1.1. Educação Inclusiva no sistema regular de Ensino: o Caso do Município do Rio de Janeiro



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Transcrição:

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino 1.1. Educação Inclusiva no sistema regular de Ensino: o Caso do Município do Rio de Janeiro Elaborado por: 1.1.1. Apresentação O presente estudo foi levado a efeito a convite do Banco Mundial, com o objetivo de proceder à identificação de concepções e características gerais que vêm orientando a organização da Educação Inclusiva no Município do Rio de Janeiro e de indicar possibilidades de ação e de suporte teórico capazes de ancorar o pressuposto de que o sujeito portador de deficiência tem direito à educação escolar com a qualidade que garanta o seu pleno desenvolvimento. 1.1.2. O Caminho Teórico-metodológico O Banco Mundial, ao solicitar a realização dessa pesquisa sobre a situação da Educação Inclusiva no Município do Rio de Janeiro, tinha como preocupação a escolha de um aporte metodológico que se mostrasse adequado à escassez de tempo e, ainda, que se inscrevesse no rol das abordagens qualitativas. Ou seja, precisava-se escolher um caminho metodológico capaz de abarcar os limites de tempo e a complexidade de questões consideradas importantes nos campos político, ideológico e técnico em que a Educação Especial se encontra imersa. Optou-se por realizar um estudo de natureza exploratória, uma vez que sua principal característica é proporcionar pistas para um exame teórico consistente e permitir o levantamento de hipóteses de trabalho a serem enfrentadas em estudos posteriores. A escolha de uma metodologia encontra-se ligada a uma dada concepção teórica. No nosso caso, os princípios que vão ancorar o estudo denomina-se abordagem qualitativa. A expressão abordagem qualitativa se faz presente, no contexto desse Estudo Exploratório, com o objetivo de demarcar a importância da pesquisa não estar vinculada à identificação de fatos supostamente neutros a serem coletados, mas referida a valores, opiniões e concepções teóricas que informam a configuração da Educação Especial no Município do Rio de Janeiro. Para tal, os procedimentos técnicos adotados no curso do trabalho estão de acordo com a perspectiva qualitativa e incluíram: 1. a realização de entrevistas com membros da equipe administrativa e com professores; 2. a análise de fontes documentais 3. o relato de experiências de impactos para a inclusão dos alunos portadores de deficiências. Educação Inclusiva no Brasil 1

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino 1.1.3. Breve Histórico da Educação Especial no Município do Rio de Janeiro após a criação do Instituto Helena Antipoff A Educação Especial tem seu início no Município do Rio de Janeiro em 1959, quando a Lei 953 é decretada, vinculando a atenção ao excepcional 1 à Secretaria Municipal de Educação e Cultura, através da Assessoria de Educação Especial. Quando, então, Equipes Técnicas de Educação Especial são criadas em todo o Município do Rio de Janeiro. Porém, não iremos nos deter à história da Educação Especial desde seu início; estabeleceremos um recorte a partir do marco iniciado pelo Instituto Helena Antipoff IHA. Numa 4ª feira, dia 14 de Agosto de 1974, o Diário Oficial do Estado da Guanabara faz a seguinte publicação: Passa a denominar-se Instituto de Educação do Excepcional Helena Antipoff o atual Instituto de Educação do Excepcional, do departamento de Ensino de 1º Grau, da Coordenação de Ensino, da Secretaria de Educação. E o Decreto nº 15 de 23/05/1975 regulariza a nova estrutura orgânica da Secretaria Municipal de Educação e Cultura: Departamento Geral de Educação / Assessorias Departamentais / Assessoria de Educação Especial Instituto Helena Antipoff (IHA). Em 1975, o IHA inicia sua gestão, privilegiando a integração do excepcional na comunidade, através de uma assistência médica e pedagógica, segundo as doutrinas da política educacional, ressaltadas na Constituição do Estado. Durante esse ano, a atenção ao portador de deficiência se resumia a três ações superpostas: Projeto Educação especial; instituto Helena Antipoff e Centro de Terapia da Palavra. Nessa época, havia pouca garantia de matrículas, tanto nas Escolas especiais quanto nos Centros Ocupacionais, além da falta de profissionais especializados e falta de materiais adequados ao trabalho. Justamente por isso, numa tentativa de resolução dos problemas encontrados, a estrutura da Educação Especial passa a centralizar suas ações num só órgão: o IHA o que possibilitou o levantamento do número de alunos que esperavam por vagas nas instituições e os devidos encaminhamentos. A nova estruturação também provocou ações voltadas para a formação de profissionais professores e técnicos, a partir da realização de centros de estudos e cursos de atualização. Para a realização dessas ações o IHA contou com Equipes Técnicas nas seguintes modalidades: deficientes visuais (DV); deficientes da audiocomunicação (DA); superdotados (SD); serviço social (SS); audiovisual; deficientes mentais (DM); deficientes físicos (DF); aprendizagem lenta (AL); avaliação; centro de estudos. 1 Termo usado, na época, para designar o portador de deficiências. 2

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino Em 1976, a concepção de Educação Especial sofre uma mudança significativa, além da valorização da integração social do portador de deficiência, passa a visar ao processo de integração no Ensino Comum. A maior preocupação com a oportunidade de educação para os deficientes se traduz em ações voltadas para: o aumento de vagas no sistema de ensino; a atualização de profissionais (700 entre professores, técnicos e supervisores); a pesquisa; o desenvolvimento de instrumentos de avaliação; e a instalação de equipamentos especializados. O ingresso do deficiente na Educação Especial se dava ou por solicitação do responsável ou pelo encaminhamento feito pelos Postos de Saúde. Portanto, não havia, ainda, a existência de uma política pública voltada para a totalidade das demandas do educando, mas, apenas, uma preocupação de atendimento aos que de uma forma ou de outra chegassem à Educação Especial. Aqui, ainda, encontramos um serviço focado na visão clínica e na deficiência da criança e do jovem, a partir de uma concepção de carência, de falta, sem que os direitos individuais tivessem expressão. No plano das práticas sociais, pode-se citar as dificuldades de acessibilidade, permanência e qualidade em termos de Educação, uma vez que a política privilegiava uma ação assistencialista, em detrimento de uma prática educacional. O trabalho desenvolvido se resumia nas seguintes modalidades de ensino: profissionalizante e estágios em empresas do mercado de trabalho para jovens dos Centros Ocupacionais; inserção de alunos com aprendizagem lenta em classe comum cujo professor era supervisionado pelo IHA; atendimento precoce, núcleos de atendimento diário e professor itinerante para os deficientes da audiocomunicação; classes hospitalares de recuperação pedagógica e psicomotora para os deficientes físicos, bem como atendimento precoce, domiciliar ou em turmas comuns, com supervisão do IHA ao professor; classes especiais, de no máximo 10 alunos, para deficientes mentais; classes especiais (máximo 10 alunos), salas de recurso, ensino itinerante para o deficiente da visão; núcleos de enriquecimento para os alunos com notável desempenho superdotados duas vezes por semana, durante 2h e meia, fora do horário de aula; atendimento especializado para os alunos com distúrbio de voz, fala e linguagem, em 15 unidades de Terapia da Palavra 2. Em 1977, uma Ordem de Serviço, a de n.º 13 de 30/09/1975, passa a ser cumprida, ampliando a estrutura básica para o atendimento educacional ao aluno multideficiente. Nessa ocasião, a partir dos estudos de casos realizados, uma preocupação com as atividades curriculares gera a necessidade da criação de um currículo específico para cada tipo de deficiência. Em 1978, a Educação Especial tinha como objetivo geral atender à necessidade de compatibilização entre as ações desenvolvidas pelos profissionais dos Postos de Saúde e as das Unidades Escolares sob a orientação do IHA, caracterizando uma prática voltada para: a iniciação para o trabalho e formação profissional do jovem deficiente; o desenvolvimento pleno das potencialidades dos alunos superdotados; a realização de diagnósticos, estudos, pesquisas e experimentações para a melhoria do trabalho com o deficiente; a atualização e o treinamento de recursos humanos na área da Educação Especial; a promoção da integração efetiva do excepcional; e o apoio ao professor de classe comum com dificuldades a serem minimizadas pelos procedimentos compensatórios da política de Educação Especial. 2 Os conceitos usados neste parágrafo estão de acordo com as concepções teóricas que referenciavam a proposta pedagógica da época. Educação Inclusiva no Brasil 3

