IMPORTÂNCIA DO FIBRINOGÊNIO PLASMÁTICO NA IDENTIFICAÇÃO DE PROCESSOS INFLAMATÓRIOS DE CÃES

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Transcrição:

31 Artigo Científico IMPORTÂNCIA DO FIBRINOGÊNIO PLASMÁTICO NA IDENTIFICAÇÃO DE PROCESSOS INFLAMATÓRIOS DE CÃES Juliana Falcato VECINA 1 *, Renata Formaggio PATRÍCIO 2, Paulo César CIARLINI 3 Realizou-se um estudo retrospectivo de 310 prontuários de cães de diferentes raças e sexo objetivando estimar a importância da determinação do fibrinogênio na identificação de processos inflamatórios nessa espécie. Os prontuários foram agrupados em quatro diferentes grupos de acordo com o leucograma em normal, leucocitose fisiológica, por estresse e inflamatória. Observou-se o fibrinogênio plasmático e a relação proteína plasmática total e fibrinogênio. Concluindo-se que a determinação do fibrinogênio é importante para a identificação de inflamação em cães. Termos para indexação: Proteínas de fase-aguda, proteínas plasmáticas, leucograma, inflamação. THE IMPORTANCE OF PLASMA FIBRINOGEN IN THE IDENTIFICATION OF DOGS' INFLAMMATORY PROCESSES A restrospective study with 310 dogs' registers of different breeds and sex was carried out to estimate the importance of the fibrinogen determination in the identification of the inflammatory process in this species. The registers were separated into four different groups according to the leukogram in normal, physiological, stress and inflammatory. The relation between the plasma fibrinogen and the total plasma protein:fibrinogen ratio was observed and it was concluded that the fibrinogen determination is important to identify dog`s inflammation. Index terms: Acute-phase proteins, plasma proteins, leukogram, inflammation. INTRODUÇÃO O leucograma e a determinação do fibrinogênio plasmático são, na Medicina Veterinária, os recursos laboratoriais mais comumente utilizados para avaliação dos processos inflamatórios, porém a sensibilidade e especificidade deste exame para detectar e distinguir as causas de inflamações nas diferentes espécies é variável (McSHERRY et al., 1970, EK, 1972). O fibrinogênio é uma proteína de fase aguda sintetizada pelo fígado, cuja concentração plasmática eleva-se sob a ação estimuladora das interleucinas (IL-1 e 6) e do fator de necrose tecidual liberado pelo processo inflamatório (ANDREWS et al., 1994). Segundo Schalm et al. (1975), durante o processo de inflamação aguda, a concentração plasmática desta substância aumenta por vários dias, atingindo um pico entre o quinto e sétimo dia. Não sofre alteração perceptível em virtude de fatores como a idade, sexo, exercício ou hemorra- 1 MV Residente de Patologia Clínica Unesp - Araçatuba, Rua Ferreira Penteado, 1338 ap 41 Cambuí (19)81116570, e- mail: juvecina@yahoo.com * Autor para correspondência 2 MV Residente de Patologia Clínica Unesp - Araçatuba, Rua Ferreira Penteado, 1338 ap 41 Cambuí, (19)997183912, reformaggio@yahoo.com.br 3 MV, Prof. Ass. Dr. LCV - DCCRA/Unesp - Araçatuba. Rua Clóvis Pestana, 793 Jd Dona Amélia, (18)36363292 ciarlini@fmva.unesp.br

32 J.F. VECINA et al. gia, mas pode ser afetada por processos inflamatórios (JAIN, 1993b; THOMAS, 2000). Segundo Schalm et al. (1970) o grau de hiperfibrinogenemia pode refletir a severidade da inflamação. Para cães, o valor de normalidade é compreendido entre 1 e 5g/l (SCHALM et al., 1970). Valores superiores podem indicar processo inflamatório desde que a hemoconcentração não esteja presente (SUTTON e JOHNSTONE, 1977). Para se detectar um aumento absoluto na produção do fibrinogênio recomenda-se o cálculo da relação PPT:F (SUTTON e HOBMAN, 1975). O propósito da relação é esclarecer se o aumento do fibrinogênio é por hemoconcentração ou por aumento da produção (SCHALM, 1970; SCHALM et al., 1970; SCHALM et al., 1975; SUTTON e HOBMAN, 1975). A relação PPT:F menor que 10 indica marcante aumento do fibrinogênio relacionado com processo inflamatório. A relação PPT:F maior do que 10 e menor ou igual a 15 é considerada como suspeita de inflamação. Valores PPT-F superiores a 15 descartam hiperfibrinogenemia de origem inflamatória (SCHALM, 1970). Após a medula óssea sofrer