Incidência de HPV em colo do útero de gestantes HIV positivas atendidas no Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP



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Artigo Original Incidência de HPV em colo do útero de gestantes HIV positivas atendidas no Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP Incidence of HPV infection in the uterine cervix in HIV positive pregnant women seen at the Hospital de Base in São José do Rio Preto, Brazil Jane Lopes Bonilha 1, Michelle Fantin Yakabe 2, Bruna Farinelli Camargo 3, Elaine Keid Leso Martins 4, Mariana Cezar de Andrade Ribeiro 5, José de Mendonça Costa-Neto 6, Eloísa Aparecida Galão 7, Mânlio Tasso de Oliveira Mota 8, Paula Rahal 9 RESUMO Objetivo: Avaliar a incidência de coinfecção HPV-HIV em gestantes e relacioná-la à quantidade de células CD4+ no sangue periférico; à expressão da proteína p16 no epitélio do colo uterino; e, finalmente, à presença de DNA de HPV nas biópsias cervicais. Métodos:Foram selecionadas gestantes da mesma idade em dois grupos com 70 pacientes em cada um: um HIV soropositivo (grupo de estudo) e outro soronegativo (controle I). Outro grupo (controle II) foi formado por 36 pacientes HIV negativas de idades variadas e com diagnóstico de neoplasia intraepitelial cervical, no período de 2000 a 2007. Foram analisadas colpocitologias e/ou biópsias dessas pacientes quanto à ocorrência de características morfológicas sugestivas de infecção pelo HPV; contagem de células CD4+ no sangue periférico; a expressão da proteína p16 no epitélio do colo uterino, elas foram comparadas com a mesma expressão em um grupo de 36 mulheres HIV soronegativas com neoplasia intraepitelial cervical; e PCR das amostras do grupo de estudo para confirmar a presença de DNA de HPV. Resultados: As 70 pacientes gestantes HIV positivas, tinham idade entre 15 e 45 anos, com média etária de 28 anos (mediana = 28,2 anos). Delas, 22 (31,4%) apresentaram alterações morfológicas compatíveis com infecção cervical pelo HPV; dessas pacientes, 16 apresentaram menos de 500 células CD4 positivas (p=0,03). No grupo HIV soronegativo, uma paciente (1,4%) apresentou lesão intraepitelial cervical. Dez biópsias cervicais do grupo de estudo apresentaram DNA de HPV pela PCR. O Grupo Controle II mostrou resultados semelhantes ao de estudo. Conclusões: A incidência de coinfecção HPV-HIV foi relevante em relação ao grupo de gestantes HIV negativas. Nas gestantes HIV positivas, a incidência de HPV mostrou-se diretamente relacionada com baixa imunidade. A expressão da proteína p16 mostrou índices de marcação maiores nos casos com diagnóstico de lesões do colo do útero mais graves (NIC 2 e 3). A presença de DNA de HPV foi confirmada em lesões cervicais de gestantes HIV positivas por meio de PCR. O presente estudo pôde constatar que existe necessidade de avaliações ginecológicas e colpocitológicas periódicas no pré-natal de pacientes HIV positivas, visando o diagnóstico precoce da infecção pelo HPV. Descritores: Soropositividade para HIV; Complicações na gravidez; HIV; Infecções por Papilomavirus ABSTRACT Objective: To evaluate the incidence of HPV-HIV co-infection among pregnant women and to relate it to CD4+ cell count in peripheral blood, to the expression of protein p16 in the epithelium of the uterine cervix and to the presence of HPV DNA in cervical biopsies. Methods: Pregnant women at the same age were selected and distributed into two groups with 70 patients each: HIV positive (Study Group) and HIV negative (Control I). Another group (Control II) comprised 36 HIV negative patients at different ages and with the diagnosis of Trabalho realizado no Hospital de Base de São José do Rio Preto, São Paulo (SP), Brasil. 1 Doutora, Professora Adjunto do Departamento de Patologia e Medicina Legal Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto FAMERP, São José do Rio Preto (SP), Brasil. 2 Acadêmica de Medicina da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto FAMERP, São José do Rio Preto (SP), Brasil. 3 Acadêmica de Medicina da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto FAMERP, São José do Rio Preto (SP), Brasil. 4 Bióloga da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto FAMERP, São José do Rio Preto (SP), Brasil. 