Modelos Matemáticos da Dinâmica do HIV



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Transcrição:

Modelos Matemáticos da Dinâmica do HIV Geovani Nunes Grapiglia 1, Kleberson Hayashi Angelossi 2, Rogério Luis Rizzi 3 1 Colegiado do Curso de Matemática - Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná Caixa Postal 711-85819-110 - Cascavel - PR - Brasil {geovani_mat, klebersonbinho, rogeriorizzi}@hotmail.com Resumo. A AIDS ocorre como conseqüência da infecção pelo HIV. Este vírus ataca e destrói progressivamente as principais células do sistema imunológico, as células T CD4+. Com o passar do tempo, a morte dessas células leva a falência do sistema imunológico, deixando o indivíduo portador do vírus sem defesas frente a doenças infecciosas, as quais acabam levando-o à morte. Neste trabalho construímos alguns modelos matemáticos que descrevem a dinâmica da infecção pelo HIV, e a partir deles realizamos simulações numérico-computacionais a fim de analisar o impacto da droga-terapia no curso natural da infecção. Palavras Chaves. Modelagem matemática, dinâmica do HIV, simulação numérica. 1. Introdução Em 1981, verificou-se nos Estados Unidos uma epidemia de doenças oportunistas, que eram assim chamadas porque só acometiam pessoas cujo sistema imunológico estava muito debilitado. Com o aumento do número de mortes devido a essas doenças, os cientistas concluíram que elas eram manifestações de uma nova doença, caracterizada pela deteriorização do sistema imunológico. Essa nova doença recebeu o nome de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - AIDS (do inglês, Acquired Immune Deficiency). A AIDS se espalhou rapidamente nos Estados Unidos e era verificada principalmente entre homens homossexuais, hemofílicos, usuários de drogas intravenosas e seus parceiros heterossexuais. Essas observações sugeriram que a AIDS era uma doença infecciosa, e que sua transmissão ocorria pelo contato com sangue ou secreções genitais. Diante desses fatos, teve então início a busca pelo seu agente causador. A descoberta deuse em 1983, quando em um trabalho conjunto, cientistas do Institut Pasteur, na França, e do National Institute of Health, nos Estados Unidos, demonstraram que a AIDS era causada por um vírus. Posteriormente esse vírus passou a ser chamado de vírus da imunodeficiência humana, ou simplesmente HIV (do inglês, human imunodeficiency virus).

Uma vez dentro do organismo humano, o HIV ataca as células do sistema imunológico. Com o passar do tempo, a destruição dessas células acaba comprometendo gravemente a habilidade do organismo combater doenças, levando-o ao estado conhecido como AIDS. Nessa fase, o indivíduo infectado passa a ser acometido por diversas doenças que normalmente eram controladas pelo seu sistema imunológico. É devido a essas doenças que o indivíduo portador do HIV acaba vindo a óbito. Atualmente, a infecção pelo HIV é tratada pela administração de dois tipos de drogas. Essas drogas impedem que as células TCD4+ sejam infectadas pelo HIV. Este trabalho objetiva analisar o impacto da droga-terapia no curso natural da doença do HIV, utilizando modelos matemáticos. Inicialmente apresentamos fundamentos biológicos do sistema imunológico, do HIV, bem como o mecanismo das drogas que são utilizadas no tratamento contra esse vírus. Em seguida, o modelo básico da dinâmica do HIV é construído, e a partir dele são obtidos os modelos que incorporam a droga-terapia. Por fim, realizamos simulações numérico-computacionais com esses modelos para se investigar a possibilidade de erradicação do vírus pela droga-terapia. 2. Fundamentos Biológicos O Sistema imunológico é o conjunto de células responsáveis por defender o organismo humano de agentes causadores de doenças, tais como bactérias e vírus. Esses agentes e as substâncias que eles produzem recebem o nome de antígenos (Ag). Cabe ao sistema imunológico se opor à entrada de antígenos, eliminar aqueles que já estejam inseridos no organismo e neutralizar seus efeitos nocivos. Os principais agentes do sistema imunológico são as células TCD4+, TCD8+ e as células B. As células TCD4+ e TCD8+ são assim chamadas por serem produzidas no Timo e possuírem em suas membranas, respectivamente, as proteínas CD4 e CD8. Por sua vez, as células B recebem esse nome por terem origem na medula óssea, cujo nome em inglês é Bone marrow. Há dois tipos de resposta imunológica contra os antígenos: a resposta imune celular e a resposta imune humoral. Ao penetrar no organismo humano, um antígeno entra em contato com diversas células. Algumas delas são capazes de prender fragmentos desse antígeno em suas membranas, e são denominadas células apresentadoras de antígenos - APC (do inglês, Antigen Presenting Cells). A ação do sistema imunológico tem início quando as células TCD4+ são ativadas pelo contato com as APC. Assim que é ativada, essa célula passa a se reproduzir (processo chamado de expansão clonal) e a produzir e liberar diversas substâncias, denominadas citocinas. A resposta imune celular ocorre quando as citocinas interagem com as células TCD8+. Essa interação resulta na ativação das células TCD8+, que então passam a atacar e destruir as células já infectadas pelo antígeno. Por outro lado, o contato dessas citocinas com as células B transforma essas células em plasmócitos, os quais iniciam a produção dos anticorpos (Ac) capazes de neutralizar os efeitos nocivos do antígeno. Essa reação é a chamada resposta imune humoral. Assim, nota-se que as células TCD4+ são fundamentais ao sistema imunológico adaptativo, uma vez que elas comandam, por meio das citocinas, tanto a resposta imune celular quanto a resposta imune humoral. (Figura 1) O vírus da imunodeficiência humana, HIV, é um retrovírus de forma esférica e que

Figura 1: Funcionamento do Sistema Imunológico adaptativo (SAVI; SOUZA, 1999). possui envelope externo do qual se elevam as espículas. Internamente o HIV apresenta o capsideo, o material genético (RNA) e as enzimas essenciais à sua reprodução, que são: a transcriptase reversa, a integrase e a protease. Dentre as proteínas que compõe o envelope externo do HIV, há uma, denominada gp-120, que permite a esse vírus se ligar às proteínas CD4, justamente aquelas que recobrem a membrana das células TCD4+. Esse fato torna essas células o principal alvo do HIV. Uma vez fixado à membrana da célula TCD4+, o HIV lança no interior da célula o seu material genético, bem como as enzimas transcriptase reversa, protease e integrase. Pela ação da transcriptase reversa, um filamento duplo de DNA é produzido a partir do RNA viral. Em seguida esse filamento de DNA adentra o núcleo da célula e, com o auxilio da integrase, se liga ao DNA celular, formando o chamado pro-vírus. Esse provírus passa então a produzir RNA viral, o qual vai para o citoplasma e lá sintetiza todas as proteínas que irão compor o novo vírus. Neste momento entra em ação a enzima protease, auxiliando a síntese das proteínas que formarão a capsula externa do novo vírus, inclusive a gp-120. Terminado o processo de formação do novo vírus, ele então brota pela superfície da célula. (Figura 2). Figura 2: Ciclo de vida do HIV (SILVA, 2005). Um único vírus e capaz de produzir inúmeras cópias de si em uma célula TCD4+. Acredita-se que a saída dessas partículas virais torna a membrana da célula mais permeável, permitindo a entrada de quantidades excessivas de cálcio e água que acabam por provocar a morte da célula (Abbas, 2005). Como as células TCD4+ são essenciais ao sistema imunológico, a morte delas por ação do HIV deixa-o incapaz de agir de forma eficiente contra os agentes causadores de doenças.

O curso da doença do HIV pode ser acompanhado medindo-se a quantidade de células TCD4+ e de vírus presentes no sangue. Assim, a dinâmica da infeção pode ser subdividida em três fases: 1 a fase: Alguns dias após a primeira exposição, o vírus se reproduz de forma abundante. Por outro lado, há uma queda brusca da quantidade de células TCD4+ e o indivíduo passa a apresentar uma série de sinais e sintomas, tais como febre e cefaléias. A medida que a infecção avança o sistema imunológico passa a reagir ao HIV controlando parcialmente a produção viral. Esse controle é refletido pelo retorno do numero de células TCD4+ a um nível próximo ao normal, e pela queda da quantidade de vírus a níveis baixos em um período de aproximadamente 10 semanas após a infecção; 2 a fase: Durante esse período da doença, o sistema imunológico permanece competente contra os antígenos, e poucas manifestações clínicas da infecção pelo HIV são detectadas. Em razão disso, essa fase também recebe o nome de fase assintomática. Entretanto, a destruição das células TCD4+ continua, e o número dessas células no sangue declina de modo progressivo. Essa fase da infecção dura em média 10 anos. 3 a fase: A fase final da doença do HIV é a AIDS, e ocorre quando a densidade das células TCD4+ (que normalmente gira em torno de 1000 células/mm 3 de sangue) atinge níveis abaixo de 200 células/mm 3 de sangue. Nessa fase, devido a fragilidade de seu sistema imunológico, o indivíduo passa a ser acometido por infecções oportunistas, e tipos raros de câncer. (Figura 3). Figura 3: Evolução natural da infecção por HIV (PERELSON et. al., 1993). Assim que o HIV foi identificado como a causa da AIDS, cientistas do mundo inteiro iniciaram a busca por terapias para essa doença. Atualmente o tratamento da infecção por HIV consiste na administração de dois tipos de drogas: os inibidores de transcriptase reversa e os inibidores de protease. Os inibidores de transcriptase reversa impedem a ação da transcriptase reversa e conseqüentemente a produção do DNA viral a partir do seu RNA. Dessa forma, embora consiga entrar na célula, o vírus torna-se incapaz de fazê-la produzir cópias de si. Por sua vez, os inibidores de protease anulam os efeitos dessa enzima, impedindo a produção da proteína gp-120. Sem essa proteína os novos vírus gerados não conseguem se fixar na membrana das células TCD4+, e por conseguinte são incapazes de infectá-las. 3. Modelo Básico da Dinâmica do HIV Vimos que as fases da infecção por HIV estão associadas à variação da quantidade de células TCD4+ e de vírus, presentes no sangue do indivíduo infectado. Em razão disso, a

dinâmica da infecção pode ser representada matematicamente modelando-se a dinâmica das populações de células TCD4+ e de vírus. A fim de obter tal modelo, considera-se então três populações: a de células TCD4+ sadias (T ), a de células TCD4+ infectadas (I) e a de vírus livres (V ). Nós admitimos que as células sadias são produzidas pelo Timo a uma taxa constante s, se multiplicam por expansão clonal a uma taxa pt e morrem a uma taxa dt. Os vírus livres infectam as células sadias a uma taxa kv T proporcional ao produto de suas populações. Os vírus livres são removidos do sistema a uma taxa uv. Por sua vez, as células infectadas morrem, devido a ação do vírus, a uma taxa ci. Supõe-se ainda que, cada célula infectada libera N novos vírus ao morrer. Combinando as dinâmicas das células sadias, das células infectadas e dos vírus livres, obtemos o modelo básico da dinâmica do HIV: dt = s + pt dt kv T di = kv T ci (1) dv = NcI uv 4. Modelos que Incorporam Outras Hipóteses A partir do modelo (1) é possível obter outros modelos mais realísticos, modificando as hipóteses utilizadas na sua construção ou considerando outras mais. Um primeiro melhoramento pode ser obtido substituindo o termo pt pelo termo logístico pt ( ) 1 T Tmax, em que Tmax é o nível máximo da população de células sadias. Sem essa substituição, a população de células TCD4+ sadias poderia crescer indefinidamente, o que é um absurdo, já que existem limites biológicos para esse crescimento. O modelo resultante é: dt = s + pt ( ) 1 T Tmax dt kv T di = kv T ci dv = NcI uv Por sua vez, o modelo (2) pode ser usado como base, para se modelar a ação do tratamento anti-viral. Por exemplo, no caso de um tratamento baseado na aplicação de um inibidor de transcriptase reversa, sabe-se que esse tipo de droga impede que o vírus infecte novas células. Assim, denotando por D a eficiência dessa droga, podemos modelar sua ação no organismo substituindo em (2), o termo kv T pelo termo (1 D)kV T : dt = s + pt ( ) 1 T Tmax dt (1 D)kV T di = (1 D) kv T ci dv = NcI uv Nota-se então que se D é tomado igual a 1, segue que (1 D)kV T = 0, o que corresponde ao bloqueio total da infecção pelo inibidor. Além da monoterapia com um inibidor de transcriptase reversa, também é possível modelar o tratamento com um inibidor de protease. Essa droga faz com que as células infectadas passem a produzir vírus não-infectantes. Assim, para modelar a ação do inibidor de protease, considera-se as seguintes populações: a de células TCD4+ sadias, T ; a de células TCD4+ infectadas pelo HIV, I; a de vírus infectante, V 1 ; e a de vírus não infectante, V 2. Seja P a eficiência do inibidor de protease. Sabe-se que, quanto (2) (3)

maior for essa eficiência P, menor será o número de vírus infectantes produzidos pelas células infectadas e, conseqüentemente, maior será o número de vírus não-infectantes gerados por essas células. Supondo-se ainda que os vírus não infectantes sejam eliminados pelo sistema imunológico da mesma forma que os vírus infectantes. Acrescentando essas hipóteses ao modelo (2) obtemos o seguinte modelo: dt = s + pt ( ) 1 T Tmax dt kv1 T di = kv 1 T ci dv 1 = (1 P) NcI uv 1 dv 2 = PNcI uv 2 Nesse modelo, tomando-se P = 1, segue (1 P)NcI = 0, isto é, as células infectadas passam a produzir somente vírus não infectantes. Finalmente, combinando as hipóteses dos modelos (3) e (4), obtém-se um modelo que descreve um tratamento baseado na administração de ambos os inibidores, o de protease e o de transcriptase reversa: dt = s + pt ( ) 1 T Tmax dt (1 D)kV1 T di = (1 D)kV 1 T ci dv 1 = (1 P) NcI uv 1 dv 2 = PNcI uv 2 (4) (5) 5. Simulações Numérico-Computacionais A fim de analisar o impacto da droga-terapia no curso natural da doença do HIV, realizamos simulações com os modelos tratados nas seções anteriores, utilizando o método Runge-Kutta de 4 a ordem implementado em Matlab e o software Modellus (Teodoro, 2000). Inicialmente, consideramos a evolução natural da doença descrita pelo modelo (2). As condições iniciais e os parâmetros usados foram retirados de Perelson et. al. (1993) e estão descritos na tabela 1. A figura 4 mostra o comportamento das populações de células sadias e vírus livres, simulado para um período de 2 anos após o inicio da infecção. Figura 4: Dinâmica das células TCD4+ e dos vírus livres gerada pelo modelo (2). Comparando os gráficos da figura 4 com a figura 3, percebe-se grande semelhança entre o comportamento previsto pelo modelo e o curso natural da infecção pelo HIV, no

Tabela 1: Parâmetros e Condições Iniciais Parâmetros s 10/dia mm 3 p 0,03/dia Tmax 1500/mm 3 d 0,02/mm 3 k 2,4 10 5 c 0,24/dia N 230 u 2,4/dia Condições Iniciais T(0) 1000/mm 3 I(0) 0/mm 3 V (0) 0.001/mm 3 período considerado. Inicialmente ocorre uma queda brusca da quantidade de células TCD4+ sadias, acompanhada por um crescimento exponencial da quantidade de vírus livres no sangue, o que corresponde a primeira fase da infecção A seguir observa-se a recuperação das células sadias e uma queda da carga viral. As populações então se estabilizam e assim permanecem até o fim do período considerado, comportamento esse que pode ser associado a fase assintomática da infecção. Para analisar o impacto da droga - terapia no curso da doença do HIV, utilizamos os modelos (3), (4) e (5). Admitimos que o tratamento seja iniciado com o indivíduo já na fase assintomática da infecção. Assim, tomamos como condições iniciais o ponto de equilíbrio não-trivial do modelo (2): u T(0) = = 434, 4/mm 3 Nk kv (0)T(0) I(0) = = 7, 8/mm 3 c V (0) = sn + (p d) pu = 179, 4/mm 3 u k Nk 2 Tmax A figura 5 mostra o resultado obtido com o modelo (3), utilizando um inibidor de transcriptase reversa com eficiência de 50% por um período de 2 anos. Figura 5: Tratamento usando inibidor de transcriptase reversa com 50% de eficiência.

Verifica-se inicialmente uma queda da quantidade de vírus acompanhada de uma elevação da quantidade de células TCD4+ sadias a um nível próximo ao inicial. Em seguida ocorre um rápido crescimento da população de vírus e uma leve queda da quantidade de células sadias. Por fim, dá-se a estabilização de ambas as populações em níveis superiores aqueles de antes do início da droga-terapia. Considerando o modelo (4), e utilizando por 2 anos um inibidor de protease com eficiência de 50%, obtém-se resultado similar ao obtido com o inibidor de transcriptase reversa, como mostra o gráfico abaixo (Figura 6): Figura 6: Tratamento usando inibidor de protease com 50% de eficiência. Por fim, simulando com o modelo (5) o uso simultâneo dos dois tipos de inibidores obtém-se a queda da carga viral a um nível indetectável, supondo uma eficiência de 35% para ambos os inibidores, conforme mostra a figura 7. Figura 7: Tratamento baseado no uso simultâneo dos dois tipos de inibidores. Note que, para os tratamentos que usam uma única droga, mesmo supondo uma eficiência de 50% para os inibidores, os modelos (3) e (4) indicam a permanência do vírus no organismo em níveis detectáveis. Por outro lado, segundo o modelo (5), utilizando-se os dois inibidores simultaneamente, bastaria que ambos tivessem uma eficiência de 35% para que a carga viral fosse reduzida a níveis indetectáveis. Esses resultados sugerem que o uso simultâneo dos inibidores é mais bem sucedido contra o HIV se comparado a monoterapia, o que de fato acontece. Recentemente inibidores de protease tem sido usados com dois tipos diferentes de inibidores de transcriptase reversa, sendo que na maioria dos pacientes submetidos a esse tratamento, a quantidade de vírus no plasma diminuiu e manteve-se indetectável por vários anos (Abbas, 2005). Apesar do sucesso da droga-terapia na redução da carga viral e recuperação do sistema imunológico, a longo prazo, o tratamento contínuo acaba por induzir o surgi-

mento de vírus resistentes aos medicamentos, além de desencadear graves efeitos colaterais (Rosenberg, Davidian e Banks, 2006). Diante disso, a Interrupção Estruturada do Tratamento surge como uma alternativa para minimizar os efeitos adversos da drogaterapia. Ela consiste na alternância entre períodos de uso das drogas e períodos de suspensão do tratamento. Para investigar a viabilidade dessa estratégia de tratamento, por meio do modelo (5) simulamos o uso da droga-terapia combinada com inibidores com 35% de eficiência por um período de 300 dias. Neste momento suspendemos o tratamento, isto é, considerando os inibidores com eficiência de 0%. 5000 4500 T V populações 4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 0 100 200 300 400 500 600 700 800 tempo (dias) Figura 8: Simulação com Interrupção Estruturada do Tratamento. Note na Figura 8 que mesmo após a interrupção do tratamento, a carga viral ainda se manteve indetectável por um período de quase 100 dias. Esse fato abre a possibilidade do controle da carga viral sem a necessidade do tratamento contínuo. Simulamos, então, a Interrupção estruturada do tratamento ainda com o modelo (5) considerando a seguinte sequência: 1. Tratamento por 300 dias; 2. Suspensão por 100 dias; 3. Tratamento por 500 dias; 4. Suspensão por 136 dias; 5. Tratamento por 500 dias; 6. Suspensão por 134 dias. No resultado observado na figura 9, verifica-se nesse caso o controle da carga viral, a qual se mantém indetectável, exceto por breves picos, nunca superiores a 500 cópias por ml 3, os quais são interrompidos justamente pela retomada do tratamento.

1500 T V 1000 populações 500 0 0 500 1000 1500 2000 2500 tempo (dias) Figura 9: Simulação com variação entre o tratamento e a Interrupção Estruturada do Tratamento. 6. Conclusão Neste trabalho, com base em alguns fatos sobre o sistema imunológico e o vírus da imunodeficiência humana - HIV, construímos modelos matemáticos que descrevem o curso natural da doença do HIV e o impacto da droga-terapia. Utilizando esses modelos, inicialmente simulamos a monoterapia com os inibidores de transcriptase reversa e protease, bem como o uso simultâneo dessas drogas. Concluímos que o uso simultâneo dos dois tipos de inibidores é uma melhor estratégia contra o HIV se comparado a monoterapia, resultado este que está de acordo com o que é observado nos pacientes submetidos a esses dois tipos de tratamento. Por outro lado, simulamos a Interrupção Estruturada do Tratamento, e constatamos a viabilidade dessa estratégia para manutenção da carga viral a níveis baixos sem a necessidade do tratamento contínuo. Esses resultados são exemplos da utilidade dos modelos matemáticos na compreensão da dinâmica do HIV, e no desenvolvimento de regimes de tratamentos mais eficazes contra esse vírus. Referências Abbas, A. K., Lichtman, A. H. Imunologia Celular e Molecular. 2005. Rio de Janeiro. Tradução de Claudia Reali. Guedes, C. de L. C. Simulação Numérica de Modelos determinísticos da Dinâmica do HIV. Instituto de Matemática e Estatística da USP. 2002. Dissertação. Perelson, A. S., Kirschner, D. E.,De Boer, R. Dynamics of HIV infection of CD4+ T cells. 1993. Math. Biosci. Savi, M. A., Souza, T. R. A. Dinâmica da interação entre o sistema imunológico e o vírus HIV. Revista Militar de Ciencia e Tecnologia, XVI, n. 3, pg 15-26. 1999. Belarmino da Silva, L. Modelos Determinísticos da Dinâmica do HIV. Instituto de Matemática e Estatística da USP. 2005. Monografia. Teodoro, V. D. Modellus. http://modellus.fct.unl.pt/. Consultado na Internet em: 2008. Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa.