Atendimento oftalmológico de escolares do sistema público de ensino no município de São Paulo aspectos médico-sociais

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Transcrição:

Atendimento oftalmológico de escolares do sistema público de ensino no município de São Paulo aspectos médico-sociais Ophthalmological evaluation of schoolchildren of the public educational system of the city of São Paulo, Brazil medical and social aspects Milton Ruiz Alves (1) Edméa Rita Temporini (1) Newton Kara-José (2) RESUMO Objetivo: Identificar obstáculos à realização de exame oftálmico de escolares em projeto comunitário, para subsidiar o planejamento de ações preventivas e assistenciais em oftalmologia direcionadas à comunidade Tipo de estudo: Survey descritivo. Local: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo (HCFMUSP), Brasil. Participantes: Escolares da primeira série do ensino fundamental de escolas do sistema público educacional, atendidos por meio da Campanha Veja Bem Brasil, 1998. Métodos: Aplicou-se um questionário por entrevista em amostra de conveniência constituída de pais dos escolares atendidos. Resultados: A amostra foi composta por 227 pais, correspondendo a igual número de escolares. Características do núcleo familiar: 77,1% não apresentam o 1º grau de escolaridade completo e 39,6% apresentam renda familiar inferior a 2 salários mínimos. Características pessoais do escolar: 48,0% do sexo masculino e 52,0% do sexo feminino, 19,4% com idades igual ou superior a 8 anos, 67,8% deles não receberam atendimento oftalmológico anterior. Dificuldades apontadas para receber atendimento na campanha: falta de transporte (41,6%), falta de orientação (31,0%) e perda do dia de trabalho (24,8%). Razões apontadas para o não-comparecimento às convocações anteriores: não recebeu orientação (52,0%) e não podia faltar ao trabalho (19,4%). Conclusões: Foram identificadas dificuldades socioeconômicas para efetivar o atendimento oftalmológico de escolares no projeto comunitário de saúde ocular Veja Bem Brasil. A solução ou minimização de distúrbios oftalmológicos de escolares dependem, significativamente, do esforço conjunto de pessoal de ensino, família, comunidade e pessoal de saúde. Palavras-chave: Oftalmologia em saúde pública; Saúde escolar; Educação em saúde; Reabilitação visual. Do LIM 33 da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. (1) Professor Livre Docente (2) Professor Titular Endereço para correspondência: Milton Ruiz Alves. Alameda dos Arapanés 982 apto. 52, CEP 04524-001. São Paulo. Brasil. INTRODUÇÃO Segundo dados do Ministério da Educação (1998), a população escolar da primeira série do ensino público fundamental é constituída por cerca de ARQ. BRAS. OFTALMOL. 63(5), OUTUBRO/2000-359

5.800.000 crianças, a maior proporção delas na idade de 7 anos. Nessa fase da vida, com o ingresso na escola, a criança é solicitada mais intensamente para atividades intelectuais e sociais, que requerem prontidão e habilidades psicomotoras e visuais. Admite-se que 85% do aprendizado se faça por meio da visão 5, contudo, apenas parcela inexpressiva dessas crianças submeteu-se a algum tipo de avaliação oftalmológica em idade pré-escolar. Supõe-se que isso ocorra em função de dificuldades sócio-econômicas da família e/ou de acesso a serviços especializados 1. Aproximadamente 20% das crianças em idade escolar apresentam alguma perturbação oftalmológica (erros de refração, ambliopia, conjuntivite, estrabismo, seqüela de acidente ocular, malformação congênita, etc.). Cerca de 10% dos escolares necessitam de óculos (5% apresentam menos de 50% da visão normal sem correção). Os defeitos de visão não corrigidos, contribuem para um déficit do aproveitamento escolar e socialização 1-7, 9. Considerando a importância da visão na educação e socialização da criança; a alta prevalência de problemas oculares na infância e a disponibilidade de recursos para prevenção ou cura da grande maioria dos problemas oculares, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) desenvolveu em 1998 ampla Campanha Nacional de promoção da saúde ocular, com o atendimento de alunos da primeira série do Ensino Fundamental, de escolas públicas, com prescrição de óculos e facilitação da aquisição ou doação dos óculos 1. A Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFM- USP) participou da referida Campanha, atendendo os escolares do sistema público de ensino da região oeste do município de