ALTERNATIVAS ENERGÉTICAS PARA SECAGEM DE GRÃOS

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Transcrição:

ALTERNATIVAS ENERGÉTICAS PARA SECAGEM DE GRÃOS Frederico Miura 1, Marilin Mariano dos Santos 2, Hirdan Katarina de Medeiros Costa 3, Edmilson Moutinho dos Santos 4 Resumo 1 Aluno especial de mestrado do programa de Pós-Graduação do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (PPGE/USP) (fredmiura@gmail.com) 2 Instituto Mauá de Tecnologia 3 Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (PPGE/USP) 4 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo O Brasil ocupa posição de destaque no ranking mundial em função da grande produção de grãos. A expectativa para a safra nacional no período 2014/2015 é a colheita de 209,5 milhões de toneladas. Todavia, a ineficiência da infraestrutura e tecnologia das instalações de secagem e armazenamento de grãos, implica nos altos níveis de perdas observados nas operações de pós-colheita. A utilização da lenha em larga escala para secagem de grãos e a não otimização dos sistemas de combustão desse energético estão, em parte, associados às perdas de qualidade dos grãos. Adicionalmente, existe a possibilidade da utilização de parte dos resíduos gerados no processo de produção agrícola para geração de biogás. Este artigo tem como objetivo analisar as oportunidades tecnológicas para uso de sistemas a GLP e sistemas híbridos a biogás, gerado a partir da biodigestão anaeróbica de resíduos agrícolas, para secagem de grãos em substituição à lenha, possibilitando melhor controle do processo de secagem e, consequentemente, redução das perdas associadas à falta de controle da qualidade desse processo. Palavras-chave: GLP, Biogás, Secagem, Grãos. Abstract Brazil occupies a prominent position in the world due to his large grain production. The expectation for the national harvest in the period of 2014/2015 is the production of 209.5 million tons. However, the inefficiency of the infrastructure and technology of installations for drying and storage grains, implies the high levels of loss in the postharvest operations. The use of wood in large scale during the drying process and the

non-optimization of the combustion systems, are in part associated with the grain quality loss. Additionally, there is the possibility to use part of the crop residues for biogas production. This article aims to analyze the technological opportunities for drying grain instead of wood, like LPG systems and hybrid systems with LPG and biogas, generated from the anaerobic digestion of crop residues, allowing better control of the drying process and, consequently, reducing the losses associated with lack of control of this process. Keywords: LPG, Biogas, Drying, Grains. 1. INTRODUÇÃO No Brasil, estima-se que as perdas na fase de pós-colheita de grãos, composta pelas operações de manuseio, limpeza, secagem, armazenamento, transporte, processamento e distribuição, representem cerca de 10% a 15% do total produzido (FERRARI FILHO, 2011). No período de armazenamento podem ocorrer perdas quantitativas e qualitativas, associadas ao ataque de insetos, roedores e à proliferação de fungos, alterando as características originais do produto, tais como valor nutritivo, propriedades organolépticas, contaminação por microtoxinas, etc. Dessa forma, torna-se necessário a aplicação correta dos processos que antecedem o armazenamento, em especial ao processo de secagem de grãos (OLIVEIRA, 2008). Dentre esses processos, a secagem é responsável por reduzir o teor de umidade dos grãos até os limites estabelecidos para a conservação segura, de modo a garantir as propriedades originais e permitir o armazenamento por períodos maiores de tempo. Para o processo de secagem, é comum o uso da lenha em larga escala. Contudo, o uso desse energético ocasiona perdas de qualidade dos grãos. Dessa forma, este artigo tem como objetivo analisar as oportunidades tecnológicas para uso de sistemas a gás liquefeito de petróleo (GLP) e sistemas híbridos a biogás, gerado a partir da biodigestão anaeróbica de resíduos agrícolas, para secagem de grãos em substituição à lenha, possibilitando melhor controle do processo de secagem e, consequentemente, redução das perdas associadas à falta de controle da qualidade desse processo.

