7/29/2010 Empresa quer limpar dívida de 630 milhões de euros Carris apresentou plano de reestruturação financeira ao Governo A Carris apresentou ao Governo um plano para a sua reestruturação financeira, que passa pela introdução de duas medidas consideradas fundamentais, revelou à Transportes em Revista, o presidente José Manuel Silva Rodrigues. A introdução de um sistema de contratualização do serviço público de transportes e o saneamento financeiro da empresa são uma garantia para que a empresa pública possa limpar a sua dívida financeira, que actualmente se encontra na ordem dos 630 milhões de euros. Nos últimos três anos, os resultados obtidos com o plano de reestruturação interno da Carris, não têm deixado margem para dúvidas. A empresa tem vindo a cumprir e superar os objectivos propostos no contrato de gestão assinado com o Governo, melhorando os seus índices de eficiência operacional e ambiental, de qualidade de serviço e, consequentemente, de aumento da procura. No entanto, a dívida histórica da Carris, é um problema que necessita urgentemente de ser resolvido. Para Silva Rodrigues «a Carris tem uma situação financeira que é insustentável e que resulta de uma acumulação, ano após ano, de desequilíbrios operacionais, embora tenham vindo a ser significativamente reduzidos nos dois últimos anos. Essa situação, que dura há 30 anos, levou a um acumular de dívida, porque obviamente se as empresas não são capazes de gerar todos os recursos que necessitam para dar cobertura aos seus custos, isso reflecte-se em dívida.
A Carris tem hoje um passivo de dimensão significativa, com uma dívida financeira de 630 milhões de euros e uma situação de capitais próprios negativos superior a 700 milhões de euros. Isso significa que os ganhos operacionais que temos vindo a ter acabam por se perder devido ao custo elevado desta dívida». A empresa apresentou, entretanto, ao Governo um plano de reestruturação financeira, com horizonte até 2021, que irá permitir-lhe sanear a sua dívida histórica. O presidente revela que «não é possível a Carris manter-se nesta situação. Nós sabemos que, se ao longo destes 30 anos, desde que existe o passe social, se tivesse feito a actualização anual do preço do passe social tendo apenas em conta o nível de inflação tido em cada um dos anos, a Carris teria tido um ganho de 571 milhões de euros. Nós temos essas contas feitas. É claro que grande parte da dívida resulta do facto de termos vindo a praticar preços que não foram suficientes para cobrir os nossos custos. De realçar que o passe social tem um peso entre 70 a 80 por cento do total da nossa receita e que a actualização tarifária foi sempre abaixo da taxa de inflação, com excepção dos últimos três anos, tendo em conta que em 2009 e 2010 não houve actualização. Como temos uma dívida de 630 milhões de euros, significa que praticamente não teríamos dívida se isso tivesse ocorrido». O facto das empresas públicas terem vindo a financiar as políticas sociais no âmbito da mobilidade, que os diferentes Governo entenderam fazer durante os últimos 30 anos, foi um dos factores decisivos para o actual estado financeiro das transportadoras tuteladas pelo Estado, assegura o presidente da Carris. Apesar desta grave situação, o responsável salienta que «não há nenhuma empresa no mundo, no domínio do transporte urbano, que não seja fortemente subsidiada. E a Carris, apesar de receber indemnizações compensatórias que rondam os 50 milhões
de euros anuais, continua a ser, no âmbito do IBBG - International Bus Benchmarking Group - um dos operadores que tem uma das mais baixas indemnizações por passageiro/quilómetro transportado». Silva Rodrigues alerta mesmo para o facto de que se nada for feito, mesmo mantendo os actuais ganhos de eficiência operacional, na ordem dos 25 milhões/ano «a dívida de 630 milhões de euros que temos actualmente, irá rapidamente ser aumentada e a partir de 2016, ultrapassará os mil milhões de euros». Contratualização e saneamento financeiro são as soluções O plano de reestruturação financeira proposto pela Carris ao seu Accionista é composto por duas vertentes: a primeira é a contratualização do serviço público de transportes; a segunda o saneamento financeiro da empresa. Relativamente à contratualização, Silva Rodrigues diz que «não vale a pena inventar o que está inventado. Há 20 anos que é feita por essa Europa fora. Actualmente, não há a possibilidade de realizar transporte urbano sem um regime de contratualização. Aliás, há um regulamento comunitário que aponta nesse sentido e até 2019 tem de ser implementado». Esta é também uma forma dos operadores ficarem responsáveis e serem responsabilizados pelo serviço que prestam. Por um lado, o operador passa a estar comprometido com níveis e qualidade de serviço, de eficiência, ganhos de passageiros entre outros. Sabe também qual é o preço que pode praticar e que é determinado pela Autoridade de Transportes e sabe qual é a indemnização que recebe por ter praticado um preço que é social e inferior àquele que iria praticar. Mas não só, porque também «presta um serviço e oferece transporte que de um ponto de vista comercial não iria oferecer se não fosse para garantir uma necessidade que é básica, que é a necessidade de mobilidade da população». A Carris não se limitou apenas a pedir a contratualização, avançou mesmo com um proposta de modelo que, na opinião de Silva Rodrigues, é aquele «que está mais adequado «à realidade da Carris». O modelo proposto «é o que está em vigor em cidades como Madrid, Barcelona, Amesterdão, Bruxelas, Praga, Roma, entre outras, que se designa net cost with investment e que é bastante simples». E adianta: «É um modelo com uma lógica de rede, que é o mais adequado para transportes puramente urbanos. Verifica-se qual o nível de transporte e a qualidade que deve ser prestado e quais são os custos e proveitos expectáveis gerados por esse compromisso, assim como a diferença entre os custos operacionais resultantes dessa prestação e a contrapartida de proveitos que resultam de uma expectativa de passageiros, entre outras variáveis. Cobre-se a diferença entre proveitos e custos operacionais com o próprio investimento ou financiamento que o operador realizar para garantir esses níveis de qualidade. Estimamos que o valor a receber seria de cerca de 60 milhões de euros».
