HISTÓRIA DA AMÉRICA II



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HISTÓRIA DA AMÉRICA II

HISTÓRIA DA AMÉRICA II 1

História da América II SOMESB Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda. Presidente Gervásio Meneses de Oliveira Vice-Presidente William Oliveira Superintendente Administrativo e Financeiro Samuel Soares Superintendente de Ensino, Pesquisa e Extensão Germano Tabacof Superintendente de Desenvolvimento e>> Planejamento Acadêmico Pedro Daltro Gusmão da Silva FTC - EaD Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância Diretor Geral Diretor Acadêmico Diretor de Tecnologia Gerente Acadêmico Gerente de Ensino Gerente de Suporte Tecnológico Coord. de Softwares e Sistemas Coord. de Telecomunicações e Hardware Coord. de Produção de Material Didático Reinaldo de Oliveira Borba Roberto Frederico Merhy Jean Carlo Nerone Ronaldo Costa Jane Freire Luis Carlos Nogueira Abbehusen Romulo Augusto Merhy Osmane Chaves João Jacomel EQUIPE DE ELABORAÇÃO/PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO: PRODUÇÃO ACADÊMICA Gerente de Ensino Jane Freire Coordenação de curso Jorge Bispo Autor Lucas de Faria Junqueira Supervisão Ana Paula Amorim PRODUÇÃO TÉCNICA Revisão Final Carlos Magno Equipe Ana Carolina Alves, Cefas Gomes, Delmara Brito, Diego Maia, Fábio Gonçalves, Francisco França Júnior, Israel Dantas, Lucas do Vale. Editoração Diego Maia Imagens Corbis/Image100/Imagemsource copyright FTC EaD Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/98. É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da FTC EaD - Faculdade de Tecnologia e Ciências - Ensino a Distância. www.ftc.br/ead 2

Sumário DA AMÉRICA COLONIAL À AMÉRICA PÓS-INDEPENDENTE AS AMÉRICAS INGLESA E FRANCESA: DA COLÔNIA AO IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO As colonizações inglesa e francesa na América 07 A Independência norte-americana 17 A consolidação da nação americana 21 Os EUA em fins do século XIX: a formação do império 25 Atividade Complementar 32 Crise do sistema colonial DA CRISE DO SISTEMA COLONIAL À FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS LATINO-AMERICANOS As independências na América Latina O período pós-independência Desenvolvimento neocolonial latino-americano Atividade Complementar 33 34 41 44 51 O SÉCULO XX NA AMÉRICA: NACIONALISMOS, REVOLUÇÕES E REGIMES MILITARES A Revolução Mexicana de 1910 Os nacionalismos na América Latina NACIONALISMO E REVOLUÇÃO NA AMÉRICA LATINA Os movimentos revolucionários na América Latina A Revolução Cubana de 1959 53 55 57 61 Atividade Complementar 67 3

Sumário História da América II EUA, REGIMES MILITARES, REDEMOCRATIZAÇÕES E NEOLIBERALISMO NA AMÉRICA O poderio norte-americano e as relações exteriores intercontinentais Os movimentos reacionários e regimes militares 68 72 A redemocratização na América Latina 74 Neoliberalismo e movimentos sociais latino-americanos 75 Atividade Complementar 81 Atividade Orientada 83 Glossário 84 Referências Bibliográficas 85 4

Apresentação da Disciplina Caro (a) aluno (a), O continente americano, desde seu passado colonial, configurou-se como um espaço de contrastes a partir das áreas que se desenvolveram de modos distintos, como, por exemplo, as regiões norte e latino-americana. Ao mesmo tempo, percebemos que muitos dos países (latino) americanos experimentaram, ao longo de sua história, processos sócio-políticos e econômicos em comum, apesar de especificidades. A América é, assim, terra de contrastes, de contradições e antagonismos, principalmente no sentido norte-sul. Continente rico em culturas, povos, línguas, meio ambientes e história, a América contemporânea é fruto de seu passado colonial, bem como de seu ulterior desenvolvimento pós-independência, quando a sociedade de cada país recém criado procurou seu caminho, tendo (menos) sucessos e (mais) fracassos em suas evoluções nacionais. Como diria Eduardo Galeano, a história da América é feita de mais náufragos que navegantes. É justamente desta epopéia americana que trataremos aqui. A disciplina História da América II tem como objetivo problematizar a trajetória das sociedades desde a colonização (no caso da América anglo-saxônica), passando pela crise do sistema colonial e emergência dos Estados Nacionais de fins do século XVIII e primeiro quartel do XIX. A consolidação dos Estados Unidos da América, enquanto nação, ao longo de seu primeiro centenário, bem como suas relações com o restante do continente são igualmente temas de suma importância, como qualquer observador da atual realidade latino-americana pode constatar. As grandes ondas históricas por que passou a América Latina ao longo do século XX, com seus nacionalismos, revoluções e regimes militares, são vislumbradas dialeticamente com a expansão do poderio norte-americano no mesmo período, bem como todas as influências extracontinentais recebidas, que, por vezes, desviaram os povos latinoamericanos de seus projetos nacionais independentes. Assim, as contradições entre os EUA desenvolvidos e os povos subdesenvolvidos abaixo do Rio Grande, as alternativas de desenvolvimento empreendidas pelos últimos, além dos movimentos sociais que contesta(ra)m a ordem elitista vigente, integram o conteúdo desta disciplina. Trabalhar a história dos latino-americanos através de suas lutas constitui o nexo entre a pluralidade e a unidade de povos distintos, porém iguais em sua caminhada por um caminho tortuoso, mas que não lhes tira a esperança por mudanças. Forte abraço, Lucas Junqueira 5

