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Transcrição:

JOAQUIM NABUCO (1849-1910) O ABOLICIONISMO (1893) Professor: Elson Junior Santo Antônio de Pádua, agosto de 2017

O que é o abolicionismo? Obra do presente e do futuro O abolicionismo é, as sim, uma concepção nova em nossa história política, e dele, muito provavelmente, como adiante se verá, há de resultar a desagregação dos atuais par ti dos. O abolicionismo é um protesto contra essa triste perspectiva, contra o expediente de entregar à morte a solução de um problema, que não é só de justiça e consciência moral, mas também de previdência política.

O partido abolicionista Entende-se por partido não uma opinião somente, mas uma opinião organizada para chegar aos seus fins: o abolicionismo é, por hora, uma agitação, e é cedo ainda para se dizer se será algum dia um partido. Nós o vemos desagregando fortemente os partidos existentes, e até certo ponto constituindo uma igreja à parte composta dos cismáticos de todas as outras.

O mandato da raça negra O mandato abolicionista é uma dupla delegação, inconsciente da parte dos que a fazem, mas, em ambos os casos, interpretada pelos que a aceitam como um mandato a que não se pode renunciar. Nesse senti do, deve-se dizer que o abolicionista é o advogado gratuito de duas classes sociais que, de outra forma, não teriam meios de reivindicar os seus direitos, nem consciência deles. Essas classes são: os escravos e os ingênuos.

O caráter do movimento abolicionista A emancipação há de ser feita, entre nós, por uma lei que tenha os requisitos, externos e internos, de todas as outras. É, as sim, no Parlamento e não em fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das cidades, que se há de ganhar, ou perder, a causa da liberdade.

A causa já está vencida A causa que vós, abolicionistas, advogais, dizem-nos to dos os dias, não só os que nos insultam, mas também os que simpatizam conosco, é uma causa venci da, há muito tempo, na consciência pública. Tanto quanto esta pro posição tem alcance prático, significa isto: O país já decidiu, podeis estar descansados, os escravos serão todos postos em liberdade; não há, portanto, necessidade alguma de um partido abolicionista para promover os interesses daqueles enjeitados que a nação toda perfilhou.

Mas, quem diz isso tem um único fim desarmar os defensores dos escravos para que o preço desses não diminua pela incerteza da longa posse que a lei atual promete ao senhor, e conseguir que a escravidão desapareça naturalmente, graças à mortalidade progressiva numa população que não pode aumentar.

A ilegalidade da escravidão Pois bem, essa trilogia infernal, cuja primeira cena era a África, a segunda o mar, a terceira o Brasil, é toda a nossa escravidão. Que semelhante base é perante a moral monstruosa; que a nossa lei não podia reduzir africanos, isto é, estrangeiros, a escravos; que os filhos desses africanos continuam a sofrer a mesma violência que seus pais, e por isso o título por que são possuídos, o fato do nascimento, não vale mais perante qual quer direito, que não seja a legalização brutal da pirataria, do que o título de propriedade sobre aqueles: são princípios que estão para a consciência humana fora de questão. Mas, mesmo perante a legalidade estrita, ou perante a legalidade abstraindo da competência e da moralidade da lei, a maior parte dos escravos entre nós são homens livres criminosamente escravizados.

A influência da escravidão sobre a nacionalidade Chamada para a escravidão, a raça negra, só pelo fato de viver e propagar-se, foi-se tornando um elemento cada vez mais considerável da população. Se, multiplicando-se a raça negra sem nenhum dos seus cruzamentos, se multiplicasse a raça branca por outro lado mais rapidamente, como nos Estados Unidos, o problema das raças seria outro, muito diverso talvez mais sério, e quem sabe se solúvel somente pela expulsão da mais fraca e inferior por incompatíveis uma com a outra; mas isso não se deu no Brasil. As duas raças misturaram-se e confundiram-se; as combinações mais variadas dos elementos de cada uma tiveram lugar, e a esses juntaram-se os de uma terceira, a dos aborígines.

A influência sobre o território e a população do interior A verdade é que as vastas regiões exploradas pela escravidão colonial têm um aspecto único de tristeza e abando no: não há nelas o consórcio do homem com a terra, as feições da habitação permanente, os sinais do crescimento natural. O passado está aí visível, não há porém prenúncio do futuro: o presente é o definhamento gradual que precede a morte. A população não possui definitivamente o solo (...).

As influências sociais e políticas da escravidão Um governo livre, edificado sobre a escravidão, seria virgem na História. Os governos antigos não foram baseados sobre os mesmos alicerces da liberdade individual que os modernos, e representam uma ordem social muito diversa. Só houve um grande fato de democracia combinada com a escravidão, depois da Revolução Francesa os Esta dos Uni dos; mas os esta dos do Sul nunca foram governos livres.