Samanta Petersen da Rocha Lima 2 Gustavo Fortes Said 3. Palavras-chave: revista; identidade; midiatização; mulher.

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Transcrição:

Revistas para mulheres e os modelos identitários femininos em uma sociedade em midiatização 1 Magazines for women and feminine identity models in a midiatization society Samanta Petersen da Rocha Lima 2 Gustavo Fortes Said 3 Palavras-chave: revista; identidade; midiatização; mulher. 1. Introdução Os valores e padrões de comportamento e de beleza, que moldam a identidade da mulher e criam os estereótipos e as representações sobre a identidade feminina sempre foram uns dos principais ingredientes das revistas voltadas para as mulheres. E mesmo após as diversas conquistas femininas, que permitiram que a mulher deixasse de ter sua identidade associada principalmente ao seu papel de filha, esposa e mãe, e também das transformações ocorridas no campo midiático dentro de uma sociedade em midiatização, a maioria das publicações do gênero chega ao século XXI ainda representando em suas páginas uma mulher homogênea e pasteurizada, que, como afirma Rodrigues (2004, p.02), é baseada em um modelo ideal de mulher que sugere que todas sejam como ela, tanto fisicamente, quanto no comportamento. Isto é, as 1 Trabalho apresentado ao II Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais. PPGCC-Unisinos. São Leopoldo, RS 8 a 12 de abril de 2018. 2 Formada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (2004), mestranda em Comunicação no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Piauí (2017-2019). samantapetersen@gmail.com 3 Possui graduação em Comunicação Social Jornalismo pela Universidade Federal do Piauí (1992), mestrado em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2006). Atualmente, é professor titular - da graduação e do mestrado - da Universidade Federal do Piauí. 1

revistas apresentam modelos de identidade para a mulher que devem servir como exemplos de como ela deve ser, como deve se comportar, se vestir e até como deve ser sua relação com o outro (BUITONI, 2009; LUCA, 2016). De forma que a mídia cristaliza o que Rolnik (1997) chama de "kits de perfispadrão" ou "identidades prêt-à-porter", estes seguem os chamados padrões de normalidade, ou seja, modelos que possuem características físicas e comportamentais que seriam ideais dentro de determinadas sociedades. Em uma sociedade midiatizada, estes modelos são apresentados e reafirmados pela e na mídia que auxilia em sua circulação na sociedade. Assim, a midiatização incidi sobre "os modos de estruturação e funcionamento dos meios nas dinâmicas sociais e simbólicas" (FAUSTO NETO, 2008, p.90), sendo estas atravessadas ou mediadas pelos veículos de comunicação. Portanto, os discursos sobre o feminino e a identidade de mulher perpassam os processos midiáticos. Deste modo, como explica Hjarvard (2015, p.54), a mídia não deve ser considerada um fator externo à interação social ou às instituições sociais, mas, ao contrário, tem se tornado parte integrante da estruturação de ambas. Parte-se ainda do pressuposto que, cada vez mais na sociedade em midiatização, os veículos de comunicação são um dos espaços no quais o indivíduo tem contato com outro e com as identidades as quais eles querem e devem pertencer, segundo os padrões de normalidade determinados pela sociedade e pelas instâncias de poder. E como explica Morin (2003), o sujeito está inserido e é de certa forma dependente da sua cultura e da sociedade em que vive e, por conseguinte, apesar de possuir certa autonomia, ele é produto e produtor na sociedade. Assim também, quando se considera o fenômeno social, são as interações entre os indivíduos que produzem a sociedade; mas a sociedade, com sua cultura, suas normas, retroage sobre os indivíduos humanos e os produz enquanto indivíduos sociais dotados de uma cultura (MORIN, 2003, p.119). E as narrativas fornecidas pelas revistas femininas, principalmente em uma sociedade em midiatização, ajudam a legitimar padrões culturais e de comportamento e reforçam crenças de como deve ser o relacionamento homem-mulher, como deve ser a 2

relação entre a mulher e seu corpo, com o trabalho e a família. Logo, as revistas trazem em suas páginas modelos de identidades do feminino, dentro dos referidos padrões de normalidade, que são usadas pelas mulheres como referência para a formação dos seus perfis identitários. E como explica Fausto Neto, "as mídias perdem este lugar de auxiliaridade e passam a se constituir uma referência engendradora no modo de ser da própria sociedade, e nos processos e interação entre as instituições e os atores sociais" (2008, p.93). Então, para se entender como as publicações femininas brasileiras ajudam a reforçar as representações identitárias da mulher, é preciso fazer um panorama histórico, baseado em uma revisão bibliográfica de como estas revistas tem trabalhado, em uma sociedade em midiatização, a identidade do feminino no Brasil, para assim buscar compreender como estas representações divulgadas e reforçadas pela mídia refletem diretamente na formação identitária da mulher. Além disso, este artigo pretende identificar que identidades femininas foram construídas ao longo do século XXI nas publicações voltadas para mulheres no Brasil, dando enfâse, sobretudo, as revistas lançadas após a década de 1960 no país. Para tanto, vamos nos valer dos estudos sobre midiatização embasados em autores como Antônio de Fausto Neto e Sting Hjarvard. No que se refere ao panorama histórico de como a representação da identidade do feminino vem se alterando ao longo dos anos, vamos nos basear em Dulcília Schroeder Buitoni e outras autoras que estudam a representação da mulher pela imprensa feminina no Brasil. E para auxiliar na compreensão de como são produzidos os perfis de identidade da mulher nas revistas, vamos nos valer dos referenciais fornecidos pelos Estudos Culturais Britânicos, que se fundamentam nas relações entre a cultura contemporânea e a sociedade e em como as instituições e práticas culturais possuem relações direta com a formação da sociedade e com a implementação das mudanças sociais. 3

