VANGUARDAS EUROP ÉI AS E CRI SE DA REP RESENTAÇÃO Objetivos Analisar de que maneira a representação pictórica propiciou espaço para o aparecimento das Vanguardas Européias. Tópicos 1. Vanguardas: a desconstrução do cubismo 2. Dadá e Surrealismo: chutando o balde da realidade 1. Vanguardas: a desconstrução do cubismo Embora a fotografia tivesse provocado um grande impacto entre os pintores da geração de Monet e Van Gogh, fora do círculo artístico (e mesmo entre os artistas mais conservadores) ela ainda não era encarada como nada além de uma mera curiosidade técnica. Os trabalhos dos impressionistas e pós impressionistas rompiam com o naturalismo na pintura, mas ainda não resolviam plenamente o impasse criado com a nova mídia que retrata as pessoas e as coisas como elas são. Como superar a fotografia? Ou, melhor dizendo, como superar a figuratividade? As vanguardas que surgiram na Europa nas duas primeiras décadas do século XX iriam superar esse impasse, deixando uma marca que influencia a arte que se faz ainda hoje, no século XXI. Cubismo: a Fragmentação da I magem Picasso havia desenvolvido uma nova forma examinando a linguagem que havia prevalecido na arte européia desde o Renascimento, desmantelando suas regras e replicando seus mecanismos. Ao fazer isso, ele transcendeu essa linguagem e logicamente os princípios a ela subjacentes. Este era seu objetivo declarado, e ele conseguiu atingi lo. Carsten Peter Warncke, Picasso É impossível falar no cubismo sem mencionar a obra de P ablo P icasso. Ele é autor de uma vasta obra que inclui desenho e escultura, até hoje não inteiramente catalogada (os especialistas calculam que Picasso tenha produzido algo em torno de 30 mil obras originais). O gênio catalão da pintura do século XX já havia chegado a um impasse na adolescência: depois de pintar quadros naturalistas como A Primeira Comunhão e Ciência e Caridade, respectivamente aos 15 e 16 anos (pinturas impressionantemente vívidas que parecem ter sido feitas por um pintor experiente e bem mais velho). Desse modo, acredita se que Picasso dificilmente teria encontrado outras maneiras de dar vazão ao seu talento se tivesse vivido, por exemplo, entre os
séculos XVI ou XVIII épocas de nomes como Rembrandt, Vermeer, El Greco e Goya, famosos por seus retratos. Mas o deslocamento da função do retrato provocado pela fotografia fez toda a diferença: libertos da imposição de pintar pessoas e coisas à semelhança do real (ainda que essa liberdade não tivesse sido concedida pelos críticos ou pelos curadores de exposições, mas sim pela própria insatisfação dos artistas), os pintores começaram a experimentar novas formas de expressão ou, como diz o título do quadro de Monet que deu origem ao nome do movimento impressionista, formas de registrar a impressão que cada artista tinha do mundo ao seu redor. Para Picasso, Paris e sua vida esfuziante irão provocar uma impressão indelével e fundamental. Entre 1900 e 1904, ele visita a capital francesa várias vezes: é a época de sua Fase A zul, em que todos os seus quadros são pintados predominantemente com essa cor, evocando El Greco com seus jogos de luz e sombra e suas figuras angulosas. Ao se mudar definitivamente para Paris em 1904, o artista faz uma transição temática para a chamada Fase Rosa (também conhecida como fase circense, pela grande quantidade de pinturas com arlequins e saltimbancos), que dura até 1906. Neste ano, através da escritora Gertrude Stein, Picasso conhece Henri M atisse, o mais importante pintor do nascente movimento fauvista. O uso revolucionário das cores pelos fauvistas impressiona Picasso; isso, somado a um interesse cada vez maior pela obra de Cézanne e seus princípios de desconstrução da forma em formas geométricas fundamentais, e pelas esculturas africanas, o impulsionou na direção de um caminho totalmente novo na criação de uma nova forma de pintar o corpo humano. Essa nova forma é mostrada ao mundo pela primeira vez com o quadro Les Demoiselles D Avignon, pintado entre 1906 e 1907. As principais influências de Picasso em Les Demoiselles foram a solidez e a estrutura geométrica de Cézanne e a questão conceitual da arte africana: longe de ser primitiva, a escultura tribal africana é feita tendo como preocupação principal a idéia sobre um tema, e não a representação fiel de um rosto ou corpo humano específicos. É essa fragmentação racional (geométrica) da cabeça e do corpo humanos executada pelos artistas africanos que fornece a Picasso o ponto de partida para a reavaliação de seus temas. Entretanto, assim como Picasso não se ateve exclusivamente ao cubismo, ele não foi o único nesse movimento. Quem dá nome ao cubismo, na verdade, não é Les Demoiselles, mas uma série de quadros de um grande amigo de Picasso, Georges Braque. Inicialmente um fauvista, Braque sacrifica essa estética em busca de uma pintura mais conceitual e geométrica. É depois de passar uma temporada sozinho pintando no interior da França que ele expõe os quadros desse período na Galeria Kahnweiler, onde um crítico da época, de modo semelhante ao que ocorreu no Impressionismo, batiza os quadros de Braque como cubistas. A experimentação de Picasso e Braque foi tão intensa que levou a fragmentação do cubismo a diferentes níveis de realização. Suas obras são divididas em duas fases: entre 1907 e 1912, o cubismo analítico ou hermético, preocupado em decompor as imagens em formas geométricas e minimizando a importância das cores com uma paleta monocromática, em que predominam tons pastéis (com destaque para tons de ocre, amarelo e cinza). Esse tipo de cubismo é denominado como hermético porque parte da representação buscando as fronteiras da abstração, onde as formas deixam de fazer um sentido literal e explícito para apenas sugerir significados. Já no cubismo sintético, fase que vai de 1912 a 1915, ocorre uma mudança de percurso no uso de materiais. Desta vez, o pontapé inicial é de Braque, que mostra a Picasso, no começo de 1912, trabalhos tridimensionais que consistiam de pedaços de papel e papelão colados em uma tela e pintados. Braque também misturava suas tintas com areia ou gesso para criar novas texturas texturas que já eram conhecidas dos decoradores, mas que não eram usadas em obras de arte. Essa inovação provoca Picasso e faz com que ele próprio passe a buscar suas texturas diferentes. Nascem assim as colagens de Picasso e os papiers collées de Braque.
De 1916 a 1925, o cubismo continua (agora com a adesão de outros artistas, como Fernand Léger e Kasimir Malevich, entre outros), mas Picasso já começa a partir em outras direções. Entre 1916 e 1924, ele alterna trabalhos cubistas com uma interessante releitura do figurativismo clássico, até que em 1925 ele rompe com ambas essas escolas e volta a experimentar, desta vez de forma mais lúdica, com traços arredondados e cores vivas. É uma experiência que encontra eco nas obras dos surrealistas; não por acaso ele é convidado por A ndré Breton, líder do movimento surrealista (a quem conhecia desde 1923, quando fez um desenho deste) a se juntar ao grupo. O quadro As Três Dançarinas, de 1925, é usado para ilustrar a capa do quarto número da revista La Révolution surréaliste. Picasso nunca chegou a fazer parte formalmente do grupo dos surrealistas, mas ele certamente influenciou e foi influenciado por eles. 2. Dadá e Surrealismo: chutando o balde da realidade O que os surrealistas tinham de diferente que os levou a Picasso, ainda que por vias indiretas e por um breve momento? A busca pela abstração continua, mas a fase lúdica e solta de Picasso traduz um elemento adicional de descompromisso com a realidade que exercia um forte apelo para os surrealistas. Os surrealistas se opunham a todos os procedimentos artísticos baseados na razão consciente. Nesse ponto, eles não estavam sozinhos: alguns anos antes, haviam sido precedidos por um movimento que partia do mesmo princípio, mas com um modus operandi diferente: o Dadá. Grupo formado na Suíça em 1916 por expatriados fugidos da Primeira Guerra Mundial, o Dadá combatia o horror da guerra com um nonsense que pretendia ignorar a arte criada até então e criar um grau zero, um recomeço. Até o nome do grupo deixa essa intenção bastante clara: embora existam diferentes versões quanto à autoria e as circunstâncias da criação do nome Dadá, a versão mais aceita é a que diz que o nome foi achado por acidente por Hugo Ball e Richard Huelsenbeck enquanto folheavam um dicionário alemão francês. O significado é o mesmo em português: as primeiras sílabas balbuciadas pela criança que está aprendendo a falar. O próprio Huelsenbeck faz uma espécie de declaração de princípios do dadaísmo ao definir a escolha do nome: O primeiro som emitido pela criança expressa o primitivismo, o começar do zero, o novo em nossa arte. Huelsenbeck fazia parte do grupo que freqüentava o Cabaré Voltaire, misto de casa noturna com sociedade artística, fundado pelo poeta alemão Hugo Ball. O Cabaré reunia poetas e artistas jovens, entre os quais o austríaco Hans Arp e o romeno Tristan Tzara. Ball incentivava esses artistas a apresentarem lá suas idéias e colaborações. Eles declamavam poemas, cantavam, dançavam, expunham seus quadros, faziam música (qualquer semelhança com as atuais performances não é mera coincidência). Hans Arp, por exemplo, rasgava desenhos em pedaços e deixava os fragmentos caírem aleatoriamente para formarem um novo padrão. Fazia o mesmo com seus poemas. Tristan Tzara, por sua vez, bolou o poema que já vinha com uma receita pronta: bastava recortar frases de um jornal, enfiá las num saco, agitar bem e retirá las ao acaso.