estímulos durante um processo inflamatório, o leucograma é caracterizado por leucocitose por neutrofilia, aumento da relação neutrófilo: linfócito e desvios à esquerda dentro de aproximadamente três dias. Esta resposta leucocitária varia com a causa, intensidade, localização da inflamação, espécie e idade do animal (SCHULTZE, 2000). Entretanto, a leucocitose por neutrofilia de origem inflamatória deve ser diferenciada da leucocitose neutrofílica fisiológica e de estresse. Na leucocitose fisiológica ocorre neutrofilia transitória sem desvio à esquerda devido à mobilização do pool marginal de neutrófilos como resposta à liberação de epinefrina. No leucograma por estresse, a presença de corticosteróides induz a um quadro caracterizado por neutrofilia sem desvio à esquerda, linfopenia e/ou eosinopenia e/ou monocitose. A neutrofilia ocorre pela mobilização da reserva da medula óssea e diminuição da diapese. A linfopenia pelo seqüestro de linfócitos e linfólise de linfócitos T e no tecido linfóide. A eosinopenia ocorre pela diminuição do influxo de células da medula óssea e diminuição do efeito quimiotático da histamina para os eosinófilos (JAIN, 1993a; SCHULTZE, 2000). Há um conceito geral de que a determinação do fibrinogênio plasmático possui pouco valor para identificação dos processos inflamatórios em cães, sendo muito mais útil que o leucograma nas espécies bovina e eqüina. Baseados neste conceito, geralmente os clínicos solicitam apenas o leucograma para avaliar os processos inflamatórios de cães e apenas o fibrinogênio para diagnosticar inflamação em bovinos e eqüinos. Entretanto, Sutton e Johnstone (1977), em estudo com cães, e Andrews et al. (1994), em cavalos, observaram que um significativo número de animais com leucograma normal apresentavam hiperfibrinogemia com relação de PPT:F inferior a 10. No presente estudo objetivou-se estimar a importância da determinação do fibrinogênio na identificação de processos inflamatórios de cães levando-se em consideração o perfil leucocitário (normal, e diferentes tipos de leucocitose: fisiológica, por estresse e inflamatória). MATERIAL E MÉTODOS Realizou-se um estudo retrospectivo de 310 prontuários de cães de diferentes raças e sexo atendidos no período de fevereiro a novembro de 2004, junto ao Laboratório Clínico Veterinário da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) em Araçatuba-SP. A contagem total de leucócitos foi efetuada em contador automático de células veterinário (Celm CC-530), sendo a contagem diferencial realizada em esfregaços sangüíneos frescos corados com panótico (Newprov ), conforme recomendado por Jain (1993a). A concentração de fibrinogênio foi determinada pelo clássico método de precipitação pelo calor (KANEKO e SMITH, 1967),

Importância do fibrinogênio plasmático... 33 conforme preconizado por Jain (1993b), utilizando-se refratômetro (Portable Refractometer Model no. SZJ-D) clínico previamente calibrado. De acordo com os resultados obtidos e os valores de normalidade considerados por Jain (1993a), os prontuários foram agrupados em quatro diferentes grupos: 1 Leucograma normal: Leucometria total normal sem neutrofilia e desvio à esquerda; 2 Leucograma fisiológico: neutrofilia sem desvio à esquerda; ausência de eosinopenia e linfopenia; 3 Leucograma por estresse: neutrofilia sem desvio à esquerda, linfopenia e/ou eosinopenia e/ou monocitose; 4 Leucograma inflamatório: presença de desvio à esquerda e outras alterações. Dentro de cada um dos quatro grupos leucocitários determinou-se a freqüência de animais com hiperfibrinogenemia e com taxa normal de fibrinogênio. Para todos os grupos estimou-se a freqüência de animais com relação PPT:F menor do que 10; 10-15 e maior do 15. RESULTADOS E DISCUSSÃO Neste estudo retrospectivo, a maioria dos cães com leucograma considerado normal, leucocitose fisiológica ou por estresse apresentaram fibrinogênio normal e PPT:F maior que 10 (Tabela 1). Já dentre os animais com leucograma inflamatório e hiperfibrinogenemia, a maioria revelou uma relação PPT:F <10 (36,4%) ou entre 10 e 15 (61,8%). Do total de 185 animais pertencentes aos três grupos leucocitários