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino Em 1979, uma avaliação do currículo escolar vigente é proposta pela Secretaria de Educação com o objetivo de ampliar a produtividade do Sistema Educacional. A Educação Especial, então, propõe uma mudança do modelo pedagógico tradicional médicopsicológico adotado para o modelo comportamental, cuja prática recaía no diagnóstico prescritivo, na análise de tarefas e na individualização do ensino. 1980: um ano de grandes mudanças. O número de alunos da Educação Especial crescia: já eram 19.434, sendo 3.885 portadores de alguma deficiência, enquanto 15.549 alunos com dificuldades de aprendizagem. O que se pode aferir desses dados é que a Educação Especial estava sendo receptora de uma grande parcela do chamado fenômeno do Fracasso Escolar. Aqui, cabe um parêntese sobre o panorama nacional da Educação: as estatísticas nacionais do Censo de 1980 apontam que, de cada 1000 criança que entram na escola na 1ª série, menos da metade chega à 2ª, menos de um terço atinge a 4ª e menos de um quinto conclui o 1º grau. A repetência e a evasão escolares caracterizam uma política educacional insatisfatória, tanto do ponto de vista quantitativo como do qualitativo. O que, possivelmente, justificou a criação, nesse ano, de Pólos de Psicomotricidade e de Classes de Adaptação (CAD), cujo objetivo era o de favorecer a aprendizagem dos alunos, minimizando as dificuldades de alfabetização, através de atividades específicas e preventivas com esses alunos, na tentativa de apoiar o professor de classe comum. Em 1981 e 1982, a Educação Especial desenvolve suas ações numa perspectiva preventiva, através de uma equipe denominada Dificuldades de Aprendizagem, que, com um trabalho sistemático de supervisão, se aproxima mais do professor, configurando um treinamento em serviço. Tal treinamento teve como base teórica o texto Princípios de Normalização e de Integração na Educação dos Excepcionais, cuja concepção revela que a intenção não era a de tornar o excepcional normal, mas a de oferecer condições de vida idênticas àquelas que as pessoas normais recebem. Aqui, duas importantes ações são estabelecidas: uma maior preocupação com a qualidade de ensino e uma articulação entre teoria e prática, na tentativa de superação das dificuldades e entraves da Educação Especial o que, certamente, influenciou o desenvolvimento de novas metodologias e técnicas. No ano de 1983, novas concepções de educação e de sociedade suscitam mudança na Educação Especial. Daí, então, emerge um questionamento: qual o conceito que se tem de aprendizagem? A resposta: a aprendizagem é mudança de comportamento e quem opera essas mudanças é o ensino (CUNHA, 1999). Até o presente momento, a não aprendizagem por parte do aluno era concebida como conseqüência da ausência de condições individuais básicas para tal, sendo a função da escola a de adaptar, ajustar esse aluno à sociedade, conforme suas aptidões e características pessoais. O fracasso escolar era explicado como conseqüência das condições inatas do próprio aluno para a aprendizagem. Assim, para esse tipo de ideologia, não é a escola que se volta contra o povo, é este que se volta contra a escola, por incapacidade de responder adequadamente às oportunidades que lhe são oferecidas. (SOARES, 1989: 10) 4

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino Nesse momento, uma nova visão toma conta das práticas do IHA: a responsabilidade pela não aprendizagem passa da criança para a equipe escolar. A reflexão acerca dos referenciais de educação aponta para métodos e procedimentos inadequados à aprendizagem dos alunos. O IHA centra suas ações nos princípios da Integração, investindo maciçamente na produção de materiais e no acompanhamento pedagógico. Com isso, um grande avanço é conquistado, pois o IHA deixa de receber os alunos chamados deficientes mentais educáveis vítimas do fenômeno do fracasso escolar, permanecendo, apenas, na sua estrutura, a atenção aos deficientes mentais treináveis. Em 1984, a Secretaria de Educação cria, na estrutura do ensino regular, as Classes de Alfabetização (CA), destinadas à criança de 6 anos que entrasse no sistema de ensino. É possível que isso tenha ocorrido em função de uma demanda gerada pela nova postura do IHA em não mais atender às dificuldades de aprendizagem ocorridas na 1ª série. Em 1985, nova reestruturação marca a Educação Especial, a partir do término da Assessoria de Educação Especial, cuja função foi assumida pelo IHA, que cria o Grupo de Análise Institucional (GAI). A nova estrutura contou com Centros Ocupacionais, Classes em Cooperação, Unidades de Fonoaudiologia, Classes Hospitalares, Classes Especiais, Salas de Recursos e Escola Especial. Nesse mesmo ano, o IHA lança mais um questionamento sobre a Educação Especial, cujo conteúdo se referia à competência social do deficiente. Então, publica um documento com sugestões de atividades para viabilizar comportamentos adaptativos o que exigiu uma reorganização curricular voltada para situações reais de vida, com o objetivo de ampliar o desempenho do deficiente em seu cotidiano. Em 1986, tanto a estrutura como a organização se mantêm, mas o planejamento anual se aproximou mais da Educação Regular. Ainda que os princípios educativos da Educação Especial continuassem sendo os da normatização, da integração e da simplificação, o IHA se volta para o desenvolvimento de pesquisas que pudessem garantir a qualidade do ensino aos deficientes. Emerge, então, um Projeto destinado a desenvolver procedimentos para a implementação de uma política de eqüidade, eficiência e efetividade no que tange à educação dos deficientes. Os objetivos desse projeto apontam tanto para o aspecto qualitativo da educação (aumento do número de vagas), quanto para o qualitativo (valorização do processo pedagógico). Em 1987, pela primeira vez, o calendário de matrículas para as Escolas Municipais incluiu a matrícula para o deficiente na mesma época que os demais alunos. Outra mudança importante, que aproxima a Educação especial da Escola Regular, foi a transformação dos Centros Ocupacionais em Escolas Especiais. Em 1988, em conseqüência das reflexões, do aprofundamento teórico e do desenvolvimento de projetos práticos, o IHA ampliou seu quadro técnico, criando Grupos de Trabalho por áreas específicas e caracterizando, cada vez mais, uma ação multidisciplinar para a atenção ao deficiente. Educação Inclusiva no Brasil 5