2. Revistas femininas brasileiras e as representações da identidade feminina No Brasil, as primeiras publicações voltadas especialmente para o público feminino tinham como foco as mulheres de classe média e alta, que já sabiam ler e escrever e precisavam ocupar parte do seu tempo e adquirir mais conhecimento sobre assuntos diversos, especialmente os voltados para os temas do lar, da moda e da beleza (BUITONI, 2009; LUCA, 2016; SCALZO, 2014). De forma que nestas primeiras publicações, as mulheres tinham nas revistas femininas, principalmente, informações que as ensinavam como agir e se portar nos seus papéis de esposa, mãe e dona de casa. No século XIX, ainda existiam revistas femininas voltadas para as mulheres que lutavam por seus direitos sociais e políticos, mas estas minorias dentre os títulos (BUITONI, 2009; SCALZO, 2014). Neste sentido, é preciso destacar que a imprensa feminina sempre refletiu em suas páginas as mudanças e conquistas das mulheres na sociedade. E justamente por dialogarem com o seu tempo, os periódicos permitem acompanhar as mudanças em temáticas, ênfases e expectativas como se fossem termômetros dos costumes de uma época (LUCA, 2016, p.450). Assim, com o movimento feminista e as conquistas das mulheres e também devido a reconfiguração dos veículos de comunicação em uma sociedade midiatizada, em que ocorrem mudanças na forma que os media trabalham seus contratos de leitura, suas práticas e discursos, as revistas femininas se adaptam a uma nova sociedade e aos novos perfis identitários femininos e começam a segmentar seu público, especialmente, de acordo com a classe social e faixa etária. De forma que "nesse cenário, o campo dos media passou a figurar como uma instância de legitimidade e notoriedade, onde a capilarização dos discursos sociais garantem o reconhecimento dos demais campos e, por conseguinte, formam a opinião pública" (GARCIA, 2011, p.217). Essas mudanças atingem diretamente os conteúdos produzidos pelas revistas femininas que passam a debater novas temáticas. Não que elas tenham deixado de tratar de temas como moda, beleza, casa e relacionamento, mas elas foram capazes de se 4

adaptar aos novos perfis identitários femininos e trazer novos assuntos que começavam a ser debatidos na sociedade. Porém, estes temas eram tratados, muitas vezes, sem aprofundamento. E no Brasil, a partir dos anos de 1960, as revistas femininas começam a se segmentar cada vez mais. E, deste modo, começam a ser lançadas publicações para os mais diversos públicos femininos. Todavia, se as conquistas da mulher permitiram que ela pudesse expandir suas atividades para além das ligadas essencialmente ao âmbito doméstico, essas novas atribuições não lhe garantiram se desligar totalmente delas. De tal modo que as publicações femininas brasileiras chegam ao século XXI trazendo apenas uma tradição camuflada de nova, como explica Buitonni (2009, p.198) e, assim, a transformação sofrida pela imagem da mulher nas revistas é quase nula quando analisada em seus significados profundos. Ela nunca ultrapassa os limites de adaptação às normas vigentes. Todavia, nem todas as publicações do gênero seguem essa tendência. Uma das que vai na contramão é a revista Trip para Mulher (TPM). Lançada em 2001 com a proposta de quebrar os padrões das publicações existentes para o público feminino na faixa etária de 26 a 35 anos, a revista tinha como foco mulheres insatisfeitas com o modelo de comunicação dispensado a elas pelas demais publicações do gênero. Não apenas pela forma e pela diversidade de perfis identitários femininos apresentados em suas páginas, mas também pelas pautas apresentadas. Porém, apesar de sua linha editorial, a TPM ainda abordava temas que mantinha a mulher inserida em um contexto social patriarcal e permanecia reforçando valores e normas para a mulher na contemporaneidade, principalmente quando trata em suas reportagens temáticas ligadas a moda e a beleza. Como tentativa de superar estas lacunas nas representações identitárias da mulher, a TPM suspendeu suas atividades em dezembro de 2016 e retornou em setembro de 2017 com uma nova proposta editorial, que questiona que mulheres foram beneficiadas de fato com as conquistas alcançadas pelos movimentos feministas nos 5

