fls. 800 SENTENÇA Processo: Autor: Requerido: 0001770-34.2010.8.26.0695 - Ação Civil de Improbidade Administrativa Ministério Público do Estado de São Paulo Mario Antonio Pinheiro e outro Vistos. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ajuizou a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA contra MÁRIO ANTONIO PINHEIRO, em que argumenta ter apurado através de Inquérito Civil que o réu, no ano de 2006, investido no cargo público de Prefeito Municipal de Nazaré Paulista, contratou, sem concurso público, diversas pessoas para preenchimento de cargos públicos na área de saúde e educação. Sustenta que as pessoas contratadas exerceram o cargo e depois foram exoneradas e a contratação delas deu-se em razão da vacância temporária ou definitiva dos cargos por motivos diversos. O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo entendeu que do total de contratações examinados, aquelas para cargos de escriturário, inspetor de alunos, odontólogo e ajudante de escola rural, houve violação da Constituição da República, em razão da falta de concurso público para possibilitar o acesso aos postos de trabalho. Afirma que o Tribunal de Contas rejeitou o argumento de inexigibilidade do concurso, fundado na alegação de situações excepcionais, porque se tratavam de cargos técnicos e administrativos, que enfeixam atribuições ordinárias da Administração Municipal, onde afastamentos e exonerações são fatos cotidianos, concluindo que e reconhecendo a afronta aos apotegmas norteadores da Administração Pública. Por fim, afirma que o alcaide sequer tornou público o tema, ofendendo o princípio da publicidade. A violação dolosa dos princípios constitucionais representa ato de improbidade e requer a procedência da ação condenando-se o réu a perda da função pública, à suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, ao pagamento de multa civil até cem vezes o valor da remuneração que percebe. Com a inicial, vieram documentos. O réu foi notificado a apresentar defesa escrita preliminar e pugnou pela extinção do processo sem julgamento de mérito. Cumpriu-se o disposto no art. 17, 3º, da Lei 8.429/92. A Prefeitura Municipal de Nazaré Paulista apresentou defesa escrita.
fls. 801 O Ministério Público ofereceu parecer contra as defesas escritas e opinou pelo recebimento da inicial e formal citação do réu. A inicial foi recebida por decisão fundamentada. O réu foi citado e deixou de oferecer contestação. A Prefeitura Municipal de Nazaré Paulista pugnou pelo recebimento da defesa escrita como contestação e voltou a defender a legalidade das contratações. Na sequência, o Ministério Público pugnou pelo reconhecimento da revelia do réu. Intimados a especificar provas, a Dr.ª Promotora de Justiça requereu o julgamento da lide no estado enquanto a Prefeitura Municipal de Nazaré Paulista requereu a produção de prova documental e oral. É o relatório. D E C I D O Cabível o julgamento antecipado, eis que a matéria controvertida prescinde da realização de provas em audiência, motivo autorizante de se dar o julgamento no estado. O pedido inicial procede. Prescreve o artigo 37 da Constituição Federal que: A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:... II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Ao servidor ocupante de emprego público aplica-se o regime geral de previdência social (artigo 40, 13, da Constituição Federal), mas não se dispensa, para a sua investidura, a prévia aprovação em concurso público, nos termos do inciso II do artigo 37 da Constituição Federal, acima transcrito.