São Paulo, matriculados na primeira série do ensino fundamental. Essa população foi estimada em 17500 crianças. Operacionalizou-se o desenvolvimento da campanha no HCFMUSP em três fases, realizadas nos meses de março e abril de 1998, descritas a seguir: 1ª fase -Treinamento de professores da primeira série da região a ser atendida, a cargo de médicos oftalmologistas do HCFMUSP. Conteúdo abordado em palestras: anatomia e fisiologia ocular, afecções oculares mais freqüentes na infância, prevenção dessas afecções, técnica de aplicação do teste de acuidade visual (TAV) com a tabela optométrica de Snellen. Foi exibido vídeo explicativo, produzido pelo CBO especificamente para a Campanha Veja Bem Brasil. Outros recursos audiovisuais utilizados na orientação foram: o Manual Veja Bem Brasil 1, tabelas de Snellen, oclusores, cartazes de divulgação e o Manual da Boa visão 8. 2ª fase Aplicação do teste de acuidade visual nos alunos alvo da programação pelos professores treinados, e registro desses resultados em fichas específicas elaboradas pelo CBO. As crianças que apresentaram dificuldades no TAV foram submetidas ao reteste, realizado pelos professores, que também se encarregaram da seleção de alunos para o exame oftalmológico. Os escolares selecionados receberam ficha de comunicação de dificuldade visual dirigida aos pais e de solicitação de autorização para serem submetidos ao exame oftalmológico. 3º fase Realização da consulta oftalmológica em datas previamente agendadas, no HCFMUSP. O comparecimento à consulta agendada mostrou-se defasado, houve ausência de 52% e de 42% dos escolares encaminhados respectivamente nos dois dias destinados ao atendimento. Esse fato mostrou a necessidade de tentar novo agendamento de consultas e de investigar as razões da ausência ao atendimento inicialmente proposto. Esta pesquisa teve por objetivo verificar características sócio-econômicas da população de escolares que compareceram ao exame oftalmológico agendado pela segunda vez, bem como obter informações sobre a saúde ocular e identificar possíveis obstáculos à realização do exame oftálmico. MATERIAL E MÉTODOS Realizou-se um survey descritivo em população de escolares que compareceu ao segundo agendamento de consultas oftalmológicas no HCFMUSP, prevendo-se o atendimento de 850 crianças. Dessas, compareceram 369 (43,0%) que foram submetidas ao teste de acuidade visual (TAV) e biomicroscopia. Foram dispensadas 133 crianças por não apresentarem alterações visuais ou queixas de dificuldades oculares. As demais (236 escolares) que apresentaram déficit visual ou distúrbios oftalmológicos foram submetidas a avaliação de motilidade ocular extrínseca, refração subjetiva e objetiva sob cicloplegia e exame de fundo de olho. Foram prescritos e distribuídos óculos, além de prover-se orientação escrita a respeito de cuidados com os olhos. A amostra deste estudo foi formada a partir da aquiescência à entrevista dos pais ou responsáveis. Constituiu-se, portanto, uma amostra não probabilística composta por 227 crianças. Foram investigadas as variáveis, a seguir apresentadas, com a respectiva categorização: Características sociais da família: situação ocupacional do chefe da família (assalariado, autônomo, desempregado, aposentado), escolaridade do pai e da mãe (não estudou, 1º grau incompleto, 1º grau completo, 2º grau incompleto, 2º grau completo e 3º grau), número de salários mínimos recebidos pela família (menos de 2, entre 2 e 5, mais de 5) e número de dependentes. Características pessoais dos escolares: sexo, idade (em anos), e atualização da carteira de vacinação. Atendimento oftálmico recebido anteriormente pelo escolar (recebeu, não recebeu), quem prestou o atendimento (oftalmologista, pediatra), tipo de serviço de saúde foi utilizado (serviço público, serviço conveniado, serviço privado), tratamento prescrito (indicação de óculos, medicamentoso, cirúrgico, nenhum). Pessoa que percebeu a dificuldade visual do escolar (professor, pais, o próprio escolar, outra pessoa). 360 - ARQ. BRAS. OFTALMOL. 63(5), OUTUBRO/2000

