CARACTERIZAÇÃO DE LODO DE ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTOS SANITÁRIOS PARA USO AGRÍCOLA



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CARACTERIZAÇÃO DE LODO DE ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTOS SANITÁRIOS PARA USO AGRÍCOLA Simone Damasceno CERAT (Centro de Raízes Tropicais)/UNESP-Botucatu/Brasil Caixa postal 237 CEP: 18603-970; FAX: (014) 8219050 José Roberto Campos Departamento de Hidráulica e Saneamento/EESC-USP- São carlos-brasil RESUMO Amostras de lodo desidratado da Estação de Tratamento de Esgotos Sanitários de Barueri-SP (ETE-Barueri), pertencente à SABESP (Companhia de Saneamento Básico do estado de São Paulo) que trata parte do esgoto gerado na cidade de São Paulo, foram caracterizadas quanto aos parâmetros: N, P, K, Ca, Mg, S e os metais pesados Cd, Cr, Cu, Fe, Mn, Ni, Pb e Zn, com o objetivo de avaliar a qualidade deste lodo com vistas à alternativa de disposição no solo. Os resultados de metais pesados foram comparados com os padrões de disposição de lodo no solo da EPA (Environmental Protection Agency) utilizados nos Estados Unidos. Em função dos padrões da EPA, o lodo foi classificado como lodo de boa qualidade, podendo ser utilizado na agricultura, contribuindo assim para a minimização da disposição irregular de lodo no ambiente, para a reciclagem de nutrientes e para o condicionamento físico do solo pelo fornecimento de matéria orgânica. Quanto aos macronutrientes, com exceção do K, o lodo da ETE-Barueri apresentou teores comparáveis a outros materiais orgânicos normalmente utilizados como adubo. PALAVRAS-CHAVE: Lodo de esgoto, uso agrícola, metais pesados INTRODUÇÃO O tratamento de esgotos sanitários normalmente é feito pela separação de sólidos sedimentáveis (tratamento primário) e conversão de sólidos dissolvidos e coloidais por processos biológicos (tratamento secundário) em metabólicos, apresentando como produtos finais: a) efluente tratado; b) lodo que contém grande parte da carga orgânica do esgoto bruto original; c) gases que são lançados na atmosfera. Os lodos dos processos primário e secundário são usualmente misturados antes da disposição (DAVIS, 1989).

O lodo de esgoto apresenta-se tipicamente com 98 % de água. Dos sólidos contidos, 70 a 80 % são matéria orgânica incluindo óleos e graxas. Podem ser encontradas quantidades apreciáveis de contaminantes, refletindo as características do esgoto bruto do qual ele foi derivado (SEWAGE, 1989). O volume de lodo gerado depende de alguns fatores, entre eles: a) composição da água residuária a ser tratada; b) tipo de tratamento; c) grau de estabilização ou mineralização e d) tipo de processo (van VOORNEBURG & van VEEN, 1993). O tratamento e disposição de lodo devem ser geridos para minimizar problemas ambientais como odor e lançamento no ambiente de contaminantes e patógenos (HALLEY & MILLER, 1991). Entre as principais opções de disposição de lodo no ambiente encontram-se: 1)disposição no solo (uso agrícola, florestas, áreas de recuperação); 2) disposição em aterro; 3) disposição no mar; 4) incineração (MATTHEWS, 1992). Nos últimos anos a produção de lodo tem aumentado consideravelmente devido à construção de novas estações de tratamento e ao aumento do número de conexões na rede de esgoto, levando as autoridades a se preocuparem com as alternativas possíveis de disposição (van VOORNEBURG & van VEEN, 1993). O Brasil, o qual é um país em desenvolvimento em que se está fomentando a proteção dos recursos hídricos através do tratamento dos esgotos, vem se deparando com o problema da disposição do lodo gerado nesses tratamentos. Considerando-se a alternativa de utilização de lodo de esgoto sanitário na agricultura, KORENTAJER (1991) comenta que, do ponto de vista econômico essa opção parece ser a mais vantajosa. O lodo é considerado valioso adubo orgânico proporcionando diversos benefícios, entre eles o fornecimento de nutrientes para as plantas (N e P), o aumento do teor de alguns micronutrientes essenciais (especialmente Zn, Cu, Mn e Mo), o aumento da capacidade de retenção de água e uma melhor estruturação do solo pela presença de matéria orgânica (Anglian, 1991). No entanto tal aplicação pode ser limitada por fatores, tais como, a presença de organismos patogênicos, compostos orgânicos tóxicos, contaminação das águas superficiais por nitrato e transmissão de metais pesados na cadeia alimentar. Desses fatores, a transferência de metais e organismos patogênicos do solo para as culturas e, daí para os animais e seres humanos, parece ser o maior efeito prejudicial à saúde. A concentração de metais pesados no lodo é muitas vezes significativa. Do volume de esgoto que entra na estação, 1% corresponde ao volume de lodo produzido e, este contém entre 50 e 80% da quantidade de metais que entra na estação (Lester et al., 1983). Na avaliação da transferência de metais pesados do solo para algumas espécies de hortaliças (cenoura, brócoli, alface, espinafre, couve, beterraba, aipo e alho porro), KORENTAJER (1991) observou que a taxa de transferência varia de planta para planta e, para uma mesma planta, varia de metal para metal. Os metais Cd e Zn foram os que apresentaram as maiores taxas de transferência já o Cr e o Pb as menores taxas.

