LINFOMA MUSCULAR METASTÁTICO EM FILA BRASILEIRO

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Transcrição:

LINFOMA MUSCULAR METASTÁTICO EM FILA BRASILEIRO Arlinda Flores Coleto 1, Thaís de Almeida Moreira 2, Lígia Fernandes Gundim 1, Laura Gonçalves da Silva Chagas 1, Alessandra Aparecida Medeiros 3 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias da Universidade Federal de Uberlândia (arlindacoleto@hotmail.com) Uberlândia-Brasil 2 Residente do Departamento de Patologia Animal da Universidade Federal de Uberlândia 3 Profa Dra do Departamento de Patologia Animal da Universidade Federal de Uberlândia Recebido em: 31/03/2015 Aprovado em: 15/05/2015 Publicado em: 01/06/2015 RESUMO O linfoma originado na musculatura esquelética é raro em cães. Devido à escassez desta neoplasia, poucos são os relatos na literatura. O objetivo deste estudo de caso foi descrever um linfoma extranodal metastático em uma cadela da raça Fila Brasileiro, três anos de idade, não castrada. No exame necroscópico foram observadas múltiplas massas de formatos irregulares a arredondadas, brancacentas, homogêneas e macias em musculaturas esqueléticas e também no coração, pleura visceral pulmonar, estômago e rins. Não foram constatadas alterações em órgãos linfoides. Amostras de todas as áreas afetadas foram coletadas para a confecção de lâminas de histologia e imuno-histoquímica. As lesões macroscópicas associadas ao exame histopatológico e imuno-histoquímico permitiram o diagnóstico de linfoma linfoplasmocítico de células B com origem em músculo esquelético. Este linfoma extranodal deve ser considerado dentre todos os tumores que acometem a musculatura e de mesma forma as neoplasia originárias de tecido adiposo, pois macroscopicamente são semelhantes. PALAVRAS-CHAVE: cão, linfócitos, músculo esquelético, neoplasia ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.11 n.21; p. 1261 2015

METASTATIC MUSCLE LYMPHOMA IN BRAZILIAN FILA ABSTRACT The lymphoma originated in skeletal muscle is rare in dogs. Due to the scarcity of this neoplasm, there are few reports in the literature. The aim of this study was to describe a metastatic extranodal lymphoma in a female dog Brazilian Fila, three years old, not neutered. During the necropsy we observed multiple masses of irregular shapes to rounded, white, homogeneous and soft in skeletal muscles and also in the heart, lung visceral pleura, stomach and kidneys. No changes were found in lymphoid organs. Samples of all affected areas were collected for making histology blades and immunohistochemistry. Gross lesions associated with histopathological and immunohistochemical allowed the diagnosis of B-cells lymphoplasmacytic lymphoma originating from skeletal muscle. This extranodal lymphoma should be considered of all tumors that affect the muscles and similarly the neoplasm originating from adipose tissue, they are macroscopically similar. KEYWORDS: dog, lymphocyte, neoplasm, skeletal muscle INTRODUÇÃO O tumor de linfócitos é denominado linfoma e representa em torno de 7% (VAIL & YOUNG, 2007) a 9% de todas as neoplasias caninas (DOBSON et al., 2001). São descritas cinco formas de classificação anatômica, sendo elas a multicêntrica, digestiva, mediastinal, cutânea e extranodal (DATERS, 2010). A forma multicêntrica é a mais comum (CHAVES et al., 2014). Já a extranodal é a mais rara, tendo incidência de aproximadamente 3%, porém esta forma é comumente diagnosticada em gatos (VAIL, 2011; VAIL et al., 2013). Os locais de predileção dos linfomas extranodais são especialmente pele, anel de Waldeyer, estômago, baço, pulmão, osso e sistema nervoso central (PAES et al., 2010; GUMEY & CARTWRIGHT, 2002). Os linfomas do músculo esquelético (LME) são extremamente raros em cães (HARKIN et al., 2000; KEUNG & LIANG, 1996) e em humanos (ZUCCA et al., 1999). A etiologia do LME ainda é desconhecida. Existem algumas teorias descritas na literatura humana onde são sugeridas hipóteses de que podem ser consequência de processos inflamatórios crônicos (ISAACSON, 1993; KEUNG & LIANG, 1996); que podem surgir a partir de linfonodos presentes nos músculos e que sofreram alterações (KNOWLES, 1985) ou ainda, de sítios extranodais que adquirem células linfáticas (ISAACSON, 1993). Os sinais clínicos deste neoplasma são inespecíficos, estando de acordo com o local de acometimento (CRUZ, 2010). Frequentemente podem estar associados à ocorrência de síndromes paraneoplásicas, como anemia, hipercalcemia, hipergamaglobulinemia, caquexia e neuropatias (VAIL et al., 2013). Não há um critério especifico na medicina veterinária para o diagnóstico de um LME (TAKEUCHI et al., 2010). Na análise histopatológica, observa-se infiltração maciça de células neoplásicas pleomórficas, com núcleos arredondados ou ovoides e citoplasma escasso, sustentadas por feixes de tecido conjuntivo pouco vascularizado (NETO et al., 2012). O exame complementar de imuno-histoquímica é necessário para que ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.11 n.21; p. 1262 2015