História da América II 6

DA AMÉRICA COLONIAL À AMÉRICA PÓS-INDEPENDENTE AS AMÉRICA INGLESA E FRANCESA: DA COLÔNIA AO IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO Desde 1492, quando Cristóvão Colombo chegara ao continente americano, os povos nativos sofreram com a conquista e conseqüente colonização por parte dos europeus primeiramente ibéricos (espanhóis e portugueses), posteriormente ingleses, franceses e holandeses configurando-se o mundo colonial americano, com seus desenvolvimentos diferenciados a partir dos modelos de colonização implementados. Trataremos, agora, das colonizações levadas a acabo pelos retardatários na colonização americana: ingleses, franceses e holandeses. As Colonizações Inglesa e Francesa na América É conhecido o pioneirismo ibérico na realização das grandes navegações devido à anterior configuração dos Estados nacionais português e espanhol. Ingleses e franceses, somente após a partilha de grande parte do continente americano entre os ibéricos, lograram estabelecer-se enquanto Estados nacionais, passo fundamental para a realização dos empreendimentos coloniais. Assim, o desenvolvimento de seus projetos coloniais foram retardatários em relação aos ibéricos, pertencendo ao século XVII, quando as monarquias hispânica e lusa perderam seus postos de vanguarda na expansão marítima-comercial pelo mundo. Entretanto, o atraso cronológico e as condições em que foram gerados os projetos inglês e francês determinaram caminhos distintos daqueles traçados pelos ibéricos, bem como por estabelecer um domínio menos duradouro para suas possessões, pois a grande roda da História não pára, nem gira para trás. A América Inglesa No século XV, enquanto os portugueses empreenderam sua expansão africana tendendo alcançar as riquezas orientais, o que lograram concluir com a viagem de Vasco da Gama à Índia (1497-8), e os espanhóis, em seu processo de Reconquista da Península Ibérica contra os mouros, forjaram seu Estado nacional, os ingleses iniciaram seu processo de unificação política. Duas guerras contribuíram para o êxito em tal empreitada: a Guerra dos Cem Anos (1337-1453) e a Guerra das Duas Rosas (1455-1485). A dinastia Tudor (1485-1603) fora a responsável pela afirmação do poder real frente à nobreza (KARNAL, 2001, pp. 19-20). A Reforma religiosa empreendida por Henrique VIII, no século XVI, ao fundar o anglicanismo aumentou o poderio da realeza, agora chefe da estatal Igreja Anglicana. Estava em formação o Estado centralizado que possibilitara a emergência de um projeto colonizador no século XVII. 7

História da América II Não obstante, entre fins do século XV e durante o século XVI, iniciativas foram tomadas no sentido de descobrir novas rotas comerciais, enquadradas no que Marc Ferro denominou de nacionalização das forças econômicas na Inglaterra (FERRO, 1996, p. 66). Tratava-se de aumentar a importância comercial inglesa, dinamizando a economia. Não havia então um projeto colonizador propriamente dito, e sim tentativas de seguir o sucesso dos ibéricos nas Grandes Navegações. Giovanni Gaboto, comandando cinco navios da Marinha inglesa, tentara descobrir uma rota pelo Noroeste da América, em 1497, visando alcançar a Ásia. No ano seguinte realiza nova empreitada, tendo em suas viagens navegado pelas costas da América do Norte e encontrado rios e baías que futuramente seriam as portas de entrada da colonização. Contudo, fora durante o reinado de Elizabeth I, em fins do século XVI, que os ingleses, em crescente rivalidade com os espanhóis, deram um impulso à construção naval e ao comércio marítimo, envolvendo também a atividade corsária (AQUINO, 2000, p. 123). O poderio espanhol era uma ameaça concreta para os ingleses, tendo estes em resposta formulado os princípios do seu mercantilismo: Se para a Inglaterra só interessavam, ainda no final do século XVI, as rotas e o comércio, uma reviravolta ocorre na época de Elizabeth I, quando Walter Raleigh torna-se o teórico de uma espécie de imperialismo marítimo: Quem comanda o mar comanda o comércio; quem comanda o comércio comanda a riqueza do mundo, e por conseguinte o próprio mundo... (FERRO, 1996, p. 67) A partir daí se intensificaram as viagens à América, seja para saquear as embarcações e colônias espanholas, ou para empreender lucrativo contrabando nas Antilhas, seja para começar a colonização (AQUINO, 2000, p. 123). Os ingleses, assim como os franceses, tiveram inicialmente uma atitude parasitária para com os negócios coloniais espanhóis. Somente nas três expedições de Raleigh à América do Norte 1584, 1585 e 1587 houvera o intento de iniciar a colonização, sendo, contudo frustrados seus planos pela resistência indígena, que dizimara os colonos. Os conflitos entre nativos e colonos foram constantes no período colonial, e mesmo no pós-colonial. Não havia projeto de evangelização das populações indígenas, com apoio estatal e levado a cabo por missionários, nos moldes vislumbrados na América ibérica. O processo de colonização inglesa sofrera uma pausa por conta da guerra contra a Espanha, mais poderoso Estado ocidental. A tentativa malograda de invasão à Inglaterra pela Invencível Armada espanhola, em1588, fora o ponto crítico para a guinada no jogo das forças entre os Estados europeus. Com a derrota fragorosa, a Espanha veria seu poder em declínio ser suplantado por uma Inglaterra que abrira caminho para sua vocação marítima se tornar imperial e mundial, processo consolidado entre os séculos XVII e XIX. Somente as duas guerras mundiais do século XX levaram ao ocaso do imperialismo britânico. Livres da ameaça espanhola e tendo concluída a ascensão da dinastia Stuart (1603), puderam os ingleses retomar suas investidas coloniais na América. A conjuntura inglesa era agora favorável não obstante as conturbações políticas. Senhora dos mares, a Inglaterra e sua crescente burguesia dispunham de condições para reativar negócios coloniais. Assim, o rei Jaime I concedeu a duas companhias a Cia. de Londres e a Cia. de Plymouth parte do litoral norte-americano. Entre os paralelos 34º e 38º e 41º e 45º, tiveram as companhias de Londres e Plymouth, respectivamente, seus espaços de atuação, resguardando-se a faixa territorial entre eles para evitar disputas. 8

