Modelação espacial da precipitação da fachada oriental da Ilha de Santiago.



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Transcrição:

Modelação espacial da precipitação da fachada oriental da Ilha de Santiago. M. Carmo Nunes 1, Fernando L. Costa 1 e A. Jorge Sousa 2 1 Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) Trav. Conde da Ribeira, 9-B, 1º, 1300-142 Lisboa, Portugal, Tel/Fax: (351) 213640046 2 CERENA, Instituto Superior Técnico, Lisboa, Portugal E-mails: maria.nunes@iict.pt; flcosta1955@gmail.com; ajsousa@ist.utl.pt RESUMO A precipitação numa região de características semi-áridas sahelianas, como é Cabo Verde, tem vindo a ser alvo de múltiplos estudos climáticos, sendo a Ilha de Santiago objecto da maioria dos trabalhos. Têm-se efectuado, no entanto, poucas avaliações da distribuição espacial desta informação à escala regional e local, assim como estudos de análise de valores extremos e da intensidade da precipitação. A variabilidade regional das precipitações é, aliás, uma das características associadas ao carácter convectivo das chuvadas e à diversidade das condições topográficas. Sendo a precipitação o principal factor natural determinante do desenvolvimento e produtividade agrícola no país, o conhecimento rigoroso da sua distribuição, reveste-se de grande importância. Com o presente estudo, pretende-se modelar a distribuição espacial da precipitação e determinar a localização dos seus valores extremos, na fachada oriental da Ilha de Santiago. Recorre-se a métodos geoestatísticos de krigagem morfológica, baseados na variável indicatriz, em que se estima a probabilidade de determinado local pertencer a uma dada classe definida por um limiar. Esta metodologia permite cartografar as áreas onde a precipitação atinge valores acima de determinados limiares, possibilitando a sua identificação com a produção de mapas de probabilidades dos valores extremos. É efectuada a validação cruzada, bem como, o cálculo dos erros associados à estimação. A estimação morfológica permite também determinar as zonas de incerteza em torno das manchas obtidas para cada limiar. Verifica-se que os valores mais elevados ocorrem nas vertentes orientais dos maciços dominantes do sector central da ilha, e decrescendo na direcção nordeste. PALAVRAS-CHAVE Precipitação, geoestatística, krigagem da indicatriz, Santiago, Cabo Verde. 1647

1. Introdução O conhecimento da distribuição espacial da precipitação, em particular o da localização dos seus valores extremos é de grande importância num país de características semiáridas sahelianas como é Cabo Verde, para a avaliação das alterações climáticas, a gestão dos recursos hídricos, o planeamento de infraestruturas hidráulicas, a avaliação dos riscos de cheias e a modelação da susceptibilidade à erosão hídrica dos solos e suas consequências na agricultura. Nesta região verifica-se que a variabilidade regional e a concentração temporal das precipitações são muito acentuadas devido ao carácter convectivo das chuvadas, a que se associa a diversidade das condições topográficas (Correia, 1998a; Correia, 1998b; Nunes, et al., 2008, Costa e Nunes, 2008). Em Santiago registaram-se o número de dias e o total de precipitação em cerca de uma centena de postos udométricos com uma distribuição espacial que incide mais em bacias da fachada oriental, em particular nos seus sectores médios, com séries de dados que têm uma maior cobertura nas décadas de 70 a 90 do século passado. Esta informação permitiu definir manualmente a distribuição da precipitação à escala da Ilha (Cunha, 1960; Correia, 1998a). Mais recentemente efectuaram estudos mais detalhados com recurso a métodos geostatísticos e em ambiente SIG, para a bacia da Ribeira Seca e para a fachada oriental da Ilha (figura 1) (Nunes e Costa, 2008; Costa e Nunes, 2009). De acordo com os resultados obtidos é possível afirmar que as precipitações mais elevadas ocorrem nos maciços montanhosos centrais dominantes e na fachada oriental, mais exposta aos fluxos pluviógénicos e mais húmida que a ocidental e a meridional. Muito pontualmente em Santiago, durante períodos que não excederam uma década, efectuaram-se registos da intensidade de aguaceiros, com base nos quais foram propostas equações para estimar a erosividade para outros locais da Ilha, a partir dos totais anuais de precipitação (Mannaerts e Gabriels, 2000; Faurés e Morais, 1988). Estas equações, bem como a componente erosividade das precipitações da equação de Fournier e a intensidade pluviométrica permitiram avaliar a distribuição da susceptibilidade à erosão hídrica para a bacia da Ribeira Seca, por métodos geoestatísticos e em ambiente SIG (Costa e Nunes, 2008). Em conformidade com os resultados obtidos, foi possível constatar que as áreas mais susceptíveis à erosão hídrica não são as mais pluviosas, mas as que registam maiores concentrações temporais das chuvas. Encontram-se nestas condições as vertentes orientais dos maciços montanhosos 1648

mais elevados, bem como os primeiros alinhamentos de relevos mais vigorosos, directamente mais expostos aos fluxos pluviogénicos de nordeste. Figura 1 Precipitação média anual na fachada oriental da Ilha de Santiago (1977-1997) (in Costa e Nunes, 2009) 2. Metodologia e análise geoestatística No presente estudo é modelizada a distribuição espacial da precipitação de variáveis indicatrizes, obtidas de determinados valores de corte, nomeadamente do 3º quartil. São efectuadas as estimações das medianas mensais de Agosto e Setembro e das anuais, com base em dados de um período de 20 anos (1977-1997), de 77 postos udométricos, distribuídos pela fachada oriental da Ilha de Santiago e região circundante (figura 2). 1649

Figura 2. Localização dos postos udométricos sobre o mapa hipsmométrico (in Costa e Nunes, 2009). A metodologia utilizada baseia-se na modelação geoestatística para efectuar as estimações e avaliação dos respectivos erros. Uma vez que se verificou que não existe estacionaridade da média, fenómeno designado por deriva, ou seja que ocorrem valores da precipitação mais elevados numa região e mais baixos noutra, recorre-se a estimadores de krigagem com modelos de deriva, como seja a krigagem simples com médias locais. Embora seja reconhecido que as características topográficas são responsáveis pela grande heterogeneidade espacial da distribuição da precipitação à escala regional nesta área geográfica (Nunes et al., 2008), na estimação por krigagem não se recorreu à variável auxiliar altitude por não se verificar correlação significativa entre a altitude e os valores extremos da precipitação (variáveis indicatrizes). O ajustamento dos modelos variográficos foi validado com base na validação cruzada para avaliar a sua qualidade. 1650

Variografia A variografia é a fase inicial de qualquer estudo geoestatístico, cujo objectivo é a construção do modelo variográfico que sintetiza os traços estruturais da variável regionalizada. É a partir do variograma experimental que são evidenciadas as estruturas espaciais e obtidas as estimações. Este traduz a função autocorrelação especial e representa o acréscimo quadrático médio entre pares de pontos, z(x i ), distânciados de h (passo). Os variogramas experimentais são ajustados a modelos teóricos (Isaaks e Srivastava, 1989), como é o caso do modelo esférico (equação 1), que apresenta um comportamento linear junto à origem, tendendo para um patamar à medida que o passo (h) aumenta. Por forma a definir um modelo geoestatístico para obter a estimação por krigagem, os variogramas experimentais foram calculados e ajustados com base num modelo esférico (equação1) γ ( h ) 3 [ 1. 5h / a 0. 5( h / a ) ] = C, C, ( h > a) ( 0 h a) (1) em que a é a amplitude do variograma, C o patamar e h o passo. Variável Indicatriz O formulário da indicatriz permite identificar e caracterizar a forma de um recurso natural e determinar a sua dispersão, com base na sua variabilidade espacial, através da estimação da probabilidade de um dado ponto pertencer a essa forma. Esta metodologia possibilita o conhecimento, não das características médias do recurso, como é mais comum nos estudos geoestatísticos, mas da previsão de situações e de cenários extremos. Dada uma variável regionalizada Z(x i ) de um conjunto amostral {x i, i=1,..., N}, pertencente a um corpo X, localizado numa área A, tal que {A}={X} {X C }, esta pode ser transformada numa variável indicatriz I z (x), recorrendo à definição de valores de corte ou limiares (z), tal que: I(Z(x)) = 0 se Z(x) < z 1 se Z(x) z (2) Admitindo-se para a função aleatória I(x i ) o princípio da estacionariadade em A, definem-se os dois primeiros momentos, a média, E{I(x i )}, e a variância, E{I 2 (x i )}, sendo os estimadores da média e da variância, respectivamente (equações 3 e 4): 1651

1 N m I = I(xi ) (3) N 1 N [ ] 2 2 1 σ I = I(xi ) mi (4) N 1 Cada valor de corte produz uma variável indicatriz, que possibilita a modelação e a estimação de valores extremos e permite aceder a mapas de risco com base em valores probabilísticos. De cada uma das variáveis indicatrizes são obtidos os variogramas experimentais que são definidos pelas equações 5 e 6: 2 2 (h) = E {(I(x ) I(x h } γ (5) I i i + )) Os quais são estimados pela expressão dos variogramas experimentais (equação 6): N(h) * 1 γ I (h) = i 2N(h) i= 1 { I(x + h) I(x ) } 2 i (6) sendo estes tomados como medida de contiguidade espacial de X e X C em A. A estimação geoestatística, designada por krigagem, é um método de interpolação baseado na regressão por mínimos quadrados, que tem em conta a dependência espacial entre as amostras revelada pelo variograma. No presente estudo foram efectuadas as estimações das variáveis indicatrizes, por krigagem simples, em que os valores estimados são obtidos por combinação linear da informação referente às amostras mais próximas do ponto a estimar (x 0 ), equação7: Z * N (x 0 )= λi z i (xi ) (7) i= 1 sendo λ i (x i ) os ponderadores a multiplicar pelos respectivos valores amostrados z(x i ), que estão sujeitos ao constrangimento λ 1, e que são obtidos da resolução do i i = sistema de krigagem, que pode ser encontrado em Isaaks e Srivastava (1989). A variância de krigagem (Isaaks e Srivastava, 1989) é calculada em cada ponto estimado, dependendo só da geometria do domínio estimante e da relação estrutural entre esse domínio e o ponto a estimar, não dependendo dos valores amostrados. O estimador de krigagem é um interpolador exacto, na medida em que, nos pontos amostrados, os valores estimados coincidem com os amostrados. 1652

3. Resultados e conclusões As variáveis indicatrizes foram obtidas a partir dos dados totais de precipitação anuais e mensais nos 77 postos udométricos da fachada ocidental da Ilha de Santiago e das áreas limítrofes (figura 2). Uma vez que se pretende identificar a localização espacial de valores extremos da precipitação, nomeadamente, as áreas com precipitação acima do 3º quartil (χ 0.75 ), para os dois meses mais chuvosos (Agosto e Setembro) e ainda para a precipitação mediana anual, foram calculados esses valores de corte (tabela 1), de acordo com a equação 2. Na tabela 1 apresentam-se os principais parâmetros estatísticos dos valores observados nos postos udométricos em que a precipitação mediana anual foi de 256.5mm, inferior à média (270.7mm), com desvio padrão de 83.1. A precipitação mediana do mês Setembro foi superior à de Agosto o mesmo acontecendo para o 3º quartil. Tabela 1 Principais parâmetros estatísticos das observações e valores de corte. Média Mediana (mm) Desvio Valor de corte Mês (mm) e valor percentaual padrão (χ 0.75 ) Agosto 82.2 79.5 32.74 97.5mm Setembro 82.9 86.2 33.19 99.5mm Total anual 270.7 256.5 83.1 320.0mm Na modelação variográfica das variáveis indicatrizes referentes aos meses de Agosto e Setembro verifica-se a existência de anisotropia geométrica, ou seja os variogramas experimentais apresentam diferentes amplitudes para diferentes direcções do espaço (5000m na direcção 45º (NE) e 3000m na perpendicular (-45º), traduzindo-se por uma diferente continuidade espacial. Os variogramas experimentais e ajustados para as direcções principal (45º) e secundária (-45º), são apresentados na figura 3 (Agosto) e figura 4 (Setembro). Relativamente à indicatriz da mediana anual, a anisotropia geométrica é ligeiramente inferior, tendo sido o ajustamento do variograma experimental efectuado com uma amplitude máxima de 4000m na direcção 45º e de 2500m na perpendicular (figura 5). Os ajustamentos dos variogramas experimentais ao modelo teórico (esférico) foram efectuados dando mais importância aos menores passos, ou seja aos pontos mais próximos da origem. 1653

Figura 3 - Variogramas experimentais e ajustados da variável indicatriz relativos a Agosto (direcção 45º (amplitude = 5000m) e -45º(amplitude = 3000m)). Figura 4 - Variogramas experimentais e ajustados da variável indicatriz relativos a Setembro (direcção 45º (amplitude=5000m) e -45º(amplitude=3000m)). Figura 5 - Variograma experimental e ajustados da variável indicatriz ( χ 0.75 ) relativos à mediana anual (direcção 45º (amplitude=4000m) e -45º(amplitude=2500m)). 1654

Após a modelização dos variogramas segue-se a fase da estimação baseada nos ajustamentos efectuados de cada variável indicatriz, donde se obtêm os mapas de probabilidades de pertença ao corpo X, ou seja: P[(x i ) X] * = [I(x i )] * A = λ i I(xi ) N i= 1 com λ i os ponderadores a multiplicar aos respectivos valores da indicatriz I(x i ). (8) Dos valores estimados da indicatriz, ou seja a probabilidade de pertença ao corpo, produzem-se mapas binários, com base no valor de corte correspondente à média dos valores krigados. A forma estimada do corpo X (X * ) corresponde ao conjunto dos pontos que assumem o valor 1 no mapa binário, tal que: X * = {X A: I * (X)=1} e 1 se I(X) I(K) I * (X) = 0 se I(X) < I(K) (9) com I(K) o k-ésimo valor do vector ordenado I * (X) que representa o valor estimado da proporção de X em A. Na figura 6 apresenta-se o mapa de probabilidades dos valores estimados relativo aos meses de Agosto (a) e o mapa binário correspondente à forma do corpo (b), obtido do mapa de probabilidades após a reclassificação dos valores estimados com base na equação 9. a) b) Figura 6 Precipitação de Agosto: a) valores estimados da indicatriz (corte 97.5mm) e b) mapa binário da forma do corpo com as zonas de incerteza (10%). 1655

