BuscaLegis.ccj.ufsc.Br Da Formação de Bando ou Quadrilha. Frederico Eduardo Sobbé* Na prática da advocacia é comum encontrar-se, quando vários elementos são presos pela Polícia, o enquadramento dos mesmos no delito que pretendo examinar. Este costume vem sendo acolhido passivamente pelos órgãos do Ministério Público cujos pronunciamentos somente de raro em raro recebem algum exame por parte dos magistrados que, num primeiro momento, limitam-se a acolher os termos da denúncia deixando a matéria, que é de mérito, para exame posterior quando da sentença. Pode-se até admitir a aplicação dos termos quadrilha ou bando na sua expressão vulgar qual seja a de que vários elementos reunidos para a prática de um crime são tidos como integrantes de uma quadrilha mas no sentido técnico-jurídico a expressão resulta comumente equivocada por não preencherem tais ocorrências aqueles elementos indispensáveis à composição do tipo penal que, como se sabe, devem estar todos presentes sob pena de inexistir o pretendido delito. É que a lei penal e sua interpretação jurisprudencial tem bem estabelecidos quais os ingredientes indispensáveis à caracterização do delito em tela.
Com efeito. Assim, em primeiro lugar, uma tal associação não há de ser eventual resultando de uma ligação entre elementos para a prática de um único delito sem que tal vínculo estenda-se no tempo e voltada à prática de mais de um delito que não precisam ser de uma natureza predeterminada. Significa dizer: Da prática anterior de outros delitos há de constar dos autos uma sólida e crível referência que possa ser recebida como prova de tal associação, como cópia de inquéritos policiais anteriormente realizados em que os mesmos elementos tenham sido envolvidos, certidão de sentenças anteriores ou qualquer outro documento que induza a uma razoável dose de certeza de que outros delitos teriam sido praticados pelo grupo pela, então, quadrilha. Assim, a mera menção a tais delitos não pode, razoavelmente, ser um elemento de convicção para o fim específico de provar a prática deste delito. O segundo elemento a ser considerado é o número de componentes da quadrilha. Este há de ser superior a três pessoas.
Depois, para afirmar a integração de alguém a uma quadrilha preciso é que sua participação, não apenas num determinado delito, mas numa série de outros fique perfeitamente estabelecida e que sua presença no local do crime seja matéria absolutamente provada... é preciso que dessa presença e dessa atividade criminosa seja feita prova escorreita não bastando afirmar a autoridade, em seu relatório, apenas e tão somente, tenha ela ocorrido. Alberto Silva Franco em Direito Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, em nota ao art. 29 do CP assim se manifesta: Participar significa ter ou tomar parte em alguma coisa o que já expressa uma idéia de acessoriedade. Quem participa não realiza fato próprio mas contribui para fato que está sob o domínio de outrem. E, evidentemente, não se trata de um fato qualquer, mas, sim, de um fato que comporte, pelo menos, os juízos de tipicidade e de ilicitude... ( Ob. Citada. Vol. I, Tomo I, Ed. RT 97 ) Certamente que foi por ter presente tais juízos de tipicidade e de ilicitude que Álvaro Mayrink da Costa em sua obra Direito Penal, Vol. I, Tomo II, pág. 222, assinala que A participação requer o dolo também do partícipe e que se dirija à consumação típica do fato principal. Quer dizer: O partícipe deve ter uma intervenção na prática do delito que demonstre sua ciência daquilo que iria ocorrer e sua colaboração, embora secundária, deve dirigir-se à consumação do fato típico.
Antes de pretender tal enquadramento cabe indagar-se, como já foi dito, se o crime teria deixado de ocorrer sem a participação de alguém. Damásio de Jesus exemplifica: Auxílio é a forma de participação material que corresponde à antiga cumplicidade. Pode ser prestado na preparação ou execução do delito. Auxilia na preparação quem fornece arma ou informações úteis à realização do crime. Auxilia na execução quem permanece de atalaia no sentido de avisar o autor da aproximação de terceiro, segura o sujeito passivo para que o executor o mate, leva o ladrão em seus veículo ao local do furto, carrega a arma do homicida, etc... A tais exemplos poderia acrescentar outros como o fornecimento da chave de um cofre ou a cópia da chave de um imóvel para facilitar a prática do delito. Isto é o mesmo que dizer: A participação de menor importância deve ter relação direta com a prática criminosa e seu êxito e pressupõe, como nos diz, Heleno Cláudio Fragoso que a contribuição do partícipe seja causal relativamente ao resultado. Outras modalidades de participação tem natureza moral como a instigação, o encorajamento e o prestigiamento.
Estas, tanto quanto o auxílio material, precisam ser devidamente provadas antes do indiciamento ou denúncia. Por fim, repita-se: Provada a participação do grupo num único delito ter-se-á a ocorrência de concurso e não a ocorrência do crime de formação de bando ou quadrilha como delito a ser independentemente denunciado. A questão, assim, é que o inquérito policial e a posterior denúncia apresentem o máximo de rigor técnico a fim de que, de um lado, o trabalho de instrução pré-processual reflita a seriedade do trabalho realizado o mesmo podendo ser dito do expediente ministerial e, por fim, de outro, que o acusado não seja submetido a procedimento por delito efetivamente não praticado. Este tipo de denúncia, por sinal, leva-nos a refletir sobre o fenômeno do recebimento da denúncia que, ao contrário de outros atos do magistrado, não estaria vinculado à necessidade de fundamentação por, assim entendem os defensores desta posição, tratar-se de um despacho meramente interlocutório. Ligada a esta idéia está a de que não há coação no fato de alguém ver-se processado por que estará sempre assegurada a sua defesa. Pois à vista de algumas denúncias que se poderia facilmente referir tenho que estas, assim como os demais atos judiciais, deveriam ser fundamentados não permitindo que o Poder
Judiciário abrisse a instrução de um procedimento eivado de vícios dentre eles o de referir à circunstâncias do fato simplesmente inexistentes. São situações dessa ordem que me levam ao raciocínio de que as denúncias não poderiam ficar imunes a um juízo de admissibilidade que perquirisse da efetiva ocorrência de materialidade do delito e de que contra o acusado, então denunciado, existem indícios suficientes para justificar a instauração de um procedimento penal. Tais reflexões vem à propósito da reforma do CPP que está sendo elaborada onde, espero eu, seus autores esqueçam os brilhos corporativos e voltem suas atenções para aqueles que se vêem envolvidos em processos criminais sem serem, todavia, criminosos habituais. *Advogado criminalista, Ex- chefe de polícia do RGS. jsobbe@poa.zumnet.com.br 16953 Disponível em: http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=34&idareasel=4&seeart=yes. Acesso em: 13 nov. 2007.