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino Nesse momento, as concepções de Educação Especial assumiam um discurso crítico em relação à escola, cuja função estava sendo a de legitimar as desigualdades sociais, negando a diversidade, favorecendo, assim, a exclusão. O IHA engajou-se, então, na defesa dos direitos fundamentais da educação, da emancipação e da cidadania rumo à Escola Inclusiva. Em 1989, nova estruturação administrativa e pedagógica foi realizada. A organização passa a funcionar com Programas de Atendimento Específico à pessoa portadora de deficiência. Os programas, em número de sete, se denominavam: Deficiência da Audiocumunicação, Deficiência da Visão, Superdotação, Precoce e Pré-escolar, Deficiência Física / Psicomotricidade, Escolas Especiais e Classes Especiais. A maioria desses programas funcionava dentro da Escola Regular como sala de recursos ou classes especiais, com exceção das Escolas Especiais, cuja clientela era o portador de graves comprometimentos. Nessa época, a Educação especial vive uma contradição muito grande, ao passo que se aproxima da Educação Regular, recebe uma enorme quantidade de alunos indicados para as Classes Especiais de RM. Esses alunos, entretanto, em sua maioria, não eram deficientes mentais, mas vítimas do Fracasso Escolar, das chamadas dificuldades de aprendizagem que acabavam compondo as Classes Especiais, enquanto o deficiente nem sempre tinha acesso à matrícula. A procura pelo Ensino Especial se justificava pelo ótimo desempenho que os alunos que freqüentavam as Classes Especiais tinham na Alfabetização, pois acreditava-se que os grupamentos reduzidos é que davam conta de corrigir as dificuldades, em função de uma atenção mais específica e individualizada. Essa realidade impõe uma reflexão sobre as práticas educacionais. Esse foi um ano de mudanças: o modelo Comportamentalista de educação deixa de fazer parte da proposta pedagógica, cedendo lugar ao modelo Construtivista fundamentado na teoria de Piaget. Isso marca uma nova concepção de desenvolvimento e de aprendizagem, que deixa de ser encarada como treinamento, passando a ser vista como processo individual. Com base no novo paradigma de educação, o IHA realizou estudos e capacitações intensivas com o intuito de transformar as práticas pedagógicas com o deficiente 3. Os anos de 1990 e 1991 corroboraram as perspectivas educacionais anteriormente propostas, resultando na preparação, no desenvolvimento e na publicação de documentos que objetivavam veicular informações sobre a proposta pedagógica para a realização da prática docente com o deficiente, ressaltando que a Educação Especial não era um sistema paralelo, mas integrante do sistema geral de Educação. No ano de 1992, o IHA realizou o I Encontro Nacional de Educação Especial, promovendo a discussão de temas relevantes ao Ensino da pessoa portadora de deficiências, tais como: Especificidades da Educação Especial, Construção do Conhecimento, Construtivismo e Educação Especial, Saúde e Educação, Fracasso Escolar, Sistemas de Integração Sociedade, Família e Escola, Alternativas Educacionais e Relatos de Experiências bem sucedidas no Brasil, entre outros. Tais discussões suscitaram novas inquietações e questionamentos que apontavam para uma nova concepção teórica, onde o desenvolvimento humano aparece descrito e valorizado como universal e global. 3 As referidas concepções serão mais amplamente discutidas em outra parte do texto. 6

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino Esse período caracteriza-se pela transição política que irá nortear novas políticas públicas para a Educação Especial, aproximando-a ainda mais da proposta curricular da Secretaria Municipal de Educação. O ano de 1993 foi o início de um novo ciclo que vem tomando forma e aperfeiçoando-se até os dias de hoje. O IHA passou por nova estruturação interna, administrativa e pedagógica, evidenciando que a antiga não mais se adequava às demandas geradas pela nova política educacional. Os chamados Programas de Atendimento foram extintos e criadas 10 (dez) equipes destinadas a estabelecer uma parceria de trabalho com as CRE(s) 4, o que viabilizou uma descentralização das ações do IHA, conferindo-lhes maior responsabilidade e autonomia na busca por uma educação de qualidade. Outro fato de grande importância na direção de novas políticas públicas da Educação Especial foi a criação da documentação escolar para o aluno portador de necessidades educacionais especiais, que passaram a contar, além da ficha de matrícula, com registros de avaliação do processo educativo, caracterizando, assim, um histórico escolar. Nessa época, também, teve início o processo de desenvolvimento para a criação da proposta Curricular Básica de Educação, onde a Educação Especial passa a incorporar as mesmas diretrizes e orientações curriculares que o Ensino Básico. E, à medida que, as propostas político-pedagógicas passam a ser as mesmas, descaracteriza-se uma ação de reabilitação e de acomodação do sujeito portador de deficiência, priorizando uma prática eminentemente pedagógica por parte da Educação Especial, onde as diferentes formas de aprendizagem e conteúdos escolares são ressaltadas, dando ênfase aos conhecimentos científicos das diversas áreas do saber. A partir de 1994, o IHA encontrava-se cada vez mais em consonância com as políticas públicas do Ministério da Educação e do Desporto, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), consolidando, pois, essa visão com estudos, pesquisas e divulgação dos princípios, política e práticas de uma Educação Inclusiva, abordada pela Declaração de Salamanca. Nesse período, o IHA realizou a I Jornada de Educação especial: uma sala do tamanho do mundo, compartilhando com profissionais da educação temas atuais sobre uma política para a Educação Inclusiva. A nova concepção de Educação Especial assumida, desde o ano de 1994 até os dias atuais, interferiu nos conceitos sobre desenvolvimento e aprendizagem, adaptações curriculares, avaliação, processos de integração/inclusão, qualidade de ensino, papel da escola, função do professor etc., criando duas demandas: a de investimento na área da formação profissional que, desde então, vem ocorrendo de forma continuada e em serviço; e a de reformulações administrativas. 4 Coordenadoria Regional de Educação (CRE): órgão criado para facilitar a interação e a comunicação entre escolas e SME, em função do grande número de escolas e de localização variada nas regiões metropolitanas. São 10 (dez) CREs em todo o Município, cada qual numa região administrativa. Educação Inclusiva no Brasil 7