ocorra o reconhecimento do antígeno especifico nos linfócitos através de anticorpo auxiliando na diferenciação do tumor e no prognostico do paciente (BIGNI, 2015). Anticorpos anti-cd3 são utilizados para imunomarcação do linfoma de células T, enquanto anticorpos anti-cd79a permitem a identificação do linfoma de células B, podendo apresentar ainda imunoexpressão de ambos (linfoma T/B) (FLOOD- KNAPIK et al., 2012). Muitos linfomas caninos apresentam-se agressivos segundo o comportamento biológico, mas respondem bem à quimioterapia. Não obstante notase que os pacientes possuem curto período de sobrevida (FLOOD-KNAPIK et al., 2012). Quanto ao tratamento, agentes citotóxicos representam o tratamento de escolha para o linfoma multicêntrico em cães (CHAVES et al., 2014). A quimioterapia convencional é capaz de promover a remissão completa em 60 a 90% dos animais, apresentando um tempo médio de sobrevida de seis a 12 meses, dependendo do protocolo utilizado. Entretanto, na medicina veterinária o tratamento de linfomas extranodais não está bem estabelecido, sendo apenas indicada a remoção da massa tumoral quando esta for possível e a associação de quimioterapia e radioterapia (VAIL & YOUNG, 2007). Efeitos colaterais do tratamento podem ser observados e estão correlacionados à citotoxicidade produzida em outras células, sobretudo aquelas com maior atividade proliferativa (VAIL et al., 2013). Nota-se uma maior ocorrência de leucopenia em cães tratados com ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona (protocolo CHOP), quando comparado aqueles tratados com o protocolo de indução de Wisconsin-Madison (CHAVES et al., 2014). O objetivo deste relato é descrever um caso de linfoma canino extranodal metastático com origem na musculatura esquelética em uma cadela da raça Fila brasileiro, três anos de idade, não castrada. RELATO DE CASO Foi encaminhado ao Hospital Veterinário da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) uma cadela, fêmea, Fila brasileiro, três anos de idade, não castrada, para realização de necropsia. Ao exame macroscópico foram observadas múltiplas massas irregulares a arredondadas, brancacentas, homogêneas e macias localizadas na língua (transmural), musculatura cervical (infiltrativo), miocárdio (transmural) e pleura visceral pulmonar (superfícial). Ao corte da musculatura dos membros posteriores e anteriores foram localizadas múltiplas massas de aspecto semelhante aos encontrados em outros órgãos e variaram de um a cinco centímetros de diâmetro (Figura 1). Notou-se ainda três massas semelhantes na musculatura intercostal torácica, no estômago próximo à curvatura menor a qual se estendia da serosa até a mucosa e também em ambos os rins. Nestes, as massas se apresentavam difusas pela superfície e adentravam-se ao parênquima (Figura 2). ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.11 n.21; p. 1263 2015

FIGURA 1: Cadela, Fila Brasileiro, três anos de idade. Aspecto macroscópico de linfoma. (A) língua, (B) musculatura cervical (setas), (C) miocárdio (setas), (D) pleura visceral pulmonar (seta), (E) musculatura do membro posterior direito e (F) musculatura do membro anterior esquerdo (setas). FONTE: Arquivo do Laboratório de Patologia Animal, UFU. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.11 n.21; p. 1264 2015

FIGURA 2: Cadela, Fila Brasileiro, três anos de idade. Aspecto macroscópico de linfoma. (A) Massas em musculatura intercostal torácica (setas), (B) serosa do estômago, (C) musculatura intercostal próxima ao diafragma (seta), (D) superfície renal e (E) parênquima renal. FONTE: Arquivo do Laboratório de Patologia Animal, UFU. No exame macroscópico do fígado, observou-se padrão lobular evidente com áreas de hemorragias multifocais (petéquias). Ainda vale ressaltar que não foram visualizadas lesões em baço e linfonodos. Foram coletados fragmentos de língua, miocárdio, musculaturas de membros, musculatura cervical e musculatura intercostal, além de estômago e rins. As amostras foram acondicionadas em solução ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.11 n.21; p. 1265 2015

