Seminário de Avaliação da Seca de 2010-2016 no Semiárido Brasileiro CARTA DE FORTALEZA Os participantes no Seminário de Avaliação da Seca de 2010-2016 no Semiárido Brasileiro i, considerando que: a) O Nordeste e, particularmente, o Semiárido vêm sofrendo desde 2010 (à exceção de 2011) um dos períodos de seca mais graves de toda a sua história; b) As apresentações e discussões no Seminário mostraram que essa seca tem causado profundos impactos na disponibilidade de água para diversos usos, especialmente para abastecimento humano (em zonas rurais e urbanas) e animal, na agricultura de sequeiro e na agricultura irrigada, tanto em relação a culturas anuais como a culturas permanentes, na produção de energia elétrica e no transporte hidroviário; c) Uma das consequências da grande seca de 2010-2016 tem sido a de provocar enormes prejuízos devido a perdas de safras e a necessidades de investimentos em ações emergenciais para reduzir o impacto negativo, sobretudo no tocante ao abastecimento
emergencial de água, ao pagamento de seguro safra, ao subsídio para alimentação animal e ao aumento de preços de produtos oriundos da agropecuária; d) Os impactos negativos abrangem praticamente todos os setores da economia, e não apenas simplesmente aqueles que, como a agricultura de sequeiro, dependem mais diretamente da disponibilidade de precipitação pluviométrica. Atingem também o meio ambiente, os recursos hídricos, a biodiversidade, a saúde, a educação e as populações, especialmente as pessoas mais pobres que não dispõem de recursos para enfrentar crises; e) Com as mudanças climáticas, as secas no Semiárido nordestino tendem a tornar-se mais severas no futuro, com impactos potencialmente maiores, de acordo com vários modelos mencionados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC, e pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, o PBMC; f) O Brasil conta com uma longa experiência de enfrentamento das secas que acontecem recorrentemente no Nordeste, tendo acumulado muitas lições positivas e negativas e obtido resultados que propiciaram redução de vulnerabilidade, em alguns aspectos como acumulação de água e proteção social, e aumento de vulnerabilidade, em outros aspectos como expansão da degradação de terras, perda de biodiversidade e desertificação; g) Ao mesmo tempo, observou-se também nas últimas décadas um enfraquecimento das instituições que lidam com a questão das secas e com o planejamento do desenvolvimento regional. Essas instituições precisam ser fortalecidas, especialmente aquelas voltadas para o enfrentamento das secas e para a redução da vulnerabilidade regional às crises climáticas; h) Essas questões impactos econômicos, sociais e ambientais e custos da seca já foram levantadas em outros fóruns, especialmente no Seminário de Avaliação da Seca de 2010-2012, realizado em Fortaleza em outubro de 2013; ii
i) É imperativa a participação dos três níveis de governo federal, estaduais e municipais no planejamento e implementação de uma política sobre as secas. Recomendam: a) É urgente que se avance na consolidação de uma política de enfrentamento de secas que seja não apenas reativa, mas também proativa, voltada para reduzir riscos e vulnerabilidades e para aumentar a resiliência da região, em seus aspectos econômicos, sociais e ambientais, com uma visão de longo prazo, porém com ações e resultados que possam se fazer sentir em curto e médio prazos; b) Uma política com essas características foi recomendada por 84 países e por instituições internacionais participantes no Encontro de Alto Nível sobre Políticas Nacionais de Secas (HMNDP, conforme sua sigla em inglês), realizado em Genebra, na Suíça, em março de 2013; iii c) Desde então, houve progressos em direção à reformulação da política nacional de secas no Brasil, inclusive com a implementação de um Monitor de Secas, sediado na Agência Nacional de Águas (ANA), contando com um mapa elaborado mensalmente com a participação de órgãos estaduais do setor de meteorologia, agricultura e recursos hídricos. O Monitor de Secas foi desenvolvido com o apoio do Banco Mundial através do Ministério da Integração Nacional e a participação de instituições do governo federal e dos estados do Nordeste. Outro avanço compreende a elaboração de planos-piloto setoriais de preparação para as secas, que visam a proporcionar mecanismos de gestão de riscos para a redução de vulnerabilidade das populações afetadas; d) A nova Política Nacional de Secas deveria basear-se em três pilares: Pilar 1 - Informações atualizadas sobre a situação de seca, através de um Monitor de Secas e sistema de previsão de secas; Pilar 2 - Expansão e consolidação de estudos sobre vulnerabilidade, impactos e adaptação à secas;