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino Em cumprimento à Lei Orgânica (1990) do Município do Rio de Janeiro, art. 332, inciso VII, que ressalta a importância de todo aluno com direito à matricula ingressar na vida escolar numa classe regular, engendra-se a necessidade de analisar e de oferecer os recursos básicos indispensáveis à qualidade educacional. Por isso, uma série de adaptações físicas e curriculares passam a ser contempladas no âmbito da Educação Especial, interferindo na procura e na implementação de uma educação inclusiva. 1.1.4. A Actual Estrutura da Educação Especial no Município do Rio de Janeiro: uma política voltada para a educação inclusiva A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu capítulo I, art. 5º, garante a todo cidadão o direito à vida, à liberdade, à igualdade, entre outros. Sabe-se que apesar de haver o reconhecimento do cidadão como um sujeito de direitos, materializado no fato do poder público assumir legalmente essa condição, não foi e ainda não é suficiente para garantir ao cidadão o real exercício desses direitos. Porém, políticas públicas e propostas de ação voltadas para a Inclusão caracterizam um grande avanço no exercício pleno desse direito. Ou seja, o fato de a lei suprema de um país ressaltar, em seu texto, os direitos do cidadão não significa a garantia desses ainda vemos em nossa sociedade uma incoerência entre a igualdade proposta na Lei e a exclusão dos que vivem à margem do social. Porém, a verificação da contradição entre discursos e práticas já é um grande passo para a construção de uma sociedade inclusiva. Fechar os olhos à falta de uma práxis é o mesmo que compactuar com os níveis de elevada exclusão, ao passo que admitir a realidade tal como ela se apresenta é sair à procura de alternativas na luta contra a exclusão, como por exemplo: denunciar, criar, recriar, plantar e colher elementos fundamentais na busca da melhoria de qualidade de vida dos sujeitos e dos grupos sociais. Entretanto, apesar de serem inúmeras as necessidades de acesso ao trabalho, à habitação, ao transporte, à alimentação, à saúde, à educação, ao lazer etc., que a grande maioria da população tem de enfrentar, não enfocaremos nossa discussão nesses pontos. Trataremos, apenas, das questões referentes à garantia de acesso ao direito à Educação, principalmente, por parte daqueles que são portadores de necessidades educacionais especiais, mais especificamente da realidade do Município do Rio de Janeiro. Põem-se diante de nossos olhos inúmeras idéias para a seleção e a sistematização dos elementos significativos para a construção efetiva de uma sociedade inclusiva. O que viabiliza essa demanda é, por um lado, o fato de percebermos que somos parte integrante de um grupo que almeja a mudanças e pode pôr em movimento, através de investigações e questionamentos, ações coerentes com a proposta. E, por outro, o reconhecimento da necessidade e da importância dos debates e das ações fora do âmbito específico da Educação Especial, fortalecidas pela história das políticas públicas nacionais. A organização educacional no Brasil é norteada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 e pelas Diretrizes e Bases para a Educação Especial na Educação Básica (resolução nº 02/2001 do Conselho Nacional de Educação CNE). Conforme dados descritos no capítulo anterior dessa pesquisa, o Município do Rio de Janeiro já vinha trilhando a construção de uma escola inclusiva. Porém, o estabelecimento de documentações legais vem ratificar essa visão e essa meta. 8

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino A LDB nº 9394/96, em seu art. 1º, do título I, ressalta que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organização da sociedade civil e nas manifestações culturais e, no art. 2º, do título II, confere por finalidade [da educação] o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. E, ainda, salienta como princípios (art. 3º) a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e a garantia de padrão de qualidade, legitimando o acesso ao ensino fundamental como um direito público subjetivo (art. 5º) e como dever do Estado (art. 4º) a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades. Essa mesma legislação define como uma das responsabilidades dos Municípios (art. 11): organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados, conceituando a Educação Especial como um dos níveis e das modalidades de educação e ensino (título V), que deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para os educandos portadores de necessidades especiais (art. 58). Assegura, também, em seu art. 59, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos para atender a essas necessidades, bem como professores capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns. Nesse sentido, o papel e a função do IHA têm se mostrado de grande valor na conquista de uma educação inclusiva, ratificando em sua prática os pressupostos teóricos da Lei acima citada, uma vez que conta com um Projeto Político Pedagógico que leva em conta a diversidade do aluno e a necessidade de construir currículos capazes de garantir o acesso à qualidade de ensino por parte do deficiente. A resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001, institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, obrigando os Sistemas de Ensino a conceber a demanda real de atendimento a alunos portadores de necessidades educacionais especiais, mediante a criação de sistemas de informação e o estabelecimento de interface com os órgãos governamentais responsáveis pelo Censo Demográfico, para atender a todas as variáveis implícitas à qualidade do processo formativo desses alunos. Dessa forma, conforme palestra da Alicia Bercovich, do IBGE, na Oficina Educação Inclusiva no Brasil: diagnóstico atual e desafios para o futuro, os números estatísticos apresentados apontam o Município do Rio de Janeiro como o de maior abrangência na recepção das referidas demandas. O Conselho Nacional de Educação concebe, em seu art. 3º, a Educação Especial como um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica. Para isso, faz-se necessário refletir sobre os processos que geram as exclusões, buscando um novo cenário, onde a diferença seja a expressão de uma maneira própria de agir e de pensar o mundo, e não um motivo para se desvalorizar os sujeitos segundo padrões pré-estabelecidos. A SME do Rio de Janeiro e o IHA vêm multiplicando esforços nesse sentido, que podem ser expressos na: identificação daqueles que apresentam necessidades educacionais especiais; adaptação curricular para viabilizar o pleno desenvolvimento do aluno; adaptação física das escolas; Educação Inclusiva no Brasil 9

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino organização de ações que respondam às demandas de cada sujeito e de sua família (ônibus que pega a criança em casa para levar à escola; horário integral para os que precisam; abertura de atendimento próximo à residência; ações Macro Funcionais ação integrada entre a SME e outras Secretarias). O IHA vem implementando e implantando diversas ações que se direcionam à construção da Escola Inclusiva. Além de procurar garantir o acesso de todos os deficientes à matrícula escolar, acompanha o trabalho pedagógico realizado com o aluno deficiente, desenvolvendo estratégias voltadas para: a formação de professores; a avaliação de alunos; a pesquisa; a aquisição e a produção de materiais. Para isso, conta com 10 (dez) equipes para o acompanhamento do trabalho realizado na Rede Pública de Ensino, fornecendo subsídios aos profissionais para atuarem junto ao aluno portador de necessidades educacionais especiais. Além disso, dispõe de um Centro de Referência em Educação Especial, destinado a produzir novos conhecimentos, a confeccionar recursos adaptados que contribuam para a prática pedagógica com o portador de necessidades educacionais especiais, a auxiliar no enfrentamento das dificuldades encontradas na prática pedagógica, realizando pesquisas na diferentes áreas da Educação Especial, de acordo com o art. 11, da Lei de Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. O trabalho desenvolvido pelo Centro de Referência é realizado com os próprios alunos portadores de necessidades educacionais matriculados na rede pública do Município e organiza-se em diversos serviços, conforme descrito no documento Estrutura e Funcionamento/IHA 2003: Oficina Vivencial de Ajudas Técnicas para a Ação Educativa atende aos alunos com deficiência física, paralisia cerebral e síndromes que acarretem comprometimento motor, analisando cada situação e produzindo recursos alternativos, que constituem adaptações de acesso ao currículo. A equipe da Oficina, junto com as Equipes de Acompanhamento, os Professores Itinerantes e os Regentes discutem as adaptações curriculares propriamente ditas que precisarão ser feitas para atender as necessidades educacionais especiais desses alunos; Oficina de Artes Plásticas possibilita a experiência estética, explorando recursos, instrumentos e técnicas convencionais e não convencionais, utilizando os conceitos da arte e seus elementos no trabalho com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, principalmente, com alunos cegos e de baixa visão; Oficina de Ginástica desenvolve um trabalho de iniciação à prática da Ginástica Artística e acrobática, visando ao desenvolvimento cognitivo, motor e afetivo a partir do conhecimento de sua estrutura corporal e suas possibilidades de movimento, valorizando sua auto-estima e a conscientização de suas possibilidades; Oficina de Teatro proporciona aos alunos com necessidades educacionais especiais o aprimoramento das capacidades de expressão, relacionamento, imaginação e percepção, ampliando as leituras do mundo, desenvolvendo as linguagens corporal, oral e escrita; 10

