O País dos Contrários
Quero que conheçam este gato. Chama-se Felini e, acreditem, não se parece com nenhum outro. Falo-vos de um gato, digamos assim, muito ambicioso. Felini era ainda adolescente, mal se viam os bigodes, quando se apaixonou.
Coisa séria. Muito séria. Deixou de comer, deixou de lamber o pêlo, e passou a andar pelos telhados como um vagabundo sujo, magro, desgrenhado -, gemendo tristemente o seu amor. A mãe ficou preocupada: - Meu filho perguntou-lhe -, quem é essa gata?
Gata? Felini olhou-a desesperado. Não, não era uma gata. Era uma vaca! Graciosa, a vaca, pastava os seus dias, isto é, passava os seus dias, no terreiro em frente à aldeia, com as outras vacas. A mãe de Felini riu-se, pasmada, e foi contar às amigas: o seu filho o pobrezinho! -, estava apaixonado por uma vaca.
A novidade espalhou-se pela vizinhança. Os gatos grandes davam-lhe palmadas nas costas: tens mais boca que barriga, diziam. Os colegas troçavam dele. O pior, porém, não era isso. O pior, para Felini, aquilo que realmente o incomodava, era a indiferença de Graciosa.
Felini sentava-se à noite em frente do estábulo onde dormia Graciosa e compunha canções para a lua, canções tristíssimas, que falavam dos olhos mansos do seu amor, e do seu pêlo macio, e do seu caminhar pelo pasto húmido ao amanhecer. Graciosa nem olhava para ele.
A mãe de Felini, cada vez mais preocupada com tamanha persistência, foi procurá-lo: - Meu filho explicou-lhe -, como queres que uma vaca se interesse por ti? As vacas gostam de animais grandes, como elas, de bois. Os gatos gostam de gatas.
Era esse o problema? Então decidiu Felini -, então seria um boi. A partir desse dia começou a pastar, como as vacas, e com tal apetite que cresceu, e cresceu, e cresceu, até alcançar o tamanho de um boi. Só nessa altura voltou a procurar Graciosa. A vaquinha, porém, olhou-o com susto: - Meu Deus, um gato boi!
O grito dela atraiu os outros animais. Todos o olhavam com horror. Os gatos já não o aceitavam ele deixara de ser gato. As vacas fugiam ao vê-lo. Felini, tristíssimo, decidiu então partir para outro país. O mundo era imenso. Em algum lado encontraria quem o aceitasse sem estranheza.
Andou durante muitos dias. Atravessou desertos. Perdeu-se no labirinto de florestas intermináveis. Escalou montanhas geladas, respirou o ar perigoso dos pântanos, viu o sol levantar-se sobre paisagens de assombro.
Ao fim de muitos meses encontrou um rio cujas águas corriam pela montanha acima, e não a descer, em direcção ao mar, como estamos acostumados a ver. Perguntou a um pássaro em que lugar estava.
- Se cruzares o rio, entras no País dos Contrários. Ali tudo se passa ao contrário: os ponteiros dos relógios giram para a esquerda, os animais nascem velhos e morrem bebés e toda a gente fala do fim para o princípio. É um tanto complicado, mas depois habituas-te.
Disse isto e despediu-se. Mal chegou ao outro lado do rio voltou-se e começou a voar de costas. Felini encolheu os ombros. Se um pássaro podia viver num país assim ele também podia. Atravessou o rio a nado. Estava a descansar na areia quando um elefante, tão pequeno quanto uma formiga, se aproximou dele: - Chamas te que como disse -, olá!
O elefante olhou para ele admirado. Estrangeiro um como falas mas Contrários dos País do habitante um pareces. Direito falas não porque? Chamo-me Felini! E tu? Nunca tinha visto um elefante tão pequeno.
Felini abanou a cabeça. Que diabo de língua era aquela? Depois compreendeu e começou a rir. O elefante estava a falar ao contrário: Porque não falas direito? tinha dito. - Pareces um habitante do país dos contrários mas falas como um estrangeiro.
O gato contou-lhe as suas aventuras, até cruzar o rio, esforçando-se por se fazer entender na estranha língua do país. Disse-lhe que tinha decidido conhecer o mundo porque na terra onde nascera o olhavam como se fosse um monstro.
- Tu como são os todos aqui tranquilizou-o o elefante não aqui.
Nesse mesmo dia Felini encontrou vários gatos iguais a ele. Em pouco tempo fez novas amizades e decorridas algumas semanas já se sentia tão à vontade naquele lugar como na sua própria aldeia.
Podia ter sido inteiramente feliz, mas teve pouca sorte, coitado, voltou a apaixonar-se por uma vaca! Uma vaquinha tão pequena que não lhe chegava aos calcanhares.
FIM
O PAÍS DOS CONTRÁRIOS Texto de José Eduardo Agualusa Ilustrações dos alunos do 4º ano da EB1/JI de Palmela (Turno da tarde) Trabalho realizado por Carlos Samina Projecto de Desenvolvimento das BE/CRE s das EB1 e JI do AVE de Palmela Ano Lectivo 2006/2007