Os muitos significados da chuva Estudos sobre a comunicação social do clima no Ceará,, com vistas ao desenvolvimento de estratégias comunicativas integradas para a disseminação de prognósticos no Nordeste Brasileiro Renzo Taddei - Instituto Comitas de Estudos Antropológicos, e Instituto Internacional de Pesquisas sobre Clima e Sociedade (IRI), Universidade de Columbia, Nova York
Meteorologia e sociedade - I Estudos recentes sobre a problemática do uso de informações de clima apontam para os seguintes fatores: A) Incompatibilidades entre modelos mentais e esquemas de pensamento - Diferenças e incompatibilidades entre compreensão de informações descritivas abstratas e informações referenciadas na realidade vivencial de indivíduos; - Dificuldades na compreensão dos elementos técnicos do prognóstico por leigos; - Dificuldades na compreensão e uso de informações de natureza probabilística; - Diferenças entre a forma como grupos e setores sociais distintos conceituam benefício, utilidade, e relevância ;
Meteorologia e sociedade - II B) Incompatibilidades operacionais e organizacionais - Dificuldades na transformação de modelos de interação entre a atmosfera e o oceano em prognósticos de impacto de clima em atividades econômicas (safra, recarga de açudes, epidemias, situações de emergência, etc.); - Variabilidade de duração e intensidade de fenômenos como o El Niño, gerando dificuldades em previsibilidade e descompassos com as escalas espacial e temporal de decisão mais específicas; - Falta de flexibilidade dos atores envolvidos para alterarem seus modos de decisão; - Existência de pressões políticas e socioeconômicas provenientes de grupos de interesse diversos, afetando conteúdo, interpretação, e distribuição dos prognósticos;
Meteorologia e sociedade - III B) Incompatibilidades operacionais e organizacionais cont. - Problemas de avaliação do grau de previsibilidade e confiabilidade do prognóstico, tais como sub ou superestimatição de sua confiabilidade, seu uso de forma sensacionalista, ou divulgação de informações de forma resumida e sem elementos que auxiliem a interpretação e contextualização apropriada da previsão; - Crises de legitimidade: multiplicidade de fontes de prognósticos, associado à indisponibilidade de indicadores claros de qualidade de prognósticos, resulta em decréscimo geral da aceitação e atribuição de valor às previsões;
Meteorologia e sociedade - IV Recomendações encontradas na bibliografia: - Produção de prognósticos diferenciados em função das idiossincrasias de subgrupos de usuários; - Investimento no estudo qualitativo e quantitativo dos impactos das diversas formas de divulgação dos prognósticos. Exemplos: taxas de ocupação de mão-de-obra em setores específicos, incremento de atividades ilegais (como pesca em períodos de reprodução ou acima de quotas estabelecidas), superexploração de ecossistemas e resultante crises de produtividade de alguns setores; - Incorporação de elementos ligados a fatores exógenos às variáveis físicas meteorológicas, mas de grande relevância para usos específicos, como o monitoramento de ecossistemas onde atividades de produção são realizadas, na elaboração dos prognósticos;
Meteorologia e sociedade - V Recomendações encontradas na bibliografia cont.: - Promoção da melhoria do acesso de agricultores a recursos tecnológicos e produtivos que diminuam sua vulnerabilidade a variações climáticas, aumentando assim sua gama de opções de ação e estratégias de sobrevivência; - Dissociação da produção e divulgação dos prognósticos de processos de manipulação política; busca do prognóstico "apolítico"; - Adoção de estratégia pró-ativas de melhoria de interlocução entre meio científico e usuários potenciais; - Ações coletivas de forma a resguardar a legitimidade e autoridade dos institutos de previsão: adoção de mecanismos de consensualização de prognósticos de forma prévia à sua divulgação, e uso de um número reduzido de instituições especializadas para a distribuição massiva dos prognósticos;
Meteorologia e sociedade - VI De forma prática: 1 O que o interlocutor não entende é irrelevante para ele(a), e a atenção será colocado nas informações que ele(a) pode entender, mesmo que a compreensão seja equivocada => Necessidade da criação de estratégias pedagógicas para a explicação de questões complexas, dentro dos processos de comunicação; => Não pressupor que o interlocutor entenda gráficos, tabelas, ou que a leitura de fotos de satélite ou diagramas de anomalias de temperaturas do oceano seja de compreensão fácil e imediata;
Meteorologia e sociedade - VII 2 É importante esclarecer o que o prognóstico é em sua estrutura, e não apenas o seu conteúdo específico, ou seja, é preciso ressaltar a questão de que o prognóstico fala de: - probabilidades, - associadas ao total de chuvas, - desconsiderando a pré e a pós-estações (explicando o que são elas), - para toda a região, - e associadas a três categorias (abaixo da média histórica ou seco, etc.), explicando o que são estas categorias;
Meteorologia e sociedade - VIII 3 - Além disso, é preciso explicar sobre os tercis e sobre as probabilidades associadas, para que 40% de chance de uma das categorias não seja interpretado como pouca probabilidade; 4 É preciso ressaltar também a questão da variabilidade espacial e temporal das chuvas, e a questão das regiões pluviometricamente homogêneas, explicando o que é isso; 5 Se isso tudo está bem entendido, as chances de que o interlocutor compreenda o que a meteorologia está dizendo são muito maiores. 6 - O material impresso a ser fornecido deve ser de leitura fácil para o leigo. Gráficos sofisticados devem ser evitados, pois causam ansiedade no leitor e desta forma diminuem a capacidade de compreensão e interpretação;
Meteorologia e sociedade - IX A comunicação do prognóstico é um momento crucial dentro da forma como as agências meteorológicas administram sua imagem institucional. A gestão da imagem institucional inclui a necessidade de entender como a meteorologia insere-se na sociedade e quais pressões são exercidas sobre ela (como um campo de forças). A gestão efetiva destas pressões é necessária para que não recaiam sobre a meteorologia ansiedades coletivas e pressões políticas que não lhe competem, e por isso cada vez mais as agências precisam participar da educação pública e dos debates sobre a interlocução entre a ciência e a sociedade.
Exemplos para discussão
A previsão de chuvas no Ceará Esclarecendo conceitos e desfazendo confusões: o que é o inverno no Ceará? Senso comum: período que vai das primeiras às últimas chuvas; Meteorologia: três momentos diferentes de chuva. Momento em que chove Nome dado pela meteorologia Sistemas meteorológicos principais Previsibilidade Dezembro-Janeiro Chuvas de pré-estação Frentes frias e Vórtice ciclônico Baixa Fevereiro a Maio Estação de chuvas propriamente dita Zona de Convergência Inter-Tropical Alta Maio-Junho Chuvas de pós-estação Ondas de leste Baixa
CHUVAS DO NORDESTE BRASILEIRO Dezembro Março Maio
Imagens e Gráficos
A previsão de chuvas no Ceará - III CLIMA: o que a previsão da meteorologia pode dizer sobre a quadra chuvosa? Probabilidades para: 1 - Total de chuvas dentro da quadra chuvosa; 2 - Sobre todo o estado do Ceará (ou amplas regiões dentro dele, como ao norte ou ao sul do estado); 3 - Associadas às categorias: acima da média histórica ou chuvoso abaixo da media histórica ou seco : dentro da media histórica ou normal faixa de quantidade de chuva, em milímetros, definida pelos 10 anos em que mais choveu nos últimos 30 anos* idem para os 10 anos em que menos choveu para 10 anos intermediários * Alguns autores usam os 35% dos anos com mais chuvas para chuvoso, 35% com menos chuvas para seco, e os 30% intermediários para normal.
Chuvas no Ceará de 1975 a 2005 1891.1 Abaixo da media histórica ou seco Dentro da media histórica ou normal Acima da media histórica ou chuvoso 620.7 657.7 663.4 683.9 685.6 695.6 708.7 716.3 739 775.8 783.5 802.90 846.50 858.7 951.7 965.1 1065.3 1066.8 1075.2 1,095.30 1118.3 1,155.50 1156.6 905.86 1167.5 1168.5 1263.1 1323.5 421.2 430.6 528 1978 1976 1980 1991 1987 1997 1982 2001 1992 1979 1981 2005 1990 1998 1983 1993 2002 1999 Média 1985 1986 1989 2004 1994 1988 1975 1984 1977 1995 2000 1996 2003 1900 1800 1700 1600 1500 1400 1300 1200 1100 1000 900 800 700 600 500 400 300 200 100 0 Anos Precipitação (chuvas) em milímetros
Abaixo da média m histórica seca - Percepção humana (sentidos): não é uma boa forma de medição quantitativa. - Ansiedade afeta percepção. - Muitas vezes a população entende média ou normal com chuva suficiente, mesmo em regiões onde historicamente chove pouco. A media histórica é um conceito estatístico. Desta forma, a categoria abaixo da media histórica não é necessariamente sinônimo de seca! 90 mm 90 mm
Por quê o prognóstico é probabilístico? Analogia com o jogo infantil de bolinhas e hastes Bolinhas Condições iniciais Trajetória de cada bolinha Hastes de madeira Condições de contorno: fatores que afetam o curso dos eventos em determinada direção Distribuição de resultados mostra probabilidades associadas a cada um deles. 7 bolinhas 20% 21 bolinhas 60% 7 bolinhas 20% abaixo da média média acima da média
Por quê o prognóstico é probabilístico? - II 50% de chance: muito ou pouco? Moeda: 2 resultados possíveis. 50% de chance cada. Dado: 6 resultados possíveis. 17% de chance cada. Previsão: 3 resultados possíveis. 33% de chance cada. 100% de certeza? Impossível, segundo a ciência. 1) Sistemas atmosféricos são caóticos, isto é, complexos demais; modelos de computadores não são perfeitos, mas simplificações dos fenômenos naturais. 2) Existe uma grande dificuldade para prever as temperaturas dos oceanos (uma das condições iniciais);
O que é uma boa previsão de chuvas? A importância do fator social. Vulnerabilidade: dimensão social. Seca: fenômenos meteorológicos + determinadas condições sociais Exemplo: poucas chuvas e pouca capacidade de adaptação da sociedade. A utilidade do prognóstico esta ligada ao contexto de cada grupo humano: 1) Necessidades diferentes no uso que faz de informações de clima; 2) Distintas visões a respeito do clima e de como ele afeta suas vidas, e formas específicas de tomada de decisões; 3) Graus de liberdade e possibilidade diferentes quanto ao que pode fazer para adaptar-se a um evento climático previsto; Conclusão: qualidade técnica utilidade. Mesmo um prognóstico de clima de alta qualidade técnica pode não encontrar uso efetivo por setores da sociedade.
A previsão de chuvas no Ceará - V Deve-se evitar confundir o prognóstico de chuvas com: Prognóstico de produção agrícola Prognóstico de eventos que necessitarão da ação da defesa civil Prognóstico de recarga de açudes Prognóstico de epidemias Fatores intermediários Chuvas não são os únicos fatores a determinar estes eventos: pragas, mercado, políticas públicas, etc. Pesquisa atual: desenvolvimento de técnicas para: Prognóstico de chuva Fatores intermediários Prognósticos de safra, recarga de açudes, epidemias, etc.
Novo paradigma, novas oportunidades Grande salto nos conhecimentos climáticos na última década: modelos melhores; Desenvolvimento de uma abordagem multidisciplinar: melhor conhecimento das formas como a sociedade pensa e toma decisões ligadas ao clima. Busca de formas de convivência com o semi-árido redução da vulnerabilidade. Produção de previsões e informações climáticas adequadas às necessidades de cada tipo de usuário. Informação genérica: pouca utilidade Informação direcionada a comunidades ou setores específicos: muita utilidade
FIM Apresentação disponível no site http://iri.columbia.edu/~taddei/ces Email para contato: taddei@iri.columbia.edu