As Colônias do Sul No natal de 1606, a Cia. de Londres mandara a primeira vaga de colonização efetiva inglesa, com a fundação de Jamestown, em 1607-8, na Virgínia. O começo para os colonos lá estabelecidos fora difícil, flagelados pela fome e pelos ataques indígenas. O povoado fora massacrado pelos nativos em 1622, perdendo um quarto de sua população (FERRO, 1996, p. 68). Superando os obstáculos, conseguiram os colonos empreender o cultivo daquele que seria o produto responsável pela prosperidade das colônias do sul: o tabaco. Massacre de Jametown. Gravura de Theodore de Bry O endividamento (por conta dos investimentos) da Cia. de Londres frente ao progresso da Virgínia levara a Coroa a convertê-la em colônia real (1624). O Estado também passara a conceder territórios a figuras destacadas para a fundação de colônias. Assim nascera Maryland, em 1634, com o estabelecimento de colonos católicos que se dedicaram ao cultivo do tabaco. Mas quem eram estes colonos que para a América vieram? Fruto da conturbada conjuntura inglesa do século XVII, a imigração para o Novo Mundo teve múltiplos estímulos. A começar pela situação rural inglesa, com o processo dos cercamentos (enclouseres), que impelira o excedente camponês expulso do campo para as cidades. Levas de empobrecidos camponeses apinhavam os centros ingleses, reservatórios de imigrantes rumo à América. Carentes de mão-de-obra para expandir a colonização (os indígenas, relativamente pouco numerosos e resistentes ao trabalho não se configuravam como força produtiva disponível), as companhias, a Coroa ou os detentores de doações no Novo Mundo escoavam o excedente populacional inglês em direção das plantações americanas. Para custear a vinda para a América, os pobres ingleses assinavam um contrato de servidão por sete anos. Tal servidão por dívidas (indentured servant) fora generalizada nas Treze Colônias, atingindo cerca de 70 % dos imigrantes (AQUINO, 2000, p. 125). Segundo Pierre Chaunu, a servidão branca era de facto uma forma de escravatura, cujas modalidades práticas, senão as suas bases jurídicas, não diferem fundamentalmente da escravatura [dos negros africanos trazidos para a América] (CHAUNU, 1969, p. 117). Além dos pobres dos centros ingleses, os condenados pela justiça, mulheres e crianças raptadas, e renegados de toda sorte estiveram incluídos nas sucessivas levas de imigrantes, bem como os perseguidos pelas disputas religiosas, dos quais trataremos adiante. Com a restauração dos Stuart, novas colônias surgiram no Sul: A Carolina do Norte e a Carolina do Sul, doadas a dois proprietários: John Coleton e William Berkeley (1663). Povoadas por grupos deslocados de outras colônias, de huguenotes franceses e imigrantes da Escócia, Suíça e Alemanha, as duas colônias basearam sua economia no cultivo do índigo e do arroz, produzidos por escravos negros em grandes propriedades. (AQUINO, 2000, pp. 129-30) A mão-de-obra escrava composta pelos negros africanos viera a complementar a servidão branca ao longo do século XVII, tendo o primeiro carregamento chegado na Virgínia em 1619. Em fins deste século já predominava, nas colônias do Sul, empregados nas monoculturas das plantations. Outra colônia que seguira este modelo econômico fora a Geórgia, última colônia a ser fundada na região (1732), formada inicialmente por condenados à prisão por dívidas, 9

História da América II trazidos pelo proprietário James Oglethorpe. Em 1752, passara a Geórgia a ser colônia real, onde os escravos negros trabalhavam no cultivo do arroz em grandes propriedades. A estrutura social das colônias do Sul advinha de sua organização econômica. Os latifúndios das plantations escravistas conformavam uma sociedade polarizada entre uma aristocracia fundiária ávida por terras e uma massa de escravos negros, assim como uma parcela de servos brancos. Devido ao esgotamento das terras pelo cultivo do tabaco, novas fronteiras latifundiárias eram abertas, tendo a terra altos valor e impostos, o que bloqueava a difusão de pequenos proprietários, ademais sem condições de adquirir a mão-de-obra escrava ou mesmo resistir à pressão dos latifúndios por mais terras. Muito mais ligado à metrópole, o Sul escravista seria o bastião do mercantilismo e do conservadorismo na América inglesa, mesmo na época das lutas pela independência. As Colônias do Norte Paralela ao desenvolvimento dos latifúndios destinados às plantations escravistas do Sul, ao Norte a colonização desenvolvera-se diversamente. A partir de 1620, as perseguições religiosas na Inglaterra levaram católicos, huguenotes, quakers e puritanos (entre outras dissidências protestantes) a imigrarem para a América, situando-se na região da Nova Inglaterra. Fora esta última leva, a dos puritanos, que entrara para a história norte-americana como o núcleo original de sua cultura. Em 1620, quando chegaram à costa do que seria Massachusetts, a bordo do Mayflower, um grupo de puritanos (entre muitos outros passageiros) firmara um pacto (The Mayflower Compact). Este grupo ficara conhecido como os Pais Pelegrinos (Pilgrim Fathers). Fundaram New Plymouth, posteriormente absorvida por Massachusetts, que era ligada à Cia. da Baía de Perseguição religiosa na Inglaterra do Séc. XVII Massachusetts, dirigida por uma burguesia puritana. Esta Cia. trouxera uma nova leva de puritanos, em 1630, quando desembarcaram na Baía de Massachussetts os colonos liderados por John Winthrop, também considerados Pais Pelegrinos. Winthrop, ao longo da viagem, pregava entre os seus: Nós seremos como uma cidade no alto da colina, e os olhos de todos se voltarão para nós [...] a nossa história será contada e dela será passada palavra pelo mundo (BOORSTIN, 1997, p. 15). Antes de desembarcarem do navio Arbela, Winthrop também firmou um pacto (The Arbela Compact), declarando: Nós devemos agir nessa empreitada como um só homem, devemos alegrar-nos na companhia dos nossos, divertir-nos juntos, tendo sempre presente no espírito a missão de nossa comunidade, na qual todos devem ser membros de um mesmo corpo. (In: História Viva, n 17, março de 2005, p. 63) Os ditos Pais Pelegrinos vieram para a América devido à intolerância religiosa inglesa do século XVII, pois desejavam atingir uma pureza religiosa em meio ao ambiente anglicano inglês (os puritanos formavam a Igreja Congregacionista). Procuraram estabelecer esta pureza religiosa na Nova Inglaterra, intentando fundar uma Nova Jerusalém. Consideravam-se os eleitos por Deus para iniciar uma nova civilização e todas as provações (eram muitas as dificuldades, sendo que a celebração da primeira colheita realizada por eles, em 1621, dera origem ao Dia de Ação de Graças Thanksgiving data nacional dos EUA) pelas quais passaram na travessia e no início de seu estabelecimento reforçaram a 10