Tipo de erro refracional dos escolares necessitados de prescrição de óculos (hipermetropia, miopia, astigmatismo). Razões de não ter recebido atendimento oftálmico anterior (não apresentava problema ocular, não tinha dinheiro para se tratar, dificuldade de acesso ao médico, não dispunha de tempo). Tipo de serviço de saúde utilizado pela família (público, conveniado, privado). Dificuldades para receber atendimento na Campanha (falta de transporte, falta de orientação, perda do dia de trabalho, falta de lugar para deixar outros filhos) Razões da ausência nas datas programadas para o exame oftalmológico na Campanha (não recebeu orientação/guia de encaminhamento; não podia faltar ao trabalho; doença da criança ou de familiar; outro compromisso; não tinha dinheiro para condução; exame oftálmico recente) Utilizou-se um questionário como instrumento de medida, aplicado em entrevista por um grupo de auxiliares de pesquisa previamente preparados. RESULTADOS A amostra foi constituída por 227 pais de escolares com déficit visual ou queixas de problemas oculares, reconvocados por não terem comparecido na data marcada para exame, para serem atendidos no HCFMUSP, onde se realizavam as atividades da Campanha Nacional de Prevenção da Cegueira e Reabilitação Visual Veja Bem Brasil. Compareceram à primeira convocação (dias 25 e 26/4/ 98) 46,3% dos escolares previamente selecionados pelos professores para serem submetidos ao exame oftálmico. Na segunda convocação daqueles que não atenderam ao primeiro chamado compareceram somente 45,7% dos escolares agendados. Com esta preocupação foram levantados dados das características sociais da família nuclear dos escolares (Tabela 1). Chama a atenção o número de desempregados (13,7%) e de autônomos (24,7%) que pode indicar participação no mercado informal. Ressalta-se que a grande maioria dos pais não apresentam o 1º grau completo de escolaridade (77,1%). Evidencia-se proporção equivalente de pais e mães, apresentando além de baixa escolaridade, reduzido rendimento econômico e número relativamente grande de dependentes. Dentre os escolares examinados, 52,0% são do sexo feminino e a maioria (80,6%), de idades entre 6 e 8 anos. Segundo os pais, 99,6% deles receberam as vacinas, conforme a orientação da carteira respectiva. Das crianças selecionadas pelos professores, 67,8% não haviam recebido atendimento oftalmológico anterior (Tabela 2). Entre as que haviam recebido, 65% tiveram prescrição de óculos, 95,9% foram atendidas por oftamologista, em serviço público (60,3%) ou conveniado (28,8%). Ressalta-se que 74,7% das crianças, na opinião dos respondentes, não apresentavam problema ocular (Tabela 3). Tabela 1. Características sociais da família nuclear de escolares Situação ocupacional do chefe da família Assalariado 139 61,2 Autônomo 56 24,7 Desempregado 311 3,7 Aposentado 1 0,4 Escolaridade Pai ( n=227) Mãe Não estudou 8 3,5 5 2,2 1º grau incompleto 167 73,6 165 72,7 1º grau completo 9 4,0 14 6,2 2º grau incompleto 34 15,0 31 13,7 2º grau completo 6 2,6 7 3,0 3º grau 3 1,3 5 2,2 Número de salários mínimos* (família) %** < 2 SM** 89 39,2 39,6 2 a 5 SM 102 44,9 44,4 >5 SM 36 15,9 16,0 Não informou 2 0,8 Número de dependentes 1 a 2 70 30,8 3 a 4 108 57,6 5 a 6 37 16,3 7 a 11 12 5,3 * Salário mínimo vigente R$ 130,00 **Exclui não informou Tabela 2. Atendimento oftalmológico anterior dos escolares Atendimento oftalmológico Recebeu 73 32,2 Não recebeu 154 67,8 Prestado por Oftalmologista 70 95,9 Pediatra 3 4,1 Atendido em Serviço público 44 60,3 Serviço conveniado 21 28,8 Serviço privado 5 6,8 Não lembra 3 4,1 Tratamento prescrito* Indicação de óculos 47 64,4 Medicamentoso 6 8,2 Cirúrgico 2 2,7 Nenhum 19 26,0 Respostas múltiplas Os pais das 154 crianças que não haviam sido ainda submetidas à avaliação oftalmológica relataram que, em ARQ. BRAS. OFTALMOL. 63(5), OUTUBRO/2000-361

Tabela 3. Razões por não ter recebido atendimento oftalmológico anterior Razões (n=154) Não apresentava problema ocular 115 74,7 Não tinha dinheiro para se tratar 19 12,3 Dificuldade de acesso ao médico 12 7,8 Não dispunha de tempo 8 5,2 Tabela 4. Dificuldades para receber atendimento em Campanha no Hospital das Clínicas da FMUSP Dificuldades* (n=113) Falta de transporte 47 41,6 Falta de orientação 35 31,0 Perda do dia de trabalho 28 24,8 Falta de lugar para deixar outros filhos 3 2,6 *80 sujeitos declaram não terem dificuldades e 34 não informaram. Tabela 5. Razões da ausência ao exame oftalmológico anteri ormente agendado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Razões* (n=211) Não recebeu orientação/guia de encaminhamento 112 53,0 Não podia faltar ao trabalho 41 19,4 Doença (da criança ou de familiar) 34 16,1 Tinha outro compromisso 19 9,0 Não tinha dinheiro para condução 18 8,5 Tinha exame oftalmológico recente 3 1,4 Não lembra 1 0,5 *Respostas