ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS: UM MAPEAMENTO HISTÓRICO NO BRASIL



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Transcrição:

ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS: UM MAPEAMENTO HISTÓRICO NO BRASIL Jociane Martins Pedroso Bolsista CNPq/PIBIC2003-2004 Vilma Braga Maschio PIBIC2003-2004 Edaguimar Orquizas Viriato Orientadora Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) O trabalho que apresentamos articula-se ao projeto de pesquisa intitulado Políticas educacionais no contexto público não-estatal, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Gestão Escolar (GPGE). Especificamente esta pesquisa de iniciação cientifica tem por objetivo resgatar na história do Brasil, particularmente no regime militar, na nova república (pós-ditadura militar) e nos anos noventa, as organizações não governamentais (ONGs) cadastradas na Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG) vinculadas à educação. Temos evidenciado que estas organizações possuíam um caráter reivindicatório junto ao Estado e a partir dos anos noventa estas passam a ter diferentes ações, distanciando-se dos movimentos sociais, estabelecendo parcerias com o governo e assumindo um caráter assistencialista. Isto de certa forma distancia-se das pressões iniciais das ONGs, além de esbarrar na própria definição de ONG. De modo geral, qualquer instituição de direito privado, sem fins lucrativos, com finalidades sociais, podem se autodenominar de ONG, pois, desta forma se desresponsabiliza de alguns deveres legais previstos no Código Civil das Fundações e Sociedade Civil, além de possuir privilégios na obtenção de recursos estatal. Palavras-chave: ONGs, Estado, Público, Privado O trabalho que ora apresentamos articula-se ao projeto de pesquisa intitulado Políticas educacionais no contexto público não-estatal que está sendo desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Gestão Escolar (Gpge), na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Cascavel. Especificamente o presente trabalho de iniciação científica tem por objetivo resgatar na história do Brasil,

particularmente no regime militar, na nova república (pós-ditadura militar) e nos anos noventa, as Organizações Não Governamentais (ONGs) cadastradas na Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG) vinculadas à educação. Para cumprir com este objetivo, realizamos um mapeamento histórico do amparo legal das ONGs, de seu financiamento e de suas ações, caracterizando, assim, a identidade destas organizações. O referencial teórico que tem fundamentado o trabalho gira em torno do conceito do terceiro setor, do público, do privado e do público não-estatal. Na ABONG estão cadastradas 106 ONGs na área de Educação. Estas ONGs têm como objetivo integrar as chamadas minorias à sociedade, através de projetos educativos, como alfabetização, esporte, artes, assistência jurídica, capacitação profissional, prevenção e assistência médica. Quanto aos recursos destes projetos, em sua maioria provém dos governos federal, estadual e municipal, de agencias internacionais, empresas privadas e vendas de produtos próprios. As Organizações Não Governamentais fazem parte do chamado Terceiro Setor e no Brasil o crescimento quantitativo e propagandístico nos setores de telecomunicações sobre as ações, funções e compromissos sociais que este setor assume, inclusive na educação, carece de estudos, principalmente frente ao processo de redefinição do papel do Estado. Segundo levantamento realizado pelo Instituto Superior de Estudos da Religião (ISER) em parceria com a Johns Hopkins University, existem no país cerca de 220 mil instituições beneficentes sem fins lucrativos, que congregam 10 milhões de voluntários e prestam atendimento a aproximadamente 40 milhões de pessoas, ou seja, ¼ da população brasileira. Entretanto, embora o Terceiro Setor vem assumindo a prestação de serviços sociais outrora emanados do Estado, há, ainda, diversidade quanto à sua definição conceitual. Segundo Gohn, 2001, nos Estados Unidos este termo refere-se às associações voluntárias, assim como sem fins lucrativos e na Inglaterra o Terceiro setor vem da tradição chríties, a caridade, referindo-se à memória religiosa ou o termo filantropia noção um pouco mais moderna (p.74).

