Ciclovia que 'poupou' família de Tatto vira alvo da Promotoria Gestão Haddad mudou traçado, e nova rota desviou de cinco imóveis da família de secretário de Transportes Prefeito nega mudança para favorecê-lo; OAB e vereadores da oposição pedem investigação sobre troca de projeto FELIPE SOUZA DE SÃO PAULO O Ministério Público vai investigar se há irregularidades em uma ciclovia da zona sul de São Paulo implantada fora do trajeto original e que, por causa dessa mudança, deixou de passar em frente a cinco imóveis da família do secretário de Transportes da gestão Fernando Haddad (PT). Reportagem da Folha desta sexta-feira (18) revelou que a prefeitura ignorou um projeto feito por uma empresa contratada pelo próprio município e, no ano passado, abriu uma faixa exclusiva para bicicletas repleta de desvios e remendos duas quadras abaixo do traçado original. O novo desenho desviou a rota de imóveis da família do secretário Jilmar Tatto, que acumula o cargo de presidente da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), órgão responsável pela implantação das ciclovias na cidade. A reportagem servirá de base para a Promotoria do Patrimônio Público e Social investigar o traçado adotado e os custos para a implantação. O Ministério Público também encaminhou ofícios com pedidos de informação para CET, SPTrans (São Paulo Transporte) e TCM (Tribunal de Contas do Município). Para o presidente da seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcos da Costa, há indícios de irregularidades nessa ciclovia porque a prefeitura fez um novo estudo sem a participação da população. "Tudo isso deve ser investigado. Houve alguma razão para a mudança do traçado e, se foi beneficiar a família do secretário, é inadmissível."
Para ele, a medida viola princípios básicos que devem nortear a administração pública. "O prefeito adotou medidas que alteram a decisão do cidadão sem ouvir a população. Precisa apurar, ouvir o secretário para avaliar se isso se deu para beneficiá-lo." Já Haddad negou que a mudança tenha ocorrido para favorecer a família do secretário. "A CET é que toma esse tipo de decisão. Jamais uma decisão como essa seria de natureza política", disse. Também nesta sexta, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", Tatto afirmou que não interfere nos locais por onde as ciclovias passam, porque, segundo ele, é uma decisão técnica da CET. Disse, ainda, que não pretende alterar o trajeto da faixa. "Eu só coordeno o trabalho. Eles não me perguntam onde pode e onde não pode construir", disse. "Nunca conversei com meus familiares sobre o assunto", completou. Tatto disse ainda que não interferiu sobre o traçado da ciclovia que passa em frente ao prédio onde mora. "Eu também não fui consultado pelos técnicos para instalar lá." 'DESRESPEITO' Líder da oposição na Câmara, o vereador Andrea Matarazzo (PSDB) disse que a prefeitura deve fazer um melhor planejamento para as ciclovias, para não causar suspeitas de irregularidades. "As ciclovias foram feitas de forma errada. Se não beneficia, dá a sensação de que sim, porque não houve planejamento." Para o também vereador Gilberto Natalini (PV), a nova ciclovia, na rua Alexandre Dumas, é um desrespeito aos comerciantes do local. "A implantação dessa ciclovia para proteger esses imóveis [da família do secretário] é um desrespeito a quem foi prejudicado." Brasil em crise Lula pede a Cunha ajuda para ajuste e contra afastamento Ex-presidente teve um encontro com o peemedebista na manhã desta sexta (18), em um hotel em Brasília Petista também tratou das chamadas pautas-bomba, série de projetos na Câmara que podem onerar a União DE BRASÍLIA
Em sua passagem por Brasília para tentar ajudar a presidente Dilma Rousseff a sair da crise, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva incluiu na agenda uma reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Os dois se reuniram na manhã desta sexta-feira (18) em um hotel na capital federal. Segundo aliados, Lula demonstrou preocupação com os pedidos de impeachment contra a presidente, principalmente o que foi reapresentado pelo advogado e fundador do PT Hélio Bicudo. Na quinta-feira (17), o presidente da Câmara abriu seu gabinete para o ato que marcou a chegada do pedido na Câmara dos Deputados. Rompido como o governo desde julho, Eduardo Cunha é o responsável direto por decidir sobre a abertura ou não de um processo de afastamento de Dilma pelo Legislativo. A Folha apurou que Lula pediria ao peemedebista para que ele segurasse os pedidos de impeachment contra Dilma. E também pediria para que colaborasse na aprovação do novo pacote de ajuste fiscal proposto pelo governo e Cunha tem se afastado cada vez mais do Palácio Planalto desde que a PGR (Procuradoria-Geral da República) o denunciou ao STF (Supremo Tribunal Federal) por corrupção e lavagem de dinheiro na esteira da Operação Lava Jato, que investiga o esquema de corrupção da Petrobras. O peemedebista acredita que o governo está por trás das acusações. PAUTA-BOMBA Ainda de acordo com aliados, o ex-presidente pediria a colaboração de Cunha também para a sessão de terça-feira (22), quando o Congresso vai analisar os vetos presidenciais das chamadas pautas-bomba, uma série de projetos que pode onerar ainda mais as contas da União em um período de ajuste. Para Lula, Dilma precisa do PMDB, o partido do vice-presidente, Michel Temer, para garantir sua governabilidade. Isolada, sua situação ficaria ainda mais grave caso o maior e mais influente partido do Congresso decida se afastar. Procurado, Cunha negou ter se encontrado com Lula. Oposição acusa governador gaúcho de esconder verba