não-inflamatórios, apenas um cão com leucocitose fisiológica e taxa de fibrinogênio normal apresentou uma relação PPT:F < 10. Segundo Sutton e Hobman (1975), valores de PPT:F <10 podem ocorrer eventualmente em processos não inflamatórios de animais com hipoproteinemia sem diminuição da taxa de fibrinogênio associada. No presente estudo, observou-se hiperfibrinogenemia em 45,9% dos cães com leucograma normal, sendo que 44,8% destes animais apresentaram relação PPT:F < 10. Estes dados revelam que a identificação da inflamação em um número significativo dos casos estudados só foi possível a partir da determinação do fibrinogênio. De modo semelhante, Sutton e Johnstone (1977) demonstraram que 10,9% dos cães com taxas normais de leucócitos, especialmente neutrófilos, apresentaram valores aumentados de fibrinogênio. Andrews et al. (1994) também verificaram que um número significativo de eqüinos (7,7%) apresentava aumento de fibrinogênio plasmático na ausência de alteração leucocitária. Comparando os achados de Sutton e Johnstone (1977) com os seus, Andrews et al. (1994) concluíram que o fibrinogênio é um indicador de inflamação tão útil em cães quanto em eqüinos. A porcentagem de animais com hiperfibrinogemia e sem alteração leucocitária (Tabela 1) foi bem superior a que Sutton e Johnstone (1977) observaram, provavelmente em virtude dos diferentes critérios adotados na formação dos grupos. Diferentemente deste estudo, Sutton e Johnstone (1977) simplesmente dividiram os animais em grupos com ou sem alteração na contagem total de leucócitos e de neutrófilos, não diferenciando os vários tipos de leucocitose (fisiológica, por estresse e inflamatória). Outrossim, deve ser ressaltado que os resultados obtidos nesta pesquisa são oriundos de um hospital universitário, onde o hemograma e o fibrinogênio plasmático são exames realizados na triagem de todos animais atendidos, o que certamente propiciou identificar um maior número de processos inflamatórios, inclusive em sua fase inicial.

34 J.F. VECINA et al. TABELA 1 - Caracterização de 310 leucogramas de cães, de acordo com nível de fibrinogênio plasmático e a relação PPT:F, atendidos junto ao Laboratório Clínico Veterinário da UNESP em Araçatuba - SP Relação PPT:F Leucograma Fibrinogênio Plasmático < 10 10 a 15 > 15 Normal Normal 79 (54,1%) 00 (0,0%) 21 (26,6%) 58 (73,4%) Aumentado 67 (45,9%) 30 (44,8%) 36 (53,7%) 01 (1,5%) Total 146 30 (20,5%) 57 (39,0%) 59 (40,5%) Estresse Normal 07 (33,3%) 00 (0,0%) 02 (28,6%) 05 (71,4%) Aumentado 14 (66,7%) 07 (50,0%) 07 (50,0%) 00 (0,0%) Total 21 07 (33,3%) 09 (42,9%) 05 (23,8%) Fisiológico Normal 11 (61,1%) 01 (9,1%) 01 (9,1%) 09 (81,8%) Aumentado 07 (38,9%) 04 (57,1%) 02 (28,6%) 01 (14,3%) Total 18 05 (27,8%) 03 (16,7%) 10 (55,5%) Inflamatório Normal 70 (56,0%) 2 (2,9%) 10 (14,3%) 58 (82,8%) Aumentado 55 (44,0%) 20 (36,4%) 34 (61,8%) 1 (1,8%) Total 125 22 (17,6%) 44 (35,2%) 59 (47,2%) A porcentagem de hiperfibrinogenemia foi de 38,9% e 66,7%, respectivamente para cães com leucocitose fisiológica e por estresse, sendo que em ambos os grupos pelo menos a metade dos animais apresentou relação de PPT:F < 10 (Tabela 1). Estes dados indicam que a determinação do fibrinogênio pode ser um instrumento útil para diferenciação de leucocitoses aparentemente não inflamatórias (fisiológica e por estresse). Tais resultados ressaltam a importância do clínico ter sempre em mente que um cão portador de processo inflamatório em sua fase inicial pode apresentar uma leucocitose tipicamente fisiológica ou por estresse, devido ao medo da colheita de sangue ou a algum processo doloroso associado à doença. Nesta fase inicial da inflamação é possível observar hiperfibrinogenemia quando ainda o leucograma não reflete o aumento da atividade leucopoética de origem inflamatória (desvio à esquerda). A maioria dos cães com leucograma inflamatório não apresentou uma relação PPT:F compatível com inflamação, onde 82,4% (103 de 310) tiveram uma relação entre 10 e 15 ou maior que 15. Achados semelhantes foram encontrados em estudos com cães (SUTTON e JOHNSTONE, 1977) e eqüinos (ANDREWS et al., 1994). Há várias possibilidades