Pilar 3 - Preparação das respostas às secas, através de planejamento adequado em nível nacional, estadual, setorial e local, inclusive de bacias hidrográficas. e) A coordenação, o planejamento e a implementação das ações ligadas a essa política requerem arranjos institucionais apropriados para assegurar recursos e integração vertical e horizontal, inclusive Comitês ou Comissões permanentes de secas que não se limitem a funcionar apenas durante períodos de crise, mas que se mantenham ativos permanentemente, uma vez que a seca sempre retornará. A coordenação, o planejamento e a implementação deveriam incluir pelos menos: i. Mecanismos de coordenação permanentes no governo federal, nos governos estaduais e nos municípios; ii. Políticas e programas nacionais, coordenados pelos Ministérios e por instituições federais como o Ministério da Integração Nacional, o, o Ministério da Defesa, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, o Ministério da Agricultura, o Planejamento e o Ministério da Fazenda, a Agência Nacional de Águas, a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB); iii. Políticas e programas estaduais, com o envolvimento de instituições estaduais e locais; iv. Planos e programas voltados para bacias hidrográficas, sistemas hidráulicos, sistemas de abastecimento urbano, cidades, meio rural etc., capazes de organizar a ação local e utilizar todos os instrumentos colocados à disposição pelas políticas e programas federais e estaduais; v. Consolidação e fortalecimento do Monitor de Secas e avanços no sistema de previsão de secas e no alerta precoce de secas, de degradação e desertificação; vi. Apoio, expansão e consolidação das informações relativas ao estudo de vulnerabilidades e de impactos de secas sobre a economia, a sociedade e o meio ambiente, envolvendo o setor público, as universidades, as instituições de incentivo à pesquisa, e construção de pontes para ligar o conhecimento à tomada de decisões por parte do setor público, do setor
privado, de produtores rurais, de usuários de água e, enfim, de todos aqueles que precisam tomar decisões para reduzir os impactos negativos de secas. f) Os participantes no Seminário de Avaliação da Seca de 2010-2016 consideram que, através da implementação de uma política proativa de secas, como a que foi preconizada neste evento, será possível aumentar e melhorar a capacidade regional de enfrentamento de futuras secas e de adaptação a mudanças climáticas em andamento, reduzindo vulnerabilidades e aumentando a resiliência da região e das pessoas a esse fenômeno que, infelizmente, tende a aumentar na região, no País e no Planeta; g) Finalmente, diante da gravidade da seca e da incerteza quanto às próximas estações, é importante assegurar o mais cedo possível a conclusão e o funcionamento adequado do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF), com o objetivo de melhorar as condições de abastecimento de água na parte Norte do Nordeste. Fortaleza, 02 de Dezembro de 2016. NOTAS: i O Seminário de Avaliação da Seca de 2010-2016 no Semiárido Brasileiro foi organizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) e pela Associação Técnico- Científica Eng. Paulo de Frontin (ASTEF), da Universidade Federal do Ceará, com o do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), da Agência Nacional de Águas (ANA), do (MMA) e do Banco Mundial e contou com o apoio do Ministério da Integração Nacional (MI), de Instituições Federais e dos Estados da região. Participaram representantes dos 11 Estados da região semiárida (os 9 do Nordeste - Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia - e mais o norte de Minas Gerais e do Espírito Santo), de instituições do Governo Federal, de prefeituras, do setor privado, da sociedade civil, de instituições internacionais (Banco Mundial, FAO e Meteorológica Mundial, Centro de Mitigação de Secas de Nebraska) e de universidades (Universidades de Wageningen e Georgia, Universidade Federal do Ceará, Universidade de Brasília, Universidade Estadual do Maranhão e Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira).
ii Esse seminário também foi organizado pela Funceme e pelo CGEE e realizado na Federação de Indústrias do Ceará (FIEC), em outubro de 2013. iii O HMNDP foi organizado pela Meteorológica Mundial (OMM), pela Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação de Efeitos de Secas (UNCCD) e pela das Nações Unidas sobre Alimentação e Agricultura (FAO), com o apoio e a participação ativa do Governo Brasileiro, através do Ministério da Integração Nacional, do Instituto Nacional de Meteorologia e do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Durante o HMNDP foi criado o IDMP Programa Integrado de Gerenciamento de Secas (Integrated Drought Management Programme, em inglês), sediado na Meteorológica Mundial, juntamente com o Global Water Program (GWP) e que conta com o apoio de organizações internacionais e nacionais parceiras, com o objetivo de apoiar esforços dos países para melhorar e implementar políticas proativas de enfrentamento de secas.