1 O TURISMO SEXUAL INFANTO-JUVENIL: UM ESTUDO DA REALIDADE DA PRAIA DE PONTA NEGRA-NATAL/RN 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS EDUARDO FRANCO CORREIA CRUZ UFRN CHRISTIANNE MEDEIROS CAVALCANTE UFRN A temática trazida a lume reflete uma triste constatação de que a violência, contra a criança e o adolescente, transformou-se em algo comum, corriqueiro e que de certo modo passa despercebido pelas sociedades, trazendo um sentimento de repugnância e descontentamento pela realidade vivida por inúmeras pessoas em fase de formação, principalmente, quando se trata da modalidade mais aviltante de exploração do homem pelo homem, no caso, a exploração sexual contra crianças e adolescentes na sua modalidade turismo sexual. A violência na atualidade é uma das maiores preocupações no contexto internacional e nacional, deste modo, afetando a sociedade, grupos ou famílias e até o indivíduo de forma isolada. Fazendo parte da chamada questão social, ela revela formas de opressão e dominação ensejadoras de conflitos. Assim, deve ser analisada como um fenômeno polissêmico e controverso. A violência reside em tudo que pode imprimir sofrimento e destruição ao corpo do homem, bem como o que pode degradar ou causar transtornos à sua integridade psíquica (MORAIS, 1998), podendo ser aplicada por indivíduos contra indivíduos, manifestando-se de várias maneiras, demonstrando formas próprias de relações pessoais, sociais, políticas ou culturais. Um dos tipos de violência desta natureza é a sexual, que incide prioritariamente sobre as mulheres e crianças. Historicamente, percebe-se que essa problemática pela qual passa a criança e adolescente se desenvolveu e modificou de acordo com a dialética social que foi sendo traçada e delineada a partir das mudanças de posturas tomadas no decorrer dos tempos, seja evoluindo com pensamentos e ações, seja regredindo com ações regradas por intransigências. Contudo, o marco destas mudanças foi o advento da Revolução Francesa, onde surgiu a Declaração dos Direitos Humanos. Sob o prisma da evolução dos direitos, se observa que a situação das pessoas em fase de formação tomou caminhos bem diferenciados com o passar dos séculos e que muitos comportamentos estão intimamente relacionados com a questão política e cultural de uma determinada área. No Brasil, a partir do século XX foi evidenciando-se uma sensível melhoria na legislação ligada à criança em situação de exploração sexual. Apesar da sociedade como um todo não tenha acompanhado a evolução legal, principalmente, quando se trata das formas de exploração sexual infanto-juvenil, através do turismo sexual. Salientando que o turismo sexual é uma forma de exploração de crianças e adolescentes por visitantes, em geral, procedentes de países desenvolvidos ou mesmo turistas do próprio país, envolvendo a cumplicidade, por ação direta ou omissão do poder público, agências de viagem e guias turísticos, hotéis, bares, lanchonetes, restaurantes e barracas de praia, garçons e porteiros, postos de gasolina, caminhoneiros e taxistas, prostíbulos e casas de massagem, além da tradicional cafetinagem (Banco de Dados - CECRIA, 1996). Não se pode reduzir, contudo, a exploração sexual ao sexo-turismo que estigmatiza o estrangeiro como único agressor de crianças e adolescentes, colocando o brasileiro de fora da questão, quando sabemos que nem todos os turistas estrangeiros praticam tal atividade.