De modo geral, considera-se que o Terceiro Setor reúne as instituições que representam as sociedades civis, voltadas para atender o interesse público, entre estas, estão as associações, fundações, entidades religiosas ou não, centros, empresas cidadãs, filantrópicas, institutos, e as Organizações Não Governamentais (ONGs). Se tomarmos como referência a afirmação de Coutinho, 2003, ao colocar que as ONGs criadas na década de noventa entraram na lógica da colaboração com o governo e cada vez mais se aproximam do terceiro setor (p.02), compreenderemos a razão dos movimentos reivindicatórios não serem considerados integrantes do Terceiro Setor, ou seja, estes não atendem a função que tem sido atribuída ao terceiro setor : encobrir a desresponsabilização do Estado com relação ao público, e de despolitização da sociedade civil, tendo em vista que estes movimentos lutam para que o Estado se responsabilize com o que é seu dever. Como o Estado (primeiro setor) esta sendo redefinido, e não é papel e interesse do mercado (segundo setor) a não ser que lhe seja lucrativo, pela isenção de impostos ou como estratégia de marketing, põe-se para esta sociedade civil uma via alternativa não-estatal e não mercantil, ou seja, o Terceiro Setor, para que este atue no social. No entanto, não é pela ineficiência do Estado em ser promotor de justiça social, mas pelo modelo político e econômico que este assumiu de não priorizar o social. Isso faz com que se busque alternativa para amenizar as conseqüências da pobreza, e esta alternativa seria o Terceiro Setor. O estudo tem evidenciado que as ações das ONGs nos períodos das décadas de setenta e oitenta estavam voltadas as lutas e reivindicações sociais. A partir dos anos noventa, estas passam a ter diferentes ações, distanciando-se dos movimentos sociais, estabelecendo parcerias com o governo e assumindo um caráter substitutivo às políticas do Estado. Isto de certa forma distancia-se das pressões iniciais das ONGs, esbarra na própria definição de ONG bem como contribui com a redefinição do papel do Estado. O termo Organização Não Governamental (ONG) foi criado em 1940 e inicialmente estava fortemente associado às Organizações das Nações Unidas (ONU), que designava entidades que não eram do governo e com atuação no público. A expressão ONG teria surgido na literatura acadêmica brasileira, pela primeira vez, em

meados da década de 80, denominada então organizações não-governamentais sem fins lucrativos, visando a definir as organizações privadas que desenvolviam projetos de promoção social em comunidades carentes. Temos constatado que hoje há distorções quanto ao conceito de ONG. De modo geral, qualquer instituição de direito privado, sem fins lucrativos, com finalidades sociais, podem autodenominar-se de ONG. Ao constituir-se enquanto ONG a instituição obtém alguns privilégios, tais como isenção de alguns deveres legais previstos no Código Civil das Fundações e Sociedade Civil, tais como adoção de prática de gestão administrativa para tentar coibir, individual ou coletivamente vantagens de benefícios nos processos decisórios, constituição de conselho fiscal, em caso de dissolução da entidade os bens devem ser repassados para uma outra entidade com os mesmos objetivos, entre outros. Normas estas que uma ONG ao se qualificar como OCIP Organização Civil de Interesse Público precisa cumprir. Sem a qualificação no Novo Código a ONG também tem a possibilidade de obter recursos estatais, porém não são obrigadas a prestar contas. Como OCIP as entidades devem estar enquadrados nos princípios de contabilidade e das normas brasileiras de contabilidade, os relatórios das atividades e demonstrativos financeiros devem ser publicado e estarem ao acesso de qualquer cidadão, devem ser realizadas, se necessário, auditorias por auditores internos e externos, todos os bens e recursos de origem pública devem passar por prestação de contas. Podemos observar que as ONGs que tem sua origem na Ditadura Militar, em sua maioria, lutam por direitos, assim como os movimentos sociais. Constatamos nos relatórios destas, as expressões, lutar pela democracia, cidadania, pelos excluídos, denotando que estas organizações acreditavam que atuando na educação, poderiam contribuir para a diminuição da pobreza, e das desigualdades sociais, época esta que obtinham mais recursos internacionais e podiam ter maior autonomia de decisão quanto a área de atuação dos seus projetos, podendo entrar em debate com o Estado exigindo deste maior empenho nas políticas sociais. No período da Nova República, este caráter continua, mas aparecem ONGs com características diferentes. Devido à dificuldade de financiamento exterior, algumas destas ONGs adaptam-se ao perfil das agencias financiadoras estatais, fazem parcerias

