Correlação entre cefaléia e disfunção temporomandibular Correlation between headache and temporomandibular joint dysfunction

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Transcrição:

Fisioterapia e Pesquisa, São Paulo, v.15, n.2, p.183-7, abr./jun. 2008 ISSN 1809-2950 Correlação entre cefaléia e disfunção temporomandibular Correlation between headache and temporomandibular joint dysfunction Mariana Sampaio Menezes 1, Sandra Kalil Bussadori 2, Kristianne Porta Santos Fernandes 2, Daniela Aparecida Biasotto-Gonzalez 2 Estudo desenvolvido no Programa de Mestrado em Ciências da Reabilitação da Uninove Universidade Nove de Julho, São Paulo, SP, Brasil 1 Fisioterapeuta 2 Profas. Dras. do Programa de Mestrado em Ciências da Reabilitação da Uninove ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Daniela A. Biasotto-Gonzalez Condomínio Aruã Estrada do Itapeti, 100 Quadra 79A Lote 01 08771-910 Mogi das Cruzes SP e-mail: dani_atm@uninove.br Este estudo recebeu apoio financeiro da Fapic/Uninove. APRESENTAÇÃO set. 2007 ACEITO PARA PUBLICAÇÃO maio 2008 RESUMO: A relação entre disfunções temporomandibulares (DTM) e os diferentes tipos de cefaléias ainda não está bem compreendida, mas a dor de cabeça é provavelmente o sintoma mais comum da DTM. O objetivo deste estudo foi correlacionar cefaléia com o índice clínico de Fonseca de avaliação da DTM. Participaram 160 voluntários estudantes da Universidade Nove de Julho na faixa dos 18 aos 36 anos, sendo 80 mulheres e 80 homens. Foram aplicados dois questionários: o índice clínico de Fonseca e um questionário sobre cefaléia. Os dados foram analisados estatisticamente e o nível de significância fixado em p 0,05. Os resultados mostram maior prevalência de DTM entre as mulheres com cefaléia, mas não foi possível verificar uma relação direta entre cefaléia e nível de gravidade da disfunção da articulação temporomandibular. DESCRITORES: Cefaléia; Índice de gravidade de doença; Transtornos da articulação temporomandibular ABSTRACT: The relationship between temporomandibular joint disorders (TMD) and different kinds of headaches is still not well understood, though headache is probably the most common symptom of TMD. The aim of this study was to correlate headache with Fonseca s TMD clinical index. A total of 160 university students aged 18 to 36 years old were selected, half women, half men. Two questionnaires were applied to them: the Fonseca clinical questionnaire and one on headache. Data were statistically analysed and significance level set at p 0.05. Results showed a higher prevalence of TMD among female individuals with headache, but a direct relationship between headache and degree of temporomandibular joint dysfunction could not be found. KEY WORDS: Headache; Severity of illness index; Temporomandibular joint disorders 183

INTRODUÇÃO A articulação temporomandibular (ATM) é parte do sistema estomatognático, capaz de realizar movimentos complexos. A função e a estabilidade dessa articulação regem a mastigação, deglutição, fonação e a própria postura mandibular 1. A disfunção temporomandibular (DTM) corresponde a um conjunto de condições articulares e musculares na região crânio-orofacial que pode desencadear sinais e sintomas como dores na região da ATM, cefaléia, dor nos músculos da mastigação, otalgia, dor facial, limitação funcional, dor cervical, cansaço, limitação de abertura de boca, dor durante a mastigação, zumbido, dor na mandíbula, dentre outros. A somatória ou a exacerbação desses sinais e sintomas acaba por limitar ou mesmo incapacitar o indivíduo em suas atividades fisiológicas 2-6. Embora a etiologia da DTM não esteja totalmente elucidada, em geral tem caráter multifatorial e pode envolver alterações na oclusão, restaurações ou próteses mal-adaptadas; lesões traumáticas ou degenerativas da ATM; alterações esqueléticas; fatores psicológicos e emocionais; ausências dentárias, mastigação unilateral; má-postura e hábitos orais inadequados. Geralmente, apenas um fator isolado não é desencadeante da disfunção, mas sim a associação entre eles 2,4,7,8. As disfunções podem ser classificadas em extra e intraarticulares, ou disfunções dos músculos mastigatórios e disfunções intra-articulares e podem envolver uma abordagem interdisciplinar para seu tratamento 4,9. A cefaléia consiste em qualquer dor referida no segmento cefálico, sendo uma manifestação extremamente comum. Na população geral, durante o curso da vida, a prevalência de cefaléia é maior que 90%, representando o terceiro diagnóstico mais comum (10,3%) nos ambulatórios de neurologia 10,11. Ainda não é bem compreendida a relação entre a DTM e os diferentes tipos de cefaléias, mas a dor de cabeça é provavelmente o sintoma mais comum e a queixa mais relatada pelos portadores de DTM; indícios clínicos são fortemente sugestivos da aproximação entre essas duas afecções 6,8,12-14. As cefaléias relacionadas à DTM e estruturas do crânio são consideradas na classificação da International Headache Society (IHS) de 1988; em 2004, foram incluídas na categoria IHS.11: Cefaléia ou dor facial associada com distúrbios do crânio, pescoço, desordens da ATM, músculos mastigatórios e outras estruturas craniofaciais (apud Gomes et al. 10 ). Este estudo teve por objetivo verificar, em uma população de universitários, se há correlação entre a presença de cefaléia e de DTM, esta determinada pelos parâmetros do índice clínico de Fonseca. METODOLOGIA Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Uninove. Para ser incluído/a na pesquisa, cada participante assinou um termo de consentimento livre e esclarecido. Foram selecionados por meio de randomização (por um programa que gera números aleatórios sem reposição) 160 estudantes da Universidade Nove de Julho (campus Vila Maria), em São Paulo, na faixa etária de 18 a 36 anos, sendo 80 do sexo feminino e 80 do sexo masculino. Os sujeitos responderam, no mesmo dia, a dois questionários: o questionário do índice clínico de Fonseca e um questionário de triagem, consistindo nas seguintes questões: Apresenta dor de cabeça? Se sim, em qual região? Apresenta cansaço na musculatura mastigatória? Apresenta dor na articulação temporomandibular? Aperta ou range os dentes? Só foram incluídos os voluntários que responderam afirmativamente à primeira pergunta, com dor na região temporal; e afirmativamente à segunda e a uma das outras duas perguntas. O questionário de Fonseca é composto por dez questões, com três alternativas cada (não, sim ou às vezes), onde o sujeito deve assinalar apenas uma. Dependendo do escore (que varia de 0 a 100), permite classificar os respondentes por grau de severidade da DTM. As instruções necessárias para o preenchimento dos questionários foram dadas até que os sujeitos as compreendessem completamente. Os participantes os responderam enquanto o pesquisador permaneceu à disposição para qualquer esclarecimento. Não houve controle de tempo para responder, para minimizar a chance de indução a respostas imprecisas. Ao término do preenchimento do questionário de Fonseca, foi realizada a somatória das respostas e a classificação nas categorias: ausência de disfunção temporomandibular (0 a 15 pontos); disfunção leve (20 a 40 pontos); moderada (45 a 65 pontos) e grave (70 a 100 pontos) 15. Para a análise estatística utilizouse o teste qui-quadrado para avaliar a associação entre os escores, tendo como objetivo comparar as divergências entre as freqüências observadas. RESULTADOS Do total de voluntários, 18 mulheres (22,5%) e 31 homens (38,8%) não apresentaram qualquer sintoma. A Tabela 1 mostra os dados relativos à presença ou Tabela 1 Distribuição das voluntárias do sexo feminino (%) segundo a presença ou não de cefaléia e de DTM, e classificação de Fonseca da DTM Mulheres Com cefaléia (%) Sem cefaléia (%) Total (%) DTM leve 26,25 12,50 38,75 DTM moderada 15,00 6,25 21,25 DTM severa 8,75 0,00 8,75 Total com DTM 50 18,75 68,75 Sem DTM 8,75 22,50 31,25 Total 58,75 41,25 100,00 184

Menezes et al. Cefaléia e disfunção temporomandibular Tabela 2 Distribuição dos voluntários do sexo masculino (%) segundo a presença ou não de cefaléia e de DTM, e classificação de Fonseca da DTM Homens Com cefaléia (%) Sem cefaléia (%) Total (%) DTM leve 21,25 25,00 46,25 DTM moderada 5,00 2,50 7,50 DTM grave 1,25 0,00 1,25 Total com DTM 27,50 27,50 55,00 Sem DTM 21,25 38,75 45,00 Total 33,75 66,25 100,00 não de cefaléia e de gravidade da DTM segundo o índice anamnésico de Fonseca nas voluntárias do sexo feminino. É possível observar, naquelas com cefaléia, que não há relação direta com os níveis de disfunção, mas entre as que não têm cefaléia, pode ser estabelecida uma relação linear inversa com o grau de severidade da DTM. Na Tabela 2 são apresentados os dados relativos à correlação entre cefaléia e gravidade da DTM nos voluntários do sexo masculino. Também nesse caso há uma relação linear inversa entre o grau de disfunção em indivíduos sem cefaléia e, naqueles com cefaléia, não há relação direta desta com os níveis de disfunção. Do total de participantes, 74 (46,3%) relataram cefaléia e 99 (55% do total, sendo 55 mulheres e 44 homens,) foram classificados como portadores de DTM. O Gráfico 1 representa a distribuição dos portadores de DTM nos 50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% Com cefaléia dois sexos segundo tivessem ou não cefaléia. Pode-se observar que há uma relação direta entre DTM e cefaléia apenas no sexo feminino. Com a aplicação do teste quiquadrado, foi possível observar que há uma relação direta entre as variáveis estudadas (DTM X presença ou ausência de cefaléia), com um alto poder significativo em ambos os sexos (feminino: 0,0008; masculino: 0,003), ou seja, os indivíduos com DTM leve e sem DTM (segundo a classificação do índice clinico de Fonseca) não apresentam cefaléia. DISCUSSÃO Mulheres Homens Sem cefaléia Gráfico 1 Distribuição percentual, dentre os portadores de DTM, dos que apresentam ou não cefaléia, segundo o sexo O índice clínico de Fonseca foi escolhido para este estudo por ter sido idealizado para a população brasileira e ser sensível na determinação da gravidade de portadores de DTM 15. Nossos resultados com relação à porcentagem de indivíduos universitários portadores de DTM concordam com os obtidos por Garcia et al. 16, que avaliaram 200 estudantes universitários com idades entre 17 e 25 anos, por meio do questionário de Fonseca 15 e pela medida da amplitude de movimento mandibular; os autores encontraram que 61% dos indivíduos apresentavam algum grau de DTM. No presente estudo, 61,9% dos indivíduos foram assim classificados. Com relação à gravidade da disfunção, os resultados obtidos pelos autores também são semelhantes, tendo sido encontrada prevalência da DTM leve sobre as DTM moderada e grave. Nossos dados também foram semelhantes aos obtidos por Tomacheski et al. 4 que, avaliando estudantes, encontraram 46,1% portadores de DTM leve, 4,4% de moderada, nenhum apresentou DTM grave; e 48,7% não eram portadores de DTM (sic); respectivamente, os achados do presente estudo foram 42,5%, 14,4%, 5,0%; e 38,1% não eram portadores de DTM. A prevalência de DTM no sexo feminino, aqui encontrada, também coincide com os dados da literatura segundo os quais a DTM é mais comum entre mulheres 2,4,17-19. A variação em relação às porcentagens encontradas nos diferentes estudos está ligada a diferentes tipos de populações e a variações de metodologia e de leitura de resultados 20-22. Segundo Okeson 8, a prevalência de DTM no sexo feminino pode estar relacionada a uma maior flacidez dos tecidos nas mulheres, relacionada ao aumento do nível de estrógeno. As articulações das mulheres são geralmente mais flexíveis e menos densas que as dos homens. Gage et al. 23 encontraram nas mulheres aproximadamente o dobro de colágeno tipo III no ligamento posterior da ATM, indicando que, nelas, esses tecidos são menos capazes de suportar pressão funcional. Para Rieder et al. 24, a mulher é mais freqüentemente acometida por estresse que o homem e apresenta maior índice de doenças com envolvimento psicossomático. A soma dos fatores anatômicos e psicossomáticos poderia explicar a maior prevalência de DTM no gênero feminino. No presente estudo, 185