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino Oficina de Dança realiza um trabalho de expressão corporal e auditiva, possibilitando discriminação de diferentes sons e ritmos da música, a partir de um trabalho contextualizado e significativo; Oficina de Música promove, junto ao aluno com necessidades educacionais especiais, o conhecimento dos valores essenciais da música, seja na aprendizagem de um instrumento ou do canto, impulsionando o desenvolvimento e ampliando as possibilidades de inserção e de expressão cultural, assim como a modificação das estruturas afetivo-cognitivas; Oficina da Palavra espaço de produção oral e escrita das diferentes linguagens presentes no mundo, destinado ao aluno com dificuldades no processo de sistematização da escrita. Este serviço atende aos alunos da rede regular de ensino, objetivando dar novos significados à prática de construção do processo de alfabetização; Laboratório de Informática Educativa utiliza recursos da informática educativa para construir, sistematizar e ampliar conceitos, tanto específicos da Língua Portuguesa como genéricos do interesse do aluno, referentes ao mundo escolar ou veiculados pela mídia, a partir da exploração e da produção das diferentes linguagens; Brinquedoteca; Centro de Transcrição à Braille destinado à elaboração e produção de materiais pedagógicos multissensorial para as Classes Especiais, Salas de Recursos, Classes Regulares e Escolas Especiais que possuam alunos cegos ou com baixa visão. São produzidos livros ampliados, livros transcritos à Braille, matrizes com ilustrações táteis, maquetes e kits adaptados para facilitarem a formação de novos conceitos; Sala de Leitura espaço aberto para todos os profissionais e alunos da Rede Municipal para empréstimos de títulos, consultas e pesquisa. Possui um grande acervo, contando com livros de diversas áreas do conhecimento, sendo grande parte sobre a Educação Especial. A Educação Especial do Município do Rio de Janeiro garante que a matrícula inicial do aluno portador de necessidades educacionais especiais pode ocorrer em qualquer nível de escolaridade, desde a Educação Infantil, incluindo-se as creches, até a 8ª série do ensino fundamental, expresso em sua Lei Orgânica e em conformidade com o art. 1º e parágrafo único e art. 7º, da Lei de Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. A LDB 9394/96 determina, no art. 59, inciso III, que os sistemas de ensino deverão assegurar professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para o atendimento especializado, bem como professores de ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns. Nesse sentido, o IHA possui uma equipe de coordenação de Pólos de Atendimento Extra-escolar, atuando na orientação e capacitação do profissional que atende alunos matriculados na rede pública do Ensino Fundamental, que têm seu processo de escolaridade dificultado ou impedido por problemas de ordem psicológica, física, fonoaudiológica, mental ou social. Educação Inclusiva no Brasil 11

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino A criança com deficiência precisa e pode, desde o nascimento, receber atendimento educacional especializado, visando ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades e sua efetiva participação na sociedade. A fim de garantir tal direito, a Educação Especial do Município do Rio de Janeiro está organizada da seguinte forma: Creches para a atenção à criança de 0 a 3 anos e 11 meses, que conta com o apoio e orientação de um professor itinerante, no sentido de capacitar os recreadores a privilegiarem a interação com a criança, criando possibilidades reais de aprendizagens que irão impulsionar seu desenvolvimento; Pólos de Educação Infantil, modalidade de atendimento voltada para a criança de 0 a 3 anos e 11 meses, que desenvolve ações com o objetivo de ampliar as possibilidades de desenvolvimento e aprendizagens da criança com deficiência; Educação Infantil para crianças a partir de 4 anos, que tenham ou não freqüentado creche ou Pólo de Educação Infantil, cuja matrícula é, prioritariamente, garantida em turma comum, com apoio de professor itinerante e / ou sala de recursos. Porém, outras possibilidades de acesso são a Classe Especial ou a Escola Especial. Sendo a escolha entre essa ou aquela modalidade baseada na avaliação pedagógica realizada pelas equipes de acompanhamento do IHA e da Coordenadoria Regional de Educação (CRE), em conjunto com a unidade escolar. As outras modalidades de atendimento a crianças e jovens portadores de necessidades educacionais especiais oferecidas pela política pública de Educação Especial do Município do Rio de Janeiro são: Sala de Recursos espaço destinado a um trabalho pedagógico específico com alunos portadores de necessidades educacionais especiais que estejam integrados em turmas regulares, tendo como objetivo ampliar e complementar o trabalho realizado pelos professores do ensino regular. A freqüência à Sala de Recursos se dá em horário diferente ao da turma comum, podendo o profissional atender os alunos individualmente ou em grupos, segundo os critérios de avaliação necessários ao melhor aproveitamento por parte dos envolvidos. Professor Itinerante serviço de orientação e de supervisão pedagógicas às escolas que possuem alunos incluídos. O profissional itinerante atua junto ao professor e demais envolvidos no processo, inclusive aos alunos, dando suporte prático e teórico à aprendizagem dos mesmos. O atendimento, geralmente, se dá no interior da sala de aula; Professor Itinerante Domiciliar serviço realizado por um professor da Educação Especial com o objetivo de atender alunos, deficientes ou não, que se encontram impossibilitados de freqüentar as aulas em razão de tratamento de saúde ou outros problemas que impeçam sua locomoção até a escola; Classes Especiais espaço de produção pedagógica para atender alunos que precisam de ajudas e apoios intensivos e contínuos, necessitando-se, assim, de adaptações curriculares muito significativas e próprias que não poderiam, no momento, ser realizadas na turma comum com um número maior de alunos; 12