A outra medida proposta pela empresa é o seu saneamento financeiro faseado. «A Carris propôs uma solução para resolver esta questão. Não vale a pena sugerir planos que não são realistas, porque sabemos que não existe disponibilidade orçamental para injectar cerca de 800 milhões de euros, em dois ou três anos. Propusemos que saneamento fosse realizado durante um longo período, em 11 anos, a começar já no próximo ano, de modo a permitir que este ano fosse de análise, reflexão discussão e decisão, de modo a que as questões da contratualização do serviço público e do saneamento financeiro fossem devidamente equacionadas. A proposta que apresentámos ao Accionista foi uma injecção de dinheiro anualmente, que está perfeitamente dimensionada e, que na primeira metade, até 2015, ronda os 100 milhões por ano. A partir de 2015 e até 2020 baixa para cerca de 50 milhões de euros, terminando em 2021 com uma injecção de 28 milhões de euros», revelou Silva Rodrigues. Esta solução vem igualmente de encontro ao que está definido no PEC - Plano de Estabilidade e Crescimento, que aponta para o estabelecimento de limites de endividamento nas empresas públicas, «aumentando a responsabilidade não só das próprias empresas, como também do Estado. Porque estas empresas não têm como não se endividar, por muito eficientes que sejam», completa o responsável. O que está em causa é o futuro a médio/longo prazo da empresa pública, que de acordo com o seu presidente terá de ser clarificado pelo Estado, até porque o próprio regulamento comunitário assim o define. De acordo com Silva Rodrigues, existem várias perguntas que têm de ser respondidas. «A Carris vai ser um operador interno ou poderá actuar no mercado da concorrência? Qual vai ser o futuro da concessão em Lisboa? Será posta a concurso a partir de 2023, que é quando acaba a concessão da Carris? A Carris poderá concorrer a concessões em outras cidades portuguesas e europeias a partir
dessa data? A Carris tem know how suficiente para o fazer e de forma competitiva. Mas não o pode fazer com a actual situação financeira, até porque, como é óbvio não era aceite em nenhum concurso dada a sua situação. Esta questão também tem de ser devidamente equacionada». EBITDA positivo pelo segundo ano consecutivo O ano de 2009 correu bem para a Carris, tendo a empresa alcançado novamente um EBITDA positivo de cerca de 7 milhões de euros e ultrapassado os objectivos acordados no contrato de gestão com o Estado, que foi assinado no início deste mandato. Segundo Silva Rodrigues «se olharmos numa evolução dinâmica ao longo dos últimos anos, desde que o processo de reestruturação teve início, em 2003, repara-se que houve um ganho de EBITDA muito substancial, cerca de 57 milhões de euros. Em 2002, o EBITDA era negativo em 52 milhões e passou, em 2009, para positivo em 7 milhões de euros. O EBITDA de 2008 foi particularmente positivo, 21 milhões, mas houve razões excepcionais do lado dos custos e proveitos que nos facilitaram este resultado, designadamente, no lado dos proveitos conseguimos receber cinco milhões de euros por parte do Ministério da Justiça, que andavam a ser discutidos há muito tempo e que eram relativos a serviços prestados pela Carris aos agentes do Ministério da Justiça». A empresa tem vindo a evoluir gradualmente de forma positiva, e desde que iniciou o seu processo de reestruturação obteve uma grande redução ao nível dos seus custos
operacionais, que caíram de 180 milhões para valores a rondar os 150 milhões. Ao nível da eficiência operacional, os resultados também estão à vista. A Carris é, hoje, uma empresa ambientalmente sustentável, certificada e com excelentes índices de qualidade de serviço, o que resultaram numa subida da procura. Desde 2007 que tem vindo a ganhar clientes e em 2009 obteve um crescimento de 2,5 por cento. A empresa tem igualmente vindo a apostar na inovação e em novos produtos no âmbito da moblidade, como o carsharing, bikebus, nightbus, entre outros. De acordo com o seu presidente «o mercado da mobilidade é muito heterogéneo e as pessoas têm necessidades de mobilidade diferentes. É por isso que temos a preocupação de oferecer um portfolio de produtos diferenciado, segmentado e que possa dar resposta a necessidades de target que também sejam diferentes. Depois, temos tido a capacidade de dar a conhecer ao mercado esses produtos, através de uma aposta no marketing e na comunicação». Texto: Pedro Costa Pereira pedro.pereira@transportesemrevista.com Fotos: Augusto C. Silva In TR 86, Abril 2010 Por: Pedro Costa Pereira Fonte: