ECMO EM PACIENTES ESPECIAIS (HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA, INFARTO DO MIOCÁRDIO, INFLUENZA H1N1)

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Transcrição:

AULA 28 ECMO EM PACIENTES ESPECIAIS (HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA, INFARTO DO MIOCÁRDIO, INFLUENZA H1N1) A introdução da ECMO no arsenal de recursos tecnológicos da terapia intensiva contribuiu para modificar acentuadamente o prognóstico de grupos específicos de pacientes, notadamente os recém-natos portadores das mais diversas formas de insuficiência respiratória aguda que, por diversas circunstâncias, não respondem satisfatoriamente aos tratamentos convencionais. O suporte respiratório pela EC- MO permite o tratamento das diversas patologias pulmonares sem os efeitos deletérios da ventilação pulmonar prolongada pelos respiradores mecânicos. Adultos com comprometimento pulmonar agudo, hoje, através do suporte oferecido pela ECMO, podem, do mesmo modo que os recém-natos, receber o tratamento das suas enfermidades básicas, enquanto as trocas gasosas são processadas fora do organismo. A excelência dessas experiências com a assistência respiratória permitiu estender o suporte cardiopulmonar extracorpóreo prolongado a condições cardiológicas. O emprego da ECMO tornou possível a redução das complicações e da mortalidade nesses pacientes portadores de reduções drásticas, porém temporárias, da contratilidade miocárdica. E, dessa forma, a ECMO tornou possível a sobrevida dos pacientes enquanto o músculo cardíaco se recupera da injúria que determinou a disfunção contrátil. Página 385

Ao longo do tempo, a ECMO passou a ser utilizada em uma variedade de condições nas quais o suporte cardiopulmonar temporário poderia trazer benefícios. Dentre essas condições podemos destacar as hérnias diafragmáticas congênitas, o infarto agudo do miocárdio, certas intoxicações ou envenenamentos e, como o- correu no recente surto mundial, a influenza H1N1, popularmente denominada gripe suína, quando o comprometimento respiratório ameaça a vida dos pacientes. ECMO NA HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA A primeira descrição da hérnia diafragmática é creditada aos Drs. George Mc- Cauley e John Hunter, publicada em 1754. Tratava-se de um caso extremo dessa patologia. Um recém-nato a termo faleceu com dificuldades respiratórias cerca de 90 minutos após o parto. O exame cadavérico mostrou uma abertura ampla no diafragma, à esquerda, através do qual a maior parte do intestino delgado, do intestino grosso, o baço, o estômago e parte do pâncreas ocupavam o hemitórax esquerdo. Devido ao enorme volume ocupado pelos órgãos abdominais que migraram para a cavidade torácica esquerda, o mediastino, o coração, o esôfago e a aorta descendente estavam deslocados para o hemitórax direito. Os lobos do pulmão esquerdo eram hipoplásicos. Esse quadro descrito para a hérnia diafragmática congênita reflete a extrema gravidade dessa patologia. Outros autores contribuíram com relatos semelhantes, dentre os quais Bochdaleck, em 1848, que descreveu os aspectos embriológicos dessa patologia que, por essa razão, passou a ser conhecida também como hérnia de Bochdaleck. O orifício diafragmático que permite a migração das vísceras abdominais para o hemitórax esquerdo é, pelas mesmas razões, conhecido como orifício ou forame de Bochdaleck. Curiosamente, estudos posteriores demonstraram que as teorias de Bochdaleck sobre a em- Página 386

Perfusion Line Assistência Cardiopulmonar Extracorpórea Prolongada ECMO/ECLS briologia dessa lesão não eram inteiramente corretas. Menos frequentemente, o hemidiafragma direito apresenta um orifício através do qual o fígado ou parte dele, com ou sem alças intestinais, ocupa o hemitórax direito. As descrições acima nos permitem conceituar a hérnia diafragmática congênita como sendo uma malformação em que um orifício anômalo na porção muscular do diafragma permite que parte do conteúdo da cavidade abdominal ocupe uma das cavidades torácicas. O diâmetro do orifício anômalo pode variar desde alguns milímetros até ocupar a quase totalidade da cúpula diafragmática. Como a malformação restringe o espaço destinado ao desenvolvimento pulmonar, a hérnia diafragmática congênita, na grande maioria dos casos é acompanhada de um maior ou menor grau de hipodesenvolvimento pulmonar (hipoplasia pulmonar), conforme ilustra as figuras 28 A e B. Quando a quantidade de vísceras abdominais mi- A B Figuras 28 A e B. A figura 28.A ilustra uma enorme hérnia diafragmática congênita esquerda associada a uma hérnia à direita. As vísceras abdominais estão situadas nas cavidades torácicas. É excepcional que um neonato apresente hérnias nos dois hemidiafragmas. A Figura 28 B ilustra a radiografia simples do tórax de um neonato com alças intestinais ocupando a cavidade torácica esquerda e o mediastino desviado para a direita. Página 387

gradas para o tórax é significativa ocorre a compressão e desvio do mediastino para o lado oposto ao da hérnia dificultando a expansão pulmonar e o enchimento atrial por distorção das veias cavas. Esses neonatos podem, portanto, apresentar quadros graves de insuficiência respiratória aguda que requerem tratamento de emergência. Em uma série de 44 recém-nascidos com hérnia diafragmática congênita, 75% faleceram no período neonatal, mostrando a gravidade de que essa patologia pode se revestir. A maioria das crianças nascidas com hérnia diafragmática congênita apresenta insuficiência respiratória ao nascimento. A intubação traqueal e subsequente ventilação mecânica são as medidas iniciais mais adequadas. A evolução de muitas crianças permite o diagnóstico imediato, pela redução dos ruídos respiratórios, o abdome escavado pela migração das vísceras para a cavidade torácica. A radiografia simples do tórax, habitualmente, permite o diagnóstico definitivo da hérnia diafragmática congênita. É aconselhável o estudo ecocardiográfico dessas crianças para excluir a associação com malformações cardíacas, para que se possa formular um diagnóstico completo e, desse modo, planejar o tratamento mais adequado. As principais causas de mortalidade em grande parte dos neonatos portadores de hérnia diafragmática congênita são a hipertensão arterial pulmonar e a hipoplasia pulmonar e não, como parece, a presença das vísceras abdominais no tórax. Esse fato permititu definir melhor um momento ótimo para a correção cirúrgica. Por essa razão, a insuficiência respiratória é, habitualmente, tratada pela EC- MO, com a finalidade de estabilizar o leito vascular pulmonar antes da correção cirúrgica. Devido a numerosas circunstâncias, ainda não há consenso sobre o me- Página 388

lhor método de tratamento dessa grave patologia que se acompanha de elevada mortalidade. Há, de um modo geral, 3 condutas que podem ser adotadas, dependendo do quadro clínico determinado pela hérnia: A hérnia é de pequenas dimensões, não há desvio importante do mediastino e a insuficiência respiratória é leve e responde às medidas habituais de tratamento, incluindo a ventilação mecânica (respiradores mecânicos). Esses pacientes são operados sem necessidade de suporte extracorpóreo a não ser em raros casos de deterioração pós-operatória imediata, produzida por crises de hipertensão arterial pulmonar difíceis de controlar. A hérnia é de grandes dimensões e o quadro respiratório pode ou não se acompanhar de baixo débito cardíaco por desvio do mediastino e compressão ou torção das veias cavas superior e inferior. Esses pacientes, de um modo geral, não respondem à terapia intensiva habitual. A ECMO é instalada em caráter de urgência e, em pouco tempo de suporte, as condições do paciente são estabilizadas. Os neonatos são operados na vigência da ECMO e, no período pós-operatório, quando as condições cardiorespiratórias se mostram adequadas, o processo de desmame é iniciado. A equipe cirúrgica considera todos os casos de hérnia diafragmática congênita como emergências cirúrgicas. Os casos que não equilibram as condições cardiorespiratórias imediatamente após a operação constituem os potenciais candidatos ao suporte pela ECMO. Em todas as situações descritas, o suporte cardiopulmonar extracorpóreo oferecido aos portadores de hérnia diafragmática congênita não difere da ECMO utilizada em pacientes não cirúrgicos. Página 389

Quando o tratamento cirúrgico é feito com as crianças em suporte pela ECMO há uma incidência de complicações hemorrágicas que se aproxima dos 60%. Se a cirurgia é realizada após a estabilização da hipertensão arterial pulmonar e desmame da ECMO a incidência de complicações hemorrágicas cai para aproximadamente 20%. O uso de antifibrinolíticos como o ácido épsilon-amionocaproico ou o ácido tranexâmico pode ser útil para reduzir os índices e a severidade das complicações hemorrágicas. O emprego das estratégias descritas permitiu a otimização do manuseio dos neonatos portadores de grandes hérnias diafragmáticas congênitas e possibilitou aumentar a sobrevida dessas crianças para 78%. Algumas crianças na idade neonatal e portadores de cardiopatias congênitas complexas tem sido submetidas a um regime de tratamento semelhante ao descrito para a hérnia diafragmática congênita e os resultados iniciais tem se mostrado animadores. Eventualmente, quando o procedimento cirúrgico não restaura as funções cardíacas ao ponto de manter o débito cardíaco, o suporte pela ECMO se prolonga até o aparecimento de um doador compatível para a realização de um transplante cardíaco. Nessa aplicação a ECMO é denominada ponte para o transplante. Apesar de um procedimento de extrema complexidade o emprego da EC- MO como ponte para o transplante tem permitido salvar algumas vidas. ECMO NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA PÓS-INFARTO O infarto agudo do miocárdio pode determinar o desenvolvimento de insuficiência cardíaca de diversos graus de severidade. O mesmo ocorre com determinados pacientes após os procedimentos de cirurgia cardíaca, devido à falência dos métodos de proteção miocárdica ou à extensão da injúria miocárdica existente no perí- Página 390

odo pré-operatório. Nesses casos, principalmente quando a cirurgia é indicada para revascularizar o miocárdio isquêmico a primeira opção de suporte é o balão intra-aórtico (BIA). Entretanto, em muitos casos, a assistência oferecida pelo BIA é pouco eficaz, uma vez que apenas aumenta o débito cardíaco em cerca de 20 a 30%. Os pacientes submetidos a cirurgia cardíaca pediátrica, os pacientes adultos operados para a correção de lesões valvulares e os pacientes submetidos à revascularização do miocárdio que não podem ser retirados da circulação extracorpórea convencional constituem um grupo de pacientes em que a ECMO pode ser a medida salvadora, desde que empregada precocemente, antes que ocorram lesões neurológicas severas devido às inúmeras tentativas malsucedidas de sair da circulação extracorpórea com o auxílio de misturas de drogas inotrópicas potentes e um débito cardíaco marginal ou baixo. A transição da circulação extracorpórea para a ECMO é simples e pode ser feita com a mesma canulação já instalada, o que reduz o número de procedimentos cirúrgicos adicionais. Além disso, a hemostasia nesses pacientes é extremamente difícil e o fechamento da ferida cirúrgica com um enxerto que apenas aproxima as bordas da pele, deixando o esterno aberto, favorece a drenagem do mediastino e reduz o acúmulo de coágulos capazes de tamponar o coração e favorecer o desenvolvimento de infecções. Algumas horas ou dias de assistência circulatória nesses pacientes podem fazer a diferença e permitir a sobrevida de um número significativo de casos inicialmente considerados extremos ou irreversíveis. Os protocolos de monitorização e de controle da ECMO nesses pacientes não Página 391

diferem dos protocolos recomendados para a ECMO habitual, exceto pela menor necessidade de heparinização, em virtude da presença da heparina administrada para a CEC convencional. Além disso, esses pacientes evoluem melhor quando o TCA é mantido nos limites inferiores, em torno dos 160-180 segundos. A tendência hemorrágica deve ser agressivamente tratada pela administração de sangue e plasma frescos, plaquetas, concentrados de fatores da coagulação, crioprecipitado, fibrinogênio e antifibrinolíticos. Como um último recurso o emprego do fator VII recombinante ativado pode ser a solução para interromper o estado hemorrágico, desde que o sangramento não seja de natureza cirúrgica. ECMO NA INFLUENZA H1N1 Em Abril de 2009 as autoridades da saúde do México detectaram um aumento do número de casos de penumonias severas em adultos jovens. Logo em seguida identificou-se o vírus da influenza A (de origem suína), H1N1 como o causador dessa enfermidade que, rapidamente, expandiu-se pelo mundo, fazendo vítimas, particularmente entre adultos jovens e entre idosos portadores de doenças debilitantes ou com algum grau de depressão do sistema imunológico. O aparecimento dessa epidemia no México coincidiu com o início do inverno e, logo em seguida, episódios idênticos foram assinalados em outros países, configurando um quadro que a Organização Mundial de Saúde classificou de pandemia, graças à vasta e surpreendentemente rápida disseminação do vírus. A Austrália e a Nova Zelândia, curiosamente, apresentaram uma incidência oito vezes mais elevada da doença do que os Estados Unidos da América do Norte. A agressividade da gripe H1N1, particularmente na Oceania, fez com que um grande número de pacientes infectados pelo vírus tivesse necessidade de receber cuidados intensivos. As unidades de terapia intensiva ocuparam a maioria dos seus Página 392

leitos com os portadores dessa gripe popularmente chamada gripe suína. Uma proporção desses pacientes desenvolveu quadros de insuficiência respiratória aguda (síndrome da insuficiência respiratória do adulto) que requeria terapia respiratória intensiva, incluindo o emprego dos respiradores mecânicos. Alguns casos mais graves evoluíram com hipoxemia e retenção de dióxido de carbono, apesar das medidas habituais para o tratamento dos quadros severos de insuficiência respiratória aguda. Os pacientes que desenvolveram hipoxemia apesar do uso prolongado dos respiradores mecânicos, quando possível, foram encaminhados às unidades de EC- MO. Dentre as 187 UTIs existentes na Austrália e na Nova Zelândia, 15 dispunham de recursos que permitiam o suporte cardioprespiratório pela ECMO. Entre 1 de Junho e 31 de Agosto de 2009, 72 pacientes que preencheram os critérios estabelecidos por uma equipe de especialistas foram tratados com a ECMO nos 15 centros que participaram do estudo. Quatro pacientes foram excluídos do estudo porque tinham outras doenças como a principal causa de suas dificuldades respiratórias. Dentre os 68 pacientes que receberam ECMO para doença respiratória aguda produzida por pneumonias secundárias à infecção pelo vírus H1N1, a idade média foi de 34,4 anos e metade era do sexo masculino. Durante o mesmo período do estudo 252 pacientes foram internados nas 15 UTIs que participaram da avaliação da ECMO na gripe H1N1 e 133 foram tratados com respiração mecânica. Dos 68 pacientes em suporte pela ECMO, 63 (93%) foram mantidos em ECMO veno-venosa enquanto apenas 5 (7%) precisaram da ECMO veno-arterial. Cin- Página 393

quenta e três pacientes (78%) foram desmamados da ECMO com sucesso, enquanto 13 pacientes faleceram durante o suporte. A duração média do suporte pela ECMO foi de 10 dias (7 15 dias) e o oxigenador usado foi de fibras capilares de polimetilpentano. Trinta e dois pacientes tiveram alta hospitalar em boas condições de saúde. As principais causas de óbitos foram hemorragias e insuficiência respiratória intratável (irreversível). Outros países experimentaram o emprego da ECMO nas mesmas circunstâncias e conseguiram obter uma proporção de sobrevidas semelhante às que foram relatadas na Austrália e na Nova Zelândia. OUTRAS INDICAÇÕES DA ECMO A ECMO pode ser usada em crianças e em adultos para oferecer suporte cardiorespiratório a pacientes portadores de uma ampla variedade de condições nas quais predominam a insuficiência respiratória aguda reversível ou a insuficiência cardíaca aguda igualmente capaz de ser revertida por uma variedade de recursos habitualmente disponíveis nas unidades de terapia intensiva. Ocasionalmente, a ECMO tem sido usada com sucesso como uma ponte, enquanto se aguarda o aparecimento de órgãos para transplantes removidos de doadores compatíveis. Casos isolados ou grupos de pacientes tem recebido suporte cardiopulmonar extracorpóreo prolongado em virtude de parada cardiorespiratória que não responde às manobras habituais de ressuscitação, intoxicações por drogas que reduzem a contratilidade miocárdica ou que produzem apnéia, afogamentos, hipotermia acidental em países de clima frio e pneumonias virais ou bacterianas severas, dentre outras. Página 394

O campo de aplicações da ECMO ainda não está completamente definido. Novas aplicações são agregadas à já extensa lista, fazendo com que esse importante recurso seja indispensável nas regiões que se propõem a oferecer cuidados médicos terciários de boa qualidade à sua população. Página 395