Portanto considerando-se tais informações o presente trabalho foi realizado com o objetivo de caracterizar o lodo final gerado na maior estação de tratamento de esgoto urbano do Brasil, principalmente quanto ao teor de metais pesados com vistas à avaliação da possibilidade de disposição na agricultura. MATERIAL E MÉTODOS No estudo coletaram-se amostras da estação de tratamento de esgotos sanitários por processo de lodos ativados convencional, localizada no município de Barueri (ETE-Barueri), a qual recebe parte do esgoto da cidade de São Paulo, Brasil. Essa estação é pertencente à SABESP (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) A vazão de esgoto é de 7 m 3 /s, colocando-a como uma das maiores estações de tratamento de águas residuárias da América Latina. A produção diária de lodo desidratado é de aproximadamente 150 ton/dia (lodo primário + secundário). Na Figura 1 encontra-se o esquema da estação. FIGURA 1: Esquema da estação com o ponto de coleta do lodo desidratado (torta) O tempo de detenção hidráulica total (θh) na estação e o tempo de retenção celular (θc) no tanque de aeração são de aproximadamente 11h e 5,3 dias, respectivamente. Na estação foram coletadas amostras de lodo desidratado. Tais amostras foram analisadas quanto aos seguintes parâmetros: umidade, ph, concentração de N, P, K, Ca, Mg e S e concentração dos metais pesados Cd, Cr, Cu, Fe, Mn, Ni, Pb e Zn. As metodologias utilizadas na determinação de ph e umidade do lodo são descritas na American Public Health (1992). Para a determinação da concentração dos metais, as amostras foram digeridas com ácido nítrico e perclórico segundo a metodologia descrita por MALAVOLTA et al. (1989). O material utilizado na coleta e transporte das amostras para a determinação de metal foi limpo com HCl 2N e enxaguado com água deionizada, de acordo com as instruções contidas na American Public Health (1992). Nas determinações de N, P, K, Ca, Mg e S também adotou-se metodologias descritas por MALAVOLTA et al. (1989).

RESULTADOS E DISCUSSÃO O lodo desidratado da ETE-Barueri apresentou valores médios de umidade e ph de 63 % e 11,00, respectivamente. Na Tabela 1 são apresentados os resultados referentes às médias das concentrações de metais pesados determinados nas amostras. Como no Brasil ainda não há padrões para a disposição de lodo no solo, utilizou-se os limites de concentração máxima de metais pesados no lodo para aplicação no solo da EPA (Environmental Protection Agency) dos Estados Unidos, como forma de avaliação da qualidade do lodo da ETE-Barueri para aplicação no solo. Tabela 1: Resultados das concentrações de metais pesados determinados no lodo da ETE-Barueri e os limites de metais pesados para disposição no solo, da EPA Metal Pesado Concentração no lodo da ETE-Barueri Concentração máxima no lodo* Taxa máxima de aplicação anual* Taxa máxima de aplicação acumulada* mg/kg mg/kg kg/ha.ano kg/ha Cd 12,68 39,00 1,90 39,00 Cr 1.064,93 1.200,00 150,00 3.000,00 Cu 737,58 1.500,00 75,00 1.500,00 Mn 152,57 Ni 386,10 420,00 21,00 420,00 Pb 181,83 300,00 15,00 300,00 Zn 1.378,67 2.800,00 140,00 2.800,00 *Limites da EPA (Environmental Protection Agency) Sieger & Hermann (1993) Comparando-se as concentrações de metais pesados no lodo da ETE-Barueri com os limites de concentração máxima de metal no lodo dos padrões da EPA, observa-se que segundo tais padrões este lodo pode ser considerado como de boa qualidade, podendo ser utilizado na agricultura. Como já comentado, tal utilização é de interesse por contribuir para a minimização da disposição irregular de lodo no ambiente, para a reciclagem de nutrientes, para a redução do uso de fertilizantes minerais e também por fornecer matéria orgânica para o condicionamento físico do solo. Na mesma tabela pode-se observar que a EPA além de estipular as concentrações máximas de metal pesado no lodo para a disposição no solo faz referências também às quantidades máximas a serem aplicadas por ano e às acumuladas no solo. Dessa maneira considera que a utilização de resíduos urbanos na agricultura deve prever um monitoramento constante para evitar contaminação tanto do solo como do aquífero, principalmente quando o material contiver teores de um ou mais elementos tóxicos próximos aos limites máximos.