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino Escola Especial espaço escolar e pedagógico para o aluno portador de necessidades educativas especiais que requerem um alto grau de adaptabilidade que não pode ser viabilizado pela escola regular, prioritariamente, destinado aos alunos que necessitam de uma atenção constante e individualizada nas atividades da vida autônoma e social, podendo esse aluno ser encaminhado para a escola regular sempre que as avaliações indicarem um benefício para ele; Classe Hospitalar serviço educacional e pedagógico que funciona em hospitais conveniados com a secretaria Municipal de Educação, com o objetivo de promover a aprendizagem da criança e do adolescente, da Educação Infantil e ao Ensino Fundamental, que estejam impossibilitados de freqüentar as aulas, em razão de tratamento de saúde que implique em internação hospitalar ou atendimento ambulatorial sistemático. A matrícula do aluno portador de necessidades educacionais especiais faz-se, preferencialmente, na rede regular de ensino. Após o que, a escola pode solicitar uma avaliação pedagógica ao IHA, no sentido de verificar a exigência de apoio ou de modalidades de atendimento que melhor se adeqüem ao aluno em questão, visando a seu pleno desenvolvimento. Os procedimentos de avaliação da Educação Especial são: 4. observação do aluno pelo professor da turma e elaboração posterior de relatório procedimento que implica no conhecimento do aluno e no foco sobre suas necessidades para a aprendizagem, assim como no registro escrito da história do aluno; 5. encaminhamento de relatório para a DED o que possibilita a reflexão, por parte da equipe, sobre as questões suscitadas e sobre as possíveis ações para o enfrentamento do problema; 6. visita do profissional da DED à escola com o objetivo de observar o aluno em sala de aula, levantando o contexto pedagógico, as necessidades educacionais e as estratégias para melhor atender os envolvidos (professores, alunos, família etc.) nesse momento, os profissionais estão estabelecendo uma prática de pesquisa-ação, pois à medida que se faz o diagnóstico, visando à ação, a conseqüência é a produção de conhecimentos, o que, certamente, irá interferir nas práticas subseqüentes e no desenvolvimento de ações mais apropriadas à solução dos problemas questionados; 7. em caso de dúvida quanto ao melhor encaminhamento, um estudo de caso com o Agente de Educação Especial deverá ser posto em curso: entrevistas com o responsável, visita e observação de campo e avaliação individual do aluno novas pesquisas em andamento, novas possibilidades de solução; 8. em caso de persistirem as dúvidas, a equipe do IHA deverá ser acionada o processo de investigação permanece, fortalecendo e recriando possibilidades para a implementação de uma Educação Inclusiva; 9. todo o processo de avaliação do aluno deve ser vivido em parceria com o cenário educacional mais amplo o que possibilita a reflexão dos envolvidos na participação e na construção da sociedade, bem como a formação de recursos humanos adequados à criação de uma Educação Inclusiva. Educação Inclusiva no Brasil 13

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino Uma Educação Inclusiva pressupõe educação para todos, não só do ponto de vista da quantidade, mas também do da qualidade, onde os sujeitos possam apropriar-se tanto dos saberes já disponíveis no mundo quanto das formas e das possibilidades de novas produções que, através de sua participação e de sua atuação cotidianas, irão criar, disponibilizando-as aos outros sujeitos, numa interação dialógica e dialética com a vida. A construção de uma Educação Inclusiva não é simples, requer o envolvimento de todos os sujeitos na busca de uma qualidade de vida. E isso, implica em qualidade na educação, acesso de fato ao que a vida exige para uma efetiva participação social: saber ler, escrever, contar, mas também, reler, rescrever, recontar as diversas histórias que habitam nosso universo e fazem dele o cenário para novas histórias, que emergirão como conseqüência do agir sobre o mundo. Como diz Leila Blanco, diretora do IHA, é preciso trazer a vida para a escola: acredito que para a vida fazer parte da escola é urgente ouvir o outro, compreendendo a trama cultural que possibilita sua identidade, a imersão no caldo de valores que inclui os éticos, os estéticos, os morais, tudo o que é prestigiado pelo grupo social e visto como consumo desejado (Entrevista: 25/04/2003). Assim, de fato, estaremos voltando nossos olhos para opções de vida e de sociedade mais conscientes, fruto do pensar e do agir com base no respeito à diversidade e na construção de práticas inclusivas. 1.1.5. Subsídios para a Fundamentação de uma Política Educacional voltada para a Construção da Escola Inclusiva O conceito de necessidades educacionais especiais 5 (n.e.e.) surge em oposição ideológica aos trabalhos pedagógicos que centram na deficiência do aluno a organização do currículo, seus conteúdos, metodologias e atividades práticas. O termo n.e.e. se originou de uma proposta curricular elaborada, em 1992, pelo MEC da Espanha. Em 1993, o termo foi assumido pelo IHA, almejando a uma concepção eminentemente pedagógica para as práticas da Educação Especial, marcando a importância de transformação das referidas práticas para o suporte e a construção de uma Educação Inclusiva. O conceito de necessidades educativas especiais desloca o foco centrado na deficiência para um olhar dirigidos às diversidades do pensar e do agir, concebendo o novo sujeito que emerge dessa visão como sendo aquele que possui necessidades, necessidades específicas e especiais, em função de sua identidade, de sua maneira própria de atuar e experimentar o mundo. O trabalho pedagógico que se impõe a partir desse termo, constitui-se como ponto de partida e de referência para não mais a simples identificação das dificuldades do aluno foco na deficiência, mas para uma avaliação que busque compreender o aluno tanto no que ele já sabe, na sua autonomia, como no que ele pode vir a saber, a fazer, a produzir, apesar de suas dificuldades. Essas são as bases para um processo de intervenção pedagógica, dirigindo o trabalho de maneira prospectiva para as possibilidades do aluno. O que exige, por parte dos envolvidos no processo, uma avaliação constante da relação entre desenvolvimento e 5 No caso do Município do Rio de Janeiro, o termo é consolidado, em 1996, no lançamento da MULTIEDUCAÇÃO, para designar o caráter eminentemente pedagógico da Educação Especial, visando à elaboração das metas pedagógicas junto ao aluno portador de deficiências. 14

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino aprendizagem, assim como da identificação das necessidades educacionais do aluno, a fim de que as metas para a educação de qualidade possam ser atingidas. Encarar as necessidades educacionais especiais é, portanto, não apenas estar atento às características pessoais de cada aluno e de sua deficiência, como também antever a forma como a escola organiza o processo educativo. Ou seja, as necessidades não são estabelecidas de forma definitiva, mas se constituem na pragmática do fazer pedagógico cotidiano, buscando caminhos e respostas, indo além das dificuldades, possibilitando ao aluno um desenvolvimento pleno, norteado pelo horizonte da participação social, e não mais pelo patamar dos limites de sua deficiência o que gera a sua exclusão social. Para que as necessidades educacionais do aluno portador de deficiências possam ser garantidas de forma a se apropriarem dos conhecimentos e habilidades escolares, impõem-se adaptações de diferentes tipos, a saber: adaptações de acesso relativas às condições físicas, materiais e de comunicação necessárias para que o aluno possa participar do processo educacional com autonomia; adaptações curriculares em relação ao currículo regular estabelecido para o conjunto dos alunos, envolvendo modificações nos objetivos, conteúdos, atividades e estratégias de avaliação, tendo o objetivo de atender às necessidades educacionais dos alunos portadores de deficiência, permitindo-lhes, através de estratégias diversas, a ampliação de suas possibilidades e a construção de seu conhecimento. O que não se caracteriza como um rebaixamento de metas ou de objetivos, mas sim como uma ação pedagógica ajustada às necessidades que se impõem, em função da identidade do aluno. O conceito de necessidades educacionais especiais, visto dessa forma, harmoniza-se com os pressupostos teóricos do referencial sócio-histórico proposto por Vygotsky. Vygotsky apontou a necessidade de avaliarmos o desenvolvimento sobre os seus aspectos qualitativos, e não mais centrando o olhar sobre os quantitativos. E, em relação ao desenvolvimento da criança portadora de alguma deficiência, afirma que ela não é uma criança menos desenvolvida do que as demais, é uma criança que se desenvolve de modo qualitativamente diferente, porém, com as mesmas leis gerais do desenvolvimento as quais serão abordadas a seguir. 1.1.5.1. O Modelo e o Referencial Teórico de Vygotsky: uma nova abordagem para a Educação Especial O panorama educacional revela apesar dos esforços na luta contra a exclusão social e na busca da qualidade na educação a presença de modelos metateóricos mecanicista e organicista nas práticas pedagógicas correntes, fornecendo uma visão reduzida e limitada do processo de desenvolvimento e de aprendizagem do aluno e, ainda, contribuindo, no caso daqueles que são portadores de alguma deficiência, para um enfoque pedagógico baseado ora na deficiência primária do aluno, ora no seu platô evolutivo. Com isso, os referidos modelos acabam por determinar práticas educativas preparatórias ou compensatórias, baseadas em condicionamentos e formação de hábitos ou em atividades lúdicas ou Educação Inclusiva no Brasil 15