5 Residente da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto FAMERP, São José do Rio Preto (SP), Brasil. 6 Residente da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto FAMERP, São José do Rio Preto (SP), Brasil. 7 Professora da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto FAMERP, São José do Rio Preto (SP), Brasil. 8 Pós-graduando (Mestrado) em Biologia, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP, São José do Rio Preto (SP), Brasil. 9 Doutora, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP, São José do Rio Preto (SP), Brasil. Autor correspondente: Jane Lopes Bonilha Rua dos Ipês Rosa, 112 Village Mirassol I CEP 15130-000 São José do Rio Preto (SP), Brasil Tel.: 17 3201-5056 e-mail: janebonilha@famerp.br Data de submissão: 1/2/2009 Data de aceite: 13/8/2009

Incidência de HPV em colo do útero de gestantes HIV positivas atendidas no Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP 335 cervical intraepithelial neoplasia, in the period from 2000 to 2007. Colpocytology and/or cervical biopsy of these patients were analyzed for the occurrence of morphological characteristics, suggesting HPV infection; for the CD4 count in peripheral blood; and expression of protein p16 in the cervix epithelium and compared the findings with p16 expression in a group of 36 women with cervical epithelial neoplasm. PCR was performed in the samples of the Study Group to confirm the presence of HPV DNA. Results: The 70 HIV positive pregnant patients were aged from 15 to 45 years (mean of 28 years, median of 28.2 years). Twenty-two (31.4%) of them presented morphological changes consistent with cervical HPV infection; of these, 16 presented CD4 count lower than 500 cells (p=0.03). In the HIV negative Group, one patient (1.4%) had cervical intraepithelial lesion. Ten cervical biopsies in the Study Group presented HPV DNA in the PCR. The Control Group II showed similar results to the Study Group. Conclusions: The incidence of HPV-HIV co-infection in pregnant women was relevant compared to the HIV negative Group. In the HIV-positive Group, the incidence of HPV was directly related to low immunity. The p16 expression was stronger among the cases diagnosed as having higher grade intraepithelial cervical lesions (CIN 2 and 3). The presence of HPV DNA was confirmed through PCR in cervical lesions of HIV positive pregnant women. This study points to the importance of having periodic gynecological exams and routine cytology screening tests for the early detection of HPV infection during antenatal care of HIV-positive pregnant women. Keywords: HIV Seropositivity; Pregnancy complications; HIV; Papillomavirus infections INTRODUÇÃO HIV, AIDS e níveis sanguíneos de CD4 positivo Pouco é conhecido sobre a infecção pelo HPV em gestantes portadoras do HIV. Nas grávidas, as consequências dessa infecção são significativamente mais graves e até podem ser mortais (1). A identificação, em 1983, do HIV como agente causador de AIDS, constitui marco inicial na descrição dos mecanismos fisiopatogênicos, bem como no desenvolvimento da terapêutica específica. Dois tipos são conhecidos por distinção molecular de HIV: HIV-1, de distribuição universal e HIV-2, restrito à África Ocidental. Aproximadamente 75% das infecções no Brasil são atribuíveis ao subtipo B, seguidos pelos subtipos F (20%) e C (5%) (2). O HIV, vírus essencialmente linfocitotrópico, possui ácido nucleico formado por RNA quando se encontra em sua forma livre (virion) e pela ação da enzima transcriptase reversa, integra-se ao núcleo celular principalmente de linfócitos auxiliadores (CD4) na forma de DNA (provírus). Após a formação do provírus, o HIV perverte a maquinaria celular ao seu próprio benefício, passando a se replicar e destruindo a célula hospedeira. A molécula CD4, presente na superfície de linfócitos T auxiliadores (T4), parece funcionar como o principal receptor celular para o HIV, permitindo sua entrada na célula hospedeira. Atualmente, sabe-se que a diminuição relativa, ou principalmente a absoluta, de linfócitos T CD4 está associada com o aparecimento de infecções oportunistas. Os níveis acima de 500 linfócitos auxiliadores/mm 3 em sangue periférico pressupõem um bom nível imunitário; valores entre 200 e 500 