idéia de que eram predestinados. É o mito fundador da América WASP (white, anglo-saxon, protestant branca, anglo-saxônica e protestante). Os norte-americanos (ou estadunidenses, se preferir) consideram este o ponto de partida para sua história de sucesso não a colonização virginiana. Sobre o grau de penetração deste mito no imaginário daquele povo Chaunu escrevera: A Nova-Inglaterra não é a primeira América inglesa, os Pilgrim Fathers nem sequer foram os seus fundadores. E contudo a sua lenda é mais verídica que a história. 1620-1621 acaba por marcar profundamente uma viragem capital na história da América. (CHAUNU, 1969, p. 118) É praticamente onipresente esta versão mítica dentro da historiografia norteamericana. Não é por acaso que Daniel Boorstin inicia sua trilogia sobre a história dos EUA com a narrativa deixada pelo governador que presenciou a chegada dos Pais Pelegrinos, e todas as provações a que foram submetidos, arrematando em seguida: Nunca antes uma terra prometida fora tão pouco promissora. Porém, no espaço de século e meio mesmo antes da revolução americana este cenário que os tolhia transformarase numa das partes mais civilizadas do mundo. Haviam nascido os contornos gerais de uma civilização nova. (BOORSTIN, 1997, p. 8) Os puritanos e sua Igreja Congregacionista, situados no âmbito da Cia. da Baía de Massachusetts, estabeleceram uma forma de governo, ou comunidade política baseada em preceitos religiosos, sediada em Boston, mais importante centro da Nova- Inglaterra. Estabeleceu-se, portanto, a união entre Igreja e Estado, cabendo o governo a elementos da Igreja Congregacionista. O predomínio da oligarquia puritana resultou na intolerância religiosa. (AQUINO, 2000, p. 131) A chegada dos Pais Pelegrinos com John Winthrop. Tal intolerância levou colonos não puritanos a deixarem Massachusetts, daí originando outras colônias na região. Rhode Island, fundada por uma corrente de dissidentes (1636), teve sua Carta de reconhecimento pelo Parlamento inglês em 1644, à qual fixava a separação entre Igreja e Estado, a liberdade religiosa, a proibição da servidão e da escravidão, a obediência às leis aprovadas pela maioria e ao governo eleito pelos próprios colonos. (AQUINO, 2000, p. 132) originando outras col Massachussetsna rno a elementos da Igreja Congregacionista.iedades.na Inglaterra, dos quais trataremos a No bojo do processo de dissidência na Nova-Inglaterra foram fundadas também New Hampshire (1623, convertida em colônia real em 1679) e Connecticut (1635). Diferenças religiosas e políticas à parte, em termos sócio-econômicos havia certa homogeneidade entre as colônias do Norte. O clima temperado (semelhante ao da Inglaterra) inviabilizava a implementação das monoculturas para exportação, portanto excluía as plantations escravistas existentes nas colônias do Sul. A estrutura fundiária estabelecida na Nova- Inglaterra fora marcada pela pequena propriedade, cultivada pelas famílias dos colonos, acrescidas dos servos brancos quando possível. As desigualdades sociais não foram assim tão grandes como no Sul. A economia das colônias do Norte era baseada na plantação de gêneros de subsistência (que também geravam excedentes comerciáveis) como o trigo, a aveia, o milho, bem como na criação de gado, porcos e ovelhas. À produção do campo juntava-se a pesca como importante atividade, bem como a indústria naval, beneficiada pela grande quantidade de madeira propícia disponível. O desenvolvimento das cidades fez com que tanto as manufaturas quanto o comércio prosperassem, apesar das proibições e restrições impostas a uma e outra atividade. O comércio de peles, valiosas no mercado europeu, também compunha o quadro econômico da região. 11