Para tanto, o tópico 2 descreve o consumo de energia utilizado na secagem de grãos, com destaque para lenha, GLP e biogás. O item 3 traz uma comparação entre esses combustíveis. 2. CONSUMO ENERGÉTICO NA SECAGEM DE GRÃOS Estima-se que de 20% a 30% da produção nacional de grãos é seca artificialmente, o restante da produção é seca de forma natural, permanecendo na lavoura até atingir a umidade requerida para armazenamento, uma vez que a maior parte da produção brasileira de grãos é proveniente de pequenos e médios produtores, que carecem de capital para investimento em infraestruturas de secagem (EMBRAPA, 2011). A secagem artificial consiste no uso de secadores, compostos por sistema de aquecimento do ar ambiente, na maioria dos casos a partir da queima de combustível em fornalhas, sendo a lenha o mais utilizado, conforme ilustrado na Figura 1. Figura 1. Secador de torre e seus componentes básicos (EMBRAPA, 2011). Segundo Puzzi (1986), para sistemas de secagem em altas temperaturas, a temperatura do ar de secagem ocorre em função do tipo de grão, variando de 55 a 65 C, para arroz, até faixas mais elevadas de 100 a 110 C, para soja e trigo. Entretanto, torna-se importante o controle da temperatura da massa do grão para que a temperatura não ultrapasse a faixa de 40 a 60 C, de acordo com o tipo e a destinação final. O excesso de calor ocasiona a degradação do produto, resultando na quebra do grão e perda da qualidade (KOLLING, 2012).

A observação de Puzzi (1986) chama a atenção para a necessidade de controle do processo de secagem, tendo em vista a estreita faixa de controle de temperatura para que não se tenha a perda de qualidade do grão seco. A lenha é objeto de estudo por ser, atualmente, a mais utilizada, enquanto o GLP foi definido como alternativa, por ser um combustível cujos sistemas de combustão propiciam maior controle e facilidade de transporte e armazenamento. 2.1. Lenha Segundo dados do setor agropecuário fornecidos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE, 2015), o óleo diesel é o principal energético do setor, representando 55% da matriz, utilizado basicamente para movimentação de máquinas e transporte. Em segundo lugar está a lenha, utilizada principalmente para aquecimento, correspondendo a 24% do consumo total desse setor. Em terceiro lugar encontra-se a eletricidade com 20% de representatividade. Os demais energéticos, tais como os óleos combustíveis, carvão vegetal, etanol e GLP, representam juntos menos de 0,5% do consumo energético. A Figura 2 apresenta a evolução do consumo de energéticos no setor agropecuário desde a década de 1980. A lenha, apesar de ser o combustível mais utilizado nos processos de secagem de grãos, apresenta desvantagens por resultar em combustão descontínua e irregular, por possibilitar a formação de fuligem, por demandar mão de obra de forma intensiva e por necessitar de grandes áreas para cultivo de florestas, além de ter menor eficiência de combustão, quando comparada aos combustíveis gasosos (EMBRAPA, 2009). 80% 60% 40% 20% 0% 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 Óleo diesel Lenha Eletricidade Óleo combustível Outros Figura 2. Consumo energético no setor agropecuário (BEN, 2015).

2.2. GLP Na década de 1970, os subsídios nos preços dos combustíveis fósseis, como GLP e óleo diesel, viabilizaram o uso desses combustíveis para secagem de grãos. Entretanto, em 1980, com a crise do petróleo, o Conselho Nacional de Petróleo proibiu o uso de derivados de petróleo para secagem de grãos. Com isso, o setor agrícola, na busca de alternativas energéticas, introduziu a queima de lenha e resíduos agrícolas em substituição aos derivados de petróleo. Na década de 1990, o uso do GLP para secagem de produtos agrícolas voltou a ser liberado. Dentre as vantagens da queima de GLP nos processos de secagem, destacam-se a queima limpa, possibilidade de automação do sistema, com redução expressiva da mão-deobra, controle absoluto de temperatura, diminuição do tempo de secagem e aumento da qualidade final do produto seco. Devido à grande capilaridade de distribuição, resultante das facilidades de transporte e armazenamento (botijões, cilindros transportáveis e tanques estacionários), o GLP é uma alternativa para a aplicação de combustível gasoso nos processos de secagens de grãos no setor agrícola, uma vez que, devido à restrita malha de gasodutos brasileira, em sua grande maioria localizada na costa litorânea, o gás natural possui baixa utilização no setor agropecuário. 2.3. Biogás a partir da utilização de resíduos agrícolas Além do uso da lenha e do GLP, existe a possibilidade da utilização de parte dos resíduos gerados no processo de produção agrícola para geração de biogás e aplicação deste energético nos processos de secagem. Os resíduos agrícolas são caracterizados como o material resultante da colheita de culturas, tais como as palhas de milho e arroz. O uso desse material para geração de biogás é uma medida de aproveitamento energético, seja para a geração de calor, seja para a geração de energia elétrica em motores. Segundo Passini et al. (2014) o biogás é produzido por meio da decomposição da matéria orgânica pela ação microbiológica em ambiente anaeróbico. O volume de biogás gerado depende de diversos fatores, entre eles estão a temperatura, ph, as propriedades do substrato e da tecnologia de biodigestão empregada.

A retirada dos resíduos agrícolas da área de cultivo deve ser realizada de maneira racional, pois quando permanecem no campo contribuem para a proteção e recomposição do solo. A Tabela 1 apresenta o percentual recomendado de retirada e o potencial de aproveitamento de resíduo por tonelada de grãos produzida. Tabela 1. Potencial de geração e aproveitamento de resíduos agrícolas (EPE, 2014). Produção de Potencial de Potencial de Cultura Resíduo Gerado Resíduo (tbs/t) 1 Aproveitamento Aproveitamento (tbs/t) Arroz Palha 1,55 40% 0,62 Milho Palha 1,68 40% 0,67 Soja Palha 2,30 30% 0,69 Trigo Palha 2,90 40% 1,16 Para o uso efetivo dos potenciais técnicos apresentados, há a necessidade de intenso gasto energético em campo com o consumo de óleo diesel em maquinários para colheita dos resíduos deixados em campo e transporte até as instalações de biodigestão (EPE, 2014). Algumas regiões demandantes por lenha já vêm sofrendo a sua escassez, sendo observado o grande movimento das cooperativas e produtores para plantio de florestas energéticas. Tendo em vista a escassez de lenha em algumas áreas produtoras de grãos e as facilidades no transporte, armazenamento e benefícios da queima do GLP nos processos de secagem, verifica-se a grande oportunidade de expansão do mercado para o uso desse combustível no setor agrícola. Em vista do cenário atual, o item 3 detalha o uso da lenha e do GLP, ressaltando que no último caso, o uso do biogás pode ser utilizado como fonte complementar ao GLP. 3. ANÁLISE COMPARATIVA DO USO DA LENHA E DO GLP O consumo específico térmico em processos de secagem é definido como a quantidade de energia necessária para remover uma unidade de massa de água. Por sua vez, a composição do consumo energético global é a soma da energia elétrica, para acionamento de ventiladores e transportadores, com a energia térmica, originária da queima do combustível para aquecimento do ar de secagem. 1 tbs - tonelada de resíduo em base seca.

De acordo com Lopes et al. (2008), para avaliação dos custos e eficiência dos processos pós-colheita é necessária a avaliação do desempenho do processo de secagem. Para tanto, é mandatório o conhecimento da distribuição dos fluxos de energia que estão envolvidos nesse processo. Reinato et al. (2002), através de testes em secador do tipo rotativo, determinaram o consumo energético para a secagem de café utilizando lenha e GLP. Foi verificado que as variações na temperatura do ar de secagem dos testes que utilizaram lenha foram maiores quando utilizado o GLP. Também, foi constatado maior rendimento do processo com a queima de GLP. Cardoso Sobrinho et al. (2001) avaliaram o processo de secagem de café em secadores horizontais e verticais com queima de lenha e GLP. Observaram nos testes com GLP menor consumo específico térmico e maior velocidade de secagem dos grãos. Ribeiro e Vicari (2005) avaliaram a viabilidade econômica para secagem de milho com GLP em substituição à lenha em uma unidade receptora de uma cooperativa. A secagem a GLP permitiu a automação total do processo com menor uso de mão-de-obra, enquanto que na secagem à lenha foi requerido maior número de funcionários para transporte do combustível e alimentação da fornalha. Nos testes do sistema com gás foi possível processar um volume de grãos 50% maior do que a operação à lenha. A Tabela 2 compara o consumo energético nos testes realizados com queima de GLP e lenha obtidos na literatura. Tabela 2. Comparação do consumo energético em testes de secagem de grãos com combustão de lenha e GLP. Parâmetros Unidade Resultado dos testes Produto - Café 1 Café 2 Milho 3 Café 1 Café 2 Milho 3 Combustível - Lenha Lenha Lenha GLP GLP GLP Umidade inicial % b.u. 26,67 38,00 19,85 21,97 46,00 19,60 Umidade final % b.u. 11,46 13,00 14,43 11,73 18,00 13,57 Tempo de secagem horas 30,00 52,00 23,50 14,08 46,00 31,00 Massa grão alimentada t 6,60 7,54 645,5 6,03 9,81 1.334 Água removida kg 1.133 2.168 40.203 700 3.351 92.585 Consumo de combustível t 1,75 2,25 21,36 0,11 0,34 9,50 PCI do combustível kcal/kg 2.300 3.116 2.300 11.298 11.298 11.500 Consumo térmico Gcal 4,03 7,02 49,13 1,26 3,88 109,25 Consumo específico kcal/kgágua 3.556 3.239 1.222 1.807 1.157 1.180