fls. 802 Não resta dúvida, portanto, que os cargos descritos na inicial, de origem técnica e administrativos somente podem ser preenchidos mediante prévio concurso público de provas ou de provas e títulos, exigência esta não observada na contratação feita pelo réu no ano de 2006. Diante dessas irregularidades, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo em v. acórdão concluiu que no caso concreto, havia espaço para realização do processo seletivo. Nenhuma justificativa de impossibilidade de realização prévia de processo seletivo, ainda que simplificado, foi comprovada. É dizer, a justificativa dada pelo réu e encampada pela Prefeitura Municipal de Nazaré Paulista é sôfrega e soa ofensivo aos apotegmas presentes na Constituição da República de 1988, configurando assim inequívoco ato de improbidade do alcaide, que autorizou a contratação de pessoas, ao arrepio dos princípios da isonomia, publicidade, moralidade acessibilidade aos cargos públicos por concurso. O réu não comprova, por mais que se olhe o tema por diversos prismas, o caráter excepcional dado as contratações. Prevalece, assim, a regra insculpida na Lei Maior que somente pode ser excepcionada em caso relevante e devidamente fundamentado e justificado (art. 37, IX). Descabe, de outro lado, admitir a defesa fundada na alegação de erro de percepção e ausência de dolo. Para a configuração da improbidade administrativa, prevista no artigo 11 da Lei nº 8.429/92, não se exige a obtenção de vantagem pessoal, enriquecimento ilícito ou favorecimento político, muito menos a causação de prejuízo ao erário público. É dizer, não se examina o subjetivismo na valoração das circunstâncias do fato envolvido com a gestão da coisa pública. Ao contrário do que é sustentado, se exige do gestor da coisa pública conhecimento obrigatório e entendimento dos princípios que norteiam a administração pública, previstos na Constituição da República, sem o que se estaria esvaziando qualquer possibilidade de responsabilização do agente público, que se albergaria na idéia escamoteada de estado de ignorância, de erro ou de ingenuidade para escapar da responsabilidade. O réu, na condição de alcaide, investiu pessoas em empregos públicos sem a prévia aprovação em concurso público, infringindo, desta forma, o disposto no artigo 37 da CR/88. Não pode alegar desconhecimento da lei ou do preceito constitucional, pois é dever do agente público, repita-se, observar o cumprimento de preceitos constitucionais na realização de atos administrativos.
fls. 803 O comportamento do réu se amolda ao disposto no art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92: Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições. Nesta hipótese, o responsável está sujeito à ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos (artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92). O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público, e ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atenda aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 30ª edição, pág. 419, Malheiros Editores). Assim sendo, a dispensa do concurso para a investidura em emprego público somente trouxe prejuízos à imagem da Prefeitura Municipal de Nazaré Paulista, tanto no aspecto da moralidade administrativa, como na eficiência do serviço público que está encarregada de prestar. Entendo que, uma vez constatada a prática de ato de improbidade administrativa, não é obrigatória a aplicação cumulativa de todas as penalidades previstas no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92. No caso dos autos, não houve enriquecimento ilícito, vantagem patrimonial ou lesão ao erário, de modo que para a fixação das penas será considerada apenas a extensão do dano moral causado pela violação ao princípio da legalidade (artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 8.429/92). Não há informação nos autos a respeito do valor da remuneração percebida pelo réu no cargo de Prefeito Municipal no ano de 2006. Não deve ser inferior, porém, ao valor do salário mínimo, que na data desta sentença é de
fls. 804 R$ 622,00. Assim, o valor máximo da multa civil a ser aplicada não deve ser superior a R$ 62.200,00. Sopesadas as circunstâncias, aplico ao réu a pena de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos, ao pagamento de multa civil no valor de R$ 62.200,00 (sessenta e dois mil e duzentos reais), à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos. É importante registrar, nesse passo, que eventual multa que tenha sido imposta pelo Tribunal de Contas do Estado ao réu, uma vez comprovado seu recolhimento, poderá ser abatida oportunamente do valor da multa civil imposta nesta sentença. Registre-se, por fim, que a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 20 caput da Lei nº 8.429/92). Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE esta ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra MÁRIO ANTONIO PINHEIRO para: a) CONDENAR o réu à pena de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos; b) pagamento de multa civil no valor de R$ 62.200,00 (sessenta e dois mil e duzentos reais), com correção monetária de acordo com os índices divulgados na tabela prática para atualização de débitos judiciais, elaborada pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo, a partir da data da intimação desta sentença pelo Diário da Justiça Eletrônico, além de juros de mora de 1% ao mês, contados desde a citação, autorizado eventual abatimento de valor de multa imposta pelo TCE; c) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos; CONDENO o réu, ainda, ao pagamento das custas e despesas processuais. Descabe condenação em honorários advocatícios. P.R.I.C.
fls. 805 Nazaré Paulista, 7 de fevereiro de 2012. MARIO SÉRGIO MENEZES Juiz de Direito