para que isso tenha ocorrido. Primeiro, o método de precipitação pelo calor pode subestimar o valor real do fibrinogênio. Segundo, quando há demora na punção ou homogeneização do sangue, o fibrinogênio pode ser consumindo parcialmente. De acordo com Andrews et al. (1994), estes resultados podem ser explicados devido à adoção de valores de referência inadequados de leucócitos e neutrófilos, situação esta que não se aplica ao presente estudo uma vez que para formar o grupo inflamatório considerou-se o desvio à esquerda independentemente do grau de leucocitose e neutrofilia. Recomenda-se que animais com relação PPT:F entre 10-15 sejam considerados suspeitos de infla-

Importância do fibrinogênio plasmático... 35 mação e submetidos a outras avaliações (ANDREWS et al. 1994). Correspondendo com o conceito geral de que o leucograma é o melhor indicador de processos inflamatórios em cães, apenas 44% dos animais com leucograma inflamatório (desvio à esquerda) apresentaram hiperfibrinogenemia; dos quais apenas 36,4% tinham uma relação PPT:F <10 (Tabela 1). O fibrinogênio é considerado uma proteína de fase aguda que se eleva nas primeiras horas após o início da inflamação, entretanto, diferentemente dos bovinos e eqüinos, nos cães a hiperfibrinogemia de origem inflamatória persiste apenas 24-72 horas. CONCLUSÃO Por ser um exame de rotina simples, de baixo custo e considerando os dados obtidos e que o desvio à esquerda é evidente apenas após 72 horas (SCHULTZE, 2000), é razoável concluir-se que a determinação do fibrinogênio plasmático é um importante coadjuvante para o diagnóstico de processos inflamatórios de cães, particularmente em sua fase inicial, cujas alterações leucocitárias não são evidentes ou bem caracterizadas. REFERÊNCIAS ANDREWS, D. A.; REAGAN, W.J.; DeNICOLA, D.B. Plasma fibrinogen in recognizing equine inflammatorty disease. Continuing education for the practicing veterinarian, Yardley, DA, v.16, n.10, p.1349-1357, 1994. EK, N. The quantitative determination of fibrinogen in normal bovine plasma and in cow with inflammatory conditions. Acta Veterinaria Scandinavica Supplementum, Denmark, v.13, p.174-184, 1972. JAIN, N.C. Interpretation of Leukocyte Parameters. In: Essentials of Veterinary Hematology. Philadelphia: Lea & Febiger, 1993a, cap.18, p.295-306. JAIN, N.C. The plasma proteins, dysproteinemias and immune deficiency disorders. In: Essentials of Veterinary Hematology. Philadelphia: Lea & Febiger, 1993b, cap.21, p.349-380. KANEKO, J.J.; SMITH, R. The estimation of plasma fibrinogen and its clinical significance in the dog. The California Veterinarian, Sacramento, CA, v.21, n.8, p.21-24, 1967. McSHERRY, B.J; HORNEY, F.D.; degroot, J.J. Plasma fibrinogen levels in normal and sick cows. Canadian Journal Comparative Medicine, Canada, v.34, n. 7, p.191-197, 1970. SCHALM, O.W.; SMITH, R.; KANEKO, J.J. Plasma protein: fibrinogen rations in dogs, cattle and horses - Part I. Influence of age on normal values and explanation of use in disease. The California Veterinarian, Sacramento, CA, v. 24, n.2, p.09-10, 1970. SCHALM, O.W. Plasma protein: fibrinogen rations in disease in the dog and horse - Part II. The California Veterinarian, Sacramento, CA, v.24, n.4, p.19-22, 1970. SCHALM, O.W.; JAIN, N.C.; CARROL, E.J. Veterinary Hematology. 3ªed., Philadelphia: Lea & Febiger, p. 609; 1975. SCHUTZE, A.E. Interpretation of canine leukocyte responses. In: FELDMAN, B.F.; ZINKL, J.G.; JAIN, N.C. Schalm's Veterinary Hematology. 5ªed., Philadelphia: Lippincott Willian & Wilkins, 2000, cap. 55, p. 366-381. SUTTON, R.H.; HOBMAN, B. The value of plasma fibrinogen estimations in dogs. A comparison with total leucocyte and neutrophil counts. New Zealand Veterinary Journal, v.23, n.3, p.21-27, 1975. SUTTON, R.H.; JOHNSTONE, M. The value of plasma fibrinogen estimations in dogs. A comparison with total leucocyte and neutrophil counts. The Journal of Small Animal Practice, v. 18, p. 277-281, 1977. THOMAS, J.S. Overview of plasma proteins. In: FELDMAN, B.F.; ZINKL, J.G.; JAIN, N.C. Schalm's Veterinary Hematology. 5ªed., Philadelphia: Lippincott Willian & Wilkins, 2000, cap. 134, p. 891-898.