1 Reinato et al. (2002) 2 Cardoso Sobrinho et al (2001) 3 Ribeiro e Vicari (2005) Verifica-se que em todos os testes realizados, do ponto de vista do consumo específico térmico, a utilização do GLP foi a que apresentou maior eficiência em comparação à lenha para o mesmo tipo de grão, justificada pela maior estabilidade durante a queima de GLP e maior controlabilidade do sistema de combustão. Portanto, os dados obtidos na literatura demonstram que o uso do GLP é mais vantajoso que a lenha do ponto de vista energético. 3.1. Biogás como fonte complementar A composição típica do biogás pode variar de 55% a 70% de metano, 30% a 45% de dióxido de carbono, e pode conter traços sulfeto de hidrogênio. O poder calorífico do biogás é proporcional ao teor de metano em sua composição. O poder calorífico inferior (PCI) do biogás varia de 4.500 a 6.000 kcal/m³ (EPE, 2014). Tendo em vista as propriedades do biogás, são esperados os mesmos ganhos de eficiência verificados com o uso do GLP nos processos de secagem de grãos. Desse modo, a utilização do biogás como fonte complementar ao GLP, por meio de um sistema híbrido, projetado para queima dedicada e complementar de biogás e GLP, em substituição à lenha, possibilitam melhor controle do processo de secagem. A proposta da utilização de sistemas híbridos é justificada pelos diversos fatores que influenciam na disponibilidade dos resíduos resultantes das operações de colheita, trazendo maior confiabilidade energética para o processo, dada a eventual indisponibilidade da coleta e na quantidade necessária de resíduos para a geração do biogás. 4. CONCLUSÃO Conforme a revisão da literatura, os benefícios da utilização do GLP e demais combustíveis gasosos nos processos de secagem de grãos são evidentes no ganho de eficiência e controle da qualidade final do produto. A substituição da lenha por combustíveis gasosos tais com o GLP e o biogás pode reduzir nos altos níveis de perdas das operações de pós-colheita de grãos, sobretudo no período de armazenamento.

Verifica-se o grande potencial para utilização dos resíduos agrícolas para a geração de biogás. Porém, a sua disponibilidade varia principalmente em função das intempéries climáticas, do manejo e do tipo da cultura. Vale ressaltar que a recomendação de deixar parte dos resíduos no campo para proteção e recomposição do solo reduz o potencial de aproveitamento, e a necessidade de colheita e de transporte dos resíduos deixados em campo, o que aumenta o custo global da operação de pós-colheita. Todos esses fatores corroboram para utilização de sistemas híbridos a biogás para secagem de grãos, onde o GLP tem o papel de assegurar a disponibilidade energética do processo. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARDOSO SOBRINHO, J.; SILVA, J. N. da; LACERDA FILHO, A. F. de; SILVA, J. S. e; CORRÊA, P. C. Avaliação de sistemas de secagem de café com aquecimento do ar em vapor de água, lenha de eucalipto e gás liquefeito de petróleo. Revista Brasileira de Armazenamento, Viçosa, n. 3, 2001. CONAB Companhia Nacional de abastecimento. Safra Brasileira de Grãos 2014/2015-11º Levantamento da CONAB, Agosto, 2015. EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Embrapa Milho e Sorgo, Sistema de Produção, Versão Eletrônica, 7ª edição 2011. Disponível em: <http://www.cnpms.embrapa.br/publicacoes/milho_7_ed/index.htm>; acessado em 20/08/2015. EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Embrapa Milho e Sorgo, Sistema de Produção, Versão Eletrônica, 5ª edição, 2009. Disponível em: <http://www.cnpms.embrapa.br/publicacoes/milho_5_ed/index.htm>; acessado em 20/08/2015. EPE Empresa de Pesquisa Energética. Nota Técnica DEA 15/14 Inventário Energético de Resíduos Rurais. Rio de Janeiro, 2014. FERRARI FILHO, E. Métodos e temperaturas de secagem sobre a qualidade físicoquímica e microbiológica de grãos de milho no armazenamento, tese de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia, Faculdade de Agronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

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