Governo diz que reserva, que poderia ter evitado calote, visa proteger dinheiro a emergências e outros Poderes PAULA SPERB COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PORTO ALEGRE Em vez de pagar apenas R$ 600 do salário de agosto aos servidores públicos estaduais, o governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (PMDB), poderia ter entregado mais que o dobro para cada um deles (R$ 1.370). Isso porque o governo tinha R$ 266 milhões no caixa único, que foram transferidos para outra conta, de depósitos judiciais. Ao anunciar o parcelamento do salário de agosto, que ainda não foi pago integralmente, Sartori disse que a situação financeira do Estado era de "calamidade" e que não havia verba disponível. Os servidores do Executivo entraram em greve. Escolas ficaram fechadas, delegacias atenderam apenas emergências e familiares de policias militares bloquearam as saídas dos quartéis. O Tribunal de Justiça confirmou a transferência como resposta a pedido de informação dos deputados da oposição na Assembleia. "Havia recurso para pagar, mas o governo não quis", afirmou o líder da bancada petista, Luis Fernando Mainardi. Procurado, o governo gaúcho disse que a operação visou "proteger" o dinheiro. A Secretaria da Fazenda afirmou que a conta dos depósitos judiciais é o "o único ambiente seguro para garantir (proteger) os recursos necessários ao pagamento de despesas emergenciais e de verbas de outros Poderes e instituições públicas". Além de parcelar os salários, o governo gaúcho deu calote de R$ 265,4 milhões. na dívida com a União e, por isso, teve as contas bloqueadas. Com o valor que havia em caixa, Sartori poderia ter quitado o compromisso. "O governo poderia ter pagado os salários ou a dívida. Poderia ter feito uma coisa ou outra, mas não fez nenhuma", diz o deputado. O extrato que comprova a movimentação foi encaminhado ao TCE (Tribunal de Contas do Estado) e ao MPC (Ministério Público de Contas). "A equipe técnica está examinando o tema, assim como o relator das contas do governo. O TCE irá se posicionar com base nesses estudos", diz Cezar Miola, presidente do TCE. O procurador-geral do MPC, Geraldo Costa da Camino, diz que aguarda parecer para a próxima semana.
Justiça poética Na Semana Farroupilha, juízes gaúchos abandonam a formalidade e recitam sentenças em forma de versos PAULA SPERB COLABORAÇÃO PARA A FOLHA EM PORTO ALEGRE A formalidade de uma audiência no fórum, com linguajar jurídico e código rígido de vestuário, é substituída pela simplicidade campeira dentro de um Centro de Tradições Gaúchas (CTG) na cidade de Capão do Leão (a 226 km de Porto Alegre). Na última quarta (16), advogadas e promotora colocaram seus vestidos de "prenda" (apelido dado às mulheres gaúchas), e o juiz estava "pilchado" (com bombacha e lenço vermelho no pescoço). Mas isso não é tudo. A manifestação das procuradoras, o parecer do Ministério Público e a sentença do juiz foram recitadas em forma de poesia gauchesca e assim serão anexadas ao processo e publicadas no "Diário de Justiça". "Saudamos a gauchada / Bem como vossas excelências / Campeando uma solução justa / Para os problemas desta querência", declamaram a procuradora geral do município, Ana Cristina dos Santos Porto, 41, e a advogada do município, Luciana Mainardi Doares Reinhardt, 31, no início da audiência. Os versos seguiam com o pedido para que a finalidade de um terreno doado à prefeitura em 1990 fosse alterada para regularizar 74 moradias populares construídas no local, em 2009. O parecer da promotora Rosely de Azevedo Lopes foi favorável: "Todos têm direito à moradia / Que seja digna é fundamental / Está lá no texto constitucional". O juiz, da comarca de Pelotas, acatou o pedido. "O município cumpriu a sua parte / Conforme a documentação retrata / É preciso não ser burocrata / E deixar que o interesse coletivo permaneça / A fim de que Capão do Leão cresça", recitou Marcelo Malizia Cabral, 43. "Eu não sou poeta. Redijo a sentença em termos jurídicos e a cada ano peço a um poeta que transforme em versos. Alguns juízes com talento escrevem de próprio punho", brinca Cabral, que realiza audiências crioulas (típicas do RS) há seis anos. O autor dos versos é seu assessor, Henrique Alam De Mello De Souza e Silva, 30. Ele conta que sempre leu o escritor João Simões Lopes Neto (1865-1916), que retratou a cultura gaúcha na obra "Lendas do Sul", e o poeta conterrâneo Jayme Caetano Braun (1924-1999). "A dificuldade foi transformar um fato real em poesia. Minha maior preocupação era fazer entender a sentença respeitando a forma da poesia gaúcha", explica o assessor. Silva diz que a forma e o ritmo dos versos é chamada de "payada" e ficou conhecida com o poema "Martín Fierro", do argentino José Hernandes (1834-1886).
As advogadas da prefeitura escreveram os versos sozinhas, em quatro reuniões fora do expediente, além de duas sessões de ensaio. "Aceitamos o desafio e participamos", diz Ana Cristina. TRADIÇÃO A tradição da audiência crioula surgiu há 12 anos para celebrar a Semana Farroupilha, que lembra a Guerra dos Farrapos (1835-1845), na qual republicanos lutaram contra o império. Cerca de dez juízes gaúchos realizam a "audiência crioula" em diferentes cidades do Estado. Neste ano, Capão do Leão, Estrela e Camaquã tiveram as suas. Segundo o juiz Cabral, além de homenagear a tradição, o objetivo é aproximar o Judiciário da comunidade. "Em regra as audiências são públicas. Mesmo com portas abertas, o público raramente comparece", afirma. O CTG Tropeiros do Sul estava lotado no evento comunidade e autoridades, todos vestidos a caráter, acompanharam o processo. Na mesa do juiz e das partes não faltou chimarrão, bebido mesmo durante a audiência. Depois do encerramento, todos confraternizaram com churrasco.