2 É preciso, ainda, situar a atividade do turismo sexual. Por exemplo, o turismo sexual infanto-juvenil, apesar de ser sempre perverso, é vivenciado diferentemente segundo a cultura do agressor e a do (a) crianças/adolescente explorado (a). Além dos malefícios que a modalidade turismo sexual causa às pessoas, há o aspecto da imagem do Brasil no exterior, onde é crescente a divulgação de que o país seja um paraíso do sexo. Inserida num contexto histórico-social e com profundas raízes culturais, o turismo sexual, uma das facetas do fenômeno violência sexual, atinge todas as faixas etárias, classes sociais e pessoas de ambos os sexos. Conforme se observa, ela ocorre universalmente, estimando-se que produza cerca de 12 milhões de vítimas mulheres anualmente, atingindo desde recém-natos até idosos (BEEBE, 1998). Cabe ressaltar que a própria preocupação em encarar o turismo como um segmento do conhecimento, tornou-se efetivo no Brasil na década de 1970, ao considerar-se como uma das chaves que abririam portas do desenvolvimento econômico, através da crescente movimentação e circulação de capital, cuja importância era reconhecida em todo o mundo (REJOWSKI, 2003). Com o passar dos tempos, se considerou que a atividade turística teve a sua impulsão trazendo consigo, muitas vezes, decorrente da falta de estruturação das ações, sérias mazelas, que denotam a total falta de interesse em se manter um turismo sustentável e com responsabilidade social. A própria representação social do turismo sexual, se confunde muitas vezes pela forma de divulgação da localidade turística, incidindo no imaginário daquele que detém a informação, de que o local turístico é receptivo a prática criminosa de turismo sexual infantojuvenil, talvez não tão abertamente, contudo, de forma sub-reptícia induz àquele a pensar que chegando ao seu destino, encontrará a obtenção de prazer. E corroborando com esse pensamento Paiva (2005, p.36): O turismo como uma das representações do lazer, recebeu forte influência do conteúdo pesado, perdurador da segmentação dos homens entre classes sociais e das representações dos interesses da classe hegemônica, refletida em estereótipos que tentam manter uma ordem. Muitos destes estereótipos são fáceis de identificar na publicidade turística. Esta grande expansão turística não deve ser vista somente como aumento de possibilidades financeiras e de desenvolvimento, porém, deve ser vista como catalisador de problemas de ordem estrutural, multifatorial referente à cidade. Dentre os problemas estruturais e fatoriais, verifica-se que o turismo sexual vem se tornando latente no cenário turístico natalense e principalmente quando, neste terrível cenário, encontram-se crianças e adolescentes. A face do turismo sexual infanto-juvenil se traduz em uma prática muito difundida, sob o aspecto do neocolonialismo que impera na realidade turística de países em desenvolvimento, ocasionando um aumento nas potencialidades de expansão de receitas, contrariamente as exportações tradicionais. O efeito multiplicador do neocolonialismo é a geração de empregos precarizados, bem como a curta maturação dos investimentos turísticos, contribuem para as mazelas causadas pela prática indiscriminada do turismo, não se considerando o aspecto de desenvolvimento regional, o que ocasiona muitas vezes o aumento de custos de vida, problemáticas atinentes a espaços urbanos, degradação do meio ambiente e a prostituição infanto-juvenil. Assim, no dizer de Paiva (2005, p. 47):
3 O neocolonialismo pode ser constatado não somente quando é confundido com hospitalidade, mas nas ações de empresários e de governos, que procuram captar investidores em empreendimentos turísticos. [...]. Outros efeitos danosos acentuados pelo turismo são a prostituição, a violência e a saúde pública. A grande questão envolvendo a prática do turismo sexual infanto-juvenil é a vinculação que é dada ao corpo de pessoas em fase de desenvolvimento, para tanto se deve considerar que o corpo é um vetor semântico pelo qual se evidencia a relação com o mundo, através de atividades que são construídas, expressões de sentimentalidades, jogos sutis de sedução, de acordo com Le Breton (2007). É amplamente estudada a sociologia do corpo, porém é importante citar o valor simbólico dado ao corpo infanto-juvenil, que no conceito do violador exerce um considerável desejo. Ao considerar a sexualidade inerente a esta fase de crescimento como um símbolo exercendo núcleo de um sistema cultural, onde se forma pensamentos, idéias e outras maneiras de representar a realidade. Nesse contexto, analisa-se que a expressão corporal é algo modulável, sendo vivida de acordo com o estilo particular de cada indivíduo, o turismo sexual infanto-juvenil tende a moldar a corporalidade de acordo com o contexto social vivido, fazendo uma mudança de posturas por parte de crianças e adolescentes, acarretando uma artificialidade nos seus gestos e sensações, conforme depreende Le Breton (2007, p.66): A expressão corporal é socialmente modulável, mesmo sendo vivida de acordo com o estilo particular de cada indivíduo. Os outros contribuem para modular os contornos de seu universo e a dar ao corpo o relevo social que necessita, oferecem a possibilidade de construir-se inteiramente como ator do grupo de pertencimento. No interior de uma mesma comunidade social, todas as manifestações corporais do ator são virtualmente significantes aos olhos dos parceiros. Elas o têm sentido quando relacionadas ao conjunto de dados da simbologia própria do grupo social. Não há nada de natural no gesto e na sensação. Essa falta de autenticidade nas expressões do corpo nos conduz a situação de vulnerabilidade sócio-afetiva presente nas atividades desenvolvidas pelo turismo sexual infanto-juvenil. Verifica através dos dados do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Criança e Adolescentes-CECRIA que parte considerável das crianças e adolescentes envolvidas no turismo sexual tem histórico de violência sexual intra-familiar em certa fase de seu desenvolvimento, não somente corpóreo, mas psíquico, tiveram os seus corpos e mentes violados, e posteriormente, muitas vezes por uma necessidade econômica, vivenciam a prática do turismo sexual. A busca por uma nova realidade, muitas vezes induz a se buscar através da prostituição uma mudança de padrões, em que muitas vezes é fomentada pela própria sociedade. Essa mudança não se diz somente a questão de ascensão de padrão econômico, mas acima de tudo de valores que são inerentes ao adulto em que o conceito de liberdade é muitas vezes difundido e estimulado entre as crianças e adolescentes inseridas no turismo sexual, conforme assevera Baitello (2003): O ser humano jovem é chamado cada vez mais cedo ao acesso irrestrito dos padrões informacionais e comportamentais adultos. A criança e o adolescente
4 são irrestrita e irrefletidamente vistos como "consumidores" e submetidos a um arsenal de imagens educacionais, informacionais, comportamentais, publicitárias e comerciais sem precedentes na história. Os mais recentes meios eletrônicos franquearam aos adolescentes e crianças as portas de acesso a mundos de inimaginável complexidade e incalculável risco, a conteúdos de sedução inconseqüente, a relatos e documentos imagéticos sobre fatos ou práticas assustadoramente cruéis. Analisando essa realidade, verifica-se que surgiu o arquétipo da criança e adolescente prostituído que passa a idéia de um ser com maior fragilidade, insipiência afetiva, com maior inexperiência de vida, trazendo para o imaginário do abusador elementos para através da dominação buscar o prazer, razão pelo qual não se deve dissociar a prostituição infantil da violência. 2. ANÁLISE E INTERPRETAÇÕES DOS RESULTADOS DA PESQUISA Diante desse cenário, elaboramos a presente pesquisa com o objetivo de investigar e analisar o turismo sexual infanto-juvenil na realidade da praia de Ponta Negra-Natal/RN, que para tanto utilizou-se de levantamento bibliográfico, observação assistemática registradas no diário de campo e aplicação de questionário semi-estruturado junto a cem crianças e adolescentes que são vítimas dessa prática ilegal, realizada entre outro a dezembro de 2006. Através de análise se constatou que a realidade impõe que a prostituição envolvendo crianças e adolescentes haja uma maior incidência de pessoas na faixa entre 11 e 16 anos de idade conforme gráfico abaixo: 28% 2% 70% 06 a 10 anos 11 a 16 anos 17 a 18 anos Fonte: coleta de dados direta dezembro de 2006 Sabe-se que há uma imposição do mercado do sexo que considera meninas de 17 anos de idade, muito velhas para o turismo sexual, além de ficar evidenciado que o maior quantitativo em termos de gênero é do sexo feminino, que atinge 95% e apenas 5% são do sexo masculino, conforme. Outro dado relevante é em relação à incidência maior de turismo sexual infantojuvenil estar centralizada no calçadão da Avenida Erivan França, conhecido por Calçadão de Ponta Negra, conforme gráfico II abaixo:
