A Exigibilidade do Direito Humano à Alimentação Adequada

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Transcrição:

Brasília dezembro 2009 A Exigibilidade do Direito Humano à Alimentação Adequada

O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) é previsto em tratados internacionais de Direitos Humanos, a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). No Brasil, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 11.346/2006) define o Direito Humano à Alimentação Adequada como o direito de acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. O DHAA está indivisivelmente ligado à dignidade da pessoa humana, à justiça social e à realização de outros Direitos Humanos. O DHAA está ligado à dignidade da pessoa humana, à justiça social e à realização de outros Direitos Humanos como o direito humano à terra, ao meio-ambiente equilibrado e saudável, à saúde, à educação, à cultura, à informação, ao emprego e à renda, à moradia, entre outros. Assim, a promoção do DHAA depende da realização da reforma agrária, do apoio à agricultura familiar, de políticas de abastecimento, de incentivo às práticas agroecológicas, das ações de vigilância sanitária dos alimentos, de abastecimento de água e saneamento básico, de alimentação escolar, do atendimento pré-natal de qualidade, da viabilidade de praticar o aleitamento materno exclusivo, da não discriminação de povos, etnia e gênero, entre outros aspectos. Este vínculo entre os direitos são os princípios que chamamos de indivisibilidade e interdependência, isto é, um direito não se realiza plenamente se outros também não forem garantidos. A obrigação de garantir a realização dos Direitos Humanos é sempre do Estado, por ser ele o responsável pelo exercício do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, incluindo a aplicação e utilização dos recursos públicos e do seu poder de polícia para garantir o interesse público. Dessa forma, cabe ao Estado brasileiro cumprir a legislação sobre os Direitos Humanos, como impõe o princípio de Estado de Direito, garantindo o respeito, a proteção, a promoção e o provimento do DHAA 1. Cabe ao Estado Brasileiro obedecer à legislação sobre Direitos Humanos, garantindo o respeito, a proteção, a promoção e o provimento do DHAA. Caso este direito não esteja sendo realizado, ou seja, esteja sendo violado em razão de ação ou omissão, são necessários mecanismos para exigir e garantir que esta violação seja reparada. Assim, é preciso que sejam criados e/ou fortalecidos mecanismos de exigibilidade, ou seja, que sejam criadas e/ou fortalecidas instituições e instrumentos que respondam às ações que visam a cobrança deste direito junto ao Estado. Da mesma maneira é necessário que as ações diretas da sociedade civil, para demandar direitos, sejam atendidas, respeitadas e protegidas. Exigibilidade é, portanto, a possibilidade de exigir direi tos perante os órgãos públicos competentes nacionais e internacionais. No conceito de exigibilidade está incluído, além do direito de reclamar, o direito de obter uma resposta e uma ação desse poder, em tempo oportuno. Na prática, não se pode falar em Direitos Humanos sem que hajam mecanismos de exigibilidade disponíveis para exigi-los. Exigibilidade é, portanto, a possibilidade de exigir direitos perante os órgãos públicos competentes nacionais e internacionais. 2