de formol à 10% tamponado e após a fixação, foram submetidas ao processamento histopatológico e à confecção de lâminas, as quais foram coradas pelo método de Hematoxilina e Eosina e avaliadas em microscopia de luz óptica. Ao exame microscópico observou-se intensa proliferação de células redondas pleomórficas, citoplasma escasso e núcleo redondo e basofílico em todos os tecidos coletados (Figura 3). Ainda nos músculos posteriores, notou-se intensa neovascularização e acentuada congestão.o exame imuno-histoquímico foi realizado para o diagnóstico final em laboratório específico na cidade de Campinas- SP. Cortes de tecido processados rotineiramente e incluídos em parafina foram colocados em lâminas previamente sinalizadas. Realizou-se a recuperação antigênica pelo método de calor úmido, por 20-30 minutos. Os anticorpos primários foram incubados por 18 horas em câmara úmida escura e mantida a uma temperatura de 4 graus Celsius. O anticorpo secundário utilizado foi o sistema de polímeros ligados a peroxidase (Advance, Dako). A revelação da reação foi realizada com DAB (3,3 diaminobenzidina), já a contracoloração foi realizada com hematoxilina. Controles externos e internos foram utilizados para validar a reação. Foram testadas imunoexpressão para CD3, CD79a e Lisozima e a partir da análise imunohistoquímica foi possível verificar marcação positiva para anticorpos CD79a e negativa para CD3, o qual possibilitou o diagnóstico de linfoma linfoplasmocítico de células B (Figura 4). FIGURA 3: Cadela, Fila Brasileiro, três anos de idade. Fotomicrografia de linfoma. Intensa proliferação de células redondas pleomórficas, citoplasma escasso, núcleo redondo e basofílico; coloração Hematoxilina e Eosina (H.E), 40x. FONTE: Arquivo do Laboratório de Patologia Animal, UFU. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.11 n.21; p. 1266 2015

A B FIGURA 4: Cadela, Fila Brasileiro, três anos de idade. Imuno-histoquímica de linfoma. (A) imunomarcação com anticorpo CD79a em linfócitos B. Aumento de 1000x. (B) ausência de marcação para anticorpo CD3. FONTE: Arquivo do Laboratório de Patologia Animal, UFU. Os achados macroscópicos, as análises microscópicas e imuno-histoquimica nos permitiram concluir o diagnóstico de linfoma primário de músculo esquelético. DISCUSSÃO O presente relato de caso reflete a raridade do linfoma muscular na espécie canina, tendo sido relatado apenas por HARKIN et al., (2000), THUILLIEZ et al., (2008) e TAKEUCHI et al., (2010) na literatura. O animal do presente relato era da raça Fila Brasileiro, três anos de idade, não castrada. HARKIN et al., (2000) relataram em cão, raça Bullmastiff, 1 ano e 4 meses de idade, castrado. THUILLIEZ et al., (2008), descreveram em um cão, raça Newfoundland de 8 anos e TAKEUCHI et al., (2010) relataram em uma cadela Dachshund miniatura de 8 anos, castrada. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.11 n.21; p. 1267 2015

No presente relato, massas foram localizadas em musculatura esquelética, coração, pleura visceral pulmonar, estômago e rim. HARKIN et al., (2000) descreveram que o LME afeta outros órgãos como o trato gastrointestinal (7%), pele (6%) e em outros sistemas em menos de 1%. Foram encontradas na cadela deste relato, múltiplas massas irregulares a arredondadas, brancacentas, homogêneas e macias localizadas nos músculos da língua, pescoço, membros anteriores, músculos intercostais e membros posteriores. Linfadenopatia e comprometimento de baço e fígado não foram observados concordando com relatos de CHEW et al., (1999) e CHUN et al., (2010) que descreveram que tipicamente o LME em humanos pode envolver mais de um músculo. Pela característica de não possuírem estroma e junções intercelulares, os linfócitos infiltram a fáscia muscular e se difundem. CHUN et al., (2010) ainda avaliaram imagens de ressonância magnética de 20 pacientes com LME e encontraram 14 (70%) com linfoma em múltiplos músculos. De acordo com KEUNG & LIANG (1996) e BERTONI et al., (1998), os locais de predileção dos LME no corpo humano são as extremidades, principalmente os membros inferiores. Supõe-se que essas regiões sejam mais passíveis de injúrias (MASAOKA, 2002), como patologias subclínicas ou crônicas (KEUNG & LIANG, 1996). No presente estudo não foram observadas lesões inflamatórias nem tão poucas injúrias nas regiões de localização das massas neoplásicas. HARKIN et al., (2000) diagnosticaram linfoma como múltiplas massas brancas e de tamanhos variáveis em membro posterior direito, pele e musculatura superficial, junção costocondral direita, miocárdio ventricular direito e septo ventricular, não sendo relatadas alterações em fígado, baço, e linfonodos cervical e sublombar corroborando com os achados do presente trabalho. THUILLIEZ et al., (2008) encontraram massa de 25 cm infiltrativo na língua, faringe e se estendendo desde a região cervical ventral até a musculatura do membro anterior esquerdo. Também observaram nos músculos diafragma, intercostal e região abdominal que ao corte eram pálidos e firmes. O animal também apresentou segundo os autores, quadro de linfadenopatia, diferindo do presente relato, já que foram observadas massas de consistência macia e ausência de lesões em linfonodos ou órgãos linfoides. TAKEUCHI et al., (2010) relataram linfoma em região femoral direita, sem alteração dos linfonodos, concordando com este caso tanto em localização e integridade dos linfonodos. Relatos recentes de LME em humanos são encontrados na literatura (ALAMDARI et al., 2014; EMORI et al., 2014; KUBO et al., 2014). O NEIL et al., (2007) descreveram que os LMEs humanos são mais comumente originados de linfócitos B e classificados como Não-Hodgkin, bem como relatados por CHUN et al., (2010), onde todos os 20 pacientes foram diagnosticados com linfomas do tipo Não- Rodgkin e a maioria deles classificados histologicamente como linfoma difuso de células B, reforçando o atual diagnóstico. O painel imuno-histoquimico da cadela deste estudo revelou positividade para CD79a e negatividade para CD3, caracterizando linfoma de células B. Não houve marcação no tecido para CD3 no estudo de HARKIN et al., (2000), entretanto não foram testados anticorpos para células B. Contudo, nos casos relatados por THUILLIEZ et al., (2008) e TAKEUCHI et al., (2010), o linfoma foi originado de células T, onde foram positivos para CD3 e negativos para CD79a, demonstrando assim que ainda não é possível concluir o tipo predominante na espécie canina. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.11 n.21; p. 1268 2015

