms under Spanish summer commercial conditions. Livestock Science. v. 119, p. 174-182, 2008. CROOKSHANK, H.R.; ELISSALDE, M.H.; WHITE, R.G. et al. Effect of transportation and handling of calves upon blood serum composition. Journal of Animal Science. v. 48, p. 430-435, 1979. DUBOIS, M.; GILLES, K.A.; HAMILTON, J.K.; REBERS, P.A.; SMITH, F. Colorimetric method for determination of sugars and related substances. Analytical Chemistry. v. 28, n. 3, p. 350-356, 1956. EARLEY, B.; MURRAY, M.; PRENDIVILLE, D.J. Effect of road transport for up 24 hours followed by twenty-four hour recovery on live weight and physiological responses of bulls. BMC Veterinary Research. v. 6, p. 38, 2010. GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, 1216p. HADDAD, J.J.; SAADÉ, N.E.; SAFIEH-GARABEDIAN, B. Cytokines and neuro-immune-endocrine interactions: A role for the hypothalamus-pituitary-adrenal revolving axis. Journal of Neuroimmunology. v. 133, p. 1-19, 2002. KANEKO, J.J.; HARVEY, J.; BRUSS, M. Clinical Biochemistry of Domestic Animals. 5ª Ed. San Diego: Academic Press, 1997. 932p. KNOWLES, T.G.; WARRISS, P.D. Stress physiology of animals during transport. In: GRANDIN, T. (ed.) Livestock Handling and Transport. 2 nd Ed. CABI: Wallingford, 2000, p. 385-407. MEYER, D.J.; COLES, E.H.; RICH, L.J. Medicina de laboratório veterinário: interpretação e diagnóstico. São Paulo: Roca, 1995. 308p. MORMED, P.; SOISSONS, J.; BLUTHE, R.M. et al. Effect of transportation on blood serum composition, disease incidence, and production traits in young calves. Influence of the journey duration. Annales de Recherches Vétérinaires. v. 13, p. 369-384, 1982. PARKER, A.J.; HAMLIN, G.P.; COLEMAN, C.J. et al. Dehydration in stressed ruminants may be the result of a cortisolinduced diuresis. Journal of Animal Science. v. 81, p. 512-519, 2003. SAUNDERS, V.M.; STRAUB, R.H. Norepinephrine, the -adrenergic receptor and immunity. Brain, Behavior, and Immunity. v. 16, p. 290-332, 2002. SHAW, F.D.; TUME, R.K. The assessment of pre-slaughter and slaughter treatments of livestock by measurement of plasma constituents. A review of recent work. Meat Science. v. 32, p. 311-329, 1992. TADICH, N.; GALLO, C.; BUSTAMANTE, H. et al. Effects of transport and lairage time on some blood constituents of Friesian-cross steers in Chile. Livestock Production Science. v. 93, p. 223-233, 2005. TARRANT, P.V.; KENNY, F.J.; HARRINGTON, D. The effect of stocking density during 4 hour transport to slaughter on behaviour, blood constituents and carcass bruising in Friesian steers. Meat Science. v. 24, n. 3, p. 209-222, 1988. TRIPP, M.J.; SCHMITZ, J.A. Influence of physical exercise on plasma creatine kinase activity in healthy and dystrophic turkeys and sheep. American Journal of Veterinary Research. v. 43, p. 2220-2223, 1982. WERNER, M.; HEPP, C.; SOTO, C. et al. Effects of a long distance transport and subsequent recovery in recently weaned crossbred beef calves in Southern Chile. Livestock Science. v. 152, p. 42-46, 2013. AGRADECIMENTOS "O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq Brasil". Página 5