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino estimuladoras, em ambos os casos, esvaziadas de conteúdos significativos e de metas pedagógicas propriamente ditas 6. Essa perspectiva, trazida por Vygotsky, assumiu, nos anos vinte, contornos bem definidos na Psicologia e, na atualidade, ressurge com vigor nos meios acadêmicos na área da Educação. A concepção de homem adotada é a do sujeito compreendido como ser social, que se constitui na e pela cultura, em um dado momento e contexto históricos. Sendo os modos de ação, a consciência e a subjetividade humanas produto das relações interpessoais, a partir de determinadas condições sociais, culturais e históricas. As bases para um novo enfoque curricular e para novas práticas pedagógicas podem ser estabelecidas pela adoção do modelo e do referencial sócio-histórico. A história é produzida pela forma como os sujeitos pensam, agem, conservam ou transformam o sentido dado pelas relações sociais estabelecidas nas interações com o meio e com outros sujeitos, produzindo idéias e representações, a partir das quais procuram explicar a realidade. Assim, a história só pode ser compreendida no plano das relações sociais entre os sujeitos, em função das condições concretas de sua realização. Então, cada atitude individual foi, um dia, uma atitude entre sujeitos. A compreensão do plano individual humano reside no âmbito das relações sociais enquanto processos históricos. Entretanto, o aspecto histórico ressaltado não corresponde a uma concepção histórica de sucessão de fatos no tempo ou de evolução das idéias, mas ao modo como os homens concretos, em condições objetivas, criam os mecanismos de ação e as expressões culturais de sua existência social, podendo criar e recriar, reproduzir e transformar o social, o político, o econômico e o cultural. O modelo sócio-histórico de Vygotsky estabelece uma nova relação entre sujeito e objeto no processo de construção dos conceitos e dos conhecimentos, fornecendo em bases inteiramente novas uma teoria do desenvolvimento cultural do psiquismo humano. Para Vygotsky, os fenômenos tipicamente humanos, como a consciência e a linguagem, só podem ser explicados como produto das relações que se estabelecem num processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas histórias individual e coletiva. O psiquismo humano, as formas de pensar e agir, então, são concebidos como uma produção social, resultante da apropriação, por parte dos sujeitos singulares, das produções culturais. Nessa abordagem, o homem é o produto da relação dialética entre o corpo e a mente, entre o biológico e o social. Assim, as funções psíquicas superiores emergem no plano das relações entre os sujeitos: elas são internalizadas, singularizadas, consolidadas e transformadas dialeticamente. O que é individual, foi um dia coletivo. 1.1.5.2. A Relação entre o Inter e o Intrapisíquico Para Vygotsky, os processos psíquicos do indivíduo são constituídos a partir da internalização de relações entres os sujeitos sociais. A ação humana está baseada na 6 Em função do tempo e da natureza, a presente pesquisa não se deterá nas concepções citadas nesse parágrafo, optando por aprofundar-se nas concepções propostas pelo referencial sócio-histórico. 16

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino cooperação entre os indivíduos. E a forma como os homens participam e atuam na vida determina o que pensam. A partir da experiência social, conceitos são internalizados, permitindo identificações e diferenciações que constituirão a singularidade, a identidade do sujeito. Todas as funções do desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos. (VYGOTSKY, 2000: 75) A internalização não é um processo mecânico de transposição da ação externa para o interior do indivíduo, mas mediada por ações partilhadas. A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um longo período de tempo, antes de internalizar-se definitivamente (VYGOTSKY, 2000: 75). Portanto, o homem é um ser social e a linguagem, o instrumento das interações sociais que possibilita ao sujeito pertencer a uma cultura. A linguagem, aqui, não é compreendida como sendo um sistema abstrato de normas ou, apenas, atividade verbal. A linguagem vai muito além: é toda e qualquer forma de expressão. E está presente na arte, na pintura, na música, no cinema, no folclore, nos gestos, no olhar, na emoção, na respiração e, inclusive, no silêncio. Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ideológico ou vivencial. É assim, que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida (BAKHTIN, 1992:95). O ato expressivo transita entre o conteúdo interior do sujeito e sua objetivação exterior em direção ao outro. Assim, a expressão determina-se tanto pelo fato de que procede de alguém, quanto pelo fato de que se dirige a alguém, revelando-se como o produto da interação entre os interlocutores, ambos sujeitos singularizados a partir de muitas e diferentes interações sociais. Através da palavra, da expressão, nos definimos em relação ao outro: se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre meu interlocutor (BAKHTIN, 1992: 113). 1.1.5.3. A Relação entre Pensamento e Linguagem A linguagem possui duas funções básicas: a de intercâmbio social e a de pensamento generalizante. Ela fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento. Educação Inclusiva no Brasil 17

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino O pensamento e a linguagem têm origens diferentes e desenvolvem-se segundo trajetórias diferentes, até que ocorra a unidade entre esses dois fenômenos, quando o pensamento se torna verbal. Para Vygotsky, a relação entre pensamento e linguagem deriva de duas raízes genéticas diferentes: há uma fase pré-verbal do pensamento e uma fase préintelectual da fala no desenvolvimento da criança. A fase pré-verbal do pensamento pode ser descrita como aquela em que o pensamento associa-se à utilização de instrumentos. Já a fase pré-intelectual da fala aponta para a função social da linguagem. Pois, desde muito cedo, a criança reage à voz humana, demonstrando que sons inarticulados, risadas, movimentos etc. são meios de contato social. Porém, há um momento em que as curvas da evolução do pensamento e da fala se unem, dando origem a uma nova forma de comportamento: a fala começa a servir ao intelecto e os pensamentos começam a ser verbalizados (VYGOTSKY, 1989: 37). Nesse momento, a criança não mais precisa estar diante do objeto para se relacionar com ele, basta sua representação para que isso ocorra. Assim, inicia-se uma nova forma de funcionamento psicológico a fala torna-se intelectual, com função simbólica e o pensamento torna-se verbal, mediado por significados dados pela linguagem o significado das palavras. O significado é um componente essencial da palavra e é, ao mesmo tempo, um ato de pensamento, pois o significado de uma palavra já é em si a generalização de um conceito. É no significado que se encontra a unidade das duas funções básicas da linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante. São os significados que possibilitam a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo real, constituindo-se no filtro através do qual o sujeito é capaz de compreender o mundo e agir sobre ele. Os significados são construídos ao longo da história dos sujeitos com base nas suas relações com o mundo físico e social, encontrando-se, portanto, em constante transformação, tanto na história de uma língua e como na história do sujeito, segundo o processo de aquisição da linguagem pelo sujeito. O problema do pensamento e da linguagem estende-se, portanto, para além dos limites da ciência natural e torna-se o problema central da psicologia humana histórica, isto é, da psicologia social (VYGOTSKY, 1989: 44). A perspectiva sócio-histórica de Vygotsky informa, no que se refere à percepção, memória e atenção dos sujeitos, que o desenvolvimento dessas funções psíquicas superiores caminha do social para o individual, do genérico ao particular. O bebê humano nasce com suas possibilidades de percepção definidas pelas características biológicas do sistema sensorial humano. Ao longo do desenvolvimento, entretanto, principalmente através da internalização da linguagem e dos conceitos e significados culturalmente desenvolvidos, a percepção deixa de ter uma relação direta entre o indivíduo e o meio, passando a ser mediada por conteúdos culturais. A relação perceptual com o mundo não se dá em termos de atributos físicos isolados, mas em termos de objetos, eventos e situações categorizados pela linguagem e pela cultura. A função dos objetos, as situações concretas em que interagimos com estes objetos, o lugar que ele ocupa nas nossas atividades, irão interferir na forma como percebemos esse ou aquele fato ou objeto. Ao se perceber elementos do mundo real, faz-se inferências baseadas em conhecimentos adquiridos 18

