DIREITO PREMIAL. Medidas de Cooperação no Processo Penal. THIAGO BOTTINO

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Transcrição:

DIREITO PREMIAL Medidas de Cooperação no Processo Penal THIAGO BOTTINO bottino@fgv.br

Histórico das medidas de cooperação no Processo Penal Brasileiro Nenhum beneficio Colaboraçã o Acordo de Leniência (Ext.Pn) Delação Premiada (causa especial de redução) Confissão (atenuante) Código do Império (1831) Código Penal (1890) CP 1940 Consolidação Das Leis Penais (1932) Nova Parte Geral (1984) 8.072/90 9.034/95 9.269/96 8.137/90 7.492/86 9.613/98 9.807/99 10.149/00 CADE (8.884/94) 12.529/11 Amplia para 288 CP, 8.137/90, 8.666/96 12.850/13 2

Lei 12.850/2013 Lei da Organização Criminosa Colaboração Premiada Art. 4 o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: Desenho semelhante ao da delação premiada. Racionalidade do acordo de leniência, com acordo escrito e homologação. No entanto, o instituto é radicalmente diferente de ambos, com características próprias. 3

Inovações da colaboração premiada 1 - Celebração de acordo escrito no âmbito da jurisdição penal, detalhando os termos da colaboração (Art. 6º) 2 - Não oferecimento de denúncia (Art. 4º, 4º) 3 - Suspensão do processo por seis meses (Art. 4º, 3º), a fim de se verificar o cumprimento das condições. 4 - Renúncia ao direito de não se autoincriminar (Art. 4º, 14) 5 - Catálogo de direitos do colaborador (Art. 5º) 6 - Colaboração após a sentença (Art. 4º, 4º) 4

1) Quais os fatos que são objetos da colaboração? Somente os fatos que integram o contexto da investigação? Todos os crimes que praticou? Todos os crimes dos quais teve conhecimento? No caso de uma colaboração prolongada no tempo, devem ser investigados pelo colaborador crimes dos quais as autoridades não tenham nenhum conhecimento? Existe um dever de colaboração genérico? (cláusula 15, SM) 5

2) Quais os direitos dos quais o colaborador abre mão? É possível vincular o acordos de colaboração à renúncia ao direito de indenização por uma prisão indevida? (cláusula 5, 1º, e, SM) É possível vincular o acordos de colaboração à renúncia ao direito de qualquer recurso, inclusive Habeas Corpus, sobre questão processual. (cláusula 12, PRC e cláusula 11, AY e cláusula 19, SM) É vedada a impetração de novo HC sobre fato que não era de conhecimento da defesa? O acordo de colaboração pressupõe simetria de informação? (cláusula 10, h, PB e 15, g, PRC) 6

3) Qual o alcance do acordo É possível acordar sobre suspensão do prazo prescricional por 10 anos? (cláusula 5, III, PRC) E sobre causas de extinção da punibilidade? (cláusula 5, 4º, d, SM) É possível acordar sobre o arquivamento de outros inquéritos? (cláusula 5, III, PRC) É possível acordar sobre processos que seriam ajuizados perante outros juízos por outros membros do MPF ou MPE? (cláusula 5, 9º, PRC) ou (cláusula 5, II, e clausula 5, VI, 6º, PB) (cláusula 10ª, e seus parágrafos SM) E em outros países? (cláusula 21ª, SM) 7

4) Qual a extensão do sigilo do acordo? O acordo deve permanecer sigiloso até o recebimento da denúncia (art. 7º). Inclusive para as partes? (cláusula 6, 4º, PB) (cláusula 15, SM) Mas esse sigilo pode ser imposto a outras autoridades administrativas que investiguem os mesmos fatos, com competências distintas como CADE, CGU ou CPI? (cláusula 14, 1º, PB) O sigilo pode ser imposto a outras partes durante o processo, quando o colaborador estiver sendo inquirido? (sentença Lula 206) 8

5) O acordo pode envolver a prisão de natureza cautelar? O MP pode acordar sobre o modo de medida cautelar restritiva de liberdade? Pode propor que a prisão cautelar seja substituída por domiciliar com tornozeleira? (cláusula 5º, 1º, PRC) Pode condicionar que essa substituição ocorra apenas depois de prestados depoimentos específicos? (cláusula 5º, 4º, PRC) Pode estabelecer o prazo máximo da prisão cautelar? (cláusula 5º, 6º, PRC) Pode se comprometer a não requerer uma prisão cautelar? (cláusula 5º, 1º, f, SM) 9

6) Qual a destinação que se deve dar aos bens recuperados? Devem ser revertidos para reparar o dano causado pelo crime? Petrobrás? (cláusula 8ª, III, PB) Devem ser revertidos à União? (cláusula 6ª, PRC) À Justiça? (cláusula 7ª, AY) Às autoridades? (cláusula 5ª, 3º, g, SM) Devem ser divididos, 80% União e 20% Petrobrás? (cláusula 5ª, 3º, b, SM) Ou devem ser pagos como indenização civil, utilizando-se os bens já bloqueados por supostamente serem produto de crime? (cláusula 8ª, PRC) Os bens podem ser destinados aos familiares do acusado? (cláusula 7ª, 3º, 5º e 6º, AY) 10

7) Quais os benefícios que podem ser oferecidos ao colaborador? Definição do quantum de pena? E da multa? (cláusula 5ª, 3º, SM) Pena cumprida integralmente em regime domiciliar? (PB) Regime de cumprimento de pena diferenciado (per saltum)? (cláusula 5ª, III e V, AY) Atendimento médico particular? (cláusula 5ª, 5º, AY) Imunidade para familiares? (cláusula 5ª, 4º, b, SM) 11

8) Qual a valoração que se deve dar às declarações de um colaborador? Art. 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador. Deve-se utilizar somente as provas ou também as declarações do acusado? Qual o peso que tais declarações devem receber? Corréu? Testemunha? 12

A realização de acordos de colaboração com investigados ou réus em regime de prisão cautelar Por um lado, a lei condiciona a validade dos acordos de colaboração premiada à sua voluntariedade (art. 4º, Lei 12.850/2013). Portanto, devem ser fruto de uma opção livre e consciente do investigado ou réu. Por outro lado, sabe-se que qualquer restrição da liberdade, ainda que temporária, acarreta, necessariamente, a fragilização da autonomia do indivíduo e cria um ambiente de intimidação em face dos responsáveis por sua prisão, bem como uma compulsão para que o indivíduo se autoincrimine.

A realização de acordos de colaboração com investigados ou réus em regime de prisão cautelar Utilizar a prisão cautelar para realização de interrogatório é inconstitucional. E para obter uma colaboração? Quando se isola o indivíduo do mundo exterior, ainda que temporariamente, cria-se uma atmosfera de intimidação que fragiliza sua autonomia e vontade. Nesse cenário de privação de liberdade, ainda que provisória, cria-se um estado psicológico no qual o exercício do direito ao silêncio é propositalmente dificultado.

Direito comparado É óbvio que tal ambiente de interrogatório é criado para nenhum outro fim além de subjugar o indivíduo à vontade de seu interrogador. Esta atmosfera carrega seu próprio emblema da intimidação. Estejamos certos, esta não é intimidação física, mas é igualmente destrutivo da dignidade humana. (...) A menos que sejam empregados meios de proteção para dissipar a compulsão inerente a um ambiente de prisão, nenhuma declaração obtida a partir do réu pode realmente ser o produto de sua livre escolha. Chief Justice Earl Warren, Miranda v. Arizona, 384 U.S. 436 (1966).