Foram identificadas as zonas de incerteza (10%), com elevada probabilidade de estarem mal classificados que correspondem a valores contidos nos intervalos [X * i] ± 10%. Relativamente ao mês de Setembro (figura 7), obtiveram-se, pelo mesmo procedimento, os valores estimados por krigagem simples (figura7-a)) e o mapa binário correspondente da forma do corpo (figura7-b)). a) b) Figura 7 Precipitação de Setembro: a) valores estimados da indicatriz (corte 99.5mm); b) mapa binário da forma do corpo com as zonas de incerteza (10%). Os resultados mostram poucas diferenças entre os mapas dos meses de Agosto e Setembro (figuras 6 e 7), verificando-se que são nos maciços montanhosos centrais (figura 2) e nas suas vertentes orientais que ocorrem os valores mais elevados (superiores a 97.5mmm e a 99.5mm, respectivamente), confirmado pelas formas dos corpos alongados na direcção nordeste, a de maior continuidade, constatada no ajustamento dos variogramas (figuras 3 e 4). Quanto à modelação da variável indicatriz precipitação anual mediana (figura 8) foi efectuada para servir de termo de comparação ao estudo efectuado para os meses de Agosto e Setembro. Os resultados, na generalidade, são muito semelhantes aos verificados para aqueles meses. Existem, no entanto, diferenças significativas nas zonas litorais, mais a norte e a sul, onde aparecem áreas com valores elevados da precipitação anual, superiores a 320mm. Deste modo prespectiva-se que nestas regiões a precipitação será mais dispersa no tempo, ou ocorrerá noutros meses. Este facto deixa em aberto a necessidade de vir a realizar uma análise mais detalhada do comportamento da precipitação nos vários meses do ano. 1656

a) b) Figura 8 Precipitação mediana anual: a) valores estimados da indicatriz (corte 320.0mm); b) mapa binário da forma do corpo com as zonas de incerteza (10%). Na figura 9 apresenta-se a distribuição espacial da variância de estimação local, que não depende dos valores amostrados, sendo por isso válida para todas as estimações efectuadas. Verifica-se que os valores mais elevados se encontram nas zonas limítrofes do campo e nos locais onde escasseiam os postos udométricos, principalmente no litoral e no interior de algumas bacias hidrográficas, onde a qualidade da estimação está limitada. Figura 9 - Mapa da distribuição da variância de estimação local. 1657

4. Referências bibliográficas Correia, E., 1998a. Condições pluviométricas para a cultura do milho na Ilha de Santiago (Cabo Verde). Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical, 115p.. Correia, E., 1998b. Sobre a variabilidade da precipitação e o «tempo das águas» em Cabo Verde. Lisboa, Garcia de Orta. Série de Geografia, 16 (1-2): 49-61. Costa, F. L., e Nunes, M.C., 2008. A precipitação como factor de erosão hídrica na bacia da Ribeira Seca, Santiago, Cabo Verde. Workshop Internacional sobre Clima e Recursos Naturais nos Países de Língua Portuguesa. Parcerias na Área do Clima e Ambiente, 16p.. Costa, F. L. e Nunes, M.C., 2009. Contribuições para o conhecimento da erosividade das precipitações na fachada oriental da Ilha de Santiago (Cabo Verde). Lisboa, Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, no prelo, 10p. Cunha, F. R. 1960. A variabilidade da precipitação na Ilha de Santiago (Cabo Verde). Garcia da Horta, 8 (4): 887-899. Faurès, J. M. & Morais, J. T., 1988. Aplicação da Equação Universal da Perda de Solo de Wischmeier (USLE) à bacia hidrográfica de S. Jorge. Vila da Ribeira Grande, Actas do 1º Seminário Nacional de Conservação de Solos e Água: 103-114. Goovaerts, P., 2000. Geostatistical approaches for incorporating elevation into the spatial interpolation of rainfall. Journal of Hydrology, 228, (2000): 113-129. Isaaks, E.H., e Srivastava, R.M.., 1989. An introduction to applied geostatistics. Oxford University Press, New York, 561p. Mannaerts, C., & Gabriels, D., 2000. Rainfall erosivity in Cape Verde. Soil and Tillage Research, 55: 207-212. Nunes, M.C., Costa, F. L. e Sousa A. J., 2008. Interpolação espacial da precipitação na bacia da Ribeira Seca por procedimentos geoestatísticos. Workshop Internacional sobre Clima e Recursos Naturais nos Países de Língua Portuguesa. Parcerias na Área do Clima e Ambiente, 11p.. 1658