Já o francês Francis Picabia (irreverente iconoclasta que aparece, bem como um ícone surrealista, Marcel Duchamp, num filme recém relançado de René Clair, Entr Acte, já em DVD no Brasil) foi mais além: como o valor de uma pintura se baseia na assinatura do artista, ele convida todos os seus amigos artistas a cobrirem uma tela com suas assinaturas e o quadro apresenta somente isso. Picabia e Duchamp, aliás, estavam exilados nos Estados Unidos quando irrompe o dadaísmo. Eles reúnem um grupo de jovens americanos insatisfeitos, entre os quais o fotógrafo Man Ray, e assumem para si próprios a causa dadaísta. Mas que causa seria essa? Nas palavras de A ndré Breton, outro dadaísta francês, dadaísmo é um estado de espírito. Um estado de espírito provocado pelo descontentamento com o caos e as mortes da guerra. Contra esse caos, para os dadaístas, só a anarquia e a incoerência. Ou, como queria Picabia, a destruição através da zombaria. Outra característica interessante do Dadá é que não existe um estilo dadaísta. Cada artista fazia o que queria, do seu jeito. Talvez o único traço comum seja a iconoclastia, ou seja, a derrubada de mitos e de sistemas anteriores preestabelecidos. O dadaísmo negava tudo, inclusive a si mesmo. Um slogan corrente na época dava o tom: O verdadeiro dadaísta é contra o Dadá. Talvez André Breton, então, tenha sido o dadaísta mais verdadeiro de todos. Em 1924, Breton considera o dadaísmo morto e enterrado, e anuncia, ao escrever o Manifesto Surrealista, um desejo de reconstruir a arte a partir das ruínas do Dadá. O Manifesto (o primeiro de uma série) anuncia o Surrealismo como um movimento literário, mencionando a pintura apenas numa nota de rodapé. Breton não propunha a incoerência como os dadaístas, mas sim o que chamava de automatismo psíquico, ou seja, deixar vir à tona os conteúdos do inconsciente. Vale observar que Breton havia estudado medicina na Clínica Charcot. O Dr. Charcot foi professor de Sigmund Freud. Ele influenciou o pai da psicanálise principalmente no uso da hipnose para a deflagração de conteúdo psíquico dos pacientes. A questão da interpretação dos sonhos também é bastante valorizada pelos surrealistas, mas não da maneira psicanalítica: para eles, os sonhos são a imaginação no seu estado primitivo e a expressão pura do maravilhoso, do fantástico. A psicanálise bloquearia a imaginação tentando filtrar e analisar um conteúdo que, para Breton, não deveria ser analisado, mas utilizado em estado puro. (Há quem diga que poucos surrealistas conseguiram isso. O mais famoso de todos os surrealistas, Salvador Dali, teria se encontrado com Freud nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial e mostrado um de seus quadros. Freud teria lhe dito que aquele quadro nada possuía de inconsciente, mas que também consistia de conteúdo já filtrado previamente pelo ego, o que teria ofendido Dali.) Uma guerra os une, outra, os separa. Com a Segunda Guerra, os surrealistas, baseados em Paris, se dispersam. Breton e Max Ernst, outro surrealista famoso por seus quadros com paisagens de pesadelo, vão para Nova York. Voltam à França quando a guerra acaba, mas o surrealismo já havia perdido sua força. Acaba definitivamente em 1966, com a morte de Breton. Ainda assim, a tentativa de usar imagens do inconsciente em seu estado puro nunca acabou: além de trabalhos desenvolvidos por artistas pertencentes aos círculos intelectuais, nomes como os brasileiros Arthur Bispo do Rosário e Fernando Diniz, ambos pacientes de instituições psiquiátricas, até hoje surpreendem conhecedores e críticos, pela intensidade e rigor formal e estético de suas obras, produções de estados mentais considerados alterados pela sociedade. E talvez mais surrealistas (por terem pouco ou nenhum filtro consciente) do que o grupo de Breton.
3. Bibliografia ARGAN, Giulio Carlo. A rte M oderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In Obras Escolhidas, Vol. I M agia e Técnica, A rte e P olítica. São Paulo: Brasiliense, 1985. MACHADO, Arlindo. P ré Cinemas & P ós Cinemas. São Paulo: Papirus, 1997.