História da América II No âmbito da dinâmica interna da colonização, o Sul, voltado à agroexportação, carecia de gêneros de subsistência para alimentação da escravatura, adquirindo os produtos necessários nas colônias do Norte. Estas, além deste comércio, desenvolveram amplamente um circuito comercial não só ligado à Inglaterra, como também à África e às Antilhas. O controle metropolitano sempre fora burlado, perfazendo o contrabando cerca de 84% do comércio realizado pelas Treze Colônias. (CHAUNU, 1969, p. 172) O mapa abaixo apresenta os dois circuitos contidos no comércio triangular Europa- América-África. O COMÉRCIO TRIANGULAR As Colônias do Centro Fonte: AQUINO, 2000, p. 134. Entre os territórios delegados à Cia. de Londres e à Cia. de Plymouth desenvolverase um terceiro grupo de colônias, denominadas colônias do Centro. O vazio territorial fora ocupado por outros europeus, principalmente holandeses. Entre os anos de 1624 e 1633, a Cia. das Índias Ocidentais holandesa funda uma série de estabelecimentos, destacandose a Nova Amsterdã (núcleo original de Nova Iorque). Suecos, finlandeses e alemães também juntaram-se aos holandeses no vale de Delaware (CHAUNU, 1969, pp. 150-1). A restauração dos Stuart, na década de 1660, levara os ingleses a um novo impulso colonizador, sendo o centro da América do Norte o alvo primordial da sua expansão. Nesta região os ingleses, entre idas e vindas, conseguem estabelecer o controle sobre a colônia holandesa, agora denominada Nova Iorque. Outras colônias foram fundadas, na esteira da conquista inglesa. Deleware, habitada originalmente por suecos, após um rasgo de dominação holandesa, passara ao controle inglês em 1664, ligada a Nova Iorque. Seria transformada em colônia autônoma em 1701. No mesmo ano da conquista de Delaware, surgira Nova Jérsei, já habitada por puritanos ingleses e holandeses vindos da Nova-Inglaterra, agora propriedade de Lord John Berkley e Sir George Carteret. Igualmente Carlos II doara a Willian Penn, líder dos quakers, um território, dando origem a colônia da Pensilvânia (1681). A liberdade religiosa e a facilidade na aquisição de terras trouxeram imigrantes de diversas partes da Europa, principalmente alemães. Marcadas pela heterogeneidade do povoamento e de religiosidade, ao longo de seu desenvolvimento as colônias centrais perderiam parte de sua originalidade, ao assemelhar-se gradualmente a Nova-Inglaterra. Contribuíra para tal a imensa vaga de colonos germânicos 9000 habitantes em 1685 (CHAUNU, 1969, p. 152) levando os descendentes 12

dos primeiros imigrantes extremistas à formação de uma sociedade aristocrática e censitária, para garantir suas prerrogativas e privilégios, e barrar a diluição de sua cultura em meio às demais contribuições estrangeiras. As Instituições Político-administrativas. O processo de colonização inglesa na América, realizado através do empenho das companhias privadas e de proprietários e colonos responsáveis pela viabilização e defesa dos empreendimentos coloniais, conformara um modelo colonizador distinto dos vislumbrados na América ibérica. Como afirmara Leandro Karnal, o Estado e a Igreja oficial, na verdade, não acompanharam os colonos ingleses (KARNAL, 2001, p. 27). Situação diversa da encontrada nas Américas espanhola e portuguesa, onde seus Estados metropolitanos e a Igreja Católica a eles interligada fizeram-se presentes. As instituições político-administrativas das Treze Colônias tiveram variações entre si, mas de modo geral todas possuíam suas próprias autoridades e autonomia em relação as demais e a metrópole. Podem ser enquadradas em três modelos administrativos: - Colônias de companhias de comércio foram as primeiras a ser fundadas: Virgínia e Massachusetts; - Colônias de proprietários concedidas a particulares pela Coroa: Maryland, New Hampshire, Nova Jérsei, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Pensilvânia, Nova Iorque e Geórgia; - Colônias reais foram aquelas que a Coroa assumira a direção da colonização, sendo que nenhuma fora fundada pelo Estado. A primeira fora a da Virgínia. No século VXII constituíam a menor parte das colônias, mas ao longo do XVIII se tornaram a maioria, exceto Maryland, Deleware, Pensilvânia, Connecticut e Rhode Island. AS TREZES COLÔNIAS INGLESAS Fonte: AQUINO, 2000, p. 128. 13

História da América II As instâncias administrativas contidas em cada colônia eram a) um governador, representante dos interesses metropolitanos, possuindo amplos poderes. Nas colônias das companhias o governador era eleito pelos colonos, geralmente para um mandato de um ano e sem direito a veto às leis das assembléias, b) um conselho ou câmara alta composto por membros nomeados dentre os colonos mais influentes, ou eleitos, funcionando como órgão assessor do governador e c) as assembléias eleitas pelos homens livres, geralmente de forma censitária, que elaboravam leis e fixavam impostos nas colônias (AQUINO, 2000, p. 138). Esta forma de governo, bastante distinta da América ibérica, levava os colonos a experimentarem um sentimento de autogoverno, o que contribuiu para a emancipação quando a Inglaterra lançara mão de medidas que pretendiam estabelecer um maior controle administrativo e tributário sobre as Treze Colônias. As Antilhas e as Guianas Na região das Antilhas, ingleses, franceses, holandeses e dinamarqueses, entre outros, se aproveitaram do declínio do poderio espanhol e do vazio deixado pelo genocídio da época da conquista nos séculos XV e XVI. Este vazio fora preenchido, ao longo do século seguinte, quando a Inglaterra (São Cristóvão, Nevis, Montserrat, Barbados e Jamaica), a França (principalmente a parte de São Domingos, denominada Haiti), a Holanda (Curaçao, Margarida, Bonária, Santo Eustáquio e Aruba) e a Dinamarca (os dinamarqueses fundaram a Companhia Dinamarquesa das Índias Ocidentais em 1671, sendo que permaneceram nas Ilhas Virgens até 1917) partilharam as ilhas tomadas à Espanha (CHAUNU, 1969, p. 142). Contudo, juntamente com as espanholas Cuba, São Domingos e Porto Rico, foram a Jamaica e o atual Haiti as mais importantes porções antilhanas para o comércio colonial. Seu produto principal, o açúcar, florescera pelo lucrativo comércio, beneficiado pelo eclipse do Nordeste açucareiro da América portuguesa. Tanto os ingleses como os franceses deixaram para trás o século XVI da pirataria e do corsarismo, levado a cabo por flibusteiros baseados em ilhas tomadas ou abandonadas para estabelecer bases econômicas nos moldes das plantations escravistas no século XVII. Podemos perceber o desenvolvimento da parte francesa de São Domingos pela descrição feita, em 1789, por Moreau de Saint-Méry: A parte inglesa das Antilhas, além de integrar-se de forma mais completa no projeto mercantilista inglês, participará do comércio triangular com as colônias norteamericanas, trocando açúcar e melaço por produtos manufaturados e rum, bem como consumia sucessivas levas de escravos africanos trazidos pelos comerciantes coloniais e metropolitanos. [...] 793 engenhos de açúcar, 3150 plantações de anil, 789 de algodão, 3117 de café, 182 destilarias de cachaça e outras aguardentes de cana, 36 fábricas de tejolos e telhas, 6 fábricas de curtumes, 370 fornas de cal, 29 olarias e 50 plantações de cacau, independentemente de um sem número de outros estabelecimentos conhecidos [...] (in: CHAUNU, 1969, p. 143) Engenho da Martinica 14