com o Estado, deixando assim de cobrar deste, para que assuma a manutenção do social, passando elas próprias a atuar no social de forma assistencialista. Em decorrência da mobilização pela democratização do país na Nova República, um grande número de pessoas, percebiam na ONGs a possibilidade de participação nas políticas sociais, acreditando que as Organizações não Governamentais seriam um espaço de luta pela democracia e diminuição das desigualdades. O Centro de Atividades Comunitárias de São João de Meriti (CAC), uma das ONGs cadastradas na ABONG, por exemplo, tem sua fundação no ano de 1987. Ao descrever sua missão afirma que embora nascida no bojo do movimento social, suas ações não se limitam ao plano das reivindicações, pois desde sua origem, diferentemente de outras instituições, esta vem desenvolvendo experiências concretas, numa perspectiva para a melhoria da qualidade dos serviços públicos, entre estes a educação. Mas as ONGs não são as únicas a mudarem sua forma de atuação. No âmbito educacional, por exemplo, na década de oitenta, os conselhos escolares, os Grêmios estudantis, os sindicatos, tinham características de lutar por direitos, hoje o que se percebe são os sindicatos fazendo convênios com empresas privadas, em vez de lutarem por melhores condições de trabalho, desprovidos de qualquer viés políticos, resultaram às APMs cobrar taxas dos pais, fazer festas, em vez de lutarem para manter a escola pública com qualidade. Entendemos que a dificuldade de financiamento contribui para que estas instituições mudem a maneira de atuação, adequando-se à lógica do mercado. Nos anos noventa, as ONGs que surgem têm características ainda mais distintas, da dos outros períodos, passam elas mesmas a buscarem alternativas para resolver determinado problema (muitas vezes de determinado local). Como foi dito, com a dificuldade de se obter financiamento, estas organizações precisam se adaptar às agencias financiadoras, fazem parcerias com os governos e suas ações passam a ser mais assistencialistas, o que beneficia o Estado, mas distanciam-se das características iniciais das Organizações Não Governamentais, pois a partir do momento que subsistem com financiamentos estatais deveriam ser redefinidas e renomeadas,

deveriam deixar de ser Não Governamentais e passar a ser entidades governamentais, atitudes que deveria partir dos responsáveis pelas ONGs não qualificadas como OCIPs. O caráter de luta contra a desigualdade social, que seriam as primeiras reivindicações das ONGs, hoje praticamente inexiste, em decorrências da falta de recursos internacionais, o que levou as entidades a buscarem financiamentos estatais, e para consegui-los precisaram se adaptar as exigências das agencias financiadoras que dão prioridades para os projetos caritativos. Como foi dito anteriormente, uma das entidades do chamado Terceiro Setor é as Organizações não Governamentais (ONGs). Poder-se-ia concluir que nãogovernamental é tudo o que não é governamental. Ou, de outro ângulo, afirmar: entidade que usa recurso público é governamental ; se o recurso utilizado é privado, então a entidade é não-governamental. Ora, nem sempre as esferas públicas e privadas se acham bem delineadas. No campo da legalidade, existem organizações públicas que atuam na economia como se fossem privadas; e organizações privadas cujo resultado de sua ação é de interesse público. Se antes, muitas delas lutavam contra o Estado para que este financiasse as políticas públicas, nos anos noventa as ONGs fazem parcerias, convênios no sentido de assistência, promovem projetos de alfabetização, trabalhando com artes, esportes, informática, promovendo cursos de capacitação para o mercado de trabalho e também é grande o número de ONGs que dão assistência a outras ONGs, prestando assistência jurídica, cursos de gestão, treinamento de voluntários, apoio técnico e financeiro. Outro tipo de Organizações não Governamentais que vem crescendo nos anos noventa são as chamadas empresas cidadãs em que grupos de empresários e associados de empresários, como a conhecida Fundação Abrinq, o Instituto Ethos, que congrega várias e diversificadas empresas, a Associação Viva o Centro, liderada pelo Bankboston, e varias fundações empresariais empreendem uma vasta discussão e ações que tentam privatizar e filantropizar o que antes era objeto de políticas sociais públicas (Oliveira, 2000, p.38). Além de estas empresas receberem descontos de