diversos campos da vida social, cultural e política. Destacando que as conquistas não foram alcançadas de forma igualitária, mas sim, para grupos específicos de mulheres, deixando de lado as minorias, como as negras, as pobres e as transexuais. Essa mudança na representação identitária da mulher tem sido cada vez mais discutida na sociedade. Tanto que a TPM não foi a primeira revista feminina brasileira a repensar sua proposta editorial ou ainda as formas como a identidade da mulher têm sido apresentada em suas páginas. A revista Marie Claire, de março de 2017, por exemplo, também já buscava trabalhar a diversidade da identidade da mulher trazendo em sua capa a chamada: Força Feminina - Trans, gordas, negras, índias, orientais, idosas, deficientes, lésbicas - uma edição especial que celebra as diferenças que nos tornam únicas. Mostrando que a identidade feminina na contemporaneidade tem ganhado a cada dia novos viés. Entretanto, enquanto Marie Claire exalta as diferenças da mulher, na capa da mesma edição ela traz como destaque as principais tendências de moda e os melhores cosméticos lançados no ano, ou seja, ainda associando a identidade feminina a beleza. Outra revista feminina que buscou reposicionar a forma como representa a mulher em suas capas foi Cláudia que, em outubro de 2017, passa a trabalhar com a campanha #eutenhodireito, no intuito de dar visibilidade e repercussão às causas femininas já conquistadas. Mas, mesmo com uma nova proposta editorial, na edição seguinte, do mês de novembro, Cláudia, apesar de trazer como manchete principal: "Poder Feminino", a revista destaca em sua capa os "truques de make que as celebridades adoram" e outras matérias sobre beleza e dieta. 3. Conclusão É certo que as revistas femininas veem acompanhando, não apenas as tendências de mercado para as mulheres, mas também as mudanças sociais, culturais e políticas que estão permitindo que elas alcancem cada vez mais espaço na sociedade e que consigam conquistar novos direitos e com isso que tenham também identidades cada 6

vez mais múltiplas e abrangentes. Todavia, as representações da identidade e dos papéis da mulher brasileira apresentada nas revistas continuam a ser utilizadas como modelos para as mulheres e em uma sociedade midiatizada uma vez que os meios de comunicação desempenham um papel cada vez mais importante em um número cada vez maior de contextos, os papéis sociais também são avaliados em termos do acesso à cobertura midiática que eles são capazes de mobilizar (FAUSTO NETO, 2008, p.77). É necessário ainda destacar que o próprio veículo revista teve que se adaptar a uma nova realidade no campo comunicacional, no qual a midiatização alterou a forma que os veículos de comunicação exercem suas funções e já não são utilizadas, prioritariamente, para informar os leitores. Entretanto, o que se pode perceber é que as revistas femininas brasileiras continuam, no geral, a rotular a identidade da mulher de forma pasteurizada afetando os modelos identitários que as mulheres brasileiras utilizam como exemplos de como se portar, qual o perfil comportamental mais adequado e como sua imagem deve parecer para que elas sejam consideradas inseridas na sociedade. Referências bibliográficas BUITONI, Dulcília Schroeder. Mulher de papel: a representação da mulher pela imprensa feminina. 2ª ed. São Paulo: Summus, 2009. FAUSTO NETO, Antônio. Fragmentos de uma analítica da midiatização. In: Revista Matrizes. São Paulo, ano 1, n.2, p.89-105, 2008. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/38194/40938>. Acesso em: 26/12/2017. GARCIA, Adriana Domingues. Nem tudo é midiatização: como entender, ver e analisar a complexidade dos processos comunicacionais sem banalizar. In: Revista Emancipação. Ponta Grossa, v.11, n.2, p.215-224, 2011. Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/1757>. Acesso em: 26/12/2017. 7

HJARVARD, Sting. Da mediação à midiatização: a institucionalização das novas mídias. Revista Parágrafo. v.3, n.2. jul./dez. de 2015. p.51-62. Disponível em: http://revistaseletronicas.fiamfaam.br/index.php/recicofi/article/view/331/339. Acesso em: 05/07/2017. LUCA, Tania Regina de. Imprensa Feminina. IN: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Org.). Nova história das mulheres no Brasil. 1ª ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2016. MORIN, Edgar. A Cabeça bem-feita. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p.117-128. Disponível em: <http://www.uesb.br/labtece/artigos/a%20cabe%c3%a7a%20bem-feita.pdf>. Acesso em: 10/12/2017. RODRIGUES, Luciana Vargas. A representação da mulher na imprensa Feminina. In: XXVIII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO. Anais eletrônico. Rio de Janeiro: INTERCOM, 2005. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/r0992-1.pdf>. Acesso em: 16/04/2016. ROLNIK, Suely. Toxicômanos de identidade: subjetividade em tempo de globalização. In: LINS, Daniel (Org). Cultura e subjetividade. Campinas: Papirus, 1997. p.19-24. Disponível em: <http://caosmose.net/suelyrolnik/pdf/viciados_em_identidade.pdf>. Acesso em 17/10/2017. SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. 4ª ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2014. 8