As diferentes dimensões da exigibilidade Em nível nacional, os titulares de direito devem ter a possibilidade de denunciar violações ao DHAA junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e de cobrar a realização dos seus direitos por meio de instrumentos de exigibilidade de diferentes naturezas 2 : a) Administrativos; b) Políticos; c) Quase judiciais e d) Judiciais. A exigibilidade administrativa é a possibilidade de exigir um direito junto aos organismos públicos diretamente responsáveis pela sua garantia, ou seja, daqueles órgãos que estão em contato permanente com a população e que executam as políticas públicas. No Brasil podemos citar como exemplos os escritórios do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), as delegacias regionais do Ministério do Trabalho, os postos de saúde, as escolas públicas, as agências da previdência social etc. Estes espaços devem estar preparados para receber demandas relativas à prevenção, correção ou reparação das ameaças ou violações aos direitos. A exigibilidade administrativa é a possibilidade de exigir um direito junto aos organismos públicos que executam as políticas públicas. Muitas programas e instituições públicas possuem ouvidorias que recebem reclamações e pedidos de esclarecimentos dos usuários de seus programas. Outro instrumento que pode ser utilizado, por qualquer pessoa, para exigir administrativamente a realização de direitos é o direito de petição. Através deste instrumento, qualquer pessoa ou organização pode escrever um texto informando qual direito e que grupo ou indivíduo está sendo ameaçado ou lesado e quem é o responsável por esses problemas. A petição deve ser entregue tanto no local onde está ocorrendo o problema (centro de saúde, escola, restaurante popular etc.) quanto no escritório local do órgão que é responsável pelo programa ou ação da qual se está reclamando. É importante que o documento seja feito em duas vias, para que o interessado possa pegar uma assinatura comprovando que o documento foi entregue em determinada data. Mesmo que o funcionário que receba o documento alegue que não tem como resolver o problema, ele tem a responsabilidade de encaminhar o pedido às pessoas competentes. É importante saber que para a exigibilidade administrativa ser efetiva é preciso ampliar os instrumentos de exigibilidade. Assim, é fundamental que as políticas e os programas públicos tenham rotinas e procedimentos acessíveis (linguagem adequada ao público e acesso físico) e de conhecimento público, explicitando quem são os titulares de direito, o que são violações no âmbito do programa e quando elas podem ocorrer, quais organismos são responsáveis pelo cumprimento das obrigações e reparação das violações, quais são os mecanismos disponíveis para a cobrança de direitos e quem pode exigi-los, como estas obrigações podem ser cobradas pelos titulares de direito perante os organismos públicos diretamente responsáveis pela garantia do DHAA e quais são os passos seguintes caso não haja resposta à(s) denúncia(s) de violação apresentadas. No âmbito do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) foi criada uma Comissão Permanente de DHAA 3 que visa contribuir com o fortalecimento da exigibilidade no âmbito de programas e políticas públicas e muitos Conseas Estaduais também já tem uma comissão de DHAA. A exigibilidade política implica a possibilidade de exigir a realização de direitos junto aos organismos de gestão de programas e políticas públicas (Poder Executivo), junto aos organismos de gestão compartilhada responsáveis pela proposição e fiscalização de políticas e programas públicos (conselhos de políticas públicas) ou junto aos representantes do Poder Legis- 3

lativo. Tanto em âmbito federal, como estadual e municipal, o Poder Le gislativo tem comissões de Direitos Humanos; além disso, como em outros países do mundo, cabe ao parlamento fiscalizar o Poder Executivo. A exigibilidade política é a possibilidade de exigir a realização de direitos junto aos organismos de gestão de programas e políticas públicas (Poder Executivo, Conselhos de Políticas Públicas e Poder Legislativo). A exigibilidade política é, portanto, a capacidade de incidir sobre as principais decisões políticas e sobre o processo de elaboração de normas, para exigir que os agentes políticos façam as escolhas mais eficazes e diligentes, contemplando a participação social e outros princípios, para a garantia dos Direitos Humanos. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e os conselhos estaduais são exem plos de mecanismos de exigibilidade política do DHAA, no Brasil. A exigibilidade quase judicial é a possibilidade de exigir a realização de direitos junto a órgãos que não são parte do Poder Judiciário, mas que podem, emitir recomendações e acionar a Justiça para a garantia de direitos. A exigibilidade quase judicial é a possibilidade de exigir a realização de direitos junto a órgãos que não são parte do Poder Judiciário (em concepção restrita), mas que podem, emitir recomendações e, em última instância, acionar a Justiça para a garantia de direitos. No Brasil, é o caso, por exemplo, do Ministério Público. O MP, antes de exigir direitos perante o Poder Judiciário, pode usar instrumentos quase-judiciais, ou seja, na esfera administrativa, para averiguar violações de direitos e para fazer com que os agentes públicos adéqüem suas ações às normas que prevêem Direitos Humanos. Outro tipo de mecanismo fundamental para a proteção quase judicial do DHAA são as instituições nacionais de Direitos Humanos criadas para monitorar e promover a realização desses direitos. Dentre as existentes, podemos citar as comissões nacionais de Direitos Humanos e outros órgãos especializadas na proteção dos direitos de grupos específicos, tais como, por exemplo, minorias étnicas e lingüísticas, populações indígenas, crianças, refugiados ou mulheres. Os conselhos de Direitos Humanos também devem ser entendidos como instituições nacionais de Direitos Humanos. No Brasil, em maio de 2005, no âmbito do CDDPH Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, foi instituída a Comissão Especial para Monitoramento de Violações ao DHAA. Sua criação foi o resultado de um longo processo de negociação entre a presidência do CONSEA e a Secretaria Especial de Direitos Humanos, com a interveniência do Grupo de Trabalho de DHAA do Ministério Público Federal e da Relatoria Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água e Terra Rural. É importante ressaltar que, embora a Comissão seja o único mecanismo oficial de monitoramento de violações do DHAA no Brasil, a mesma tem enfrentado inúmeros desafios para atingir seu objetivo. Dessa forma, para que se cumpra a LOSAN 4 e as normas de Direi tos Humanos, é necessário que esta Comissão seja fortalecida e possa executar bem o seu mandato. 4

