ACORDO DE PESCA COMO FONTE DE SEGURANÇA ALIMENTAR NA VÁRZEA AMAZÔNICA

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Transcrição:

ACORDO DE PESCA COMO FONTE DE SEGURANÇA ALIMENTAR NA VÁRZEA AMAZÔNICA João D Anuzio Menezes de Azevedo Filho, jdazevedogeo@hotmail.com Alem Silvia Marinho dos Santos, alemsilvia@gmail.com Vilsélia de Souza Pires Maria de Nazaré Ribeiro Rodrigues Universidade do Estado do Amazonas, Amazonas, Brasil RESUMO A atividade da pesca, culturalmente, faz parte do cotidiano de milhares de famílias das regiões de várzea amazônica, que tem no peixe principal fonte de sustento. Entretanto, o crescimento dos centros urbanos impulsionou a demanda pelo pescado contribuindo para a sobre-exploração de espécies consideradas de maior valor comercial. Outras facilidades ampliaram a exploração pesqueira como a introdução de motores a diesel e redes de náilon. (PROVÁRZEA, 2007). O manejo de pesca comunitária foi uma das estratégias adotadas pelas comunidades amazônicas como forma de inibir as ações predatórias e conservar os recursos ictiofaunísticos. No Município de Parintins, Amazonas, Brasil, desde a década de 1970, os acordos de pesca eram firmados pelas comunidades usuárias de determinados lagos (BOCARDE; LIMA, 2008). O complexo Macuricanã, um extenso complexo de lagos de várzea do médio Amazonas, é o principal atributo biótico e abiótico da Área de Proteção Ambiental Nhamundá, única Unidade de Conservação devidamente regulamentada do Município de Parintins. Criada desde 1990, a APA, não dispõe de um plano de manejo, o que dificulta o uso regulamentado dos recursos ambientais. Diante da ausência de um plano gestor, o Instituto Brasileiro dos Recursos Renováveis IBAMA, na época, então gestor das Unidades de Conservação no país, através do Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea - PRÓ-VÁRZEA, tomou a iniciativa de criar um Acordo de Pesca na região lacustre, sob a Instrução Normativa nº 113, em 23 de agosto de 2006. O projeto teve a adesão de líderes comunitários e pescadores de sete das trinta e três comunidades existentes na Unidade de Conservação e, para a efetividade da co-gestão dos recursos pesqueiros os lagos foram subdivididos em lagos de procriação, manutenção e comercialização. Como forma de melhor gerir os recursos pesqueiros na região lacustre, as lideranças das sete comunidades se uniram e fundaram o Grupo de Proteção Ambiental do Complexo Macuricanã GRUPACOM, em setembro de 2007, objetivando desenvolver ações articuladas de caráter socioambiental em apoio ao cumprimento das normas do Acordo de Pesca e à proteção dos recursos naturais do Complexo Macuricanã. Trata-se de

iniciativas de gestão participativa, onde as próprias comunidades da várzea se organizam motivadas pela possibilidade de extinção dos recursos ambientais, importantes à manutenção do seu modo de vida, constantemente ameaçados pelo desenvolvimento da economia regional através de atividades extrativistas tradicionais, como a exploração de madeira, criação de gado e da intensificação da pesca comercial nas comunidades de várzea. Palavras-Chaves: Amazônia, comunidade, alimentação, sustentabilidade INTRODUÇÃO O tema em questão deve ser sempre motivo de discussão. Pois ao falar de segurança alimentar constatamos que em pleno século XXI temos indivíduos com dificuldade à disponibilidade e ao acesso a determinados alimentos ou até mesmo o mínimo para ter dignidade na obtenção do mesmo, dependendo da própria sorte para sua sobrevivência, e o município de Parintins não foge dessa problemática com uma dependência para supri o abastecimento local de certos alimentos, principalmente o peixe, um item cultural da culinária regional. Na realidade sabe-se do crescimento populacional inevitável e por esse motivo e demanda desse alimento, existe uma preocupação sobre a produção pesqueira e o difícil acesso ao seu consumo por parte da população em determinadas partes do ano quando o produto fica escasso e o preço da mesma sobe demasiadamente e o seu abastecimento na cidade fica na dependência da produção de outros locais, o consumo de outros produtos, como o frango e carne bovina, causando uma mudança nos preços e um sentimento de inexistência de Soberania Alimentar pelos residentes no município de Parintins, estado do Amazonas, no Brasil. A APA Nhamundá Uma Área de Proteção Ambiental é uma categoria de Unidade de Conservação de uso sustentável caracterizada por área extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos naturais ou culturais importantes para a qualidade de vida das populações humanas, cujos objetivos são: proteger a diversidade biológica, disciplinar a ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso de recursos naturais; visitação permitida; terras públicas ou privadas (MMA, 2002). A Área de Proteção Ambiental Nhamundá, criada através do Decreto nº. 12.836, de 09 de março do ano de 1990, com uma área de 195.900 hectares, localiza-se no extremo leste do Estado do Amazonas, em um espaço físico ao norte do município de Parintins e sul do município de

Nhamundá. Contém dois ecossistemas, sendo estes, de terra firme, quinze por cento (15%), e várzea, oitenta e cinco por cento (85%). Figura 01: Mapa da Área de Proteção Ambiental do Nhamundá Fonte: Secretária de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, 2008. A terra firme é uma ilha de aproximadamente 30.000 hectares onde estão localizadas 8 comunidades, destacando-se na paisagem pela forte presença de Castanheiras, quintais com laranjeiras e criação de animais de grande e pequeno porte. A Várzea, o mais rico ecossistema da bacia amazônica, predomina na referida APA; sua paisagem se sobressai sob duas formas: uma representada pelas restingas, igarapés, furos e lagos, onde estão localizadas as 25 comunidades e moradores isolados e a outra, formada pela presença de áreas inundadas, mesmo no período da estiagem, chamada de lagos e baixo, rico em espécies aquáticas formando o conhecido complexo Macuricanã (SDS, 2008). As 1.400 famílias, que juntas totalizam cerca de 7.000 pessoas, possuem como abrigo 33 comunidades, que através do Plano de Proteção da referida APA estão agrupadas em 6 setores da seguinte forma: Setor Setor 1 Comunidades Vila Bentes Santa Rita do Igarapé do Boto São Sebastião do Boto

Setor 2 Setor 3 São José do Paraná do Espírito Santo de Cima Paraná do Espírito Santo do Meio Paraná do Espírito de Baixo Imaculada Conceição do Itaboraí de Cima Menino Deus do Itaboraí do Meio São Vicente do Itaboraí Boa Vista do Itaboraí São José do Itaboraí de Baixo Saude da Boca do Jacaré Santa Ana do Igarapé do Jacaré São Raimundo do Araçá N. Sra. Aparecida do ANABU N. Sra. de Nazaré Caldeirão Cristo Rei do Caldeirão Capitão Setor 4 Setor 5 Setor 6 Castanhal Boa Vista / Fazenda Grande Bom Fim Arnacaru São Pedro Sapucaia conceição Laguinho Cutipana Merajuba Araraua Urucuri Aminaru Aminaruaçu Carana Cúria Tabela 01: Comunidades agrupadas em Setores Fonte: Secretária de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, 2008. Quanto aos aspectos naturais da APA, está localizada sobre a planície fluviolacustre formada no encontro dos rios Nhamundá e Amazonas. Sua vegetação é predominante de Floresta Ombrófila densa, fortemente influenciada pelo regime de inundação dos rios. As espécies da flora local apresentam adaptações que permitem suportar meses de alagamento e/ou submersão. Destaca-se ainda um conjunto de lagos de rara beleza denominado Complexo do Macuricanã. As primeiras comunidades de Parintins a construírem de modo participativo e ter instituído pelo IBAMA o Acordo de Pesca foram: Brasília, Catespera, Divino Espírito Santo, São Francisco, São José, Santa Rita do Boto e São Sebastião do Boto, com o apoio da Colônia de Pescadores Z-17, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Escritório Regional do IBAMA em Parintins e ProVárzea/IBAMA. Os lagos mapeados pelo Provázea e IBAMA foram 94, sendo que 45 estão destinados à manutenção (subsistência das famílias, com a venda do excedente dentro das próprias comunidades); 22 para procriação, destinados unicamente à reprodução das espécies, onde a pesca fica proibida por tempo indeterminado; e 27 são comerciais, destinados à pesca de subsistência e à pesca comercial. A biodiversidade da APA é de grande relevância para a conservação da biota aquática da Amazônia. Seus variados lagos são importantes abrigos para aves como o socó-boi e o arapapá; mamíferos aquáticos como o peixe-boi, ameaçado de extinção e várias espécies de quelônios A infra-estrutura segundo a SDS (2008) consiste das seguintes bases de apoio: - Uma pequena Base flutuante, pertencente ao GRUPACOM (Grupo de Proteção Ambiental do Complexo Macuricanã), situada na entrada do Igarapé do Bom Sucesso que serve de apoio para os

membros do grupo em suas atividades voluntárias de monitoramento do acordo de pesca do complexo Macuricanã município de Parintins. - Base de apoio que foi reformada pela Prefeitura de Nhamundá, situada no entroncamento dos Igarapés Sapucaia, Jacaré, Macuricanã e Capitão, ponto estratégico para o controle e fiscalização de parte da APA pertencente ao Município de Nhamundá. - Escritório do CEUC em fase de implantação na sede do município de Parintins, anexo ao Escritório do IDAM. Esta estrutura vem sendo utilizada na implementação e estruturação da APA Nhamundá, no monitoramento do acordo de pesca, do manejo do Pirarucu e apóio a gestão comunitária. Os recursos para estas bases são oriundos de parcerias informais com o Escritório regional de Parintins do IBAMA, Prefeitura de Nhamundá, GRUPACOM e CEUC/SDS. O acesso à área pode ser feito por via aérea em vôo comercial ou fretado, no trecho Manaus- Parintins, ou por via fluvial nos trechos Manaus-Nhamundá e Manaus-Parintins. De Parintins a Nhamundá, o trecho é percorrido de barco ou voadeira. As principais atividades econômicas são a agricultura e a pesca. Peixes de maior valor comercial, como o tambaqui, jaraqui, curimatá, pacu, matrinchã e pirapitinga são abundantes na área. Possui potencial para desenvolver especialmente a silvicultura e a agricultura. A área é aberta à exploração sustentável das florestas nativas, à visitação turística e à pesquisa científica (SDS, 2008). A PESCA E O ACORDO DE PESCA A atividade de pesca faz parte do dia-a-dia de muitas famílias na Região Amazônica. Alguns pescam para alimentação e outros profissionalmente, utilizando o produto para comercialização. Da produção pesqueira comercializada no Brasil, ¼ é oriunda da região Amazônica. São aproximadamente 20 grandes frigoríficos e diversos portos de desembarque. A maioria é vendida para outros países, mas grande parte do pescado é vendida no Brasil (SANTOS, 2005). Os recursos pesqueiros representam a síntese das interações entre os diversos componentes dos ecossistemas amazônicos, além de serem à base da dieta e principal fonte de renda da população ribeirinha no Amazonas, proporcionando mais de 70 mil empregos diretos na região. O consumo do pescado é tanto que só em Manaus é desembarcada cerca de 30 mil toneladas por ano (RUFFINO, 2006). Em consequência da grande demanda a atividade pesqueira se desenvolveu muito, porém, gerou conflitos de interesses entre os pescadores profissionais e os moradores dos lagos, uma vez que os pescadores buscam capturar a maior quantidade de peixes utilizando métodos ilegais, prejudicando os estoques pesqueiros de tal maneira que algumas espécies começaram a ficar mais

escassas, enquanto que os moradores tentam garantir o abastecimento diário de sustento das famílias. Este processo está provocando mudanças ao longo dos anos, como pode ser observada com a piramutaba (Brachyplatytoma vaillantii), a espécie tem diminuído nos desembarques nos últimos anos (SANTOS, 2005). O aumento da exploração pesqueira resultou em sobrepesca de crescimento, tanto das espécies que abastecem o mercado industrial como do mercado regional. Espécies antes exploradas como o pirarucu (Arapaima gigas), o tambaqui (Colossoma cacropomum), a piramutaba (B. vaillantii), a dourada (B. rousseauxii)e o surubim (Pseudoplatystoma tigrinum), mostraram sinais de sobrepesca de crescimento (ALMEIDA, 2006). O ordenamento pesqueiro é uma das ações do Poder Público como medida para o uso sustentado dos recursos pesqueiro, que através de Leis, decretos, portarias instrumentos normativos e ações, orientam a sociedade como conservar os estoques pesqueiros, explorando-os dentro de critérios da racionalidade econômica, social e ecológica. No entanto os problemas não são resolvidos apenas com soluções técnicas, é preciso integrar as diferentes administrações setoriais em uma gestão sistêmica. Dentre os mecanismos de controle para o ordenamento pesqueiro vigentes na Amazônia, estão estabelecidas o limite ao acesso livre observando o tamanho mínimo para captura, o período de defeso para determinadas espécies, a arte e os métodos de pesca, os registros de licenças para pescador amador e pescador profissional brasileiro e estrangeiro e a inscrição das embarcações pesqueiras no Cadastro Nacional (RUFINO, 2005). As comunidades ribeirinhas têm se organizado para proteger seus lagos da pressão da pesca comercial, trabalhando uma nova forma de manejar seus recursos pesqueiros. O elemento central dessa forma de manejo é o Acordo de Pesca, onde uma ou mais comunidades delimita um conjunto de lagos de várzea visando atenuar a progressiva devastação, para assegurar a manutenção da produtividade através de regras para a pesca. (CASTRO e McGRATH, 2001). O acordo de pesca é uma parceria entre o Estado, Município e comunidades, chamada de co-gestão que são encaminhados ao Ibama para regulamentação através de Instruções Normativas, ordenando a pesca nas localidades indicadas (RUFINO, 1999). Com a criação do Programa de Manejo dos Recursos Pesqueiros (PróVarzea/Ibama) pelo PPG-7, estão sendo integradas numa estrutura institucional regional para a gestão participativa dos recursos pesqueiros. Apesar do apoio para esse modelo, a experiência dos acordos de pesca é muito limitada, precisando ainda ser avaliado seu potencial como base desse novo sistema de gestão (IBAMA 2005). Segundo Castro e McGrath, (2001) para que um manejo comunitário seja avaliado dentro de uma perspectiva sócio-ambiental, as características do ecossistema, do grupo de usuários

e do conjunto de regras definindo formas de uso do recurso, devem ser analisadas para relacionar com as diferentes dimensões de sustentabilidade (Figura 1). Figura 2: Fatores que influenciam nos sistemas de manejo comunitário e relações entre dimensões de sustentabilidade. Fonte: Castro e McGrath, 2001. A falta de fiscalização pelos órgãos do governo, aliada à falta de adequação da legislação com o sistema ecológico e social da várzea Amazônica, têm possibilitado o crescimento de iniciativas locais de manejo para suprir a demanda de controle de uso sentida pela população local. Neste sentido, os acordos de pesca dominam o sistema de regras de pesca, que podem ser divididas em quatro tipos: regras de acesso, de uso, de punição e de fiscalização (CASTRO & McGRATH, 2001). Com o Decreto 5.583 de 16 de novembro de 2005, que autoriza o IBAMA a estabelecer normas para a gestão do uso sustentável dos recursos pesqueiros de que trata o 6º do art. 27 da Lei nº. 10.683, foi estabelecido então critérios e procedimentos para a regulamentação do acordo de pesca, dessa forma, regiões como a do Macuricanã onde já era estabelecido o defeso, puderam ser beneficiadas com o Acordo de Pesca proporcionando a preservação e a conservação de sua ictiofauna exótica (BRASIL, 2005). Assim, comunitários, ribeirinhos e representantes das comunidades de Santa Rita do Boto, São Sebastião do Boto, São José do Paraná do Espírito Santo de Cima, Divino Espírito Santo do Paraná do Espírito Santo do Meio, São Francisco do Paraná do Espírito Santo de Baixo, Brasília e Catespera, juntamente com a Colônia de Pescadores Z-17, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Parintins, Escritório Regional do IBAMA de Parintins, Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea - ProVárzea/Ibama e Núcleo de Pesca da Superintendência do IBAMA no Estado do

Amazonas estabeleceram o Acordo de Pesca no complexo lacustre do Macuricanã para a conservação e preservação de parte da APA Nhamundá (BRASIL, 2006), e são os pioneiros em Parintins/AM a construir de forma participativa o Acordo de Pesca para nortear o manejo dos recursos naturais aquáticos na região (IBAMA, 2005). Foram mapeados 94 lagos (fig. 2), sendo que 45 destinados à manutenção, ou seja, à subsistência das famílias, 22 destinados à procriação onde a pesca é proibida por tempo indeterminado; e 27 são comerciais, destinados à pesca de subsistência e à pesca comercial. (IBAMA, 2005). Figura 3: Mapa da APA Nhamundá no período de seca 2002/2003, identificando os lagos de procriação, manutenção e comerciais no município de Parintins/AM/BRASIL. A região do Macuricanã localiza-se numa região de várzea que é um dos ecossistemas rico em termos de produtividade biológica, biodiversidade e recursos naturais. Seus rios e lagos abrigam pelo menos 25% das espécies de peixes de água doce do mundo. Estima-se que exista cerca de 3 mil tipos de peixes nessas áreas. Possui áreas úmidas periodicamente inundadas pelo transbordamento lateral dos rios e lagos, promovendo interações entre os ecossistemas aquáticos e terrestres, solos férteis, em função do sedimento trazido e depositado pelo pulso de inundação (SANTOS, 2005). A pesca é a principal atividade econômica da várzea. A produção anual de pescado é de aproximadamente 100 mil toneladas/ano. A atividade proporciona cerca de 70 mil empregos diretos

na região. Mais que isso, o peixe é a principal fonte de proteína das populações ribeirinhas (IBAMA, 2005). Além da pesca a exploração madeireira tem uma participação expressiva na economia da várzea, principalmente no estuário do Amazonas. A produção anual de madeira em tora gira em torno de 3 milhões de metros cúbicos ou 10% da produção da Amazônia legal. Já as atividades de extrativismo florestal não madeireiro, a agricultura de subsistência e o eco-turismo são atividades complementares na economia da várzea. Já a pecuária é uma atividade em expansão na várzea com produção anual de 22 mil toneladas (IBAMA, 2005). Castro & McGrath (2001) caracterizam os principais atores da várzea: os ribeirinhos ou pescadores artesanais moram em comunidades com uma organização básica política, religiosa, esportiva e infra-estruturas, compostas por pessoas com algum grau de parentesco; os fazendeiros são criadores de gado, que ocupam a maior parte da área de várzea e utilizam principalmente os campos naturais durante o verão, mantém-se normalmente à margem do acordo ou apóiam contribuindo para o controle mais efetivo; os pescadores comerciais consistem de dois grupos distintos: pescadores capitalizados que viajam grandes distâncias com barcos geleiras para pescar em lagos de várzea e pescadores urbanos, pouco capitalizados que se especializam na pesca como atividade econômica principal. A atividade de ambos é diretamente afetada pelos acordos de pesca. Para ajudar nos serviços de fiscalização da pesca e também como educador ambiental, o Ibama também conta com a ajuda do Agente Ambiental Voluntário AAV. São pessoas preparadas e credenciadas pelo IBAMA, com objetivo de orientar a comunidade sobre a prática de proteção, preservação e conservação dos recursos naturais. É ele quem estimula, apóia e realiza processos educacionais voltados para o meio ambiente, contribui para o monitoramento e avaliação das condições ambientais, atua como elo entre o IBAMA e a comunidade (RUFINO, 2006). A produção pesqueira no desembarque do Estado do Amazonas em 2002 foi de aproximadamente 24 toneladas, o que representa 60% do total dos municípios ao longo dos rios Amazonas e Solimões. Manaus é o principal porto de desembarque, seguido de Parintins e Manacapuru. As principais espécies desembarcadas no Amazonas são os jaraquis, pacu, curimatã e sardinha. Em Parintins a produção pesqueira foi de 2.444,05 toneladas no ano de 2002, representando 10,13%. Houve o registro de 30 espécies no desembarque, onde as cinco mais capturadas foram o curimatã, jaraqui, tambaqui, pacu e tucunaré, sendo a maior parte oriunda dos lagos da região (RUFINO et al., 2005). Já em 2003, o desembarque do Estado do Amazonas foi de aproximadamente 37 mil toneladas, representando 72% do total de municípios. Manaus é o principal porto de desembarque, responsável por 68,8% da produção, seguido de Tabatinga com 8,1%, Manacapuru com 6,6% e Parintins com 4,8%. Em Parintins a produção pesqueira foi de 1.781,6 toneladas, portanto, inferior ao ano

anterior. Houve o registro de 33 espécies no desembarque, onde as quatro mais capturadas foram o jaraqui, curimatã, tambaqui e aruanã, onde 16,4% oriundo de áreas alagadas (RUFINO et al., 2006). CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebe-se que o estabelecimento do Acordo de Pesca em região de lagos é um importante instrumento, não só para a proteção do pescado em todo o seu processo de desenvolvimento biológico, mas também, e principalmente, dá condições para os moradores de sua proximidade a devida segurança quanto a manutenção da alimentação por um produto essencial que é fundamental para essas populações. O Acordo de Pesca na APA do Nhamundá, possibilita a proteção desse importante recurso, e viabiliza sua comercialização e despesca para peixes como o pirarucu, que só pode ser comercializado quando oriundo de áreas de manejo e autorizada pelos órgãos ambientais. REFERÊNCIAS ALMEIDA, O. T. Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea/Ibama: A indústria pesqueira na Amazônia Manaus: Ibama/ Ibama/Provárzea. 2006. BRASIL. Decreto nº 5.583, de 16 de novembro de 2005. Estabelece ao IBAMA normas para a gestão do uso sustentável dos recursos pesqueiros In: Diário Oficial da União. Brasília, 17 de novembro de 2005. BOCARDE, Flávio; LIMA, Natália. Construindo Acordos de Pesca: experiências de gestão participativa em Parintins, Amazonas. Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea- PROVÁRZEA/IBAMA, Brasília: Ibama, 2008. CASTRO, F.; McGRATH, D. Biodiversidade, pesquisa e desenvolvimento na Amazônia: O manejo comunitário de lagos na Amazônia. In: Parcerias estratégicas - número 12. Setembro 2001. IBAMA, Instrução Normativa n. 113 de 23 de agosto de 2006. Dispõe sobre o Acordo de Pesca do Complexo Macuricanã. Parintins, setembro de 2006.. Relatório do processo de elaboração da proposta de acordo de pesca do complexo de lagos Macuricanã. Parintins-Am. IBAMA/MMA. Parintins-Am, 2005. MACGRATH, D. G.; CARDOSO, A.; SÁ, E. P. Pesca comunitária e co-manejo na várzea do baixo Amazonas do Brasil. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON THE MANAGEMENT OF LARGERIVERS FOR FISHERIES: SUSTAINING LIVELIHOODS ANDBIODIVERSITY IN THE NEW MILLENNIUM. Phonom Penh, Cambodia, 2002. MMA Mistério do Meio Ambiente. Biodiversidade e Florestas do Brasil. Brasília: MMA/Secretaria de Biodiversidade e Florestas, 2002. Disponível em: <http://www.amazonia.org.br> Acesso em: 18 de set. 2010.

PROVARZEA. Projeto de manejo dos recursos naturais da várzea. O setor pesqueiro na Amazônia: situação atual e tendências. Manaus: IBAMA/PROVARZEA, 2007. RUFFINO, M. L. Ficheries development in the lower Amazon river. In: PADOCH, C.; AYRES, J. M.; PINEDO-VASQUEZ, M.; HENDERSON, A. (eds.). Várzea: divesity, development and conservation of Amazonia whitewater floodplains. The New York Botanical Garden Press. New York, 1999. ; SILVA, E. C. S.; SILVA, C. O.; BARTHEM, R. B.; SILVA, V. B.; ESTUPINAN, G.; PINTO, W. Estatística Pesqueira do Amazonas e Pará - 2003. Ibama/ProVárzea. Manaus, 2006. (Coord.); LOPES JUNIOR, U.; SOARES, E.C.; SILVA, C.O.; BERTHEM, R.B.; BATISTA, V.; ESTUPINAN, G.; ISAAC, V. J.; FONSECA, S.; PINTO, W. Estatística Pesqueira do Amazonas e Pará 2002. Ibama/ProVarzea. Manaus, 2005. SANTOS, M. T. Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea/Ibama: A pesca na região Amazônica: debates para uma possível solução. Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea/Ibama. Ibama. Brasília, 2005. SDS. Plano de Proteção: Área de Proteção Ambiental Nhamundá. Secretária de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, 2008.