células/mm 3, moderada imunodeficiência; e valores abaixo de 200 células/mm 3 são indicativos de importante imunodeficiência (2). A replicação do HIV-1 é maciça durante qualquer fase da infecção pelo vírus. Cerca de 10 bilhões de cepas virais são produzidas e eliminadas diariamente em uma pessoa infectada. Da mesma forma, dois milhões de linfócitos T CD4 positivo são produzidos e eliminados diariamente. Em decorrência dessa batalha constante entre vírus e sistema imune, os linfonodos e o timo se esgotam, havendo uma dificuldade para reposição de células CD4 na circulação sanguínea. Esse comprometimento imune vai caracterizar o surgimento da AIDS, com risco de desenvolvimento de infecções e tumores oportunistas (3). Coinfecção HPV-HIV e gestação O reconhecimento do aumento da incidência de carcinoma cervical invasor relacionado à infecção pelo HIV ocorreu pelo US Center for Disease Control and Prevention (CDC), a partir de 1992 (4). A progressão da doença é afetada por fatores adicionais, entre os quais a imunocompetência do hospedeiro. Assim, o portador de HIV tem uma suscetibilidade às infecções secundárias, incluindo o HPV. Em adição, a progressão para tumor da lesão por HPV é afetada pela presença do HIV, já que nesse caso a vigilância para presença de células cancerosas se encontra prejudicada (4). Além de maior incidência, a persistência da infecção é significativamente maior entre pacientes HIV positivas quando comparadas a mulheres não infectadas pelo HIV. Paralelamente, a prevalência de genótipos de HPV relacionados às verrugas genitais são quatro a cinco vezes maiores entre pacientes HIV positivas, e a própria presença de lesões verrucosas é três vezes maior neste grupo de mulheres (5). Durante a gestação ocorre imunomodulação característica deste período, aumentando os casos de HPV. Quando esta é associada à infecção pelo HIV, a gestante torna-se extremamente suscetível à infecção pelo HPV (6). Mecanismo de transformação induzida pelo HPV e progressão para o câncer O câncer do colo do útero é o primeiro 100% atribuído a uma infecção viral pela Organização Mundial de

336 Bonilha JL, Yakabe MF, Camargo BF, Martins EKL, Ribeiro MCA, Costa Neto JM, Galão EA, Mota MTO, Rahal P Saúde (OMS) (7). O HPV do tipo 16 é o mais prevalente associado com neoplasia intraepitelial cervical (NIC) e câncer cervical, ambos no Sul da África e outros países em desenvolvimento, nos quais 50% das mulheres com doença cervical estão infectadas por HPV-16 (8-9). A maioria das infecções por HPV é transitória e clinicamente não evidente, com 70 a 90% dos casos resolvendo-se espontaneamente entre 12 a 30 meses (10-11). No entanto, HPVs de alto risco (tipos 16, 18, e 31, por exemplo) necessitam, muitas vezes, estar integrados ao genoma do hospedeiro (4). O estado de integração do genoma viral não é suficiente para o ciclo de vida viral, mas confere um crescimento avançado pelo aumento da expressão de E6 e E7 (12), que são sequências da cadeia do DNA viral e causam inativação funcional da p53 e da prb, as quais são proteínas supressoras de formação de tumor (13-15). A degradação da p53, CDK-ciclina dependente, ocorre na transição da fase G1 para a S do ciclo celular do hospedeiro. A degradação da proteína prb, que é CDK 2 - ciclina E dependente ocorre na fase S (4). O gene E6 é também conhecido por induzir a expressão da telomerase humana, conduzindo para o aumento da amplitude de vida das células escamosas infectadas e em contraste. Há aumento do número de células cancerosas por supressão da morte celular. A E7 unida às proteínas membros da família prb resulta em sua eventual degradação e liberação da E2F, ativando a expressão dos genes requeridos para a síntese de DNA celular. Mesmo que o DNA esteja danificado, a carência de p53 permite que a célula sobreviva, por uma fase S induzida pela E7 e com replicação do genoma viral (4). Além de liberar a E2F, a proteína E7 do HPV, ao degradar a proteína prb interfere na via p16 ink4a -CDK4-6/ ciclinad-prb, liberando a p16 ink4a. Na célula normal, a p16 ink4a tem a função de regulador negativo da progressão do ciclo celular, pela verificação da atividade do supressor de tumor prb. A p16 ink4a inibe a fosforilação da prb pelo complexo ciclinad-cdk4/cdk6. A hipofosforilação