A exigibilidade judicial é a possibilidade de exigir a realização de direitos junto ao Poder Judiciário. A cobrança de direitos junto à Justiça pode ser realizada mediante diferentes instrumentos formais. Como o Poder Judiciário deve ser provocado, isto é, procurado para se posicionar sobre casos concretos, os sujeitos que tem seu direito ameaçado ou violado devem dirigir-se a ele através de advogados públicos (Defensoria Pública) ou particulares ou através do Ministério Público. A exigibilidade judicial é a possibilidade de exigir a realização de direitos junto ao Poder Judiciário. No Brasil, por exemplo, temos a Ação Civil Pública (ACP) 5 que é um instrumento processual que tem como pressuposto o dano ou ameaça de dano ao consumidor, ao meio ambiente, à ordem urbanística, à ordem econômica, ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo, isto é, interesse que não é de um indivíduo, mas de grupos ou mesmo de toda a sociedade. No Brasil, um exemplo de exigibilidade judicial foi a Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do estado de Alagoas, por meio das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude e do Ministério Público do Trabalho, contra o município de Maceió, apontado como responsável pela violação dos direitos difusos e coletivos, inclusive o DHAA, das crianças e adolescentes residentes na Orla Lagunar daquela cidade. Vale também mencionar que, nos casos em que não haja reparação em nível nacional, ou que a mesma demore a ser prestada ou haja risco de vida para vítimas de violação, é possível exigir a realização de Direitos Humanos através de mecanismos internacionais de exigibilidade. Ações de Iniciativa da Sociedade Civil A mobilização social e a exigência de direitos Um dos principais instrumentos para a cobrança de direitos tem sido as ações de mobilização social realizadas por entidades da sociedade civil, movimentos sociais e titulares de direito para pressionar os portadores de obrigação a superarem situações de violação e a cumprirem suas obrigações. Organizações da sociedade civil e movimentos sociais de diversas partes do mundo, em sua luta contra a exclusão, a fome, a pobreza, a discriminação e a violação de direitos tem, em muitos casos, buscado estas estratégias de mobilização social e pressão política para a cobrança de direitos e superação de quadros de violação. Através da realização de marchas, campanhas, elaboração e divulgação de relatórios com denúncias de violações etc., os titulares de direito, os movimentos sociais e as entidades da sociedade civil podem pressionar os diversos órgãos que devem garantir a realização dos direitos, tais como o Ministério Público, os conselhos de políticas públicas e de Direitos Humanos, órgãos do Poder Executivo, Legislativo, Judiciário etc. Neste processo é fundamental ressaltar a importância de se garantir o apoderamento e a participação ativa e informada dos titulares que tem seus direitos violados como protagonistas de todas as estratégias para a cobrança desses direitos. Além disso, há ações inovadoras que tem sido desenvolvidas pela sociedade civil, a exemplo do Projeto Relatores Nacionais para os Direitos Humanos Econômicos Sociais, Culturais e Ambientais 6, para exigir e monitorar o cumprimento de direitos. É importante destacar que uma das relatorias previstas neste projeto é a Relatoria Nacional para os Direitos Humanos à Terra, Território e Alimentação Adequada. 5

Três passos fundamentais para o fortalecimento da exigibilidade do DHAA Três passos são fundamentais para o fortalecimento da exigibilidade administrativa, política, quase judicial e judicial, bem como para o fortalecimento das demandas da sociedade civil: a nossa sociedade e as ações de governo. Isto é fundamental para que a população brasileira possa fortalecer seus instrumentos de luta e o seu protagonismo na construção de um país mais justo e igualitário. Estas ações permanentes de formação em DHAA devem ser realizadas para os titulares de direitos, agentes públicos, movimentos e entidades da sociedade civil. 1. As pessoas (os titulares de direito) precisam saber que têm direitos. 2. Os portadores de obrigação (agentes públicos) precisam conhecer, ter condições para cumprir e efetivamente cumprir suas obrigações. 3. É necessário que sejam estabelecidas rotinas e instrumentos públicos de exigibilidade, de conhecimento de todos, de fácil acesso e o mais próximo possível das pessoas e comunidades. Desafios e tarefas para a promoção do DHAA Para que os três passos apresentados acima possam ser efetivamente realizados, precisamos entender o papel fundamental que cada um de nós possui - enquanto indivíduos, agentes do Estado, membros de conselhos ou representantes da sociedade civil - no processo da promoção da realização do DHAA como um direito que pode e deve ser exigido em nossa realidade local. Neste processo é importante ponderar que cada sujeito tem um papel para a promoção e exigibilidade do DHAA e que cada realidade demanda ações específicas para a garantia deste Direito Humano fundamental. Neste contexto, algumas questões podem ser consideradas fundamentais para todos os interessados em promover a exigibilidade dos Direitos Humanos: De modo geral, um dos grandes desafios está na promoção de debates e capacitações com o objetivo de promover uma cultura de Direitos Humanos e superar a cultura autoritária e paternalista que ainda permeia É importante conhecer e fazer uso de instrumentos de Direitos Humanos como, por exemplo, as Diretrizes Voluntárias em apoio à realização progressiva do direito à alimentação adequada 7, o Comentário Geral 12 8, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) 9, a Declaração Universal dos Direitos Humanos 10 e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) 11. É importante também que todas as políticas e programas públicos sejam efetivamente desenvolvidos enquanto ações de promoção e provimento de Direitos Humanos. Para tanto, é necessário que os mesmos sejam implementados segundo os princípios dos Direi tos Humanos e que sejam criadas rotinas e procedimentos de exigibilidade no âmbito destas ações. Além disso o fortalecimento das instâncias e instrumentos de exigibilidade já existentes é também fundamental. Um outro desafio está em instituir e fortalecer, em todos os CONSEAs Estaduais, uma comissão que seja encarregada de analisar os principais programas e políticas públicas de SAN, pela ótica da promoção dos princípios e dimensões dos Direitos Humanos, tendo como base o trabalho da Comissão Permanente de DHAA do CONSEA Nacional. Uma outra necessidade é aproximar os Fóruns Estaduais de SAN e os CONSEAs Estaduais dos conse lhos estaduais de Direitos Humanos, com o objetivo de garantir que estes conselhos recebam e investiguem denúncias de violações do DHAA, com o apoio do CONSEA. 6