5 14% 3% 13% 70% Calçadão Pousada/hotéis Ruas do bairro de Ponta Negra Restaurantes/bares Fonte: idem Nestes locais existe um esquema elaborado no agenciamento de crianças e adolescentes, onde nas pousadas e hotéis é facultado o livre acesso, sem que haja a observância de documentação muitas vezes falsificada. Além do agenciamento de alguns taxistas e garçons de bares e restaurantes que gratificam as crianças e adolescentes para conduzirem clientela para os seus pontos comerciais. Esta realidade evidencia a incúria do poder público, a fragmentação, fragilidade, ineficiência das políticas públicas no que se refere à prevenção e ao combate dessa prática criminosa. Quanto ao perfil do agressor conforme gráfico a seguir: 7% 93% Masculino Feminino Gráfico III - Sexo do agressor Fonte: Idem Verifica-se uma quantidade pequena de mulheres que buscam o turismo sexual, e de acordo com as crianças e adolescentes, esta quantidade vem aumentando consideravelmente, chegando a ponto de haver meninas que somente se relacionam com
6 mulheres, desta forma configurando um mercado em franca ascensão. Já em questão da idade tem-se: 5% 5% 29% 61% 29 a 33 anos 34 a 39 anos 40 a 44 anos 45 a 49 anos Gráfico IV - Sexo do agressor Fonte: Idem Percebe-se que a maioria dos agressores possuem idade média de 40 a 44 anos, são em sua grande parte turistas espanhóis, portugueses e italianos; verifica-se que os escandinavos não figuram segundo as pesquisadas como pessoas que buscam o turismo sexual. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Constatou-se que as ações que fomentem a prática de turismo sexual infantojuvenil, por si só, trazem seqüelas irreversíveis, além dos custos sociais que todos estes atos acarretam, muitas vezes mascaradas pela possibilidade de benefícios de ordem econômica e de melhoria da qualidade de vida da população (Silva, 2001). Melhoria econômica dissimulada em prejuízos de pessoas em fase de formação, que muitas vezes iludidas por um aumento significativo do padrão de vida em alguns casos. A violência e o corpo no turismo sexual são objetos interelacionados de uma mesma realidade que trazem histórias, de quebra de direitos, anulação e violação de crianças e adolescentes em que a prostituição se torna a concretização do que corresponde uma falsa civilização, na qual se torna objeto de passatempo e de comercialização de pessoas que buscam a obtenção de prazer de forma vil em que no imaginário dos abusadores o corpo infantil sempre exerceu uma influência marcante nas suas práticas, desconsiderando os prejuízos causados em pessoas em fase de formação, mesmo que para isso, a violência física ou simbólica sejam utilizadas na satisfação de seus desejos. Assim, a temática trazida a lume reflete uma triste constatação de que a violência, contra a criança e o adolescente, transformou-se em algo comum, corriqueiro e que de certo ponto passa despercebido pelas pessoas, que passam pelo problema, não existindo no seio da sociedade o sentimento de repugnância e descontentamento pela realidade vivida por inúmeras pessoas em fase de formação; principalmente, quando se trata da modalidade mais aviltante de exploração do homem pelo homem, no caso a violência sexual contra crianças e adolescentes, na sua modalidade turismo sexual.
7 REFERÊNCIAS BAITELLO Júnior, Norval. A violência invisível na era da visibilidade: a mídia, a senilização e a violência infanto-juvenil, in Complexidade à flor da pele: ensaios sobre ciências, cultura e comunicação. GALENO, Alex. CASTRO, Gustavo de. SILVA, Josimey Costa da. São Paulo: Cortez. 2003. BEEBE DK. Sexual Assault: the physicians role in prevention and treatment. J. Miss State Med Assoc, 1998. BRASIL, Estatuto da criança e do adolescente comentado. 5 ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2002. BRASIL, Constituição da República Federativa do. 10 ed. Brasília, DF. Câmara dos Deputados, 2004. CHACÓN L. La mujer prostituta, cuerpo de suciedad, fermento de muerte: reflexiones en torno a algunos rituales de purificación. Cienc Soc, 1992. DO BEM, Arim Soares. A dialética do turismo sexual. Campinas, São Paulo. Papirus Editora, 2005. GOMES, Romeu. A violência enquanto agravo à saúde de meninas que vivem nas ruas. Cadernos de Saúde Pública. v.10. supl.1. Rio de Janeiro, 1994. LE BRETON, David. A sociologia do corpo.. 2ª edição. Tradução de Sônia M.S. Fuhrmann. Petrópolis, RJ. Vozes. 2007. PAIVA, Maria das Graças de Menezes V. Sociologia do Turismo. Campinas, São Paulo. Papirus Editora. 9ª. Edição. 2005. REJOWSKI, Miriam. Turismo e pesquisa científica: pensamento internacional X situação brasileira. Campinas, São Paulo. Papirus Editora. 7ª. Edição. 2003. SAFFIOTI H. Exploração sexual de crianças. In: Azevedo MA, Guerra VN de A. Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo: Iglu, 1989. p. 49-95. SILVA, Yolanda Flores e. Pobreza, violência e crime Conflitos e impactos sociais do turismo sem responsabilidade social. In Turismo e Responsabilidade Social: Uma visão antropológica. Balducci Jr. Álvaro; Barretto, Margarida (orgs.) Campinas, São Paulo. Papirus Editora, 2001.