da união prb ao fator de transcrição E2F os inibe na fase G0 e início da fase G1 do ciclo celular. Nas células em proliferação, a fosforilação da prb libera E2F e induz genes que fazem a mediação para entrar na fase S (16-17). A superexpressão da p16 ink4a não inibe a progressão do ciclo celular nessas células tumorais em ausência de prb (16-17). A superexpressão da p16 ink4a é um indicador de expressão aberrante da oncogênese viral E7 e de transformação induzida pelo HPV em células epiteliais. Tem sido demonstrado, por técnica imunoistoquímica, que existem muitas cópias de expressão da p16 ink4a nas displasias e carcinomas cervicais, em comparação com o epitélio normal. Assim, a detecção da superexpressão da proteína p16 ink4a é especialmente utilizada para diagnóstico precoce de HPV de alto risco associado a câncer cervical (16-17). Fisiopatologia na coinfecção HPV-HIV A infecção pelo HPV em hospedeiro imunocompetente é latente, controlada por ação imunológica, tendendo a manifestar-se clinicamente perante quadro de déficit imunológico. Assim, observa-se franca associação entre as infecções pelo HPV e HIV, determinando em pacientes HIV soropositivas, maior prevalência de lesões HPV induzidas, especialmente naquelas com número de linfócitos auxiliadores (CD4 positivo) abaixo de 500 células/mm 3(18). A infecção pelo HIV parece induzir a replicação do HPV, intensificando o processo infeccioso por ele produzido e promovendo sua reativação e persistência. Da mesma forma, as lesões invasoras do colo uterino têm maior agressividade e pior prognóstico. Na concomitância HPV-HIV positivo parecem ocorrer alterações na carga genética do HPV. Esse fato torná-lo-ia mais agressivo e, se associado à imunossupressão, poderia causar lesões de maior potencial carcinogenético (18). Do ponto de vista biomolecular, o gene TAT-1, proteína regulatória do HIV-1, estaria associado à exacerbação da expressão do HPV. O gene TAT-1 em combinação com a proteína E2 do DNA dos HPV oncogênicos, como o 16 e o 18, realçaria a transativação da região da sequência regulatória do HPV, desse modo estimulando a expressão dos genes do papilomavírus, mesmo em pacientes sem quadro de imunodepressão grave (contagem CD4 positiva maior do que 500 células/mm 3 ) (18). A infecção pelo HPV pode se manifestar em quaisquer níveis de carga viral de HIV ou de imunodeficiência, ambos os fatores considerados agentes ativadores da replicação viral. A resposta humoral, por sua vez, é forte no início do processo infeccioso, mas torna-se instável com o tempo (19-20). A infecção persistente pelo HPV em mucosa genital é um importante fator preditor de neoplasia intraepitelial em pacientes HIV soropositivas. Nestas, é alta a incidência de infecção pelo HPV, caracterizada por frequentes recidivas e progressão da doença, além de maior insucesso terapêutico. É constatada, ainda, maior prevalência de tipos de alto risco oncogênico como o HPV 16 e o 18, acompanhados de multiplicidade de outros subtipos virais quando comparados a mulheres HIV soronegativas. Pacientes HIV soropositivas costumam, ainda, cursar com alta carga viral de DNA de HPV. A alta carga viral de HPV oncogênico, especialmente o 16, predispõe ao aparecimento de lesão cervical de alto grau e moléstia invasora (5,17-19). Diversos relatos da evolução do carcinoma invasor em mulheres soropositivas demonstram que a neoplasia é invasora do colo uterino, rapidamente progressiva,

Incidência de HPV em colo do útero de gestantes HIV positivas atendidas no Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP 337 com evolução para óbito. Em estudo comparativo de 16 mulheres infectadas pelo HIV e 68 mulheres soronegativas com carcinoma invasivo cervical, observou-se que 100% das pacientes HIV positivas tinham carcinomas graus 2 ou 3, e 70% estádios graus III/IV frente a apenas 28% nas mulheres HIV negativas. A ocorrência de metástases foi significativamente maior e, nessas pacientes coinfectadas, a sobrevida média foi de apenas nove meses comparadas com dois anos no grupo de mulheres não infectadas pelo HIV. Tal observação demonstra a necessidade de diagnóstico precoce nas pacientes soropositivas ao HIV, bem como uma maior agressividade no tratamento destas mulheres coinfectadas. Torna-se, assim, imperiosa a detecção precoce das lesões pré-invasoras (21-22). OBJETIVO Avaliar a incidência de coinfecção HPV-HIV em gestantes e relacioná-la à quantidade de células CD4 positivas no sangue periférico; à expressão da proteína p16 no epitélio do colo uterino; e à presença de DNA de HPV nas biópsias cervicais. MÉTODOS Seleção de indivíduos da pesquisa Foi constituído um grupo de 70 gestantes HIV positivas (Grupo de Estudo), registradas na Farmácia de Dispensa de Medicamentos do Ambulatório do Hospital de Base de São José do Rio Preto, estado de São Paulo, no período compreendido entre Janeiro de 2000 e Dezembro de 2007. Foi selecionado aleatoriamente dentre as gestantes que fizeram seu parto no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do hospital já mencionado, no mesmo período de tempo (2000 a 2007) outro grupo de pacientes constituído por 70 gestantes HIV negativas com idades semelhantes às das gestantes do Grupo de Estudo (Grupo Controle I). Um Grupo Controle II foi formado por 36 pacientes HIV negativas de idades variadas e com diagnóstico de NIC de graus 1 (seis pacientes), 2-I e 3 (22 pacientes) e carcinoma espinocelular invasor (oito pacientes). As pacientes selecionadas para os dois primeiros grupos realizaram colpocitologia e/ou biópsia de colo uterino antes, durante ou logo após a gravidez. As pacientes do Grupo Controle II foram escolhidas aleatoriamente dentre as pacientes que fizeram biópsias de colo uterino, como procedimento para confirmação do diagnóstico da colpocitologia de rotina, a qual foi laudada com diagnóstico de lesão intraepitelial escamosa de baixo ou alto grau. Diagnósticos e estudos realizados Foi feito o levantamento nos prontuários das gestantes, da idade no período da gestação e da contagem de células CD4 positivas no sangue periférico. Essas pacientes foram divididas em dois grupos: CD4 positivo < 500 células e CD4 positivo 500. Foram utilizadas em nosso estudo, amostras de colo uterino das pacientes selecionadas, obtidas para processamento citológico (exame de Papanicolaou) ou histológico, biópsias para emblocamento em parafina, seguido de cortes histológicos com 4 micras de espessura. Estes cortes foram corados pela hematoxilina-eosina (para diagnóstico da lesão cervical), pela imunoistoquímica utilizando-se biomarcador para a proteína p16 ou submetidos à reação em cadeia da polimerase (PCR) para extração de DNA de HPV. A classificação das lesões do colo uterino, quando presentes, esteve de acordo com o Sistema Bethesda de Nomenclatura para colpocitologia, revisão de 2001. Para as biópsias, utilizou-se a classificação da OMS: NIC 1, 2 ou 3. Não foi detectado nenhum caso de carcinoma espinocelular invasor nas pacientes selecionadas nos Grupo de Estudo e Controle I. O estudo dos esfregaços e dos cortes histológicos consistiu na averiguação da presença de características morfológicas sugestivas de infecção pelo HPV: coilocitose (sinal maior) ou escamas córneas, paraceratose, discetarose, bi ou multinucleação e atipia nuclear (sinais menores, os quais devem estar presentes na mesma amostra). Os cortes histológicos submetidos à imunocoloração com biomarcador da proteína p16 foram utilizados para confirmação da presença de alteração molecular no ciclo celular das células epiteliais, produzidas pelo HPV, que uma vez liberando a proteína p16, faz com que esta se acumule na célula e possa ser detectada com reação antígeno-anticorpo. Para a avaliação quantitativa da p16, realizou-se o cálculo da relação entre o número de células imunomarcadas para p16 dentre as células contadas, as quais sempre foram 100 células epiteliais por amostra. Isto gerou seu índice de positividade. Realizou-se também a análise qualitativa, observando a localização predominante das células marcadas (1/3 inferior, 2/3 inferiores ou toda espessura do epitélio), o tipo de distribuição (uniforme e difuso ou desigual e multifocal) e o local da célula marcado (só núcleo, citoplasma ou núcleo e citoplasma concomitantemente). A PCR possibilitou a extração do DNA do HPV das células do epitélio cervical, confirmando a presença ou ausência do vírus nas amostras estudadas. Como controle da qualidade do DNA, realizou-se a extração do gene Glutadiona S-transferase P1 (GSTP1).

338 Bonilha JL, Yakabe MF, Camargo BF, Martins EKL, Ribeiro MCA, Costa Neto JM, Galão EA, Mota MTO, Rahal P Tabulação dos resultados e estudo estatístico Os dados foram tabulados em planilha do programa Excel. Esta foi submetida como banco de dados ao programa informatizado Epi Info 2000 (versão 3.4.1), com nível de significância de p 0,05. RESULTADOS No Grupo de Estudo, as 70 pacientes gestantes HIV positivas tinham idades entre 15 e 45 anos, com média de 28 anos (mediana = 28,2 anos), sendo seis pacientes (8,6%) com 20 anos, 55 (78,6%) com idade de 21 a 35 anos e 9 (12,9%) com 36 anos. A presença de HPV foi constatada em 22 gestantes (31,4%). No Grupo Controle I, a idade das 70 gestantes selecionadas variou de 16 a 43 anos, com idade média de 27 anos e mediana de 27,9 anos. Nesse grupo, apenas uma gestante (1,4%) apresentou HPV. Quando à incidência de HPV nos dois grupos foi comparada em relação a ser ou não gestante HIV positiva, encontrou-se um valor de p = 0,0015, mostrando que a maior incidência de HPV cervical estava diretamente relacionada à paciente ser HIV positiva. Quanto à contagem de células CD4 positivas no sangue periférico em relação à infecção pelo HPV, verificou-se um valor de p = 0,03, concluindo-se que essa relação foi estatisticamente significativa, ou seja, das 40 pacientes (57,1%) que estavam com menos de 500 células CD4 positivas, 16 (72,7%) apresentaram HPV. A associação entre o diagnóstico da colpocitologia e a contagem de células CD4 positivas foi estatisticamente válida, com p = 0,0062, enquanto que o mesmo ocorreu na associação entre diagnóstico da colpocitologia e o da biópsia da mesma paciente (p = 0,02). Observou-se que a contagem de células CD4 positivas em relação à idade das pacientes não foi estatisticamente significativa, com valor de p = 0,24. Das 70 gestantes HIV positivas, 34 (61,8%) com idade de 21 a 35 anos tinham menos de 500 células CD4 positivas no sangue periférico. A relação entre a incidência de agentes infecciosos, na colpocitologia, durante a gestação e a quantidade de células CD4 positivas no sangue periférico dessas gestantes não foi estatisticamente válida (p = 0,27). No entanto, verificou-se maior prevalência dos agentes infecciosos naquelas gestantes com menor imunidade (< 500 células CD4 positivas) (67,1%), sendo Candida sp em 10 gestantes (14,3%), Gardnerella vaginalis em 14 pacientes (21,4%) e HPV em 22 (31,4%). A frequência dos diagnósticos das biópsias das 22 gestantes com associação HPV-HIV, evidenciou que 13 (59,1%) delas eram NIC 1, e 9 (40,9%) NIC 2 e 3. Em relação à associação entre o diagnóstico da biópsia e a persistência da lesão cervical, das 22 biópsias realizadas, quatro (18,2%) foram NIC 1 persistente, e dois (9,1%) NIC 2 e 3 persistentes (p = 0,00001). Quanto ao estudo das biópsias com o biomarcador da proteína p16, os seguintes índices de positividade na análise quantitativa foram obtidos: em biópsias NIC 1 com 0,53 e 0,51, respectivamente para o Grupo de Estudo e Grupo Controle II; em NIC 2 e 3, 0,76 (Grupo de Estudo) e 0,69 (Grupo Controle II); e naquelas com carcinoma espinocelular invasor do colo uterino, 0,89 (Grupo Controle II). Quando se compararam esses índices, verificou-se que os mesmos foram semelhantes entre si em relação ao diagnóstico (p < 0,0005) e apresentaram evidências de diferenças estatisticamente significativas de um diagnóstico para o outro, ou seja, em NIC 1 o índice de positividade foi menor do que em NIC 2 e 3, o qual foi menor do que em carcinoma espinocelular invasor (p < 0,0001). Quanto à análise qualitativa no Grupo de Estudo, verificou-se que: - localização da expressão da p16 na célula: dos 13 casos de diagnóstico NIC 1, em 38,5% marcou-se fortemente (3 a 4 +) só em citoplasma, e em outros 30,8% houve marcação (3 a 4 +) em núcleo e citoplasma; dos nove casos NIC 2 e 3, em 88,9% houve positividade (3 a 4 +) só no citoplasma; - localização da marcação no epitélio: dos 13 casos NIC 1, em 23,1% dos casos existiam células positivas para p16 no 1/3 inferior da espessura do epitélio e em outros 38,5% das biópsias, nos 2/3 inferiores da espessura do epitélio; já dos nove casos NIC 2 e 3, em 22,2% dos casos apresentaram-se células marcadas no 1/3 inferior da espessura do epitélio, e em outros 44,4% dos casos houve expressão nos 2/3 inferiores da espessura do epitélio; - tipo de distribuição das células com expressão de p16: foi uniforme e difusa em todos os nove casos com diagnóstico NIC 2 e 3, e deste tipo em 53,8% das 13 biópsias NIC 1. No Grupo Controle II esses aspectos apresentavam números semelhantes. Comparando os diagnósticos das biópsias com a presença de HPV por meio da PCR, verificou-se que em nove biópsias NIC 1 e em três NIC 2 e 3 não foi possível extrair DNA do HPV. Em 16 (72,3%) das 22 biópsias foi possível fazer a extração do gene GSTP1, a qual foi realizada como controle de qualidade do DNA, sendo que em 10 (45,5%) dos casos se constatou a presença de DNA de HPV. O fato de não extrair DNA de HPV e gene GSTP1 em todas as 22 biópsias foi um viés no trabalho, causado pela exiguidade da representação de epitélio com lesão intraepitelial nas biópsias, as quais eram mínimas. Mesmo assim, essas associações foram estatisticamente significativas, com p < 0,00001.

Incidência de HPV em colo do útero de gestantes HIV positivas atendidas no Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP 339 DISCUSSÃO Ficou evidente, neste trabalho, que existe uma associação entre HPV e HIV. A maior incidência de HPV cervical está diretamente relacionada à paciente ser HIV soropositiva com baixa imunidade durante a gestação, uma vez que a maioria dos casos de HPV ocorreu nas pacientes com menos de 500 células CD4 positivas, enquanto que no Grupo Controle I (HIV negativas) ocorreu apenas um caso. Segundo Quintana e Duarte (6), durante a gestação há redução da atividade e do número dos linfócitos T auxiliador e T supressor. Esta redução é recuperada até o sexto mês de puerpério na mulher normal, mas não é observada na portadora do HIV. Por outro lado, há redução das imunoglobulinas das classes G e A (IgG e IgA) no muco cervical, aumento da replicação do HPV em decorrência dos altos níveis de esteroides próprios da gravidez, estimulando os receptores estrogênicos virais; facilidade de integração do genoma do HPV ao da célula hospedeira, fenômeno potenciado pela progesterona e redução da síntese de macrófagos e linfócitos em decorrência dos elevados níveis de hormônios esteroides. Todos estes fatores tornam a gestante portadora do HIV extremamente suscetível à infecção pelo HPV (6). Estudos como o Women s Interagency HIV Study (WIHS), que analisou 2.015 mulheres HIV positivas e 577 HIV negativas (controles pareados), demonstraram uma incidência de 58% de mulheres coinfectadas comparadas com 26% de mulheres HPV positivas entre as soronegativas ao HIV. Paralelamente, dados advindos deste estudo demonstram que nas pacientes soropositivas ao HIV ocorre um aumento da prevalência de infecção pelo HPV, em mulheres com maior imunodeficiência, bem como uma maior