AS ÉTICAS FEMINISTAS. Maria Luísa Ribeiro Ferreira Faculdadede Letras da Universidade de Lisboa Centro de Filosofia da UL

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Transcrição:

AS ÉTICAS FEMINISTAS Maria Luísa Ribeiro Ferreira Faculdadede Letras da Universidade de Lisboa Centro de Filosofia da UL

Tópicos a considerar: 1. Será o feminismo uma filosofia? 2. A dialéctica sexo género 3. Os diferentes feminismos 4. Os feminismos da igualdade: Simone de Beauvoir 5. Os feminismos da diferença: Vandana Shiva 6. Os feminismos do trans-género: Judith Butler

1. Será o feminismo uma filosofia?

Feminismo é uma prática -é uma teoria

Filosofia -procura de sentido: para o mundo para os humanos para a relação dos humanos entre si para a relação dos humanos com o mundo Essa procura de sentido concretiza-se num texto

As exigências de um texto/discurso filosófico - abstracção - racionalização - argmentação - problematização - explicação - utilização de conceitos

GillesDeleuze/Félix Guatari, O que é a Filosofia?, Lisboa, Presença, 1991, a filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos p.10 qual seria o valor do filósofo de quem se pudesse dizer não criou qualquer conceito, não criou os seus conceitos? p. 13

A existência de temáticas próprias sobre as quais filosofar: Temas como: o conhecimento, o ser, o bem, o homem, a acção, a justiça, a beleza, a verdade, a política, etc. etc.

A exigência de metodologias próprias para se fazer filosofia Questionamento Explicação racional Argumentação Problematização Dúvida Diálogo Etc.etc.

A vertente prática da filosofia - as diferentes filosofias orientam explicita ou implicitamente a acção humana -os filósofos antecipam o seu tempo -os grandes acontecimentos influenciam os filósofos

O feminismo é uma filosofia Teoricamente investiga e discute a identidade, especificidade, direitos das mulheres Praticamente luta pela realização plena da mulher como ser humano

O feminismo é uma filosofia No campo da filosofia o feminismo valoriza sobretudo os temas de: Ética Antropologia Política Filosofia do Espaço Público

Semelhanças metodológicas Argumentação Problematização Análise Fabricação de conceitos Etc.

2. A dialéctica sexo/género Especificidade do conceito de género nos estudos feministas A história do conceito de género nos estudos feministas

Especificidade do conceito de género nos estudos feministas Género = o construído Sexo = o dado

Um exemplo os provérbios portugueses A língua das mulheres é uma espada A mulher e o vinho fazem errar o caminho Antes casada arrependida que freira aborrecida Bela mãe e bela filha disputas na família Homem velho e mulher nova dão filhos até à cova Mulher de buço nem qualquer um lhe apalpa o pulso

3. Os diferentes feminismos - Feminismos da igualdade (1ª vaga) - Feminismos da diferença (2ª vaga) - Feminismos do trans-género(3ª vaga)

Pontos comuns a todos os feminismos: São objectivos essenciais de todo e qualquer feminismo: reflectir sobre a situação das mulheres; compreender a condição feminina; lutar em prol da sua plena realização.

Precursoras dos feminismos Olympe de Gouges igualdade Mary Wollstonecraft

OLYMPE DE GOUGES 1748-1793 Déclarationdesdroitsde la femmeetde la Citoyenne (1791)

MARY WOLLSTONECRAFT 1759-1797 A Vindication of the Rights of Woman Political Writings (A Vindication of the Rights of Men; A Vindication of the Rights of Woman; The French Revolution)Oxford, Oxford University Press, 1994.

Feminismos da igualdade Teses: Luta pelos mesmos direitos Defesa de valores universais Combate a uma sociedade machista Combate a uma natureza feminina Tónica colocada na semelhança ( sameness ) Reivindicação de um mesmo modus vivendi para homens e mulheres.

Feminismos da diferença Teses: A igualdade é uma violência imposta às mulheres A necessidade de instituir um poder feminino Defesa de uma cultura feminina Especificidade dos valores femininos Defesa de um feminismo celebrativo As redes de mulheres

Feminismos do trans-género Teses: Importância da fragmentação Importância da desconstrução do sujeito Crítica às meta-narrativas Crítica às interpretações globais do real Crítica às dicotomias mulher/homem; sexo/género Validação de pequenos grupos: lésbicas, gays, trans-sexuais, queer, travestis.

Crítica ao conceito genérico de mulher Crítica da identidade feminina: Thoughallwomenare womenno womanis onlya woman. Elisabeth Spelman, Inessential Woman O género é fonte de trouble

4. Os feminismos da igualdade

Simone de Beauvoir 1908-1986

NotreDamede Sartre La Grande Sartreuse

Teses comuns com Sartre A existência precede a essência O ser humano está condenado a ser livre A relação entre filosofia e literatura O combate à má fé A importância do compromisso ( engagement ) A crítica a uma natureza humana

Distanciamento de Sartre A crítica ao conceito de uma natureza feminina

Feminismos da igualdade Le deuxième sexe, (1949) trad. portuguesa O segundo sexo, Lisboa, Quetzal, 2015. Onnenaîtpasfemme, onle devient

Le deuxièmesexe 1ª Parte: Destino História Mitos 2ª Parte Formação Situação Justificações Conclusão pela libertação das mulheres

5. Os feminismos da diferença

O ecofeminismode Vandana Shiva (1952)

StayingAlive: Women, EcologyandSurvival, London, Zed Books, 1989 Ecofeminism, (c/ Maria Mies) NewJersey, AtlanticHighlands, ZedBooks, 1993; trad. Port. Edições Piaget, 1997. EarthDemocracy. Justice, Sustainability and Peace, Cambridge, Massachusetts, 2005.

VandanaShiva: - apoia as culturas indígenas -contesta a privatização dos recursos naturais -critica a sua transformação em mercadorias.

O Movimento da Democracia da Terra valoriza a acção de pequenos grupos

Coca-Cola Pepsi-ColaquitIndia" Declaração de Plachimada

O movimento Chipko(abraço)

6. Os feminismos do transgénero

JudithButler (1956)

Feminismos da transsexualidade Judith Butler, Gender Trouble. Feminism and thesubversionof Identity, NewYork, Routledge, 1990. JudithButler, Bodies that matter: on the discursive limits of "sex". New York: Routledge, 1993.

Conchita Wurz

ser mulher é uma performance cultural ( ) O género é performativo, no sentido de que constrói, como sendo um efeito, o próprio sujeito que aparenta exprimir. Butler, Imitation and Gender Determination, indianefuss, Inside/Out, New York, Routledge, 1991, p. 24.

A noção de identidade de género é uma construção política

As fronteiras que delimitam o conceito de mulher são políticas.