As guianas seguiram o mesmo padrão da conquista antilhana, por conta da incapacidade espanhola em efetivar o povoamento da costa Norte da América do Sul, dando origem às três guianas inglesa, holandesa e francesa: A América Francesa Assim, entre o Orenoco e o Amazonas, toda uma frente costeira, por traição da Espanha, demasiado longe da América, demasiado sobrecarregada de trabalhos na Europa, escapará no fim das contas e definitivamente aos Ibéricos. O primeiro estabelecimento inglês duradouro na Guiana obra de Walter Raleigh data de 1595; a primeira colônia holandesa duradoura, de 1621, é o forte Kijk over all, numa ilha costeira. O forte Nassau data de 1624. Quanto aos Franceses, expulsos da França equinoxial, instalam-se na Cayenne em 1650, sob a égide da Companhia do cabo do Norte. (CHAUNU, 1969, p. 111) A França em relação à sua história colonizadora na América, passara por um processo semelhante ao inglês nas etapas iniciais: fora retardatária, devido ao atraso em sua centralização política em comparação aos ibéricos, bem como vacilante em suas iniciativas, ainda mais que os ingleses. Porém tivera uma diferença básica em relação aos ingleses que os aproximava dos ibéricos: a presença de missionários no Canadá, com o fito de catequizar os indígenas, processo sempre incompleto. Não obstante o atraso na concretização de um projeto colonizador, os franceses não estiveram alheios à expansão marítima ibérica: Aliás, Francisco I pediu para ver a cláusula do testamento de Adão que, segundo o papado, o excluiu da partilha do mundo. Na verdade, por muito tempo faltaram à França meios para montar um grande dispositivo comercial, e no século XVI ninguém teve realmente essa idéia. Foi preciso que a guerra de corso se iniciasse para que Saint-Malo, Nantes etc. se lançassem, mas várias décadas depois de Portugal e Espanha, e com menos determinação do que a Inglaterra. Foi preciso, sobretudo, que o Estado quisesse ter colônias. (FERRO, 1996, p. 61) Envolta pelas guerras religiosas e pelo conflito interno entre católicos e huguenotes, a França indispunha de energias para rivalizar com espanhóis e lusitanos nos empreendimentos coloniais americanos. Entretanto, no bojo da centralização política e construção do Estado absolutista, iniciativas foram tomadas, em parte decorrentes dos conflitos religiosos. Foi assim que entre 1555 e 1567 huguenotes chefiados por Nicolau de Villegagnon fundaram a França Antártica, destruída pelos portugueses. Expulsos da Baía da Guanabara, tentaram ainda se estabelecer ao norte, no litoral maranhense, sendo igualmente repelidos pelos lusitanos. Seria na América do Norte, contudo que os franceses lograriam estabelecer-se. O estímulo inicial se dera pela pesca, praticada há tempos no Mar do Norte. Mas não somente pela pesca. Assim como os ingleses, os franceses intentaram descobrir uma passagem ao norte para o Pacífico, objetivando o contato com o Oriente asiático. Jacques Cartier, em 1535 descobre a rota do São Lourenço, via de penetração para o interior continental. Entretanto Cartier não logrou estabelecer uma ocupação duradoura na região. Somente no reinado de Henrique IV (1589-1610), quando o absolutismo encontravase consolidado e a política mercantilista tornara-se uma de suas bases de sustentação, os 15

História da América II franceses efetivaram sua presença em terras americanas. Samuel Champlain, em 1605, fundou Port-Royal no litoral atlântico e Quebec (1608), nas margens do rio São Lourenço. Entretanto, o povoamento significativo não se dera senão após um longo período de relativo abandono, tendo o Estado pouco investido na colonização. Neste momento inicial prevalecia a pesca e o comércio com os nativos, fornecedores das peles negociadas na Europa. Em 1660, apenas 2000 colonos habitam as povoações francesas da Nova França (CHAUNU, 1969, p. 113). Franciscanos e jesuítas encetaram o trabalho missionário durante o governo do cardeal Richelieu, dificultado pela resistência nativa e pelos conflitos decorrentes. Os iroqueses, verdadeiros algozes dos franceses no Canadá, dificultaram maiores empreendimentos pelo interior. Um novo impulso na colonização ocorrera durante o reinado de Luis XIV, enquadrado na política mercantilista desenvolvida por Colbert, secretário das finanças. O Canadá foi transformado em colônia real, bem como medidas foram tomadas para aumentar a ocupação da região, que manteve-se porém pequena, dispersa, ligada principalmente ao comércio de peles. Para estabelecer o comando metropolitano fora criado o governo geral, situado em Quebec, além do intendente (justiça e finanças) e um Conselho formado por representantes de Quebec, Montreal e Trois Rivières. Dera-se estímulo à emigração para a Nova França. Entretanto, ao longo de todo o período colonial o povoamento mantivera-se diminuto e disperso. O comércio de peles incentivava expedições pelos grandes rios do interior, sendo que nelas se descobrira o Mississipi, dando origem a uma nova zona de colonização: a Louisiana. Na virada do século XVII para o XVIII foram fundadas Biloxi e Mobille, núcleos que atraíram colonos para a região. New Orleans, criada pela companhia organizada para a exploração da Louisiana, se tornou a capital desta colônia. Não obstante as iniciativas, a Louisiana permaneceu fracamente povoada (muitos dos que vieram eram engajés, ou engajados, servos brancos por três anos semelhantes aos existentes nas Treze Colônias) e constantemente ameaçada pelos ataques de indígenas, de espanhóis da Flórida e de colonos das Treze Colônias que se chocavam com os franceses em sua expansão para o interior. A colonização francesa, menos expressiva que a inglesa, sentira o peso dos conflitos contra os nativos, ao mesmo tempo em que se aliava a algumas nações nativas para atacarem os colonos ingleses. Foram constantes os choques e guerras na América do Norte, seguindo a lógica da rivalidade franco-inglesa na Europa. Com a derrota na Guerra dos Sete Anos (1756-63) e a decorrente assinatura do Tratado de Paris, a colonização francesa na América iniciara seu ocaso, com a entrega do Canadá e de diversas ilhas das Antilhas ao poderio inglês. Os Holandeses na América Jean Baptiste Colbert Tradicionalmente ligados ao mar (os Países Baixos formam uma região de aterramentos e diques), os holandeses, em sua luta pela independência frente à Espanha, deram sua partida para a expansão ultramarina. A União Ibérica (1580-1640) transformara as possessões portuguesas em alvos primordiais para os holandeses, por conta de sua fragilidade. A República das Províncias Unidas, instituição política dos Países Baixos, teve sua complementação econômica nas Companhias das Índias Orientais e Ocidentais, que fizeram da primeira metade do século XVII um período de hegemonia holandesa. O lucro era seu único objetivo: Quando os holandeses se lançam mundo afora, têm um projeto simples: ganhar dinheiro. Jesus Cristo está ausente de suas preocupações, evangelizar não lhes interessa. (FERRO, 1996, p. 65) 16