incidência dos tipos 16 e 18, de maior poder oncogênico (23). Foi verificada maior prevalência dos agentes infecciosos naquelas gestantes com menor imunidade, o que está de acordo com outros autores (24) para os achados de Candida sp, Gardnerella vaginalis e HPV. Entretanto, o potencial do sistema imune para elevar a resposta imune com antígenos específicos para HPV requer outros estudos, para melhor compreender o papel do HIV na gestação e como prevenir outras infecções neste período, principalmente pelo HPV (25). A utilização de drogas antirretrovirais parece melhorar essa imunidade e, assim, permitir melhor resposta ao HPV na coinfecção (26). Esse deverá ser o próximo passo em nosso estudo. Foram identificadas alterações morfológicas induzidas pelo HPV, inicialmente pela colpocitologia, confirmadas por biópsia, havendo concordância de diagnósticos entre os dois métodos. Verificou-se, ainda, que menos de 20% dos NIC 1 e menos de 10% dos NIC 2 e 3 se tornaram persistentes após a gestação. Acreditamos que o rastreamento de Papanicolaou para a gestante HIV positiva deve ocorrer mais frequentemente durante e após a gestação, com finalidade de diagnosticar as lesões o mais precocemente possível. Kitchener et al. (27) afirmaram que a citologia parece ser suficiente para a vigilância cervical. Levi et al. (28), analisando 208 mulheres infectadas pelo HPV, virtualmente todas soropositivas ao HIV (98%), observaram, por análise pela PCR, que 80% delas eram infectadas por múltiplos genótipos de HPV (média de 3,1 genótipos por paciente) e, no entanto, 90% dessas mulheres apresentavam citologia inflamatória. A imunoistoquímica para proteína p16 demonstrou a presença de HPV no epitélio cervical. Neste estudo, os resultados foram semelhantes ao de um estudo anterior aos da literatura (29-30). Confirmou-se a presença de DNA de HPV com PCR. Esta reação é utilizada na grande maioria dos estudos epidemiológicos e moleculares e tem-se revelado uma ferramenta poderosa e sensível para detectar o HPV oncogênico (30). Na sequência deste estudo, devem ser identificados os tipos de HPV presentes nas gestantes HIV positivas. CONCLUSÕES A incidência de coinfecção foi relevante em relação ao grupo de gestantes HIV negativas. Nas gestantes HIV positivas, a incidência de HPV mostrou-se diretamente relacionada à baixa imunidade. A expressão de proteína p16 mostrou índices de positividade maiores nos casos com diagnóstico de lesões de colo de útero mais graves (NIC 2 e 3). A presença de DNA de HPV foi confirmada em lesões cervicais de gestantes HIV positivas por meio de PCR. Existe, portanto, a necessidade de avaliações ginecológicas e colpocitológicas periódicas no prénatal de pacientes HIV positivas, visando o diagnóstico precoce de infecção pelo HPV. REFERÊNCIAS 1. División para la Prevención de DST (DSTDP), Centros para el Control y la Prevención de Enfermedades. Enfermidades de transmisión sexual y embarazo. [cited 2008 Apr 16]. Available from: www.cdc.gov/std 2. Lewi DS. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids). [cited 2008 Apr 16]. Available from: www.hpvinfo.com.br/hpv-14.htm. 3. Lewi DS, Turcato G Jr, Castelo Filho A, Diaz RS. Síndrome da imunodeficiência adquirida. In: Borges DR, Rothschild HA, editores. Atualização terapêutica. São Paulo: Artes médicas; 2003. p. 288-93. 4. Angeletti PC, Zhang L, Wood C. The viral etiology of AIDS-Associated malignancies. Adv Pharmacol. 2008;56:509-57. 5. Frisch M, Biggar RJ, Goedert JJ. 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