CONCLUSÃO Este relato visa contribuir com a literatura veterinária nacional e internacional, tendo em vista a raridade deste tipo de linfoma em cães. A partir dos achados macroscópicos, microscópicos e da imuno-histoquímica foi possível inquerir o diagnóstico de linfoma linfoplasmocítico de células B com origem muscular. Este tumor deve ser considerado como diagnóstico diferencial dentre os tumores que afetam a musculatura e também neoplasias de origem do tecido adiposo, já que macroscopicamente são semelhantes. REFERÊNCIAS ALAMDARI, A.; NADERI, N.; PEIMAN, S.; SHAHI, F. Non-Hodgkin lymphoma with primary involvement of skeletal muscle. International Journal of Hematology- Oncology and Stem Cell Research, v. 8, n. 3, p. 55-57, 2014. BERTONI, F.; SANNA, P.; ZUCCA, E.; ROGGERO, E.; CAVALLI, F. Primary extranodal lymphoma of skeletal muscles: a report of four cases. Oncology Reports. v. 5, n. 3, p. 605 607, 1998. BIGNI, R. Linfoma Não-Hodgkin. Instituto Nacional de Câncer INCA. Disponível em: http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=457>. Acesso em: 12 jan. 2015. CHAVES, N.G.; COSTA, M.P.; HORTA, R.S.; PAES, P.R.O.; LAVALLE, G.E.; ARAÚJO, R.B. Toxicidade hematológica associada aos protocolos CHOP e UW-19 no tratamento do linfoma canino multicêntrico. Anais... 35ºANCLIVEPA p.1041, 2014. CHEW, F.S.; SCHELLINGERHOUT, D.; KEEL, S.B. Primary lymphoma of skeletal muscle. American Journal of Roentgenology. v. 172, n. 5, p. 1370-1370, 1999. CHUN, C.W.; JEE, WH.; PARK, H. J.; KIM, Y. J.; PARK, JM.; LEE, SH.; PARK, SH. MRI features of skeletal muscle lymphoma. American Journal of Roentgenology. v. 195, n. 6, p. 1355-1360, 2010. CRUZ, D.L. Linfoma primário renal em cão: Relato de caso. 2010. 48f. Monografia. Universidade Federal da Bahia, Salvador. DATERS, A.T.; MAUDIN, G.E.; MAUDIN, G.N.; BRODSKY, E.M.; POST, G.S. Evaluation of a multidrug chemotherapy protocol with mitoxantrone based maintenance (CHOP-MA) for the treatment of canine lymphoma. Veterinary and Comparative Oncology, v.8, n.1, p.11-22, 2010. DOBSON, J.M.; BLACKWOOD, L.B.; MCINNES, E.F.; BOSTOCK, D.E.; NICHOLLS, P.; HOATHER, T.M.; TOM, B.D.M. Prognostic variables in canine multicentric lymphosarcoma. Journal of Small Animal Practice, v. 42, n. 8, p. 377-384, 2001. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, v.11 n.21; p. 1269 2015

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