Princípios dos Direitos Humanos: Dignidade humana. Esse princípio exige que todas as pessoas sejam tratadas com respeito, dignidade e valorizadas como seres humanos. Políticas públicas baseadas em Direitos Humanos reconhecem o indivíduo não como mero objeto de uma política, mas sim como titular de Direitos Humanos, que pode reivindicar esses direitos. Prestação de Contas (ou responsabilização). Uma abordagem baseada em Direitos Humanos reconhece o estabelecimento de metas e processos transparentes para o desenvolvimento e a redução da pobreza. Os agentes públicos são responsáveis por suas ações e delas devem prestar contas. Apoderamento. Os indivíduos, por sua vez, precisam se apoderar das informações e instrumentos de Direitos Humanos para que possam reivindicar do Estado ações corretivas e compensações pelas violações de seus direitos. Não-discriminação. O DHAA deve ser garantido sem discriminação de origem cultural, econômica ou social, etnia, gênero, idioma, religião, opção política ou de outra natureza. Isso, porém, não afasta a necessidade de que sejam realizadas ações afirmativas e enfoques prioritários em grupos vulneráveis, em particular, as mulheres. Participação. Esse princípio destaca a necessidade de que as pessoas definam as ações necessárias ao seu bem-estar e participem, de forma ativa e informada, do planejamento, da concepção, do monitoramento e da avaliação de programas para o seu desenvolvimento e a redução da pobreza. Além disso, as pessoas devem estar em condições de participar dos debates e ações ligadas às questões macropolíticas. A participação plena requer transparência. Ela apodera as pessoas e é uma outra forma de reconhecimento de sua dignidade. NOTAS 1. Ver Comentário Geral nº12 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. Disponível em: http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/%28symbol%29/hri.gen.1.rev.7.sp?opendocument Documento em português (tradução não oficial) disponível em: http://www.abrandh.org.br/downloads/comentario12.pdf 2. A classificação apresentada tem como critério a natureza dos órgãos ou autoridades públicas perante as quais são exigidos direitos. 3. A CP DHAA do CONSEA desenvolveu uma metodologia de análise de políticas e programas públicos sob a perspectiva dos Direitos Humanos que auxilia no processo de definição de instrumentos de exigibilidade administrativa nos programas de SAN. O guia para aplicação desta metodologia está disponível em: www.planalto.gov.br/consea - documentos 4. Artigo 2º e parágrafo II, e parágrafo VII da LOSAN determinam que mecanismos de exigibilidade do DHAA devem ser criados. 6. Para conhecer mais sobre o Projeto Relatores ver site: http://www.dhescbrasil.org.br/_plataforma/index.php 7. As Diretrizes Voluntárias podem ser encontradas no site da ABRANDH: http://www.abrandh.org.br/downloads/diretrizes.pdf 8. http://www.abrandh.org.br/downloads/comentario12.pdf 9. Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional - Lei 11.346 de 15 de setembro de 2006. Disponível em: http://www.abrandh.org.br/downloads/losanfinal15092006.pdf 10. Declaração Universal dos Direitos Humanos. ONU, Nova York, 1948. Ver: http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm 11. ONU. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. ONU, Nova York, 1966. Ver: http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/onu/sist_glob_trat/texto/texto_2.html 5. A Constituição Federal conferiu ao Ministério Público o uso da Ação Civil Pública para o cumprimento de suas atribuições. A Lei 7.347, de 1985, também permite que sejam autores de Ações Civis Públicas as pessoas jurídicas da administração pública, direta e indireta, e associações, o que inclui organizações não governamentais, que estejam constituídas há pelo menos um ano. 7

ABRANDH - Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos SHCN 215, bloco D, sala 115, Asa Norte, Brasília, DF, 70.874-540, (61) 3340 7032 www.abrandh.org.br Para aprofundar os conhecimentos apresentados neste folheto não deixe de ler os documentos elaborados pela ABRANDH sobre a exigibilidade do DHAA (ver documentos no site: http://www.abrandh.org.br/artigos.html).