ao avaliar a relação entre DTM e cefaléia, os dados mostram que, dentre as mulheres portadoras de DTM, 50% apresentam cefaléia, enquanto no sexo masculino essa proporção cai para 27,5%. No estudo realizado por Maciel 25, 80% de todas as dores de cabeça relatadas estavam associadas a fontes musculares. Acredita-se que as atividades musculares da cabeça e do pescoço provavelmente desempenham um papel importante na etiologia de muitas dores de cabeça, sendo este o sintoma mais comum e a queixa mais relatada dentre os sintomas da disfunção temporomandibular. Garcia e Souza 26 analisaram 34 pacientes portadores de disfunção temporomandibular e constataram que 53,9% apresentavam dor de cabeça; o sintoma mais comum entre seus pacientes foi o mioespasmo. Rocha et al. 27, examinando mil pacientes portadores de DTM, demonstraram presença significativa de cefaléia em quase todos os grupos etários. Foram apontadas como principais queixas: cefaléia (70,1%), artralgia (75,7%), estalos articulares (72,7%) e mialgias (71,7%). A análise da distribuição da sintomatologia por sexo revelou que uma parcela significativa dos sinais e sintomas estudados tinha maior prevalência nas mulheres que nos homens. Magnusson e Carlsson 13 analisaram a relação entre cefaléia e sintomas clínicos relatados por 80 pacientes com DTM. Os resultados mostraram que 70% dos sujeitos apresentavam cefaléia recorrente e que a relação entre dor articular e cefaléia existia somente quando associada ao comprometimento muscular. Os pacientes com DTM apresentaram maior freqüência e gravidade de dor de cabeça do que os participantes do grupo controle e, em ambos os grupos, as mulheres eram mais afetadas pela cefaléia. Montal e Guimarães 28, avaliando 121 pacientes com DTM, encontraram que a cefaléia foi relatada como queixa principal por 82,2% dos participantes, seguida de dor na região mandibular (68,0%) e otalgia (62,3%). Bove et al. 29 avaliaram 150 indivíduos com DTM e a maioria referiu dor de cabeça (84%). Vários outros estudos corroboram a relação entre DTM e cefaléia, apontando que pacientes com cefaléia têm freqüentemente três ou mais sintomas ligados à DTM ou já foram diagnosticados como portadores de DTM e que a correlação positiva desses dois fatores pode indicar maior agravamento no quadro clínico de dor 30-33. O presente estudo pôde observar que em indivíduos não-portadores de cefaléia, de ambos os sexos, é menor a presença de DTM grave; em contrapartida, nos indivíduos portadores de cefaléia, não foi possível estabelecer uma relação direta com os níveis de disfunção. A compreensão da relação entre cefaléia e DTM ainda carece de estudos que determinem novos critérios de classificação e abordagem multidisciplinar, a fim de subsidiar o diagnóstico e tratamento dessas patologias. CONCLUSÃO A porcentagem de universitários portadores de DTM e a prevalência desta no sexo feminino, encontrados neste estudo, corroboram os descritos na literatura. A relação entre DTM e cefaléia foi mais prevalente no sexo feminino. Não foi encontrada uma relação direta entre a gravidade da DTM e a presença de cefaléia. REFERÊNCIAS 1 Quinto CA. Classificação e tratamento das disfunções temporomandibulares: qual o papel do fonoaudiólogo no tratamento dessas disfunções? Rev Cefac. 2000;2(2):15-22. 2 Pereira KNF, Andrade LLS, Costa MLG, Portal TF. Sinais e sintomas de pacientes com disfunção temporomandibular. Rev Cefac. 2005;7(2):221-8. 3 Piozzi R, Lopes FC. Desordens temporomandibulares: aspectos clínicos e guia para a odontologia e fisioterapia. J Bras Oclusao ATM Dor Orofac. 2002;2(5):43-7. 4 Tomacheski DF, Barboza VL, Fernandes MR, Fernandes F. Disfunção têmporo-mandibular: estudo introdutório visando estruturação de prontuário odontológico. Publ UEPG Ci Biol Saude. 2004;10(2):17-25. 5 Pompeu JGF. Disfunção craniomandibular: análise de parâmetros para sua identificação. J Bras Ortod Ortoped Fac. 2000;5:37-41. 6 Bertoli FMP, Antoniuk SA, Bruck I, Santos LHC, Xavier GRF, Rodrigues DCB, Losso EM. Cefaléias relacionadas às disfunções temporomandibulares em crianças. J Paranaense Ped. 2004;5(4):109-14. 7 Felício CM. Fonoaudiologia aplicada a casos odontológicos: motricidade oral e audiologia. São Paulo: Pancast; 1999. 8 Okeson J P. Fundamentos da oclusão e desordens temporomandibulares. São Paulo: Artes Médicas; 1992. 9 Rizzatti-Barbosa CM, Arana ARS, Cunha Jr AC, Morais ABA, Gil IA. Avaliação diária da dor na desordem temporomandibular: caso clínico. Rev ABO Nac. 2000;8(3):171-5. 186

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