Considerando-se os riscos da aplicação de lodo de esgoto contendo metais pesados no solo, Korentajer (1991) comenta que os riscos dos metais serem transportados na cadeia alimentar é mínimo quando o ph do solo é mantido a um valor superior a 6,5, podendo portanto ser um problema nos países de clima tropical onde os solos tendem a ser ácidos com ph normalmente abaixo de 6,0. Nesse aspecto, o lodo da ETE-Barueri apresentando um ph próximo de 11,0 contribui para a elevação do ph do solo no caso de aplicação, minimizando os riscos de solubilização dos metais e assim a lixiviação no solo e a translocação nas plantas. Korentajer (1991) comenta que, desde que os padrões sejam devidamente respeitados, a disposição de lodo na agricultura pode ser vista como uma das principais rotas de disposição para as grandes somas de lodo gerados nos centros metropolitanos. Assim como Korentajer (1991), Berton (1994) comenta que embora estejam associados inúmeros perigos à utilização de lodo de esgoto no solo, o estudo dessa alternativa é viável e deve ser estimulado. Para isso o autor cita uma série de medidas de segurança tais como: análise do resíduo; avaliação do local de aplicação evitando dispor resíduos onde o lençol está próximo à superfície; utilização do lodo em culturas não-comestíveis como eucalipto, seringueira, etc; considerar os métodos e taxas de aplicações e desenvolver um programa de monitoramento das alterações ocorridas no solo e na composição da planta. Fazendo-se ainda referência ao documento da EPA que regulamenta a disposição de lodo de esgoto no solo, um outro fator inovador desse documento é a adoção de padrões microbiológicos que devem ser atendidos. No entanto, no presente trabalho não foram realizadas análises microbiológicas do lodo da ETE-Barueri. No Brasil já se tem algumas referências da caracterização de lodo de esgoto sanitário para uso agrícola. Um exemplo é o estudo realizado por FERNANDES et al (1997) que caracterizou o lodo gerado na cidade de Curitiba (Brasil) e cujos resultados encontram-se na Tabela 2. Tabela 2: Concentração de metais pesados no lodo da ETE-Barueri e no lodo da ETE-Belém (Curitiba) Metal Pesado Concentração no lodo da ETE-Barueri Concentração no lodo da ETE-Belém* mg/kg mg/kg Cd 12,68 ND Cr 1.064,93 144 Cu 737,58 326 Mn 152,57 Ni 386,10 75 Pb 181,83 124 Zn 1.378,67 828 ND: não detectado *FERNANDES et al (1997)

Em comparação com o lodo de Curitiba, o lodo da ETE-Barueri apresenta carga de metais pesados bem maior, o que é resultante provavelmente do maior número de despejos industriais no esgoto urbano da cidade de São Paulo que no esgoto urbano de Curitiba. Tais diferenças demonstram claramente as informações de ANGLIAN (1991), de que a constituição do lodo reflete as características do esgoto bruto do qual ele foi originado. Considerando-se os macronutrientes, na Tabela 3 encontram-se os resultados da composição do lodo da ETE-Barueri em comparação com a composição de alguns materiais orgânicos utilizados como adubo (esterco bovino, esterco de galinha, vinhaça e composto de lixo). Tabela 3: Teor de macronutrientes no lodo da ETE-Barueri em comparação com outros materiais orgânicos Elemento Concentração no lodo da ETE-Barueri Esterco de bovino* Esterco de galinha* Vinhaça* Composto de lixo* % peso seco N 3,07 1,50 1,40 0,06 0,6 P 0,64 1,2 0,8 0,01 0,2 K 0,13 0,7 2,1 0,3 0,3 Ca 17,13 2,0 2,3 0,1 1,1 Mg 1,88 0,6 0,5 0,04 0,1 S 1,54 0,2 0,2 0,05 0,2 * Fonte: van RAIJ et al (1996) De acordo com van RAIJ et al (1996) em geral os lodos de esgoto são desbalanceados quanto aos teores de nutrientes, necessitando muitas vezes de uma suplementação na adubação com fontes minerais. São geralmente pobres em potássio devido ao processo de obtenção que perde esse nutriente em solução no esgoto tratado. Tal fato pode ser observado na Tabela 3 que mostra que a concentração de K no lodo da ETE-Barueri é inferior aos teores dos demais materiais orgânicos apresentados. Já o fósforo apresenta-se com teores elevados próximos aos dos estercos bovino e de galinha e bem superior aos teores da vinhaça e do composto de lixo, confirmando a informação de van Raij et al (1996) de que nos lodos de esgotos sanitários o P apresenta-se em teor elevado podendo 80% deste estar disponível já no primeiro ano de aplicação. Os nutrientes Ca, Mg, e S apresentam-se em teores superiores a todos os materiais orgânicos da Tabela 3. A elevada concentração de Ca no lodo é decorrente da utilização de cal no condicionamento químico do lodo para facilitar o adensamento antes do encaminhamento para o filtro prensa.