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino previamente e em informações sobre a situação presente, interpretando os dados perceptuais à luz de outros conteúdos psicológicos. A atenção, inicialmente, baseada em mecanismos neurológicos inatos, gradualmente vai se tornando voluntária e fundamentada na mediação simbólica. Há uma seleção de elementos relevantes e essa relevância está relacionada aos significados construídos nas relações do sujeito com o meio. A memória pode ser natural ou mediada. A memória natural apóia-se em mecanismos inatos, numa relação direta entre estímulo e resposta, ao passo que a mediada ancora-se nos instrumentos e nos significados. A cultura é a condição essencial para a existência humana, a principal base de sua especificidade. Ou seja, não existe natureza humana sem cultura. Nesse sentido, a cultura funciona como um centro produtor de mecanismos de controle para conduzir comportamentos. Nas palavras de Geertz, se não fosse ''dirigido por padrões culturais sistemas organizados de símbolos significantes o comportamento do homem seria virtualmente ingovernável, um simples caos de atos sem sentido e de explosões emocionais''. O homem não só cria signos como também é controlado por eles. Os sistemas de símbolos significantes (linguagens, arte, mito, rituais, mídias e sistemas de signos da cultura contemporânea) tornam-se sistemas de retroalimentação, de controle e de organização do próprio sistema biológico. Logo, não existe natureza humana sem cultura: somos animais incompletos e inacabados que nos completamos e acabamos através da cultura (GEERTZ, 1989: 35). O homem é um ser inacabado, em constante devir e em busca de acabamento. Se é verdade que o homem precisa aprender para poder funcionar, ver e sentir, é igualmente verdade que ele precisa aprender a pensar para se desenvolver e transformar o mundo e a si próprio. Essa noção interfere em campos conceituais consolidados, desfazendo crenças e distinções, como a polêmica oposição entre o que é natureza e o que é cultura. 1.1.5.4. A Relação entre Desenvolvimento e Aprendizagem Para Vygotsky, os fenômenos tipicamente humanos só podem ser estudados tendo em vista a compreensão de que as funções psíquicas superiores são o produto das relações entre sujeitos sociais e da apropriação das produções culturais, oriundo da ligação estreita entre história individual e coletiva. Procurando explicar os modos de participação do outro na construção dos processos individuais e na transformação do funcionamento psíquico interpessoal em intrapessoal, Vygotsky introduz uma nova explicação sobre o processo de desenvolvimento, a partir do conceito de zona de desenvolvimento proximal, oferecendo uma nova concepção que irá ocupar uma posição fundamental nos debates sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizagem da criança. Para Vygotsky, o desenvolvimento ocorre em dois níveis: o desenvolvimento real que se refere ao desenvolvimento já alcançado caracterizado pela independência nas ações tudo aquilo que a criança faz de forma autônoma; e o desenvolvimento potencial que se relaciona às competências em via de serem conquistadas aquilo que o sujeito ainda não é capaz de realizar de forma independente, necessitando da participação e da colaboração de outras pessoas. Educação Inclusiva no Brasil 19

Educação Inclusiva no Sistema Regular de Ensino O conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) indica a distância entre os dois níveis de desenvolvimento humano o real e o potencial. Mas para transformar o que é potencial em real, faz-se necessária a instauração de um espaço de ações partilhadas, pois, é na interação com outros sujeitos que se adquire a capacidade de internalização de conceitos, de organização do real e de regulação interna das ações. O desenvolvimento da criança é visto, aqui, de forma prospectiva, uma vez que a zona de desenvolvimento proximal define as funções psíquicas superiores que ainda não se concretizaram no plano da independência, embora estejam presentes em estado embrionário. O conceito de ZDP traz implicações decisivas e transformadoras para os critérios de avaliação diagnóstica e para a ação pedagógica, enfatizando que é na interação e através dela que a criança consegue solucionar os problemas que, ainda, não tem condições de resolver sozinha. É, justamente, nesse momento o da interação com o outro que o desenvolvimento potencial aparece, colocando em movimento vários outros processos de desenvolvimento que, sem a ajuda de um interlocutor, seriam impossíveis de se perceber. Aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje, será desenvolvimento real amanhã ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã (VYGOTSKY, 2000: 113). A partir dessas colocações, é possível pensar uma psicologia social, fundada e elaborada na compreensão de que o comportamento humano é fruto da ação educativa seja no campo da educação formal das escolas, no da formação iniciada no seio familiar ou no da prática terapêutica inserida no momento da interação e da interlocução entre os sujeitos. O espaço dialógico, pensado por Vygotsky, baseia-se no pressuposto de que não há essência humana imutável. Investiga a construção da identidade do sujeito na interação com o mundo, na relação com outros sujeitos, explicando como a cultura torna-se parte da natureza humana a partir de um processo histórico que influencia o funcionamento psicológico. Assim, a relação com o mundo é sempre mediada, não há acesso imediato aos objetos, mas sim a sistemas simbólicos que os representam. Por isso, à linguagem é atribuído papel de destaque, como sendo o instrumento que se interpõe entre o sujeito e o objeto, a partir da experiência significativa. De acordo com a teoria em questão, os fenômenos de transição do desenvolvimento perpassam por todo o território intermediário entre o externo e o interno, tal como percebido por um território comum: o da cultura. 1.1.5.5. O Processo de Formação dos Conceitos Diferentemente dos animais, os comportamentos humanos não conservam apenas ligação com os motivos biológicos, mas, sobretudo, são frutos de um processo de desenvolvimento que envolve a interação do sujeito com o meio físico e social em que vive. Tal interação não se dá diretamente, como no caso do animal, mas através da mediação possibilitada por dois tipos de elementos: os instrumentos e os signos. Os instrumentos regulam a ação do homem sobre os objetos e os signos, a ação sobre o psiquismo. 20