múltiplas geral, recorrem a serviços de saúde públicos (90,3%), conveniados (8,4%) e particulares (1,3%). Os respondentes apontaram a falta de transporte (41,6%), falta de orientação (31,0%) e perda do dia de trabalho (24,8%), como principais dificuldades para o comparecimento no HCFMUSP (Tabela 4). As razões da ausência ao exame oftalmológico anteriormente agendado estão registradas na Tabela 5. Ressalta-se que 53% dos respondentes afirmaram não ter recebido orientação ou guia de encaminhamento. Das 369 crianças selecionadas pelos professores, 36% foram dispensadas na triagem realizada no HCFMUSP por não apresentarem déficit visual ou queixas de problemas oculares. Dentre as outras 227 crianças avaliadas, 131 (57,7%) apresentavam erro de refração, com indicação de correção com óculos. O erro refracional mais freqüentemente encontrado nas crianças que necessitaram correção óptica foi astigmatismo hipermetrópico composto (36,7%), hipermetropia (18,7%) e astigmatismo hipermetrópico simples (7,8%). DISCUSSÃO Impõe-se frente as altas taxas de não comparecimento dos escolares à primeira convocação (53,7%) e à segunda convocação (54,3%), analisar se os pais ou os responsáveis pelas crianças não foram suficientemente informados pela escola sobre a importância da campanha ou se não tiveram condições de vencer barreiras que não foram identificadas. O professor foi a pessoa que percebeu a dificuldade visual do escolar em 70,6% dos casos, os pais, em 18,9% e o próprio escolar em 7,9%. A preparação do professor, mediante desenvolvimento de programas de saúde constitui a base para o sistema de construção e disseminação do conhecimento em saúde. Contudo, nem sempre o professor dispõe de conhecimentos, atitudes e práticas no campo da saúde escolar, que deveriam ter adquirido no seu curso de formação. A compreensão dos pais sobre os propósitos de um programa de saúde na escola é importante, uma vez que a maior responsabilidade pela saúde das crianças pertence a eles. Para atingir o objetivo comum da saúde da criança em idade escolar é necessária a ação integrada lar-escola-comunidade 5, 10. No ambiente doméstico, por vezes a criança não tem noção de que não enxerga bem por não exercer atividades que demandem maior esforço visual. Condições sócio-econômicas e culturais dificultam o acesso da criança ao exame oftalmológico antes de seu ingresso na escola. Por isso, programas de triagem visual são importantes quando realizados na escola, por preencherem esta lacuna 2, 3, 5, 10. Diversas razões são apontadas para explicar a ausência de busca do atendimento oftalmológico realizado no decorrer da Campanha Veja Bem Brasil no HCFMUSP, mesmo sendo gratuito e oferecido por hospital, em geral percebido como de alta confiabilidade pela população. A falta de transporte (41,6%), aparentemente, refere-se mais a limitações financeiras para pagamento de passagens, na locomoção de pais e de outros filhos, além do escolar a ser examinado. Com exceção da falta de orientação mencionada por 31,0% dos entrevistados, as demais alegações levam a supor obstáculos de ordem socio-econômica para a efetivação da consulta oftalmológica. Note-se, contudo, que 53,0% afirmam não ter recebido orientação ou guia de encaminhamento, responsabilidade essa ao encargo dos professores na escola. Isto indica a necessidade de reforçar tais aspectos na preparação do pessoal de ensino envolvido no programa de saúde ocular. Das 369 crianças selecionadas pelos professores, 36% foram dispensadas na triagem realizada no HCFMUSP por não apresentarem déficit visual ou queixas de problemas oculares. É compreensível, até certo ponto, que os professores encaminhem desnecessariamente alunos ao oftalmologista. Provavelmente isto se deva à preocupação e insegurança próprias ao realizarem a triagem visual na escola, por falta de preparação. Essa triagem mostra-se mais eficaz quando ocorre treinamento adequado, como se observa em estudo a esse respeito, que evidenciou elevada proporção de acertos 362 - ARQ. BRAS. OFTALMOL. 63(5), OUTUBRO/2000