Atualmente no Brasil, muitas vezes os lodos são estocados em tanques, dispostos em aterros e em alguns casos dispostos em áreas próximas dos locais de geração levando à necessidade da avaliação das alternativas de disposição de lodos no ambiente. Considerando-se o caso específico do lodo da ETE-Barueri caracterizado no presente trabalho, estudos da disposição no solo deveriam ser realizados nas áreas agrícolas próximas à estação tendo em vista que o tranporte a longas distâncias pode inviabilizar a utilização. CONCLUSÕES Considerando-se as informações apresentadas pode-se observar que o lodo da ETE-Barueri apresenta carga de metal pesado dentro do limite mais restrito da EPA para utilização no solo. No entanto estudos específicos devem ser realizados sob condições de solo e clima vigentes na região de geração para avaliar o comportamento dos metais pesados contidos no lodo e também gerar informações que possam auxiliar para a regulamentação da disposição de lodo de esgotos sanitários no Brasil. Além destes, estudos microbiológicos do lodo são de extrema importância tendo em vista os riscos de transmissão de patógenos por tais resíduos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMERICAN PUBLIC HEALTH; AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION; WATER POLLUTION CONTROL FEDERATION. Standard Methods for Examination of Water and Wastewater. 18ed. Washington, APHA/AWWA/WPCF, 1992. ANGLIAN WATER. Manual of good practice for utilisation of sewage sludge in agriculture. Cambridgeshire, p.53, 1991. BERTON, R.S. Fertilizantes e poluição. In: XX REUNIÃO BRASILEIRA DE FERTILIDADE DO SOLO E NUTRIÇÃO DE PLANTAS,, ano, Cidade. Anais.... 299-313 DAVIS, R. D. Agricultural utilization of sewage sludge: A Review. Journal of the Institution of Water and Environmental Management, v.3, p.351-355, 1989. FERNANDES, F; ANREOLI, C.V.; DOMASZAK, S.C. Caracterização preliminar dos principais tipos de lodo de esgoto do Paraná para um programa de reciclagem agrícola. Sanare, p.15-21, 1997. HALLEY, E.; MILLER, G. A "backward"approach to sludge management. Water Engineering & Management, v.9, p.36-39, 1991. KORENTAJER, L. A review of the agricultural use of sewage sludge: benefits and potential hazards. Water S.A., v.17, n.3, jul, p.189-196, 1991. LESTER, J. N., et al. Significance and behavior of heavy metals in wastewater treatment process. II. Sludge treatment and disposal. The Science of the Total Environment, v.30, p.45-83, 1983. MALAVOLTA, E. et al. Avaliação do estado nutricional das plantas: princípios e aplicações. Piracicaba: Associação Brasileira para Pesquisa da Potassa e do Fosfato, 1989. MATTHEWS, P. J. Sewage sludge disposal in the UK: a new challenge for the next twenty years. Journal of the Institution of Water Environmental Management, v.6, p.551-559, 1992. SEWAGE SLUDGE DISPOSAL Journal of the Institution of Water Environmental Management, v.3, p.208-211, 1989. SIEGER, R.B.; HERMANN, G.J. Land application requirements of the new sludge rules. Water/Engineering & Management, august, p.30-35, 1993. van RAIJ, B. et al. Recomendações de adubação e calagem para o estado de São Paulo. Campinas: Instituto Agronômico, 1996. van VOORNEBURG, F.; van VEEN, H. J. Treatment and disposal of municipal sludge in the Netherlands. Journal of the Institution of Water and Environmental Management, v.7, p.117-121, 1993. ZABEL, T.F. Diffuse sources of pollution by heavy metals. Journal of the Institution of Water Environmental Management, v.7, p.513-520, 1993. AGRADECIMENTOS: Os autores agradecem à FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo auxílio financeiro.