Na América os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais atacam Salvador (1624) e conquistam parte do Nordeste, centrados em Pernambuco (1630-54). Ao Norte, ocuparam os espaços entre os territórios das companhias de Londres e Plymouth, fundando o futuro núcleo da cidade de Nova Yorque. O sucesso holandês estava escorado na fraqueza ibérica momentânea e no seu modelo de gestão empresarial, visando unicamente o lucro, e dirigido pelas companhias do ocidente e oriente. Mas, quando tiveram que sustentar a implantação do aparato colonial e defender-se da reação dos colonos brasileiros, bem como da concorrência do comércio inglês, os holandeses perderam seu ímpeto e foram forçados a recuar para pequenos enclaves ao redor do mundo, terminando assim a fase áurea de seu desenvolvimento colonialista. A Independência Norte-americana Vimos que, ao longo do primeiro século da colonização inglesa na América do Norte, os colonos tiveram autonomia para se desenvolverem e prosperarem por seus próprios méritos. O empreendimento colonial se dera muito mais pela atuação de companhias e particulares do que pelo empenho estatal. A começar pela defesa. Cada colono era responsável por salvaguardar suas terras e família dos ataques indígenas. Coletivamente, a defesa dos povoados e colônias era realizada pelas milícias organizadas pelos próprios colonos, que tantas vezes teriam que enfrentar as nações indígenas e os franceses (aliados ou não aos nativos). A presença das tropas inglesas era reduzida, somente se tornando mais constante a partir da Guerra dos Sete Anos. É justamente no segundo quartel do século XVIII que a metrópole se lançara com afinco no projeto de consolidação do império ultramarino, através de um controle mais rígido dos negócios e da vida coloniais. Pierre Chaunu faz uma síntese do processo: Ao império britânico, comunidade antiga mas realidade política recente, falta o peso dos hábitos duas vezes e meia seculares que actuam a favor do Império espanhol. No momento em que a Inglaterra procura dar-lhe um conteúdo mais preciso, as dificuldades surgem de todos os lados. Tanto mais que a Inglaterra está mais distante da América que a América da Inglaterra. O tempo, ademais, aumenta as dificuldades. Uma temtativa de império teria sido mais fácil no século XVII. Mas o século XVII com sua vida econômica enfadonha não se prestava a tais construções custosas. Entretanto, pouco a pouco a América inglesa individualiza-se em relação à Inglaterra. De muitas maneiras: o modo de vida, a distância, a fraca densidade das comunidades, a interrupção prematura da emigração propriamente inglesa. A população anlgoamericana é, desde meados do século XVIII, crioula em 97 ou 98%. Seu aumento é essencialmente natural. Os novos emigrantes são na maioria alemães, irlandeses, escoceses. (CHAUNU, 1969, p. 170) Assim, quando a metrópole intentara reforçar os laços com as colônias reverter sua Negligência Salutar o projeto se mostrara anacrônico. Pertence a um outro tempo. Os ventos do liberalismo iluminista do século XVIII sopravam na América inglesa. Processo facilitado por dois motivos: primeiramente, o alto índice de alfabetização entre os colonos (pois todo bom protestante tinha que ler a Bíblia para concretizar sua religiosidade), derivado da criação de instituições de ensino Harvard e Yale, por exemplo ; se junta a isto a ausência 17