(mais de 80%) entre professores preparados para realizarem a triagem visual 11. Dentre as outras 227 crianças avaliadas, 131 (57,7%) apresentavam erro de refração, com indicação de correção com óculos. Os vícios de refração não corrigidos contribuem para um déficit do aproveitamento escolar e socialização, podendo também serem responsáveis por alterações nos estados emocional e psicológico das crianças 1. O atendimento de escolares no HCFMUSP como parte da Campanha Nacional do CBO contribuiu para promover junto aos médicos, professores e população em geral, o interesse em participar de iniciativas educacionais e assistenciais de saúde ocular, identificando as principais causas de déficit visual da criança e a extensão desse problema. Demonstrou que através do trabalho integrado e multidisciplinar de médicos, acadêmicos, professores e voluntários, pode-se contribuir para a promoção de saúde ocular. Mostrou também que apesar do oferecimento de atendimento em hospital de respeitabilidade pública apenas 43% das crianças convocadas para exame compareceram, ressaltando a necessidade de incrementar a divulgação e promover a sensibilização de pais, responsáveis e professores, além de identificar e superar as principais barreiras ao atendimento. SUMMARY Purpose: To identify barriers in carrying out ophthalmologic evaluation of schoolchildren in a community project, aiming at improving plans for prevention and care of ophthalmologic diseases in the community. Research Design and Methods: Descriptive survey of 227 parents of students with ocular problems. The individuals were screened and interviewed during the Veja Bem project held at Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo, Brazil, 1998. Results: 77.1% of the subjects had not completed elementary school and 39.6% have a family income of less than U$ 230 per month. 48.0% of the students were males and 52.0% were females, 20.4% of ages of 8 and more; 67.8% of them were not previous ophthalmologic evaluation. Among the difficulties reported during the project were the lack of transportation (41.6%), lack of orientation (31.0%) and the loss of a working day (24.8%). The main reasons reported for not appearing at previous appointments were that the parents had not received adequate orientation (52.0%) and, again, the loss of a working day (19.4%). Conclusion: There were socioeconomic difficulties in carrying out ophthalmologic evaluation of schoolchildren in a community project. The solution or minimization of schoolchildren s ophthalmologic problems depends significantly on the joint efforts of schoolteachers, the family, and the community and health personnel. Keywords: Public Health Ophthalmology; School health; Health Education; Visual rehabilitation. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Alves MR, Kara José N. Campanha Veja Bem Brasil. Manual de Orientação. Conselho Brasileiro de Oftalmologia 1998. 2. Alves MR, Kara José N. O olho e a visão. O que fazer pela saúde ocular das nossas crianças. Petrópolis, Vozes, 1996, p.151. 3. Armond JE. Saúde ocular: conhecimentos, crenças e opiniões de professores de primeira série do primeiro grau, do sistema público de ensino da região sul do município de São Paulo. 1998. Dissertação de Mestrado- Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 1998. 4. Figueiredo RM, Santos EC, Almas de Jesus JÁ, Castilho, Rm, Santos, EV. Proposição de procedimento de detecção sistemática de perturbações oftalmológicas em escolares. Rev. Saúde Pública, 1993,27:204-9. 5. Kara José N, Alves MR. Problemas oculares mais freqüentes em escolares. In Conceição, JAN (coord): Saúde Escolar. A criança, a vida e a escola. São Paulo Sarvier, 1994, pp. 195-203. 6. Kara José N, Carvalho KMM, Caldato R Pereira VL, Oliveira AMND Fonseca Neto JC. Atendimento de amblíopes e prevalência na população pré-escolar, Campinas, São Paulo, Brasil Bol of Sanit Panam, 1984;96:31-7. 7. Kara José N, Holzchuh N Temporini ER. Vícios de refração em escolares na cidade de São Paulo-Brasil Bol of Sanit Panam, 1984;96:326-31. 8. Kara José N, ET AL. Manual da Boa visão. Campinas, Ed UNICAMP, 1991 9. Lauretti Filho A, Romão E. Estudo da acuidade visual e dos vícios de refração em crianças com baixo rendimento escolar. Rev Bras Oftalmol, 1982;41:31-6. 10. Temporini ER. Ação preventiva em problemas visuais de escolares. Rev Saúde Pública, 1984;18:259-62. 11. Temporini ER, Kara José N, Taiar A, Ferrarini ML. Validade da aferição da acuidade visual realizada pelo professor em escolares de 1ª à 4ª série de primeiro grau de uma escola pública do município de São Paulo, Brasil Rev Saúde Pública, 1977;11:229-37. Novidades na Internet!!! Agora no site CBO você tem disponível todas as informações na íntegra dos Arquivos Brasileiros de Oftalmologia http://www.cbo.com.br/abo ARQ. BRAS. OFTALMOL. 63(5), OUTUBRO/2000-363