impostos, pelo fato de atuarem no social, estas organizações também podem ser usadas como estratégias de Marketing para a empresa. Ao longo da década de noventa, com a proliferação de fundações e associações sem fins lucrativos, evidenciando novos perfis e perspectivas de atuação, e, ao mesmo tempo, um considerável arsenal de intervenção e transformação no campo social, mediante um volume crescente de parcerias onerosas com o Poder Público, impôs-se à necessidade de alterar as formas jurídico-associativas clássicas, o que veio materializar-se na edição da Lei nº 9.790/99 mais conhecida como lei do Terceiro Setor, que trata da qualificação de pessoas jurídicas de direito privado como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Estas são ONGs qualificadas e cadastradas pelo Ministério da Justiça, de tal modo que essas ONGs se tornaram aptas a celebrar Termos de Parceria, condição necessária para recepção de dinheiros públicos. Porém, a não obrigatoriedade de se qualificar como OSCIP, levou a grande maioria à não se qualificar, pois se isenta de alguns deveres legais previstos no Código Civil das Fundações e Sociedade Civil, além de possuir privilégios na obtenção de recursos estatais. E também não é exigida a prestação de contas do uso do dinheiro público. O fato é que não há possibilidade de se atribuir um tratamento jurídico homogêneo e específico para esses importantes componentes do chamado Terceiro Setor, entre eles as organizações não-governamentais. Nem toda ONG é OSCIP, por isso, a maioria absoluta das ONGs está fora do tratamento jurídico que é dado as OSCIPs. Veja-se que, segundo dados de 14/11/2002, do Ministério da Justiça, apenas 1.271 ONGs estão qualificadas como OSCIP. Antes desta lei, existiam dois formatos institucionais para criação de uma organização sem fins lucrativos: fundação privada e associação civil sem fins lucrativos. As fundações têm seu lastro em um patrimônio ou acervo de bens, enquanto uma associação se origina da vontade de um grupo de pessoas unidas em face de um objetivo ou de uma causa comum. Portanto, a tese que deveria prevalecer é que somente as ONGs qualificadas como OSCIPs poderiam receber recursos públicos. Mas tudo leva a crer que a maioria esmagadora das ONGs evita qualificar-se como OSCIP para poder continuar a beneficiar-se do mecanismo, que hoje prevalece, pelo qual o Poder Público distribui recursos a essas organizações por meio de convênios, sem

recorrer a edital público para selecionar os melhores projetos. Em função de uma duvidosa concepção doutrinária do Direito Brasileiro, dá-se uma espécie de ação entre amigos entre o Poder Público e algumas ONGs que sequer possuem sede ou endereço certo, e conseguem viabilizar emendas orçamentárias, recebendo abundantes recursos financeiros do erário público e aprovam prestações de contas sumárias junto ao órgão repassador. Nos três períodos apresentados aparecem organizações com caráter assistencialista, entretanto, na década de setenta, sua maioria era reivindicatória. As agências financiadoras a partir dos anos noventa, priorizam os projetos caritativos, fazendo com que as ONGs que lutam por direitos pela falta de financiamento deixem de existir, busquem recursos próprios ou mudem suas ações. Nestes três momentos históricos (com exceção das empresas cidadãs, que buscam o lucro, e de outras ONGs ditas corruptas), tem-se uma visão redentora também das ONGs, como um mecanismo que tem a missão de lutar e promover uma sociedade mais justa e com maior eqüidade social. Entendemos que os objetivos das ONGs é este, mas sem perceber, que estas atividades que promovem, além de serem paliativas não atinge a sociedade como um todo, encobrem a desresponsabilização do Estado com relação ao público e dificultam a mobilização da sociedade civil contra a precarização e o desmonte das políticas sociais.

REFERÊNCIAS ABONG-Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais. ONGs Identidade e desafios atuais. In: Cadernos da ABONG n 27, maio /2000.São Paulo: Autores Associados, 2000 OLIVEIRA, F. Brasil: Da Pobreza da Inflação para a Inflação da Pobreza. In Cadernos da ABONG, n 27, maio /2000. São Paulo: Autores Associados, 2000 COUTINHO, J. A. Organizações Não Governamentais:o que se oculta não? Disponível em http://www.espacoacademico.com.br/024/24ccoutinho.htm acesso em 26 de Agosto de 2003 GOHN, M. da G. Educação não-formal e cultura política: impacto sobre o assistencialismo do terceiro setor. São Paulo: Cortez, 1999.Os Sem-terra, ONGs e cidadania. São Paulo: Cortez, 2002 Lei nº 9.790 de maio de 1999. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil- _03/Leis/L9790htm.acesso em 17 de abril de 2003. MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e questão social: Crítica ao padrão emergente de intervenção social. São Paulo: Cortez, 2002 PINTO, M. Relatório Final da CPI das ONGs. 2002 disponível em http://www.abong.org.br acesso em 17 de abril de 2003.