História da América II de instituições restritivas como a Inquisição, presente nas terras da América espanhola. O acesso às obras iluministas, portanto era aberto. Para além da influência das idéias iluministas, havia um conjunto de fatores que impulsionaram os colonos à independência: senso de autonomia, liberdade religiosa em relação à Igreja Anglicana, heterogeneidade de povoamento, resistência às imposições fiscais... Durante o século XVIII, os encargos coloniais, bem como a fiscalização e controle sobre o contrabando, foram aumentados. As guerras e conflitos geravam despesas que a metrópole intentava compartilhar com as colônias. O Estado inglês saíra vitorioso, porém endividado, da Guerra dos Sete Anos. O Parlamento britânico queria dividir com as colônias o custo de 400 mil libras anuais que as tropas inglesas na América acarretavam. Para os colonos, eliminado o perigo francês do Canadá, pagar a conta parecia indigesto: tinham que pagar por um exército que, a rigor, estava ali para policiá-los. (KARNAL, 2001, p. 71) Acreditavam que, pelo contrário, sem a presença francesa ao Norte não careciam das tropas inglesas para segura-las. Mas, sem voz no Parlamento inglês, viram encargos sendo criados sem contrapartidas. A Lei do Açúcar (1764) reduzira o imposto sobre o melaço estrangeiro, ao mesmo tempo em que estabelecia impostos adicionais sobre vários produtos. Fora criada uma corte na Nova Escócia com jurisdição sobre as Treze Colônias para punição dos que burlassem o fisco, o que prejudicava o tradicional comércio triangular dos colonos. A corte estava enquadrada no âmbito da política mercantilista revigorada. Houve reação. Para os colonos, imbuídos pelo princípio inglês de que taxação sem representação é ilegal, protestaram, além de boicotar artigos importados da Inglaterra. Iniciava-se o processo de contestação-rompimento. Desejavam os colonos co-participação nas decisões do império. Não foram atendidos, porém os protestos obrigaram a revogação da Lei dois anos depois. Entretanto não impedira que mais leis restritivas e taxativas fossem criadas: Mesmo antes, em 1763, o rei declarara a proibição do acesso dos colonos a diversas áreas entre os Apalaches e o Mississipi, reconhecendo a soberania indígena sobre a região, numa tentativa de apaziguar os nativos. Isto feria diretamente os interesses dos colonos comerciantes de peles e produtores de tabaco, interessados na expansão da área de cultivo. Lei da Moeda (1764), que proibia a emissão de papéis de crédito, o que prejudicava o comércio. Lei do Selo (1765), que obrigava a utilização de selo em qualquer documento, jornais ou contratos nas colônias, afetando a todos os setores da sociedade colonial, principalmente os comerciantes. A oposição radical à Lei criou o início da resitência organizada das Treze Colônias, conseguindo novamente a revogação da Lei, em 1766. Atos Townshend (1767), como ficaram conhecidas as leis que taxavam a importação de diversos produtos de consumo, além de criavam os Tribunais Alfandegários que aumentaram a fiscalização. A reação, principalmente em Boston, fora reprimida, ocorrendo o denominado Massacre de Boston (1770). Lei do Chá (1773), que garantia o monpólio do comércio de chá para a Cia. das Índias Orientais, contrariando os interesses coloniais. Novamente em Boston a reação dos colonos gerara incidentes como a Boston Tea Party, quando uma carga de chá fora lançada ao mar. Leis Intoleráveis (1774), impostas após a manifestação do Porto de Boston, interditavam o porto da cidade, bem como convertiam Massachussets em colônia real, maximizando o poder do governador indicado por George III. Ato de Quebec (1774), que impedia que as colônias de Massachussets, Virgínia, Connecticut e Pensilvânia ocupassem terras à oeste. 18

Massacre de Boston Os patriotas se organizando: mulheres fazendo boicote Todas estas medidas serviram para unificar diversos grupos de interesses nas colônias frente à dominação inglesa. Clubes de radicais formavam comitês que discutiam a indepandência, enquanto moderados preferiam a manutenção do status quo, em movimentos concilliatórios. A partir de 1774, os anglo-americanos, divididos entre partidários da separação e os defensores da conciliação (temerosos da participação popular no movimento, o que ameaçava seus privilégios), organizaram o Primeiro Congresso Continental, em Filadélfia, um dos mais importantes centros das colônias. Era chegada a hora de unificar as dissidências para sanar o impasse metrópole-colônias. Representantes das Treze Colônias (exceto da Geórgia) elaboraram uma petição ao rei protestando contra as medidas metropolitanas. A reação inglesa fora aumentar os efetivos ingleses, gerando atritos com os grupos patriotas. Em Lexington e Concord ocorreram os primeiros choques (1775), dando início à Guerra de Independência. Neste mesmo ano reunira-se o Segundo Congresso Continental de Filadélfia, contando com a presença de todas as colônias, que enviaram líderes seus mais destacados líderes, como Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, Samuel Adams etc. Enquanto debatiam a situação de rebeldia, um folheto intitulado Commom Sense, escrito por Thomas Paine deu corpo às idéias e protestos anti-metropolitanos: A Inglaterra é, apesar de tudo, a pátria mãe, dizem alguns. Sendo assim, mais vergonhosa resulta sua conduta, porque nem sequer os animais devoram suas crias nem fazem os selvagens guerras a suas famílias; de modo que este fato volta-se ainda mais para a condenação da Inglaterra [...] Europa é nossa pátria mãe, não a Inglaterra. Com efeito, este novo continente foi asilo dos amantes perseguidos da liberdade civil e religiosa de qualquer parte da Europa [...] a mesma tirania que obrigou aos primeiros imigrantes a deixar o país, segue perseguindo a seus descendentes. (in: KARNAL, 2001, p. 84) Gradualmente, os elementos resistentes tiveram que ceder à aprovação da Declaração de Independência (tendo Thomas Jefferson como principal autor), finalmente redigida em 4 de julho de 1776 data cívica máxima para os norte-americanos. Estava aberta a luta completa pela independência, que seria dirigida por George Washington, rico proprietário de terras e comandante miliciano. Foi criado o Exército Continental, chefiado por Washington, que juntamente com as milícias combatera as tropas inglesas. A Declaração de Independência fora recebida com entusiasmo pela maioria dos colonos. A estátua do rei George III foi derrubada pela população eufórica de Nova Yorque. Porém, ao deixar de fora do texto (ver mais a frente a seção História através de documentos) qualquer referência sobre a escravidão, exigência dos aristocratas escravistas do Sul, excluía de seus princípios liberais cerca de um sexto da população ( perto de 500 mil escravos e 2.5 milhões de homens livres). A soberania popular, essência da Declaração, não era para todos. 19